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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 70

ANO DE 1951 19 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 70 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 18 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Castão Carlos de Deus Figueira
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada

SUMÁRIO: - O Sr. presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Co emendas, apresentadas pelo Sr. Deputado Manuel Domingues Basto, foi aprovado o Diário das Sessões n.º 69.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa a proposta de revisão da Constituição Política e do acto Colonial, seguindo para a Câmara Corporativa a proposta respeitante à Constituição para lhe ser dado o respectivo parecer, que aquela Câmara já emitiu para a proposta de revisão do acto Colonial.
Ambas as propostas vão baixar às Comissões de Legislação e Redacção, política e Administração Geral e Colónias, bem como o parecer da Câmara Corporativa sobre a revisão do Acto Colonial.
Usou da palavra o Sr. Deputado António da Silva, que reforçou o convite da colónia de Macau para que o Sr. Ministro das Colónias visite aquela possessão acompanhado por uma deputação da Assembleia Nacional.

Ordem do dia. - Continuou a discussão sobre o aviso prévio do Sr Deputado Jacinto Ferreira ácerca da situação de grande número de recém-formados que não conseguem colocação compatível com a categoria social a que ascenderam.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Barriga, Mendes Correia e Jacinto Ferreira, que apresentou uma moção, que, posta à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente anunciou, que, em virtude da importância doa assuntos pendentes, deliberara encerrar a Assembleia a partir de, amanhã, até 30 do Fevereiro, dia em que reabrirão os trabalhos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 55 minutou.

CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 10/V, acerca do projecto de proposta de lei n.º 505 (revisão do Acto Colonial).

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada.

Eram 10 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.

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António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim aos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manual França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes ao Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Remires.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das sessões n.º 69.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: talvez; por se tratar de latim, os tipógrafos erraram a prosa, e não pareceria bem que, estando eu presente a esta sessão, deixasse passar este erro de latim.
Logo no início das minhas considerações, onde se lê: " Esto brevis et placebis", deve ler-se: "Esto brevis et placebis".

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o Diário.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, considero o Diário aprovado, com a alteração solicitada pelo Sr. Deputado Manuel Domingues Basto.

Pausa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho acaba de enviar à Assembleia, para sua apreciação, as propostas de revisão da Constituição Política o do Acto
Colonial, acompanhadas do parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta da revisão do Acto Colonial, que, consequentemente, já não carece de voltar àquela
Amara, visto já ter sido ouvida pelo Governo a esse respeito.
No mesmo ofício em que é remetida a proposta de revisão da Constituição Política o Sr. Presidente do Conselho diz que é intenção do Governo que as secções da Câmara Corporativa já convocadas prossigam nos seus trabalhos e que, ao mesmo tempo, sejam convocadas as demais secções que se entenda deverem ser convocadas.
Assim, vai seguir para a Câmara Corporativa a proposta de revisão da Constituição Política, ao mesmo tempo que baixam às Comissões de Legislação e Redacção, de Política e Administração Geral e de Colónias as propostas de revisão da Constituição e do Acto Colonial, bem como o parecer que sobre esta última já foi emitido pela Câmara Corporativa.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado António Maria da Silva.

O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: recebi ontem, ao fechar a sessão, um oficio do distinto governador de Macau, datado de 9 do corrente, incluindo recortes de jornais com uma sério de artigos fazendo uma entusiástica campanha pela visita de S. Ex.ª o Ministro das Colónias àquela nossa longínqua possessão, visto ter chegado ao conhecimento dos portugueses que aí vivem que no Estado da índia se estava desenvolvendo idêntica campanha.
No aludido oficio comunicava-me o mesmo Exmo. Senhor que em igual data foi transmitido ao nosso insigne Ministro das Colónias, Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, o pedido da sua aquiescência na satisfação de tão grande anseio da colónia de Macau.
Tendo sabido que esta Assembleia vai suspender os seus trabalhos, a começar de hoje e presumivelmente durante todo o mês de Fevereiro, não pude deixar de pedir a palavra para fazer nesta Casa eco da campanha movida tão entusiasticamente pelos jornais da terra que represento, na sua justa aspiração de ter a honra e a glória de receber a visita do ilustre o simpático primeiro magistrado das colónias.
Rogo, portanto, a V. Ex.ª a fineza de transmitir a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Colónias a minha declaração de que me associo, com o maior entusiasmo, ao pedido que a colónia de Macau acaba de lho fazer por intermédio do seu ilustre governador.
A visita de uma das mais altas figuras do Poder Central às longínquas terras lusas do Extremo Oriente - Es-

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tado da índia, Macau e Timor - é, por assim dizer, como que um acto de justiça do Governo da metrópole.
É que todas as colónias se sentem envaidecidas pelas provas de amizade e de saudosismo da Mãe-Pátria.
Se as nossas colónias do continente africano receberam, por mais de uma vez, a visita de três ilustres Ministros - os insignes estadistas Drs. Armindo Monteiro, Marcelo Caetano e Vieira Machado -, porque não poderão as colónias do Oriente ter também a glória de receber a visita do actual titular da pasta das Colónias?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas há mais:
As colónias da África tiveram também o ensejo felicíssimo de receber o abraço espiritual do País por intermédio do primeiro magistrado da Nação, o venerando Chefe do Estado, Marechal Óscar de Fragoso Carmona, e, no tempo da Monarquia, a visita do infante D. Luís Filipe.
Sr. Presidente: tive sempre o empenho, desde o primeiro dia que usei da palavra nesta Câmara, de trazer Macau para Portugal e de levar Portugal para Macau. Propus-me fazer uma série de discursos, que já iniciei, para descrever as belezas de Macau e o valor dos seus filhos.
Sei agora que é provável a ida do Sr. Ministro das Colónias a Macau, e, assim, eu ouso sugerir que vá também àquelas longínquas paragens uma comissão parlamentar, porque nada melhor do que isso para conhecer Macau. Aproveitar-se-ia talvez a viagem para essa comissão ir também à índia e a Timor - é facílimo ir de Macau a Timor.
Os membros dessa comissão diriam depois aqui, aos nossos irmãos metropolitanos o que é Macau e falariam do progresso fenomenal que o Extremo Oriente alcançou.
VV. Ex.ªs não imaginam quantos portugueses contribuíram para o desenvolvimento do Oriente. Desde Singapura até Tóquio não há uma casa comercial onde não esteja empregado um português. Desde Singapura até Tóquio os portugueses ocupam lugares de confiança p proeminência dentro de empresas poderosas, contribuindo grandemente com a sua inteligência, a sua habilidade e a sua honestidade para o progresso das terras do Extremo Oriente.
Os portugueses de Macau são descendentes daqueles valorosos pioneiros que levaram para aquele extremo oriental do Mando o nome de Portugal.
Desejo, pois, Sr. Presidente, que os meus irmãos da metrópole vão ao Extremo Oriente admirar o seu progresso e a sua beleza e depois testemunhar aqui o que são os portugueses de Macau, espalhados pelas principais cidades do Sul da Ásia, abandonados pela Mãe-Pátria ao seu destino há mais de dois séculos, depois da fundação de Macau, mas que, não obstante; foram vencendo e vinculando o nome de Portugal naquelas paragens.
É só isto que eu solicito, Sr. Presidente, que V. Ex.ª poderá pedir ao Sr. Presidente do Conselho, no sentido da ideia que lhe acabo de expor,
Macau tem hotéis luxuosos, grandes arranha-céus, belas estradas e há limpeza em toda a cidade. É uma glória de Portugal!
As minhas palavras não chegam para explicar o que aquilo é, e que muitos desconhecem, pois só um exame in loco o pode mostrar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:- Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Jacinto Ferreira sobre a situação de grande número de recém-formados que não conseguem obter colocação compatível com a categoria social a que ascenderam.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Barriga.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pode estranhar esta Assembleia que eu deixasse passar sem reparo as alusões políticas que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira fez na sua magnífica exposição de ontem, onde não soube o que havia de admirar mais, se a generosidade dos propósitos, se a galhardia corajosa das suas afirmações ou se a profundidade dos seus conceitos de administração. Ouvi-o como português, mas o Sr. Deputado durante alguns segundos fez bom lembrar que era monárquico...
O problema que desenhou no seu aviso prévio é candente e ultrapassa o círculo estreito do seu enunciado, para, com o seu desenvolvimento oral, atingir não só o desemprego dos diplomados, mas avultar o problema do proletariado intelectual, mesmo da proletarização das elites, e instaurar um autêntico processo de revisão aos métodos de ensino, sobretudo universitário - mas fazendo inteira e merecida justiça ao ilustre titular da pasta; pareceu-me, além disso, querer demonstrar que na sociedade contemporânea a noção de elite corresponde e esbarra com uma tríplice dificuldade: recrutamento, formação e utilização. Mereceram-lho também interesse o problema da promoção da mulher o as questões referentes a acumulação e inerências, bem como a livre possibilidade de acesso ao ensino e aos cargos do Estado.
Não abandonou a estrada real da verdade - como o ilustre Deputado ficou visivelmente satisfeito de empregar o adjectivo "real", mas tenho de lhe dar, desde já, uma desilusão no uso deste vocábulo rodoviário; tomei-o no seu pleno. e actual significado nacional. Sinto sinceramente que, no fundo da sua doutrina, veja como solução a limitação, de frequência, solução esta que só joga largamente no tempo, o que pareça também aprovar o camou-flage desta solução que são os exames de maturidade.
O filtro das reprovações joga também, retardando o diminuindo o número das formaturas, mas os que chegam á vida atrasadamente diplomados, não se preparam melhor, só perderam tempo, que socialmente lhes faz falta, a eles e à Nação.
Um regime de massas, de massas universitárias, exige uma adaptação orgânica e de programas. O acesso do 4.º estado ao diploma perturbou a mecânica da formação educativa universitária.
Erradamente ensina-se para "tenores e primas-donas", esquecendo-se que a maioria estudantina é um largo "corpo coral".
Sem ambiente familiar com cultura, sem lazeres, porque, na maior parte das vezes, tem de trabalhar para poder viver, o estudante prepara-se exclusivamente para os exames, para saber as sebentas, e não para ler, no velho sentido, que lhe emprestava a Renascença, de pensar e criar por uma longa meditação; desumanizou-se o ensino e as formaturas representaram para os diplomados uma simples chave, mesmo uma gazua para a vida. Imperfeitos técnicos que se dedicaram a meras teorias, voltando espáduas para "a realidade; imperfeitos teóricos, porque não ascenderam à cultura geral, são detentores de um saber acanhado de especialistas.
Os homens da minha geração, quando entravam na vida prática, venciam e dominavam os práticos da fileira pela sua cultura; os de hoje apresentam-se apenas como

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detentores de um mandar inato do a canudo», mas não se impondo aos seus subordinados, porque lhes escasseia a prática e a sua teoria é feita sobre velhas histórias da especialidade a que se dedicam. Assim os formados proletarizaram-se mais intelectualmente do que ainda monetariamente, colocando-se dificilmente na vida particular, por estarem mal preparados para ela, sobretudo em época de crise.
Assim o desemprego adensa-se: totalmente por falta de lugares, parcialmente pela ocupação de lugares subalternos.

O Sr. Jacinto Ferreira: - V. Ex.ª, Sr. Dr. Pinto Barriga, divide o desemprego em total e em parcial?

