742 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 42
decisão e saber dos nossos homens do mar daquele tempo.
Bastaria a demonstração em contrário disto que se aceitou para alterar todo o problema e todo o conceito que se tem sobre o saber dos navegadores daquele tempo, a par do que acertaria em explicações mais naturais e mais harmónicas com os dizeres de certos cronistas quanto à descoberta das ilhas ter sido feita de uma só assentada logo na primeira viagem do Gonçalo Velho.
Até o nome de Terceira dado à ilha cuja data do povoamento nós vamos comemorar surgiria dessa viagem com o seu verdadeiro significado náutico de posição - não foi a terceira ilha que se descobriu, ficaram rumores de até ter sido a primeira, mas era a terceira em situação para os que partiam do continente, na marcação necessária dos rumos de navegação - «contra oeste faz a terceira em número» - informa Valentim Fernandes.
Estava-se em fins de 1449. A agitação da intriga na corte de D. Afonso V tinha levado o caso até ao conflito de Alfarrobeira, em que o do e regente do reino, o infante D. Pedro, caíra vencido no campo de batalha e sobre o seu cadáver sem sepultura condigna ainda pendia a inclemência do sobrinho, o rei D. Afonso V.
A embaixada do deão de Vergy, enviada pelos duques de Borgonha, fora recebida nos primeiros dias de Dezembro, mas os protestos que apresentara e os pedidos de benevolência que formulara em nome dos duques Filipe, o Bom, e infanta portuguesa D. Isabel contra o ultraje lançado sobre o seu irmão o infante D. Pedro, em vez de trazerem benefício, agravaram ainda mais a situação.
Ao propósito dos duques de Borgonha respondeu D. Afonso V com maior violência logo a seguir, com o diploma de Almeirim de 10 de Dezembro daquele ano em que proclama a traição do regente e agrava com novas represálias as penas dos que o acompanharam.
Por esse motivo, retirada a embaixada, há quebra de relações diplomáticas entre Portugal o u Flandres e surge então esta extravagância que a história tem aceitado até hoje - um grupo de flamengos vem amigavelmente povoar a ilha Terceira, que se encontrava desabitada, e passa a chamar-lhe a ilha de Jesus.
E mais: sem se encontrarem razões explicativas que o justifiquem, a capitania da ilha é dada a um flamengo, por carta de 21 de Março de 1450, que adopta o nome de Jácomo de Bruges, a quem a crítica histórica identifica como sendo Jossué Van den Berg, marinheiro flamengo que residia entre nós e navegava entre Portugal e a Flandres.
É para o mistério que envolve todo este proceder que só não encontra explicação satisfatória, porque nada ficou nos arquivos que o pudesse revelar.
Mas uma coisa se sabe - é que as relações entre Portugal e a Flandres só se restabeleceram amigavelmente no tempo de D. João II, depois da morte da infanta portuguesa em 1471, que os Açores durante muito tempo foram chamadas «ilhas flândricas» e que no Faial e outras ilhas, em 1464-1466, desembarcam núcleos importantes de flamengos, chefiados por Vaz Dutra e Van der Hagneu.
E ainda para maior mistério destes sucessos, e é essa a grande razão desta comemoração, quando num ponto da ilha Terceira - as Quatro Ribeiras - se assinala a presença do flamengo Fernão Dulmo, em ponto oposto - na Ribeira de Frei João - encontra-se um outro grupo caracterizadamente português, e, facto digno de menção, os nomes que estes trazem são justamente os mesmos que vemos predominar nas crónicas de Zurara, Diogo Gomes de Sintra e Valentim Fernandes, quando referem os empreendimentos ao largo dia costa africana. São nomes iguais aos de Afonso Gonçalves Baldaia, João Bernardes, Heitor Homem, Antão Gonçalves, Picanços; até um de nome Lançarote.
E com eles vêm outros do mesmo apelido, parentes e outros mais.
Estamos apenas a cinco anos ou pouco mais das datas em que os cronistas os apontam na costa africana: podem ser os mesmos.
Alguma coisa de extraordinário se devia passar para recorrer à decisão, experiência marítima e poder combativo destes homens.
Do que se passou não resta documentação nos arquivos, mas qualquer coisa mencionam eles referente à rebeldia dos pescadores portugueses ao capitão donatário flamengo, que vai até se verificar o seu misterioso desaparecimento.
Não resta dúvida de que o problema precisa de ser revisto e oxalá desperte esse entusiasmo o que teve de enfadonho para VV. Ex.ªs esta minha diversão histórica (Não apoiados), que espero me desculparão na justificação do meu entusiasmo pela comemoração que o povo do meu distrito projecta realizar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É que julgamos que o episódio a comemorar não tem só restrita importância insular: afigura-se-nos ser autêntico sucesso nacional e até oportuno relembrar nesta data, em que o nome Açores anda na preocupação internacional.
O que foram estes cinco séculos de trabalho realizado di-lo a surpresa dos que nos têm visitado, e alguns dos mais ilustres tenho o prazer de aqui os ver nesta Assembleia.
Mas não é só o cavar a terra, desbravar os matos, abrir caminhos o trabalho que queremos comemorar; há ali também avanço social, espírito construtivo que honra a nacionalidade, sucessos a contar na história de Portugal.
Há anos, num congresso de hidrologia organizado pelo saudoso açoriano Dr. Armando Narciso, uma personalidade francesa de relevo confessava a sua surpresa: julgava que encontraria cabanas de pescadores, e veio encontrar recursos de civilização como nos grandes centros.
Sr. Presidente: ao retomar esta frase é isso tudo que vamos de facto comemorar: o trabalho preciso para chegar até aqui, as nossas alegrias e as nossas amarguras, e, se queremos a representação do Governo no nosso regozijo, queremos sobretudo o afecto da mãe pelo filho e também o regozijo de o ver, na projecção da sua continuidade, contribuindo para o engrandecimento da Nação.
Sr. Presidente: mais do que nós, sabe o Governo a latitude que deve dar aos desejos que aqui manifesto em nome do povo do meu distrito, trazendo a esta Assembleia, como seu representante, o entusiasmo dos seus intuitos e a afirmação do seu alto espírito patriótico.
Mas, seja como for interpretado esse seu desejo, e seja qual for a participação do Governo na comemoração do 5.º centenário do povoamento da ilha Terceira, uma certeza ficará sempre - a da sua continuidade vincadamente portuguesa, como desde a primeira hora do povoamento, para ela e para todas as outras, o tiveram de afirmar aqueles de quem descendemos.
E é só isso que o povo que aqui represento pretende recordar, comemorar e continuar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Alves: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª que me concedesse falar nesta sessão para tratar de um assunto que diz respeito a Angola: a conveniência manifesta - posso mesmo dizer urgência inadiável - de criar