748 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 42
para conceber, projectar e dirigir a construção de templos, edifícios públicos de grande corporatura, hospitais, mercados, teatros, cinemas, grandes armazéns, fábricas, gares, escolas, museus, bibliotecas, palácios de justiça, bancos, casas de habitação urbanas e rurais, etc.».
E diz-se também, como aliás é lógico, que «todas estas construções tem de ser ideadas, projectadas e supervisionadas sob o triplo aspecto da função da solidez, da economia e da beleza e integração no ambiente».
E por isso se entregam ao arquitecto.
Que ficará então para o engenheiro civil fora da competência daquele?
Parece que as obras públicas propriamente ditas, como as de hidráulica (e em especial os portos), as estradas, os caminhos de ferro e as pontes: tudo, ou quase tudo, serviços do Estado ou dele dependentes.
Sem discutir agora este critério, que poderia ter defesa na sua concepção em determinado arranjo do ensino, desejo unicamente fazer as observações seguintes:
Ou o cultivo aturado das ciências matemáticas e físicas, a que a proposta se refere como sendo necessário ao arquitecto, é tão largo e tão profundo como deve ser o do engenheiro civil, ou o conhecimento dos materiais e da técnica construtiva se passa a ministrar-lhe com a especialização tão minuciosa como se impõe nas escolas de engenharia, ou então o arquitecto não pode substituir aquele em tão larga medida como da proposta de lei e do parecer da Câmara Corporativa se poderá inferir.
Ponho portanto, e por agora, de lado os inconvenientes que apontei, em face da confusão das profissões, para me referir unicamente à impossibilidade de se atingir um «fim» que se defende dentro de certos princípios formativos que estão na base da proposta, a procurar traduzir o ponto de vista do Governo. Mais do que um erro de escala, o erro é de ligação.
Na verdade, para conseguir o fim em vista a «sobrecarga de cultura científica e de conhecimento e prática das técnicas da construção» teria de ser tão grande que, mesmo que paradoxalmente se aceitasse não prejudicar a sua «invenção artística», não deixaria tempo ao estudante para, de uma maneira intensa, se dedicar à arquitectura; não seriam, com certeza, os conhecimentos precisos para utilizar formulários ou réguas de calcular que o desviariam, porventura, da finalidade a atingir com a sua formação, visto tudo isto não passar de ferramenta modesta e secundária de trabalho, e nada mais: porque a preparação científica do engenheiro civil não se representa pela possibilidade de usar, sem dificuldades de maior, os formulários correntes ou de utilizar com segurança as réguas de cálculo, tão simples, para o que lhe basta, aliás, ter aprendido os logaritmos no liceu.
O desvio teria de vir, sim, dum estudo em profundidade da física, da química e da matemática, indispensável à cultura necessária para atingir aquelas possibilidades que, pela proposta de lei em discussão, se querem dar ao arquitecto; e isto, repito, numa tão grande absorção de tempo, num preparo tão próprio do espírito, que duvido seriamente se não prejudicariam a formação estética do artista.
Em plena consciência posso afirmar nesta Assembleia que sem essa preparação especializada é impossível conceber determinadas estruturas ou propor determinadas soluções, visto que só o conhecimento profundo dos materiais construtivos e a prática intensiva da ciência da estabilidade podem criar no projectista a sensibilidade necessária, pela intuição que nasce dum minucioso preparo científico, para certas concepções mais arrojadas ou soluções mais transcendentes.
Há uma contradição flagrantíssima entre tudo quanto se quer entregar ao arquitecto, indo desde a concepção e projecto dos edifícios de grande corporatura até à direcção total das obras, mesmo de grande vulto, e a afirmação com que se fecha a apreciação que, na generalidade, a Câmara Corporativa fez da proposta de lei:
... o acréscimo de matérias de ensino agora previsto não deverá envolver grande aumento em extensão da matéria de técnica científica do futuro curso. O que desde já se pode prever é um melhor trato em profundidade, valor significativo e potencial construtivo das matérias já incluídas no actual curriculum dos estudos.
A incompatibilidade entre estes dois critérios é, na verdade, total.
De facto, mesmo já de Bauschinger a L'Hermitte vai um esforço enorme no conhecimento desses materiais que a par e passo empregamos; sirvo-me, para exemplo, da madeira, por se tratar dum material tão corrente que muitos só julgavam capaz de preocupar cientificamente nos campos da preparação e da conservação.
Pois bem: depois de Campredon, de Fonrobert, de Collardet, de Karl Egner, de Kolmann e de tantos outros surgem-nos leis bem definidas a condicionar o seu emprego, a orientar a sua técnica, a marcar novas e inesperadas directrizes para conceber e projectar as estruturas que compõe.
Quando na Alemanha, antes da guerra, se impôs a economia da madeira em toda a construção, a fim de garantir o aproveitamento máximo do esforço realizado pelos seus silvicultores, von Monroy teve de chamar a si o auxílio dos engenheiros para bem definir, nos casos principais - o até correntes - a melhor disposição das estruturas, a forma mais racional das samblagens, o modo de a pôr a trabalhar com vista a obter a maior das seguranças dentro das soluções mais económicas; e, daí, saiu doutrina, mas doutrina científica, que só uma cultura especializada e profunda permite muitas vezes poder aproveitar.
Não se julgue que se trata quase sempre de regras ou de conselhos, visto que, em certos casos de aplicação frequente, sistemas de equações diferenciais são absolutamente necessários para bem interpretar e compreender as soluções; e quem não compreendeu como se chega a elas não as pode impor, ou escolher, com o critério preciso.
Quem não puder interpretar, repito - e não digo agora unicamente compreender -, os trabalhos desses técnicos, os resultados de ensaios laboratoriais no campo especializado da própria investigação, não tem horizontes largos para pensar ou atingir determinadas soluções, visto que inclusivamente não sonha -porque os não supõe ou adivinha - os horizontes que existem.
O exemplo pode, como é evidente, generalizar-se, e as restrições condicionantes que pus em relação à madeira são extrapoláveis a todos os outros materiais, que nos levantam ainda, na sua maior parte, problemas técnicos muito mais delicados e difíceis; peguem os que duvidem daquilo que afirmei nos livros ou nus revistas que tratam destes assuntos da forma que devem ser tratados, vejam, para exemplo, certos manuais, como o Ilandbuch der Werkstoffprüfung, de Siebel, e avaliarão facilmente dos conhecimentos de física e de química superiores que é preciso ter para muitas vezes se assentar num bom critério de escolha para o material apropriado, no modo como ele deve e tem de trabalhar; e isto é quase sempre condição, senão suficiente, pelo menos necessária para conceber a estrutura.
E para projectar?
Eu lamento estar a maçar VV. Ex.ªs com estes problemas (Não apoiados), mas não vejo outro modo de estabelecer em base séria a crítica que me propus; e mais ainda me desculpo por ter de entrar numa linguagem que sei demasiado técnica, para explicar as razões e os