O Orador: - Sim, senhor, e na barricada que temos de levantar não podemos perder aqueles que poderiam estar connosco. E ainda assim, com a maior parte desses empregos sujeitos a concursos, em que se faz uma selecção à rebours - não se inquiete a Assembleia, que eu não lhe quero dar uma equivalência à ressonância portuguesa de «arre burro».
Os concursos em Portugal, nos Ministérios que conhecem uma séria tradição burocrática, realizam-se com plena justiça e eficacidade, não são antecipadamente certezas para certos candidatos recomendados, nem preferências concedidas previamente por nomeações interinas, formam uma elite de burocracia, e não de «burocracia».
Rapazes de valor que não conseguem fazer-se nomear neste sistema de concursos «asselectivos» são presa fácil para o comunismo.

O Sr. Morais Alçada: - Até pelo próprio descontentamento em que essa gente se coloca, independentemente de solicitações estéreis, essas mesmas pessoas podem criar dentro de si próprias um certo ânimo de revolta, de inferioridade injusta, como muito bem disse ontem aqui o Sr. Deputado Jacinto Ferreira, o que pode gerar só por si situações que reputo perigosas.

O Orador: - Ao sistema de nomeação de partidos sucedeu-se a nomeação dos «partidinhos» dos técnicos, que escolhem dentro do número limitado dos seus conhecimentos. Estranha abdicação de política esta, inconcebível substituição da política dos políticos pela política mesquinhamente reduzida às relações dos técnicos, arvorados em nomeadores, distribuidores abastados de benesses, de prebendas e de empregos. O meu largo passado político, a minha independência, obrigam-me a chamar para o caso a atenção do Governo.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Esse ponto pode de facto ser verdade, e eu estou de acordo em que o 6, mas não vem colidir com a questão do desemprego. Não me interessa que seja empregado este ou aquele: o que me interessa são os casos do desemprego.

O Orador: - Falhando por agora o que eu chamo humoristicamente a «genrocracia», isto é, a possibilidade da utilização dum diploma num bom casamento, resta-nos seriamente encarar a constituição de uma comissão que tome nota dos desempregados intelectuais e lhes facilite o seu emprego ou mesmo o seu melhor emprego.
Sr. Presidente: vamos agora às acumulações, que hoje já não se destinam só a casos excepcionais de competência, mas resolvem embaraços de tesouraria de alguns que dificilmente preencheriam bem um só lugar.
Reveja-se anualmente e bi-anualmente a lista de acumulações, não se procure economizar a verba do orçamento para se terem em contrapartida também uma economia de tempo na assistência às funções respectivas.
E preciso não criar nas acumulações de cargos do Estado uma espécie de conselhos de administração em que sinecralmente se recebem remunerações, até sem a presença respectiva, por uma espécie de telecomando, de longe, telefonicamente.
Honra seja a estes homens que aproveitam deste processo mecânico, e para alguns (feles a caneta 01 permitiu-lhes fazer um milagre de não precisarem deixar secar a assinatura ou enxugá-la por mata-borrão, poupa-lhes tempo e a vantagem de não conhecerem o assunto entre duas passagens do mata-borrão!

O Sr. Jacinto Ferreira: - O que é mais curioso ó que no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta da Lei de Meios para 1900 faz-se a defesa das acumulações ...

O Orador: - Mas, continuando, devo dizer que as acumulações, quando foram criadas, eram toleráveis e justificáveis; na sequência do tempo é que se tornaram algumas delas indefensáveis.
Sr. Presidente: passo agora a ocupar-me da promoção feminina: não vou acusar o colega de querer deixar para tias as mulheres que hoje se empregam. Vou repensar com ele o problema, vamos conversar alto, e veremos que, no fundo, não é o antifeminista, como uma rápida percepção do que expôs nos levaria apressadamente a concluir.
É vulgar pensar que a mudança da vida da mulher só a esta propriamente interessa. E manifesto que pode acarretar as mais graves consequências sociais, sobretudo ao equilíbrio e instituição da família.
A promoção da mulher na ordem intelectual, económica e social modifica a sua posição relativamente ao homem; o homem perde um pouco da sua superioridade à medida que a mulher se eleva, da sua originalidade e, por consequência, do seu complexo de domínio. Tem similitudes sociais, deixando de ter socialmente uma inteira complementaridade, ficando esta apenas reservada para o domínio sexual ou sentimental.
Deixou de estar moralmente sujeita a um homem que conhecia - seu marido ou seu pai - para ficar socialmente sob a égide de um homem que não conhece - o patrão ou o chefe. Continua dependente do homem, mas o valor moral dessa subordinação é diferente.

O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª, se bem entendo o pensamento em exposição, defende o critério de se empregar a mulher que, pelas condições particulares em que se achar integrada na sociedade, precise desse emprego! E não para aquela mulher que, sem necessidades prementes, procura o emprego público, em detrimento da sua função no lar, não é isso?

O Orador: - Essencialmente, é esse o meu pensamento, quero que ganhem para o pão e não para o nylon, o por isso agradeço muito a intervenção de V. Ex.ª

O Sr. Morais Alçada: - Eu também tinha entendido assim! Mas julguei útil o esclarecimento do pensamento de V. Ex.ª perante esta Assembleia.

O Orador: - Advogo entusiasticamente o emprego das mulheres que têm de prover à sua subsistência ou dos seus, e estas dão tantas vezes lições de competência, de zelo e de resistência ao trabalho ao outro sexo. A essas mesmo, algumas diplomadas, o governo da casa e mesmo os rudes trabalhos domésticos não as assustam; como as musas não fazem mal aos doutores, a cozinha não prejudica as doutoras.
Sr. Presidente: quero terminar dizendo que eu e o Sr. Deputado Jacinto Ferreira temos divergido politicamente muitas vezes nesta Câmara.

O Sr. Carlos Moreira: - Nunca dei por isso!

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O Orador: - É uma pura amabilidade de V. Ex.ª
Nós estamos aqui num sentido tão lusíada, trio português, que muitos dos que possuem a opinião política de V. Ex.ª guardam-na no seu íntimo e põem acima dela a imagem da Nação.
Felicito novamente o orador que abriu este debate, e afinal de contas, pela sequência dos apartes, vemos que todos estamos de acordo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: a questão que o Sr. Prof. Jacinto Ferreira trouxe à consideração da Assembleia Nacional e do Governo é das que transcendem o plano das soluções simples e imediatas, porque envolve uma larga, demorada e profunda tarefa de renovação da mentalidade portuguesa e até dos nossos costumes.
Não me parece que o problema se resolva distribuindo a uns centos de desempregados intelectuais as acumulações de que S. Ex.ª nos falou.
Certamente alguma coisa se poderá fazer de repente para facilitar o acesso de desempregados competentes a quadros e serviços públicos. Mas tudo isso .será uma gota de água para o maré magnum dos que continuarão sem emprego.
Referir-me-ei entretanto de modo particular à situação de intelectuais altamente especializados que, chamados pelo Estado a funções de especialização igualmente elevada, encontram, por entre a indiferença ou até o despeito alheio, a maior instabilidade, a maior descontinuidade nos seus contratos de prestação de serviços.
Assim os jovens investigadores são tratados como assalariados ao sabor de qualquer capricho superior ou do qualquer mudança de intenções governativas, não recebendo frequentemente qualquer garantia ou estímulo - indispensáveis à continuidade e eficiência do seu labor - da parte do Estado ou das entidades que utilizam os seus serviços.
Exijam-se-lhes responsabilidades, mediante os juízos de quem tenha competência para apreciar tecnicamente o seu trabalho e orientar até o seu esforço. Mas não se faça da sua carreira uma aventura perigosa para quem a tenta e mau incentivo pura que surjam os homens de escol que prossigam, na sua tarefa.
Quando todo o progresso das nações assenta sobretudo na cultura e na investigação, damos às vezes a impressão de que, entre nós, tudo - os responsáveis, o meio - é hostil a esta, que tão necessária - direi mesmo vital- é na metrópole como num vasto e magnífico ultramar, do qual ainda se desconhecem tantas riquezas naturais e humanas!
E o triste é que para várias pesquisas se têm contratado estrangeiros, quando não faltavam no País nacionais com idoneidade pelo menos igual para a tarefa desejada. E qual é o prémio, qual é o estimulo que se dá, por exemplo, ao pessoal científico ou técnico de Universidades e laboratórios (como naturalistas, conservadores, preparadores, etc.), que, sem acesso, sem promoção, não possui direito a uma justa diuturnidade? Está certo que valores por vezes intensamente especializados fiquem toda a vida, em matéria de retribuição, a marcar passo?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas passemos adiante. Como íamos dizendo logo de começo, o problema do desemprego nos intelectuais não se extingue com soluções simples e parcelares.
É necessária uma ampla e funda transformação da nossa mentalidade e até dos nossos costumes. Em que sentido? No de considerarmos as, nossas escolas e Universidades não como simples instrumentos da emprego-mania nacional, mas, sobretudo, como centros de difusão cultural e de investigação, do modo que aos que as frequentem importe mais obterem efectivamente a cultura, a preparação que elas fornecem, do que a posse de um diploma, como é infelizmente o caso corrente.
Quantos são, nesses estabelecimentos, os alunos que desejam realmente aprender, cultivar-se e adestrar-se, perante os que desejam apenas as aprovações em série nos exames para a aquisição final do diploma?
Ninguém ignora que não só este, muitas vezes, não corresponde a uma cultura e preparação reais, como também constitui, como já disse um dia nesta Assembleia, um papel que o seu possuidor passa a vida inteira a brandir triunfantemente como estandarte de direitos a situações cada vez melhores, como se a actividade de cada um através da existência não fosse um concurso de provas públicas mais significativo, mais valioso, do que todos os exames e diplomas.
Longe do mini a ideia de que entro os desempregados intelectuais não há muitos de real valor e competência indiscutível! Mas quantos outros são nos seus sectores lamentáveis nulidades que a teimosia de famílias apostadas em fazer dos filhos doutores e a demasiada indulgência ou a fraca bitola das exigências de júris benévolos arrastaram, mais ou menos dificilmente, a um diploma que não encobre a profunda incapacidade do seu portador?!...
Dir-me-ão que a culpa ó das escolas ou dos Governos, que as não organizam de modo mais eficiente. Seja assim. Mas a tarefa não é tão simples como parece. Toda a gente, entre nós, considera as escolas e as Universidades como, acima de tudo, fábricas de diplomas. Pensa-se mais nestes e nos exames do que no conteúdo real do ensino.
Levantam-se mais clamores contra a severidade nos exames ou contra as exigências nos programas do que contra as deficiências reais de cultura e de preparação.
Seria de curiosos resultados submeter todos os desempregados e até os ... empregados a provas verdadeiramente significativas da capacidade respectiva. Há alguém, neste país, que duvide da multidão de incompetentes que enxameiam nos serviços públicos e até nos particulares? Se se fizesse uma justa selecção, os actuais desempregados que fossem autenticamente idóneos encontrariam talvez lugares a mais.
A propósito, devo dizer que tive sempre imensa pena dos bons funcionários, porque ganham o mesmo que os maus da correspondente categoria e são as verdadeiras vítimas, pois todas as incumbências de responsabilidade, todas as tarefas graves e difíceis lhes são confiadas, e não aos colegas incompetentes ou pouco cumpridores.
Enquanto os bons trabalham, os maus levam boa vida, ninguém os incomoda e... ganham o mesmo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Também devo dizer que as candidaturas se amontoam, sobretudo relativamente a certos cargos, especialmente aos de carácter burocrático. Não raras vezes há no nosso ultramar vagas muito tempo em aberto, possibilidades de colocação que ninguém aproveita.
O nosso diplomado prefere geralmente as tardes no Chiado ou na Avenida da Liberdade há que reconhecer o seu gosto e, sobretudo, o seu instinto de comodismo e inércia) à vida activa, enérgica, fecunda, nessas longínquas terras portuguesas, em que verdadeiras riquezas esperam quem as desenvolva e até quem as descubra.

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Gente nova de Portugal, prezados jovens do meu país, erguei os olhos, volvei-os aos horizontes largos, lembrai-vos de que a Pátria e o Futuro não são apenas uma estreita repartição do Terreiro do Paço ou um cubículo de uma comissão reguladora, aceitai estòicamente sacrifícios na tarefa de desbravamento, de iniciativa, de engrandecimento que se impõe aquém e além-mar!
Há poucos anos o Governo Inglês editou uma série de brochuras - de que possuo alguns espécimes -, das quais constavam as descrições detalhadas dos requisitos, dos preparatórios, dos cursos e das perspectivas de emprego para mais de uma centena e meia de carreiras masculinas e femininas, as mais variadas. Não eram omitidas as qualidades morais entre as condições de acesso e figuravam na série algumas profissões menos vulgares entre nós, como dança, apanha de mel de cortiços, linguística, psicologia, publicidade, serviços de reabilitação, peritagem de avaliações, etc.
Não me parece que seja uma tal propaganda a mais necessária entre nós, mas impõe-se que, através do ensino, desde o mais elementar, e por todos os "meios de publicidade, se difundam o respeito por todas as profissões, a ideia de que devem ser concordantes com as exigências especiais de cada uma destas as condições individuais dos candidatos, mesmo a notícia de que já hoje possuímos meios para determinar cientificamente as vocações, sendo um erro - talvez mesmo um crime - das famílias persistirem na mania de, em vez de considerarem os cursos como instrumentos de formação e cultura, pretenderem apenas fazer deles os degraus para empregos ambicionados, sem olharem ao indispensável ajustamento das aptidões às actividades correspondentes.
Apoiados.
Toda a profissão exercida com amor, dignidade e competência é honrosa. O trabalho honesto dignifica, seja ele qual for. Não há profissões degradantes.
Não resisto à tentação de relatar alguns factos que ainda recentemente presenciei nos Estados Unidos. Encantou-me não encontrar ali classes nos comboios e verificar que tanto possui automóvel o banqueiro ou o director dum grande estabelecimento como o mais modesto operário.
Um milionário não se distingue dum trabalhador modesto pelo trajo, pela sua mesa ou pelas atitudes. Estive em casa uns e doutros. O único título de nobreza dum milionário é fundar Universidades e hospitais.
Claro que se trata dum país novo e rico, em que o nível de vida é alto para todos. O problema é mais difícil nos países pobres e naqueles em que os séculos consolidaram tradições de gerarquia.
Mas o que desejo sobretudo acentuar como exemplo que sugere meditação e aplauso é a naturalidade com que ali se põem no mesmo plano de respeito profissões como as chamadas liberais e os serviços mais modestos de trabalhadores manuais. É que uns e outros, todos, concorrem para o bem comum e são necessários. Contarei alguns episódios que vêm a propósito.
Tinha eu ido jantar com colegas portugueses à International House, magnífica residência de 600 estudantes dos dois sexos, fundada por Rockfeller junto da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque.
Depois de jantar, conversávamos no bar, tomando o café. Tínhamos falado com estudantes das mais variadas nacionalidades. De repente, diz-nos alguém: a Os senhores são portugueses?»: À resposta afirmativa, a .mesma pessoa esclareceu: «Eu também sou, e este meu companheiro (o que estava a seu lado) é brasileiro». Sentaram-se junto de nós.
Era um jovem de Macau que concluíra um curso de agronomia na Califórnia, como o brasileiro que o acompanhava. Ouvindo-nos ao fim de alguns minutos de agradava! conversa anunciar o propósito de irmos para a cidade baixa de Nova Iorque, a fim de recolhermos ao nosso hotel, ofereceu-se para nos transportar no seu magnifico automóvel, que o esperava junto da residência.
Não me contive sem lhes dizer que deviam ser grandiosas as mesadas recebidas das famílias, de modo a permitir-lhes o luxo de tão belos carros.
Esclareceram-nos, porém: «Não. As mesadas dão-nos apenas para viver. Se queremos automóvel, inscrevemo-nos na estação própria como ceifeiros nas searas' da Califórnia e lá ganhamos o bastante ...».
Na International House soubemos também que estudantes que não dispõem de recursos para a sua sustentação os obtêm prestando serviço na limpeza, no restaurante ou na cozinha da residência ou até de estabelecimentos comerciais da cidade.
Um médico altamente graduado conheço que, durante os seus estudos de aperfeiçoamento na América, resolveu, num período difícil das suas finanças, recorrer ao mister de lavar copos, limpar mesas e fazer carretos e arrumações numa cervejaria. Passou assim um ano.
Não cito estes factos para aconselhar os nossos intelectuais desempregados a fazerem o mesmo. Reputo lamentável que intelectuais especializados e competentes tenham de recorrer a tais soluções de vida, em vez de cultivarem os domínios em que são competentes e onde poderão prestar .serviços que não prestam em tais sectores de trabalho em que qualquer não especializado serviria com eficiência.
Mas, sem trocar o meu modo de ser de europeu pelos figurinos americanos, não posso deixar de manifestar simpatia pelos seguintes factos: ali ninguém se sente diminuído por exercer qualquer profissão honesta, como nenhum dos jovens intelectuais arvorados em ceifeiros ou moços de cervejaria era de qualquer modo rebaixado no conceito dos outros. Pelo contrário! Como é nobre, de facto, lutar assim pela vida!
Nós, infelizmente, não somos educados assim. Todos deveríamos ter capacidade para exercer, se preciso fosse, uma profissão manual. Devemos reconhecer que passou o tempo em que mecânicos e mesteirais eram subalternos na hierarquia profissional.
Recordo a página humorística de Daudet no Port Tarascon em que as direcções-gerais das repartições várias trocam entre elas ofícios em barda por causa da chuva que entra por um buraco do telhado no barracão em que estão instalados os departamentos governamentais, e só cessa de cair quando, em vez dos ofícios, uma moça desembaraçada tapa simplesmente aquele buraco com uma chapa de zinco ...
E recordo também a minha tristeza quando, num longínquo país exótico, alguém, ao ver-me pegar num pequeno embrulho ou pacote, me avisou amavelmente de que não fizesse tal, pois a minha categoria oficial e pessoal sofreria se fosse eu o portador do embrulho e não antes um humilde serventuário indígena ... Que atraso social isto revela!
Retomando o fio das minhas breves considerações, direi que só há uma verdadeira hierarquia, não a de diplomas ou de títulos sem conteúdo positivo, mas a da capacidade e da idoneidade reais para as actividades úteis à colectividade, entendendo-se a utilidade num sentido largamente pragmático.
Contava eu a pessoas amigas -algumas delas com muito mais largo conhecimento da vida americana do que eu as minhas impressões da América e tive ocasião de me referir à relativa equiparação de salários e vencimentos que lá há entre profissões que, entre nós, estão em planos hierárquicos muito diversos.
Disse eu, por exemplo, que conheci ali um carpinteiro que ganha tanto, ou quase, como lá ganha um professor universitário.

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Não resisto à tentação de contar a VV. Exas. o dito espirituoso de um dos meus interlocutores a esse propósito: «Mas isso é óptimo. Assim, quem tem vocação para carpinteiro vai para carpinteiro, e não aspira ao professorado universitário!».
Professor universitário que me honro de ser, não hesito em reproduzir aqui esta bela botade, certo de que não está no meu propósito amesquinhar a minha classe.
O que me parece é que no barómetro de salários e vencimentos há entre nós exagerada desigualdade entre as classes mais baixas e as mais altas. Era necessário um enorme esforço para elevação das remunerações mais baixas. Não direi para abaixamento das mais altas, porque, dum modo geral, entre nós elas ainda são modestas em relação às de outros países.
O que se tem feito em Portugal nos últimos anos para melhoria da situação das massas trabalhadoras, especialmente com a instituição dos salários mínimos e com os contratos colectivos de trabalho, é uma tarefa magnífica, evidentemente merecedora dos maiores elogios. Mas, quer nas actividades privadas, quer nas oficiais, não deve esmorecer-se no propósito de elevar cada vez mais esses salários mínimos, sobretudo as remunerações mais baixas. Como podem viver famílias numerosas com menos de 1.0005 por mês?
A elevação de vencimentos, sobretudo em classes constituídas por muitos milhares de pessoas, é, bem sei, uma tarefa difícil nas condições actuais das finanças públicas e da economia particular. Mas que não se afrouxe no nobre propósito de a conseguir!
Na matéria que nos ocupa alcançar-se-á assim concorrer para a dignificação dessas profissões, acto de justiça e de vantagem social.
Em suma: manifestando a maior simpatia por todos os autênticos desempregados, intelectuais ou não intelectuais, sobretudo pelos que maior esforço têm realizado para a sua boa formação profissional, julgo cabido, no que respeita aos diplomados, não apenas as providências circunscritas Já aqui preconizadas quanto a acumulações e inerências e ao estímulo e continuidade séria e útil das tarefas de especializados, mas também, e acima de tudo:

1.º Uma propaganda no sentido do respeito da dignificação e da justa retribuição de todas as profissões honestas;
2.º Um largo inquérito para averiguação das desproporções entre a oferta e a procura nos vários sectores de trabalho e para a introdução, no ensino superior e técnico, das modificações que o objectivo em vista requerer para a sua real eficiência e em conformidade com as necessidades públicas.
Não pretendo que se vede a alguém a cultura. Pelo contrário, entendo que esta se deve difundir o mais possível. Aliás, como diz o povo, o saber não ocupa lugar. Mas que, em vez da ânsia de diplomas, haja a verdadeira ânsia de aprender, e que as escolas, em vez de serem fábricas de diplomas, sejam estabelecimentos de verdadeira formação cultural e de adaptação ao trabalho, às exigências deste e, segundo as variadas formas do mesmo, em harmonia com as necessidades colectivas.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: desejo congratular-me pela maneira como o debate à roda deste assunto tão importante foi conduzido. E congratular-me, sobretudo, porque não há ocasião de eu fazer qualquer outro discurso, uma vez que os oradores que vieram depois de mim não trouxeram matéria que contradissesse os meus pontos de vista, e antes, com muito agrado meu, vieram trazer forte contributo para as minhas considerações, simples e pobres, dada a circunstância de o problema ser de grande magnitude.
Na realidade muitos problemas ficaram por focar. Um deles talvez me ficasse mal não referir, até mesmo porque o ilustre Deputado Mendes Correia se referiu a ele: a chamada de estrangeiros para desempenhar funções técnicas.
Mas há um aspecto ligado a esse: a circunstância de há muitos anos o Governo da Nação, louvavelmente, mandar técnicos lá fora estudar certos assuntos e depois os bolseiros que vêm de fora não terem cá, em Portugal, lugar para exercer a sua especialização. Isto tem acontecido.
Não foquei esse aspecto, como não foquei muitos outros, porque qualquer das questões ligadas ao proletariado intelectual - digamos assim - daria, por si própria, para um aviso prévio: é o trabalho feminino, é a reforma universitária, e já não digo as acumulações porque logo esclareci que só como satisfação moral a sua repressão estaria ligada ao problema do desemprego intelectual.
Com certeza as acumulações não têm,- felizmente, tal extensão que por si pudessem resolver o desemprego do dois milhares de desempregados.
Nessas condições, limito-me a apresentar à consideração da Assembleia uma moção que elaborei muito rapidamente e, penso, abrangerá o pensamento de todos os que tomaram parte neste debate. É a seguinte:

Moção

«A Assembleia Nacional, considerados os elementos expostos, quanto ao desemprego de indivíduos formados pelas Universidades, durante o debate provocado pela apresentação do aviso prévio sobre esta matéria, espera do Governo da Nação que este grave problema seja profundamente considerado, mediante a promulgação de medidas tendentes a minorar a sua agudeza, presente e a procurar prevenir-se a sua futura expansão e o seu agravamento».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente : - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Não está inscrito mais nenhum Sr. Deputado sobre este debate. Considero, portanto, encerrada a respectiva discussão.
O Sr. Deputado Jacinto Ferreira, ao terminar o debate sobre o seu aviso prévio, mandou para a Mesa uma moção de que VV. Exas. já têm conhecimento pela leitura que dela fez o mesmo Sr. Deputado, mas que vou mandar ler novamente.
Foi lida.

O Sr. Presidente : - Vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente : - Srs. Deputados: estão pendentes de apreciação da Assembleia assuntos da mais alta importância e da maior delicadeza, entre os quais avultam: a revisão constitucional e do Acto Colonial, cuja proposta hoje mesmo deu entrada nesta Câmara e que ainda

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não tom, quanto ao texto da Constituição, parecer da Câmara Corporativa; a proposta do lei em que, por virtude da ratificação com emendas votada pela Assembleia, se transformou o decreto-lei que reorganizou os serviços de registo e do notariado; o aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral sobre a execução da Lei de Reconstituição Económica, que, depois do envio à Câmara do relatório do Governo, obriga naturalmente a Assembleia a uma discussão séria de assunto de tão largo alcance, e o projecto de lei do Sr. Deputado Tito Arantes sobre alterações à lei do inquilinato; e ainda ontem deu entrada nesta Assembleia uma proposta de lei de autorização de um empréstimo.
Para que estes assuntos possam ser devidamente preparados para a discussão pareceu-me conveniente, senão indispensável, interromper nesta altura o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional para que possa sor aproveitado com maior rendimento o restante tempo da duração normal do seu funcionamento e a muito provável prorrogação deste.
Durante a interrupção a Câmara Corporativa examinará o projecto de revisão constitucional e a Comissão de Legislação e Redacção estudará esto diploma, o projecto de revisão do Acto Colonial o os outros assuntos que aguardam o seu exame. Reaberta a Câmara, e enquanto se efectiva o aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral, as comissões respectivas ultimarão os seus trabalhos sobre a revisão constitucional e do Acto Colonial e sobre os outros assuntos pendentes, conseguindo-se assim um trabalho da Assembleia em pleno rendimento.
Usando, pois, da faculdade que me confere o § único do artigo 94.º da Constituição Política, declaro efectivamente interrompido o funcionamento da Assembleia desde o dia 19, inclusive, do corrente até 20 de Fevereiro próximo, realizando-se a sessão de reabertura nesse dia 20 de Fevereiro, com a seguinte ordem do dia: efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral sobre a execução da I .ei de Reconstituição Económica.
A Comissão de Legislação e Redacção, como há pouco já foi enunciado, continua em exercício durante a interrupção.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.

STS. Deputados que entraram durante a sessão:

Armando Cândido de Medeiros.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Carlos Borges.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Propostas de lei a que o Sr. Presidente da Assembleia se referiu no inicio da sessão de hoje:

Proposta de lei de alteração da Constituição Política

Artigo 1.º É eliminado o § único do artigo 1.º da Constituição Política.
Art. 2.º O artigo 2.º é substituído pelo seguinte artigo com o seu § único:

Art. 2.º A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território, nem aliena, por nenhum modo, qualquer parte, do que actualmente lhe pertence ou dos seus direitos de soberania, salvo o casto de rectificação de fronteiras, quando aprovado pela Assembleia Nacional.
§ único. Nenhuma parcela do território nacional ou direito imobiliário podem ser cedidos a governo ou entidade de direito público de país estrangeiro, salvo para instalação de representação diplomática ou consular, se existir reciprocidade em lavor do Estado Português, em local cuja escolha seja aceite pelo Ministro tio Ultramar.

Art. 3.º O n.º 3.º do artigo 6.º passa a ter a seguinte redacção:

3.º Zelar pela melhoria das condições das classes sociais mais desfavorecidas, procurando assegurar-lhes um nível de vida compatível com a dignidade humana.

Art. 4.º É aditado um n.º 4.º ao artigo 6.º, com a seguinte redacção:

4.º Defender a «higiene pública e a salubridade da alimentação.

Art. 5.º O artigo 8.º e seu n.º 1.º passam a ter a seguinte redacção:

Art. 8.º Constituem direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses:
1.º O direito à vida, à integridade pessoal o ao trabalho nos termos que a lei prescrever;

Art. 6.º O artigo 9.º é substituído pelo seguinte:

Art. 9.º A qualquer empregado do listado, das autarquias locais, dos organismos corporativos e de coordenação económica e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa ou de companhias que com um ou outros tenham contrato é garantido o direito ao lugar durante o tempo em que for obrigado a prestar serviço militar. É também garantido este direito aos empregados e assalariados dos quadros permanentes das empresas privadas.

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Art. 7.º É substituído pelo seguinte o artigo 25.º:

Art. 25.º Estão sujeitos à disciplina prescrita no artigo anterior os empregados e servidores das autarquias locais, dos organismos corporativos o de coordenação económica, das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa o das empresas que explorem serviços de interesse público.
Art. 8.º O artigo 38.º passa a ter a seguinte redacção:

Art. 38.º Os litígios emergentes dos confira tos de trabalho são da competência de tribunais especiais.

Art. 9.º Os artigos 45.º e 46.º passam a ter a seguinte redacção:

Art. 45.º É livre o culto público ou particular da religião católica, como da religião da Nação Portuguesa. A Igreja Católica, goza de personalidade jurídica e pode organizar-se de harmonia com o Direito Canónico e constituir por essa forma associações ou organizações, cuja personalidade jurídica é igualmente reconhecida. O Estado mantém em relação à Igreja Católica o regime de separação, sem prejuízo das relações diplomáticas entre a Santa Sé e Portugal com recíproca representação, e das Concordatas e acordos aplicáveis na esfera do Padroado ou de outros em que sejam ou venham a ser reguladas matérias de interesse comum.
Art. 46.º Os princípios de separação, liberdade de culto e de organização e reconhecimento da personalidade jurídica das associações religiosas, constituídas em harmonia com as normas da hierarquia e disciplina respectivas, são aplicáveis às mais confissões religiosas ou cultos praticados dentro do território português.
§ único. Exceptuam-se os actos de culto incompatíveis com a vida e integridade física da pessoa humana e com o bons costumes, assim como a difusão de doutrinas contrárias à ordem social estabelecida.

Art. 10.º Os parágrafos do artigo 72.º são substituídos pelos seguintes:

S 1.º Não poderão propor-se ao sufrágio os candidatos que não ofereçam garantias de respeito a fidelidade aos princípios fundamentais da ordem política e social consignados na Constituição. Esta idoneidade política será apreciada pelo Conselho de Estado.
§ 2.º São ainda requisitos legais dos candidatos:
a) Ser português de origem e ter mantido sempre a nacionalidade;
b) Ser maior de 35 anos;
c) Achar-se no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos.
§ 3.º Se o eleito for membro da Assembleia Nacional perderá o mandato.

Art. 11.º O artigo 74.º passa a ter a redacção seguinte:

Art. 74.º O presidente é eleito por sete anos improrrogáveis, salvo o caso de acontecimentos que tornem Impossível a convocação dos colégios eleitorais, terminando assim o mandato Logo que, realizado o acto eleitoral, se proceda à. proclamação do novo Chefe do Estado.
§ 1.º A eleição realiza-se no domingo mais próximo do 60.º dia anterior ao termo de cada período presidencial, competindo o apuramento final ao Supremo Tribunal de Justiça, que proclamará presidente o cidadão mais votado.
§ 2.º O presidente eleito tomará posse perante a Assembleia Nacional, usando a seguinte fórmula de compromisso: «Juro manter e cumprir leal e fielmente a Constituição da República, observar as leis, promover o bem comum, sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria Portuguesa».

Ari. 12.º Passa a constituir o artigo 75.º o seguinte:

Art. 75.º O presidente assumirá as suas funções no dia em que expirar o mandato do seu antecessor.

Art. 13.º O § 2.º do artigo 80.º passa a ter a seguinte redacção:

§ 2.º Enquanto se não realizar a eleição prevista neste artigo, ou quando, por qualquer motivo, houver impedimento transitório das funções presidenciais, ficará o Presidente do Conselho investido nas atribuições de Chefe do Estado, conjuntamente com as do seu cargo, ou. na sua falta, o Ministro que o deva substituir pela ordem de procedência.

Art. 14.º O artigo 83.º é substituído pelo seguinte:

Art. 83.º Junto do Presidente da República funciona o Concelho de Estado, composto dos seguintes membros:

1.º O Presidente do Conselho de Ministros;
2.º O da Assembleia Nacional;
3.º O da Câmara Corporativa;
4.º O do Supremo Tribunal de Justiça;
5.º O procurador-geral da República;
6.º Dez homens públicos de superior competência nomeados pelo Chefe do Estado, que serão substituídos à escolha e por metade, no início de cada período presidencial.

Art. 15.º O artigo 84.º é substituído pelo seguinte:

Art. 84.º São obrigatoriamente atribuições do Conselho de Estado:
a) Pronunciar-se sobre a idoneidade dos candidatos à eleição do Presidente da República;
b) Assistir ao Chefe do Estado quando tenha de exercer alguma das atribuições consignadas no artigo 80.º. nos n.ºs 5.º, 6.º 7.º e 8.º do artigo 81.º e § único do artigo 87.º;
c) Pronunciar-se em todas as emergências graves para a vida da Nação.
§ 1.º O Presidente da República pode também convocar o Conselho sempre que o julgue necessário.
§ 2.º Para o exercício da atribuição prevista na alínea a) não poderão tomar parte nas reunião do Conselho os vogais que forem candidatos à Presidência da República.

Art. 16.º A epígrafe do título III da parte II passará a ser:

Da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa.

Art.º 17.º O corpo do artigo 85.º é substituído pelo seguinte:

Art. 85.º A Assembleia Nacional é composta de cento e vinte Deputados, eleitos por sufrágio

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directo dos cidadãos eleitores, e o seu mandato terá a duração de quatro anos improrrogáveis, salvo o caso previsto no artigo 74.º

Art. 18.º O § 2.º do artigo 90.º passa a ter a seguinte redacção:

§ 2.º A verificação pelo Presidente dos factos referidos nos n.ºs 1.º e 2.º tem os mesmos efeitos que a aceitação da renúncia.

Art. 19.º O n.º 12.º do artigo 91.º é substituído por:
12.º Deliberar sobre a revisão constitucional.

Art. 20.º O artigo 93.º é substituído pelo seguinte:

Art. 93.º Constitui necessariamente matéria de lei:

a) A organização da defesa nacional;
b) O peso, valor e denominação das moedas principais;
c) O padrão dos pesos e medidas;
d) A criação de bancos ou institutos de emissão;
e) A organização dos tribunais.

Art. 21.º É acrescentado ao artigo 97.º o seguinte § único:

§ único. O Governo pode, durante a discussão das propostas ou projectos, submeter à apreciação da Assembleia quaisquer alterações, desde que incidam sobre matéria ainda não votada.

Art. 22.º O § único do artigo 98.º passa n ter a seguinte redacção:

§ único. Os projectos devolvidos à Assembleia por não terem sido promulgados serão de novo submetidos à sua apreciação e, se então forem aprovados por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções, não poderá ser-lhes recusada a promulgação.

Art. 23.º A alínea b) do § único do artigo 99.º passa a ter a seguinte redacção:

b) As deliberações a que se referem os artigos 2.º e 91.º, n.ºs 3.º, 6.º, 7.º e 12.º, e outras semelhantes.

Art. 24.º O corpo do artigo 102.º e seu § 3.º são substituídos pelos seguintes:

Art. 102.º Haverá uma Câmara Corporativa, com duração igual à da Assembleia Nacional, composta de representantes de autarquias locais e dos interesses sociais, considerados estes nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica, designando a lei aqueles a quem incumbe tal representação ou o modo como serão escolhidos e a duração do seu mandato.
§ 3.º Aos membros desta Câmara é aplicável o disposto no artigo 89.º e seus parágrafos, substituídas, porém, as deliberações a que se referem as alíneas b), c) e d) do mesmo artigo pela autorização ou decisão do Presidente e determinando-se por diploma legal o quantitavo e as condições em que será percebido o subsídio referido na alínea e).

Art. 25.º O § 3.º do artigo 103.º é substituído pelo seguinte:

§ 3.º Se a Câmara Corporativa, pronunciando-se pela rejeição na generalidade de um projecto de lei, sugerir a sua substituição por outro, poderá o Governo ou qualquer Deputado adoptá-lo e será discutido em conjunto com o primitivo, independentemente de nova consulta à Câmara Corporativa. Se esta sugerir alterações à proposta ou projecto na especialidade, poderá a Assembleia Nacional decidir que a votação incida, de preferência, sobre o texto sugerido pela Câmara Corporativa e poderá sempre qualquer Deputado fazer suas tais alterações.

Art. 26.º Os artigos 104.º. 105.º e 106.º são substituídos pelos seguintes:

Art. 104.º A Câmara Corporativa funciona em sessões plenárias ou por secções e subsecções.

§ 1.º As secções corresponderão aos interesses de ordem administrativa, moral, cultural e económica e as subsecções aos interesses especializados dentro de cada secção.
§ 2.º Quando a matéria em estudo assim o reclamar, poderão reunir duas ou mais secções ou subsecções.
§ 3.º Na discussão das propostas ou projectos podem intervir o Presidente do Conselho e o Ministro das Corporações e os Ministros e Subsecretários de Estado competentes, os representantes de uns e outros e o Deputado que do projecto houver tido a iniciativa.
§ 4.º As sessões da Câmara Corporativa não são públicas.
Art. 105.º O Governo poderá consultar a Câmara Corporativa sobre diplomas a publicar ou propostas de lei a apresentar à Assembleia Nacional, determinar que o trabalho das secções ou subsecções prossiga ou se realize durante os adiamentos, interrupções e intervalos das sessões legislativas e pedir a convocação de todas ou algumas das secções ou subsecções para lhes fazer qualquer comunicação.
§ único. A discussão das propostas de lei na Assembleia Nacional não dependerá de nova consulta à Câmara Corporativa se já tiver sido ouvida pelo Governo.
Art. 106.º À Câmara Corporativa é aplicável o preceituado no artigo 86.º, salvo no que se refere à verificação de poderes, que ficará a cargo de uma comissão especial por ela eleita, e no artigo 101.º, alíneas a) e b), sendo também -reconhecida às respectivas secções e subsecções a faculdade conferida no artigo 96.º aos membros da Assembleia Nacional.

Art. 27.º A epígrafe do título VI da parte II é redigida como segue:

Das circunscrições políticas e administrativas e das autarquias locais no continente e ilhas adjacentes.

Art. 28.º A epígrafe do título VII da parte II passará a ser:
Do Império Ultramarino Português.

Art. 29.º É eliminado o artigo 133.º
Art. 30.º O artigo 134.º é substituído pelo que segue:

Art. 134.º A Constituição será normalmente revista de dez em dez anos, contados desde a data da última revisão, tendo, para esse efeito, poderes constituintes a Assembleia Nacional cujo mandato abranger o último ano do decénio.

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§ 1.º A revisão constitucional pode ser antecipada de cinco anos se, a partir do início da sessão legislativa correspondente ao último ano do quinquénio, assim for deliberado por dois terços dos Deputados em exercício efectivo. O decénio referido no artigo anterior conta-se, neste caso, da data da lei da revisão que então for votada.
§ 2.º Uma vez votada a lei de revisão cessam os poderes constituintes da Assembleia Nacional.
§ 3.º Se a lei de revisão não puder ser integralmente votada pela Assembleia Nacional a que as disposições anteriores conferem poderes constituintes, serão aqueles poderes reconhecidos à Assembleia que lhe suceder, mas apenas durante a sua primeira sessão legislativa e para o efeito restrito de ultimar a apreciação e votação das mesmas propostas ou projectos.
§ 4.º Não podem ser admitidos como objecto de deliberação (propostas ou projectos de revisão constitucional que não definam precisamente as alterações projectadas.

Art. 31.º São eliminados os artigos 138.º, 139.º, 142.º e 143.º

Presidência do Conselho, 18 de Janeiro de 1951. - O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.

Presidência do Conselho Gabinete do Presidente

O Decreto com força de lei n.º 18:570, de 8 de Julho de 1930, que inicialmente promulgou o Acto Colonial, dispunha que ele substituiria o título V da então vigente Constituição e deveria ser incorporado na reforma geral lesta. Parece chegado agora o momento de proceder desse modo, incluindo no correspondente título VII da actual Constituição o próprio texto do Acto Colonial, que o artigo 133.º daquele diploma considera, de natureza constitucional.
Desta integração resultam duas vantagens: em primeiro lugar, a Constituição completa-se, acrescentando à sua estrutura aquilo que lhe faltava, para verdadeiramente ser o diploma orgânico dum Estado com tão larga e importante projecção ultramarina; depois, a unificação dessa estrutura realçará e conjugará melhor a unidade política da Nação Portuguesa, que o texto constitucional se propõe exprimir e vincular juridicamente.
O mesmo objectivo conduz n reconhecer a conveniência de restabelecer a antiga nomenclatura dos territórios portugueses de além-mar, ainda não desaparecida em grande parte dos textos legais vigentes. E não só essa antiga nomenclatura subsiste em textos legais, mas também na literatura e no uso corrente, que novas e recentes tendências da política mundial vieram actualizar e fazer reviver.
Não parece necessário assentar desde quando, na linguagem oficial, os referidos territórios foram considerados e designados como províncias ultramarinas. Embora este conceito figure em diplomas régios, pelo menos desde o começo do século XVII, não podia esperar-se que naquela data, em que um direito novo estava em gestação, ele tomasse desde logo a forma sistemática, que havia de adquirir só mais tarde, no século XIX, época das planificações jurídicas.
E, porém, fora de dúvida que, durante iodo este último século, tal conceito presidiu à elaboração das leis e à actividade governativa do ultramar, com resultados positivos que não só preservaram a integridade de tão valioso património, mas ainda marcaram dias de glória através das muitas dificuldades vencidas.
E, se esse património se tem mantido na sua grandeza geográfica, se a atitude e os sentimentos da Nação para com os povos de além-mar foram e continuam sendo invariavelmente os mesmos, se até os métodos governativos não foram alterados nas suas linhas mestras, mas apenas acrescentados com mais disciplina, novo vigor, mais altos propósitos de desenvolvimento e progresso, quanto possível ao par da revolução operada na metrópole, bem se compreende as razões por que a decisão, tomada há alguns anos, de trocar o conceito político de «província» pelo de «colónia» não tenha transitado definitivamente em julgado. Além de aquele ter continuado sempre a contar com muitos adeptos, a própria Câmara Corporativa lhe deu favorável acolhimento no seu parecer de 16 de Junho de 1945, sobre a proposta de lei n.º 110 alterando a Constituição e o Acto Colonial. Haverá agora oportunidade de rever o assunto.
Ao fazê-lo, aproveita-se o ensejo para retocar ou completar algumas definições, sistematizar melhor os assuntos, transferir para outros diplomas alguns preceitos que não precisam de ter carácter constitucional e deixar abertas as vias de uma possível descentralização, tanto nas atribuições de ordem legislativa como executiva, que diplomas especiais devem ajustar às circunstâncias de cada território, às suas necessidades de desenvolvimento e ao estado social dos seus habitantes, no que respeita à capacidade de interferirem proveitosamente na administração pública.
Em regras legais desta natureza, ao definir a missão histórica da Nação, uma palavra simbólica não podia ser omissa: a dos Descobrimentos. Vem daí o seu início e fundamento, e o título de nobreza de que a Portugal pertence a primazia e o maior quinhão.

Proposta de lei

Artigo 1.º As disposições do Acto Colonial são integradas no texto da Constituição, de que ficam :i constituir o título VII da parte II sob a rubrica «Do Império Ultramarino Português», nos termos do artigo do Decreto com força, de lei n.º 18:570, de 8 de Julho de 1930.
Art. 2.º Em consequência do disposto no artigo anterior, proceder-se-á ao ajustamento da numeração e das referências do articulado e ao seu agrupamento em capítulos, alterando-se como se segue o texto dos artigos do Acto Colonial que se indicam com a sua numeração actual:

TITULO VII

Do Império Ultramarino Português

CAPITULO I

Princípios fundamentais

Artigo 1.º (A suprimir, em consequência da integração determinada no artigo 1.º da proposta de lei).
Art. 2.º É da essência orgânica da Nação Português desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos Descobrimentos sob a sua soberania e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da sua civilização, exercendo também a influência moral que é adstrita ao Padroado do Oriente.
Art. 3.º Os territórios ultramarinos de Portugal indicados nos n.ºs 2.º a 5.º do artigo 1.º denominam-se genericamente «províncias», com organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social.
Art. 4.º (A transferir para depois do artigo 7.º, com a redacção indicada no artigo 7.º-A).

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Art. 5.º As províncias ultramarinas, como parte integrante do Estado Português, são solidárias entre si e com a metrópole. Nesta solidariedade se devem inspirar todas as suas actividade» na ordem espiritual, administrativa, económica e financeira.
Art. 6.º A solidariedade entre as províncias ultramarinas e a metrópole abrange especialmente a obrigação de contribuir por forma adequada, para assegura a integridade e a defesa de toda a Nação e os fins da política nacional definidos no interesse comum pelos órfãos da soberania.
Art. 7.º (A trasladar para o § 2.º do artigo 1.º da Constituição, com a redacção seguinte):
A Nação não aliena, por nenhum modo qualquer parte do território ou dos seus direitos de soberania, sem prejuízo da rectificação de fronteiras, quando aprovada pela Assembleia Nacional.
Art. 8.º (A trasladar para o artigo 2.º da Constituição).
Art. 9.º a 1.4.º (A seguir ao artigo (36.º), substituindo-se a na redacção pela indicada nos artigos 36.º, letras A a D).

CAPITULO II

Das garantias gerais

Art. 7.º - A. Os direitos e garantias individuais declarados pela Constituição igualmente são reconhecidos a nacionais e estrangeiros na províncias ultramarinas, nos termos da lei, mas sem prejuízos de a uns e a outros poder ser recusada-a entrada em qualquer dos referidos territórios e de uns e outros daí poderem ser expulsos, conforme estiver regulado, se da sua presença resultarem graves inconvenientes de ordem interna ou internacional, cabendo unicamente recurso destas resoluções para o Governo.
Art. 7.º - B. Atender-se-á ao estado de. evolução dos povos nativos dos territórios ultramarinos, havendo estatutos «especiais que estabeleçam para, eles, sob a influência do direito público e privado português, regimes jurídicos de contemporização com os seus usos e costumes que não sejam incompatíveis com a moral, com os ditames de humanidade ou com o livre exercício da soberania portuguesa.
Art. 7.º-C. O Estado assegura nos seus territórios ultramarinos a liberdade de consciência e o livre exercício dos diversos cultos, com as restrições exigidas pelos direitos e interesses da soberania de Portugal, bem como pela manutenção da ordem pública, e de harmonia com os tratados e convenções internacionais.
Art. 7.º- D. As missões católicas portuguesas do ultramar e os estabelecimentos de formação do pessoal para os serviços delas e do Padroado terão personalidade jurídica e serão protegidos e auxiliados pelo Estado como instituições de ensino e assistência e instrumentos de civilização, nos termos das concordatas e mais acordos celebrados com a Santa Sé.

CAPÍTULO

Das garantias especiais para os indígenas

Art. 15.º O Estado garante por medidas especiais, como regime de transição a protecção e defesa dos indígenas nas províncias onde os houver, conforme os princípios de humanidade e soberania, as disposições deste capítulo e as convenções internacionais.
As autoridades e os tribunais impedi-lo e castigarão nos termos da lei todos os abusos contra a pessoa bens dos indígenas.
Art. 16.º O Estado estabelece instituições públicas e promove a criação de instituições particulares, portuguesas umas « outras, em favor dos direitos dos indígenas ou para a sua assistência.
Art. 17.º A lei garante aos indígenas, nos termos por ela declarados, a propriedade e posse dos seus terrenos a culturas, devendo ser respeitado este princípio em todas as concessões feitas pelo Estado.
Art. 18.º O trabalho dos indígenas contratados paru serviço do Estado ou dos corpos administrativos é remunerado.
Art. 19.º São proibidos:

1.º Os regimes pelos quais o Estado se obrigue a fornecer trabalhadores indígenas a quaisquer empresas de exploração económica;
2.º Os regimes pelos quais os indígenas existentes em qualquer circunscrição territorial sejam obrigados a prestar trabalho às mesmas empresas por qualquer título.
Art. 20.º O Estado somente pode compelir os indígenas ao trabalho em obras públicas de interesse geral da colectividade, em ocupações cujos resultados lhes pertençam, em execução de decisões judiciárias de carácter penal ou para cumprimento de obrigações fiscais.
Art. 21.º O regime do contrato de trabalho dos indígenas assenta na liberdade individual e no direito a justo salário e assistência, intervindo a autoridade pública somente para fiscalização.
Artigos 22.º a 24.º (Intercalados acima, com a redacção dos artigos 7.º-B, 7.º-C e 7.º-D.

CAPÍTULO IV

Do regime político e administrativo

Art. 25.º (Substituído pelo artigo 26.º-A).
Art. 26.º São garantidas às províncias, ultramarinas a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição e com o seu estado de desenvolvimento e os recursos próprios, sem prejuízo do disposto no artigo (47.º).
S único. Em cada uma das províncias ultramarinas será mantida a unidade política, pela existência de uma só capital e do governo da província.
Art. 26.º-A. As províncias ultramarinas reger-se-ão por via de regra por legislação especial, emanada dos órgãos legislativos com sedo na metrópole ou, relativamente a cada uma delas, dos órgãos legislativos provinciais, conforme as regras da competência fixadas na lei.
Art. 27.º Os órgãos metropolitanos com atribuições de legislar para o ultramar são:
1.º A Assembleia Nacional, mediante propostas do Ministro do Ultramar, nos assuntos que devam constituir necessariamente matéria de lei, segundo o artigo 93.º e ainda nos seguintes:
a) Regime geral de governo das províncias ultramarinas;
b) Definição da competência do Governo da metrópole e dos governos ultramarinos quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos ou outras que envolvam exclusivo ou privilégio especial;
c) Autorização de contratos que não sejam de empréstimo e exijam caução ou garantias especiais.
2.º O Governo quando, nos termos da Constituição, tiver de dispor por meio de decreto-lei para todo o território nacional ou se o diploma regular matéria de interesse comum da metrópole e de alguma ou algumas das províncias ultramarinas;
3.º O Ministro do Ultramar, cuja competência abrange todas as matérias que representem interesses superiores ou gerais da política nacional no ultramar ou sejam comuns a mais de uma província ultramarina, como será especificado na lei a que se refere a alínea a) do n.º 1.º deste artigo.

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§ 1.º A competência legislativa do Ministro do Ultramar será exercida precedendo parecer do Conselho Ultramarino, salvo nos casos de urgência e nos demais indicados na lei, bem como naqueles em que o Conselho demore por mais de trinta dias o parecer sobre a consulta que lhe haja sido feita pelo Ministro. Os diplomas a publicar no exercício desta competência legislativa revestirão a fornia de decreto, promulgado e referendado nos lermos da Constituição, adoptando-se a forma de diploma legislativo ministerial quando o Ministro estiver exercendo as suas funções em qualquer das províncias ultramarinas e de portaria nos outros casos previstos na lei.
§ 2.º Todos os diplomas para vigorar nas províncias ultramarinas carecem de conter a menção, aposta pelo Ministro do Ultramar, de que devem ser publicados no Boletim Oficial da província ou províncias onde hajam de executar-se.
§ 3.º Não pode ser contestada, com fundamento na violação deste artigo, a legitimidade constitucional dos preceitos contidos nos respectivos diplomas, salvo o disposto no § único do artigo 123.º
Art. 28.º A competência dos órgãos legislativos das províncias ultramarinas que a lei definir abrange todas as matérias que respeitem exclusivamente à respectiva província e não estejam atribuídas pelo artigo anterior à Assembleia Nacional, ao Governo ou ao Ministro, do Ultramar.
§ 1.º Os acordos ou convenções não Compreendidos nos artigos 81.º, n.º 7.º, e 91.º, n.º 7.º, que os governos das províncias ultramarinas, devidamente autorizados, negociarem com os governos de outras províncias ou territórios, nacionais ou estrangeiros, dependem de aprovação do Ministro do Ultramar.
§ 2.º Os diplomas dos governos ultramarinos não poderão revogar, suspender ou estatuir em contrário do que dispuserem a Constituição ou quaisquer outros diplomas emanados dos órgãos legislativos metropolitanos.
Art. 28.-A. As funções legislativas de cada um dos governos das províncias ultramarinas, na esfera da sua competência, vão exercidas sob a fiscalização dos órgãos da soberania e por via de regra, conforme o voto de um conselho, em que- haverá representação adequada às condições do meio social.
Art. 29.º O Governo superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas, nos termos da Constituição e da lei orgânica a que se refere a alínea n) do n.º 1.º do artigo (27.º), agindo por intermédio dos órgãos que a mesma lei indicar.
Art. 29.º-A (desdobramento do antecedente). Em cada uma das províncias ultramarinas haverá, como autoridade superior, um governador ou governador-geral, com as atribuições e prerrogativas que a lei definir, não podendo por qualquer forma conferir-se-lhe atribuições que pela Constituição pertençam à Assembleia Nacional, ao Governo ou ao Ministro do Ultramar, salvo as que restritamente lhe sejam outorgadas, por quem de direito, para determinados assuntos, em circunstâncias excepcionais.
§ único. Não poderão ser nomeados governadores quaisquer interessados na direcção ou gerência de empresas com sede ou actividade económica na respectiva província.
Art. 30.º (Intercalado sob o artigo 28.º-A).
Art. 31.º As funções executivas em cada província ultramarina são desempenhadas pelo governador, que, nos casos previstos na lei, será assistido do um corpo consultivo.
Art. 32.º A divisão administrativa das províncias ultramarinas e as condições em que nelas poderão ser instituídas autarquias locais serão determinadas por lei, tendo em atenção a importância, o desenvolvimento e a população de cada área.
§ único. Sem prejuízo do disposto no § único do artigo 7.º, os estrangeiros com residência habitual no território por tempo não inferior a cinco anos, sabendo ler e escrever português, podem fazer parte dos corpos administrativos até ao máximo de um terço dos seus membros.
Art. 33.º E supremo dever de honra do governador, em cada um dos territórios ultramarinos, sustentar os direitos de soberania da Nação e promover o bani da província, em harmonia com os princípios consignados na Constituição e nas leis.

CAPÍTULO V

Da ordem económica

Art. 34.º A organização económica do ultramar deve integrar-se na organização económica geral da Nação portuguesa e comparticipar através dela na economia mundial.
§ único. Para atingir os fins indicados neste artigo facilitar-se-á pelos meios convenientes, incluindo a gradual redução ou suspensão dos direitos aduaneiros, a livre circulação dos produtos dentro de todo o território nacional. O mesmo princípio se aplicará quanto possível à circulação das pessoas e dos capitais.
Art. 35.º Os regimes económicos das províncias ultramarinas são estabelecidos em harmonia com as (necessidades do seu desenvolvimento e do bem-estar da sua população, com a justa reciprocidade entre elas e os países vizinhos e com os direitos e legítimas conveniências da Nação portuguesa de que são parte integrante.
Art. 36.º Pertence à metrópole, sem prejuízo da descentralização garantida, assegurar pelas decisões dos órgãos competentes a conveniente posição dos interesses que nos termos do artigo anterior, devem ser considerados em conjunto nos regimes económicos dos territórios ultramarinos.
Art. 36.º-A. A lei especificará as parcelas de terrenos ou outros bens no ultramar que, por estarem afectos ou destinados ao domínio público ou interessarem ao prestígio do Estado ou a superiores conveniências nacionais, não podem ser concedidos ai em por qualquer outro modo alienados.
§ único. A lei regulará também o uso ou ocupação das mesmas parcelas de terrenos por entidades públicas ou particulares, quando convenha aos interesses do Estado e a título precário.
Art. 36.º-B. As concessões do Estado ou das autarquias locais na esfera da sua competência, ainda quando hajam de ter efeito com a aplicação de capitais estrangeiros, serão sempre sujeitas a condições que assegurem a nacionalização e demais conveniências da economia nacional.
Diplomas especiais regularão este assunto para os mesmos fins.
Art. 36.º-C. De futuro a administração e exploração dos portos ou aeroportos do ultramar são reservadas para o Estado. Lei especial regulará as excepções que devam ser admitidas dentro década porto ou aeroporto em relação a determinadas instalações ou serviços.
Art. 36.º-D. Nem o Estado nem as autarquias locais podem conceder no ultramar a empresas singulares ou colectivas:
1.º O exercício de prerrogativas de administração pública;
2.º A faculdade de estabelecer ou fixar quaisquer tributos ou taxas, não se incluindo a cobrança de rendi-

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mentos públicos cuja arrematação for permitida por lei;
3.º A posse de terrenos ou o direito exclusivo de pesquisas mineiras, com a faculdade de subconceder a outras empresas.
§ único. Nos territórios ultramarinos onde actualmente houver concessões da natureza daquelas a que se refere este artigo observar-se-á o seguinte:

a) Não poderão ser prorrogadas ou renovadas, no todo ou em parte;
b) O Estado exercerá o seu direito de rescisão ou resgate, nos termos das leis ou contratos aplicáveis.

CAPITULO VI

Do regime financeiro

Art. 37.º As províncias ultramarinas são pessoas colectivas de direito público, com a faculdade de adquirir, contratar e estar em juízo.
Art. 38.º Cada uma das províncias ultramarinas tem activo e passivo próprios, competindo-lhe a disposição dos seus bens e receitas e a responsabilidade das suas despesas e dívidas, nos termos da lei.
Art. 39.º Constituem património de cada província ultramarina os terrenos vagos ou que não hajam entrado definitivamente no regime de propriedade privada ou no domínio público, as heranças jacentes e outros bens imobiliários ou mobiliares que não pertençam a outrem, dentro dos limites do seu território, e ainda os que adquirir ou lhe pertencerem legalmente, fora do mesmo território, incluindo as participações de lucros ou de outra espécie que lhe. sejam destinadas.
§ 1.º A administração dos bens das províncias ultramarinas situado na metrópole pertence ao Ministério do Ultramar.
§ 2.º Só ao Tesouro Nacional ou aos estabelecimentos de crédito que o Governo designar podem ser cedidas, ou dadas em penhor, as acções e obrigações de companhias concessionárias que pertençam a uma província ultramarina e só também podem ser consignados às mesmas entidades os rendimentos desses títulos em qualquer operação financeira.
Art. 40.º Cada uma das províncias ultramarinas tem o seu orçamento privativo, elaborado segundo um plano uniforme, de harmonia com os princípios consignados nos artigos 63.º e 66.º e votado pelos seus próprios órgãos nos termos que a lei declarar.
§ 1.º O orçamento de cada província ultramarina incluirá somente as receitas e despesas permitidas por diplomas legais.
§ 2.º Quando o orçamento não possa entrar em execução no começo 'do ano económico, continuarão provisoriamente em vigor, por duodécimas, só quanto à despesa ordinária, o orçamento do ano anterior e os créditos sancionados durante ele para ocorrer a novos encargos permanentes.
Art. 41.º A lei a que se refere a alínea a) do n.º 1.º do artigo (27.º) estabelecerá:

1.º Quais as despesas e as receitas que pertencem às províncias ultramarinas separadamente ou em comum, bem como as atribuídas à metrópole;
2.º As regras de fiscalização ou superintendência a que ficam sujeitos os governos das províncias ultramarinas 'para salvaguarda da ordem financeira.
Art. 42.º A contabilidade das províncias ultramarinas será organizada como a da metrópole, com as modificações que se tornem indispensáveis por circunstâncias especiais.
Art. 43.º As contas anuais das províncias ultramarinas serão enviadas ao Ministério do Ultramar, para, depois de verificadas e relatadas, serem submetidas a julgamento do Tribunal de Contas, nos termos e prazos fixados na lei.
Art. 44.º A metrópole presta assistência financeira às províncias ultramarinas, mediante as garantias necessárias.
Art. 45.º As províncias ultramarinas não podem contrair empréstimos em países estrangeiros.
§ único. Quando seja preciso recorrer a praças externas para obter capitais destinados* ao governo de qualquer província ultramarina, a operação financeira será feita exclusivamente de conta da metrópole, sem que a mesma província assuma responsabilidades para com elas, tomando-as, porém, plenamente para com a metrópole.
Art. 46.º Os direitos do Tesouro Nacional ou dos estabelecimentos de crédito referidos no § 2.º do artigo (39.º), por dívidas pretéritas ou futuras das províncias ultramarinas, são imprescritíveis.
Art. 47.º A autonomia financeira das províncias ultramarinas .fica sujeita às restrições ocasionais que sejam indispensáveis por situações graves da sua Fazenda ou pelos perigos que estas possam envolver para a metrópole.
O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.
Nota final. - Os parêntesis que se encontram no texto contêm indicações provisórias, a substituir nos termos do artigo 2.º da proposta de lei.

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CÂMARA CORPORATIVA

V LEGISLATURA

PARECER N.º 10/V

Projecto de proposta de lei n.º 505

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei elaborado pelo Governo sobre revisão do Acto Colonial, emite, pelas suas secções de Política e administração geral e de Política e economia coloniais, às quais foram agregados os Dignos Procuradores Amadeu Guerreiro Fortes Ruas e José Gabriel Pinto Coelho, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

1. O projecto submetido ao estudo da Câmara respeita à revisão do Acto Colonial, com vista à integração das respectivas disposições no próprio texto constitucional, conforme foi previsto no artigo 1.º do Decreto n.º 18:570, de 8 de Julho de 1930.
Segundo se afirma no relatório, «desta integração duas vantagens resultam: em primeiro lugar, a Constituição completa-se, acrescentando à sua estrutura aquilo que lhe faltava para verdadeiramente ser o diploma orgânico de uni Estado com tão larga e importante projecção ultramarina; depois, a unificação dessa estrutura realçará e conjugará melhor a unidade política da Nação Portuguesa, que o texto constitucional se propõe exprimir e vincular juridicamente».
A Câmara Corporativa aceita esta orientação como boa.

2. Mas o projecto não se limita a tornar possível a integração da matéria do Acto Colonial no texto da Constituição, a preencher o título VII da II parte, que hoje lá lhe falta: substitui a nomenclatura até agora usada e aproveita o ensejo apara retocar ou completar algumas definições, sistematizar melhor os assuntos, transferir para outros diplomas alguns preceitos que não precisam de ter carácter constitucional e deixar abertas as vias de uma possível descentralização ...».
A leitura atenta do projecto mostra, efectivamente, que o Acto Colonial foi profundamente remodelado quanto ao sistema, à forma e à doutrina. E a verificação deste facto causa sérias apreensões à Câmara.
Em matéria constitucional as inovações são sempre delicadas. A lei fundamental do Estado deve ser estável para ser respeitada. Sobre ela assenta todo um sistema legislativo, todo um ideário nacional, toda uma doutrina política, todo um trabalho hermenêutico e jurisprudencial. Alterar frequentemente a redacção do seu texto sem motivos de profunda necessidade política é fazer vacilar desde as raízes o edifício jurídico da Nação. Por isso em todo o Mundo, mesmo naqueles países que possuem uma Constituição flexível, se toca tão raramente e tão discretamente nos preceitos da lei suprema: só em período revolucionário as soluções se sucedem, na incerteza do destino ou na desorientação dos caminhos, criando nos povos o desgosto da versatilidade.
O Acto Colonial tem vinte anos, tempo de menos para se considerar envelhecido, mas suficiente para os seus preceitos terem fixado uma interpretação através de leis complementares e da prática constitucional.
Se há que rever a terminologia, a Câmara aceita que assim seja e as consequências inevitáveis do facto; mas

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entende que não convém alterar os preceitos vigentes apenas para aperfeiçoar a sua sistematização, ou tornar mais claras tendências que já se encontrem suficientemente definidas e asseguradas no texto vigente.

3. A Câmara chama muito particularmente a atenção para os perigos de uma assimilação prematura dos territórios ultramarinos à metrópole.
As suas condições naturais são e permanecerão diferentes; diferentes, e muito, são também na maior parte deles as condições sociais e económicas.
Desta diferença, que salta aos olhos do mais desprevenido observador, resulta a necessidade da especialização do Governo, da administração e das leis.
A assimilação tem de ser lenta, acompanhando a civilização dos nativos e o desenvolvimento dos núcleos de povoamento europeu.
E, sendo assim, também não é possível sujeitar todos os territórios a um regime uniforme, antes se devendo prover diferenças, por vezes consideráveis, de estatuto orgânico entre uns e outros, consoante a extensão, a população e o adiantamento de cada qual.

4. É por estas razões, sumariamente expostas, que a Câmara Corporativa se inclinaria para uma revisão o mais possível restrita, de modo a deixar subsistir do Acto, Colonial o máximo de preceitos doutrinários e orgânicos, ainda que com a nomenclatura substituída.

II

Exame na especialidade

ARTIGO 2.º

5. O artigo 2.º do Acto Colonial contém uma afirmação puramente doutrinária que tem sido objecto de frequentes críticas desde que em 1930 o Governo publicou na imprensa o primeiro projecto para apreciação pública.
Em certos meios da opinião indiana foi esse artigo
considerado até um dos mais graves defeitos do texto constitucional.
O projecto agora apresentado altera a sua redacção. Vejamos se para melhor.
Mantém-se a afirmação de que é da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar ...
Com razão se tem censurado a lógica desta frase. A expressão essência orgânica significa rigorosamente "estar no próprio ser dos órgãos", "o ser aos órgãos" ou, quando mais, "o ser que resulta da existência e disposição de certos órgãos.
Quer dizer-se com ela que a Nação Portuguesa, como organismo tem necessariamente (sem o que deixará de ser)a função de colonizar?
Mas isso seria negar que a Nação haja existido antes da expansão colonizadora e afirmar que fatalmente deixará da existir no dia que tenha cumprido a função de colonizar, inclusivamente por se acharem colonizados os territórios ultramarinos.
Mesmo que estes territórios fiquem para sempre integrados na Nação Portuguesa, é admissível a hipótese e um dia se poder considerar passada a fase da colonização (como acontece na Madeira e nos Açores). Justamente as susceptibilidades indianas nasceram de se poder tirar do texto a ilação de que a Índia Portuguesa está condenada a ser, per omnia secula, um território a colonizar.
Ora na própria oração se afirma que se trata do exercício de uma função histórica e tudo o que é histórico é temporal. Quis-se porventura dizer que é uma função herdada do passado; mas teve princípio em certo momento desse passado e não pode repugnar-nos a ideia de que há-de ter fim.
Repete-se que este fim pode não ser a separação e sim a total integração, como aconteceu com as ilhas adjacentes.

6. Em vez da "função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos", diz-se agora: "função histórica de colonizar as terras dos descobrimentos sob a sua soberania".
Também a nova fórmula não parece feliz. Nem todas as parcelas do actual Império Colonial Português se podem dizer com propriedade "terras dos descobrimentos": haja em vista Macau.
Por outro lado os descobrimentos respeitaram a mares, costas e ilhas: os vastos territórios do interior do continente africano, hoje sob a soberania portuguesa, não são rigorosamente "terras dos descobrimentos".
A inclusão desta expressão logo no início de tão solene texto constitucional dá a impressão de que na segunda metade do século xx Portugal continua a invocar, como único título jurídico da sua soberania no ultramar, os descobrimentos.
Sem dúvida que o descobrimento é, um dos títulos portugueses e porventura o mais glorioso: mas não podem deixar-se na sombra os outros, consagrados pelo direito internacional moderno, nomeadamente a ocupação, a posse e o reconhecimento em tratados e convenções internacionais.

7. No actual texto acrescenta-se à função histórica de colonizar a de "civilizar as populações indígenas que neles se compreendam; agora propõe-se que se substitua esta frase por outra: "e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da civilização cristã".
Civilizar as populações indígenas" era frase de sentido perfeitamente definido dentro do sistema do direito colonial português. Os dois termos colonizar e civilizar, em que se fazia consistir a "função histórica de Portugal", harmonizavam-se perfeitamente e estavam de acordo com as concepções internacionais mais correntes sobre a missão colonizadora: valorizar os territórios mediante o envio de gente industriada nas técnicas Europeias e valorizar as populações nativas que vivessem ainda em estado primitivo, educando-as segundo as concepções morais aos povos mais adiantados.
A frase agora proposta para a substituir não tem a mesma nitidez em si própria nem se harmoniza tão bem no conjunto do artigo.
Em vez de "populações indígenas que, neles se compreendam (o que se restringia às colónias de indigenato), fala-se agora em "populações ali existentes"; mas estas são formadas por colonos europeus, por assimilados cristãos, por outros assimilados não cristãos (hindus, maometanos, parses ... ) e por indígenas. Quanto aos civilizadas, não vem a propósito fixar-se constitucionalmente a função de lhes comunicar o que já possuem; quanto aos que não têm a civilização cristã, mas não são indígenas, muito embora se trate da difusão dos benefícios de um certo tipo de civilização, e não dos princípios de uma religião, podem julgar-se atingidos nas garantias, até aqui asseguradas, de liberdade de crença e de respeito dos seus usos e costumes.
Se na Índia o actual artigo 2.º suscitou reparos, pense-se que repercussões políticas poderá a nova redacção ter nas comunidades não cristãs que formam também a grande maioria da população de Macau e importantes minorias em Moçambique e na Guiné.
A Câmara não quer dizer com estas observações que não esteja segura de superioridade e dos benefícios da civilização cristã: apenas deseja chamar a atenção para

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um problema de ordem política que, nesta hora de crise dos impérios coloniais, pode ser suscitado numa nação que compreende além-mar súbditos de várias raças, confissões e civilizações, algumas das quais (como a industânica e a chinesa) de tradição milenária.

8. Contém ainda a parte final do artigo uma referência ao Padroado do Oriente. O País foi informado não há muito, pelo Sr. Presidente do Conselho, dos problemas que da independência indiana resultaram quanto à manutenção da actual forma e do actual âmbito do Padroado. A Câmara não tem elementos suficientes de informação para ajuizar da oportunidade de se manter, numa redacção nova do artigo 2.º, esta referência.

9. Parece, pois, à Câmara que a nova redacção proposta para o artigo 2.º não é mais feliz, sob o ponto de vista da política colonial, do que a actual: pelo contrário, agrava problemas suscitados por esta e pode criar outros novos.
O actual artigo 2.º contém uma afirmação de princípios, um pouco enfática, manifestamente dispensável e de sentido discutível, como acabou de se mostrar. Mas consta há vinte anos do Acto Colonial, já deu lugar a todas as críticas, a todas as glosas e a todas as reacções que tinha a dar. Por outro lado a sua eliminação poderá criar o risco de fazer crer que Portugal desiste agora de afirmações que até aqui reputara fundamentais. Estes motivos justificariam que na presente revisão se deixasse o artigo intacto.
A não se querer, porem, deixar permanecer uma disposição que em tempos suscitou a má vontade de alguns naturais das colónias, também parecia aceitável, a pretexto de com a integração do Acto Colonial no texto da Constituição se aligeirar e reduzir a extensão daquele, suprimir o artigo pura e simplesmente, juntamente com outros.
A solução adoptada é que não parece bem inspirada: porque tira do actual artigo 2.º o bastante para significar um abandono de posições e põe-lhe novos termos que podem ir agora suscitar novas críticas e novas reacções.
10. A Câmara Corporativa entende que, se o Governo deseja manter o artigo 2.º, modificando-o, deveria a modificação ser tal que não tocasse na sua essência, coimo, por exemplo, na redacção seguinte:

A Nação Portuguesa afirma o seu direito a prosseguir no desempenho da função histórica de colonizar os territórios ultramarinos sob a sua soberania, que importe povoar e valorizar e de civilizar os povos atrasados que neles residam.

ARTIGO 3.º

11.º A nova redacção deste artigo propõe-se alterar a terminologia corrente do direito colonial português pela supressão das expressões domínios ultramarinos, colónias e império colonial.
Em vez delas ressuscitam-se as designações de províncias ultramarinas e de ultramar.
Tal alteração parece justificar-se, no presente momento, sobretudo pela campanha internacional contra a denominação e o estatuto político das colónias.
Na verdade, a corrente nacional em prol da adopção do nome de províncias ultramarinas é já antiga, e, aquando da discussão do primeiro projecto do Acto Colonial, manifestou-se com impressionante força, tendo o primeiro dos votos do Congresso Colonial Nacional de 1930 sido no sentido de se consagrar essa denominação, e não a de colónias, no texto projectado.
Sem embargo de tais opiniões o Governo manteve a terminologia desse projecto.
Todavia, essa tinha sido a boa oportunidade. Após vinte anos de instabilidade governativa e de hesitações legislativas procurava-se consagrar num texto a fórmula de equilíbrio aconselhada pela experiência e que iria servir de base ao desenvolver de uma política firme e coerente.
Sobre o Acto Colonial se definiu a doutrina que tomou corpo numa série de diplomas basilares da administração ultramarina e que informa hoje a mentalidade dos funcionários que servem nos quadros do Império.
As grandes colónias de Angola e de Moçambique foram divididas em províncias; em mil e um pormenores da legislação e da administração, na linguagem comum e nos hábitos, as expressões colónia e império colonial estão radicadas profundamente. Não quer a Câmara entrar aqui na discussão dos pergaminhos históricos da designação de províncias ultramarinas: bastará registar que, segundo fundadas opiniões, não possui tradições anteriores ao século XIX como designação jurídico-administrativa1 e que no século XX a sua adopção tem sido preconizada por motivos puramente sentimentais.

12. Disse-se que a proposta de substituição da designação de colónias se poderia compreender nesta oportunidade pelo desfavor actual que a palavra tem nos meios internacionais.
A França deixou de a usar na sua legislação e o mesmo fez a Holanda, sem embargo do que a Inglaterra e a Bélgica se mantêm fiéis à terminologia tradicional.
Nas organizações internacionais, e nomeadamente na Organização das Nações Unidas, optou-se pela designação de território não autónomos.
Em França as colónias que não passaram a ser departamentos, territórios ou Estados associados ficaram a ser chamadas territórios ultramarinos.
A Holanda inclina-se para a fórmula federativa, unindo sob o reino da Casa de Orange, em pé de igualdade com a antiga metrópole, os dois territórios coloniais que lhe restam após a independência da Indonésia: o Surinam e as Antilhas Neerlandesas.
Mas todas estas modificações terminológicas correspondem ao movimento internacionalmente desejado no sentido de maior autonomia dos territórios ultramarinos, sem o qual não faria sentido.

13. Uma outra atitude poderia, porém, explicar a alteração projectada: em face da desorientação da opinião internacional em matéria de colónias, em face da desintegração dos impérios coloniais, em faço das pressões que certos Estados exercem no sentido de desencadear ou acelerar essa desintegração - importa que Portugal afirme solenemente uma vez mais a doutrina tantas vezes proclamada de que metrópole e colónias formam um só território, uma só Nação, um só Estado, não havendo mais do que circunscrições administrativas de aquém e de além-mar, com a organização adequada à situação geográfica e às condições do meio social de cada uma delas.
Esta parece ser a verdadeira razão que fundamenta a proposta. A Câmara não lhe nega valor, mas apenas tem a fazer-lhe algumas observações.
Admite-se que o princípio, que é sentimentalmente certo, o seja politicamente também.

____________________

1 É claro que uma vez ou outra a designação genérica de províncias aparecia, ato em actos oficiais, mas sem corresponder ao emprego rigoroso de uma designação oficial de unidades administrativas. Morais, no seu Dicionário, definia, em 1813: «Província - Parte de num reino ou estado... O distrito do uma cidade: v. g. província de Lamego, do Porto, etc.». Veja-se Marcelo Caetano, Portugal e o Direito Colonial Internacional, p. 12.

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Mas a assimilação que daí se tem de extrair é que não pode, nos dias de hoje, ir até aos extremos limites que a lógica imporia.
Já na actual organização administrativa metropolitana se distinguem as províncias continentais dos distritos autonomia das ilhas adjacentes.
A divisão administrativa e as fórmulas orgânicas estabelecidas para o continente tiveram de ceder quando se tratou de as aplicar a arquipélagos, só por o serem e por estarem distanciados da capital, muito embora haja entre a sua população e a continental uma perfeita identidade em todos os sentidos.
Quando, porém, se passa para os territórios africanos, situados na zona intertropical, com vastas extensões por desbravar, populações em regime tribal, núcleos europeus constituídos por colonos em número mínimo desgarrados das suas famílias e dos meios sociais tradicionais e ainda não congregados em novas comunidades estáveis - é manifesto que não pode pensar-se em deixar de lhes atribuir uma organização administrativa quase totalmente diversa da metropolitana.

14. O próprio ouso de Cabo Verde não parece eximir-se a esta regra. É facto que o arquipélago se pode considerar colonizado (é um dos exemplos da «função histórica» cumprida sob esse aspecto) e que nele vive uma sociedade já estabilizada, com grande número de famílias brancas, mestiças e pretas assimiladas, de antigas raízes já lançadas à terra.
Ainda existe uma considerável população negra que se não pode dizer civilizada, mas b facto é que também não é indígena, nem se encontra em estado mais atrasado que o com um das populações negras do Brasil.
Sob esse aspecto, Cabo Verde poderia passar do estatuto de colónia ao das ilhas adjacentes. Mas lucraria alguma coisa com isso? Esse é o único problema que restará resolver.
Como colónia o arquipélago desfruta ampla autonomia, possui um governador com largos poderes, junto do qual actua o Conselho de Governo, onde têm voz os representantes locais. Como distrito autónomo insular a sua administração complicar-se-ia e tornar-se-ia porventura mais dispendiosa; a legislação e o regime fiscal teriam de ajustar-se aos modelos metropolitanos; a autonomia seria suficiente para lhe não deixar receber subsídios regulares do Estado, mas não tanta que o governador não passasse às proporções modestíssimas dos governadores civis; enfim, a correspondência e dependência dos vários Ministérios não melhoraria a velocidade do estudo e da resolução dos problemas, nem a consideração dos aspectos particulares da vida de um território com três grupos étnicos e unia economia já africana.
Há circunstâncias, por outro lado, que a Câmara reconhece poderem militar a favor da integração do arquipélago «a administro cão da metrópole: a sua importância económica e estratégica como nó de comunicações marítimas e aéreas no Atlântico e o facto de já alguns dos seus serviços (defesa, aeroportos, meteorologia) estarem ligados a Ministérios metropolitanos.
É que a administração cabo-verdiana carece de ser reformada, também não há dúvida: não se trata de uma, colónia como S. Tomé ou a Guiné; impõe-se -urgentemente um esforço sério do Governo no sentido de melhorar as condições de vida da sua martirizada população, de fomentar a sua economia e de a defender contra os efeitos dos flagelos que periodicamente a assolam.
Se a ligação mais directa ao Governo metropolitano pode acelerai1 a realização dessas reformas sem os inconvenientes do desconhecimento das condições locais peculiares, dê-se depressa ao arquipélago o estatuto metropolitano. Mas a este respeito seria extremamente elucidativo seguir a experiência que a França está a colher da transformação das suas antigas colónias, da Guadalupe, da Martinica e da Reunião em departamentos, assimilados à metrópole quanto ao Governo, à administração e às leis.
É sabido tratar-se de territórios em condições muito semelhantes às de Cabo Verde: ilhas de já antigo povoamento, com uma população culta, espiritualmente assimilada, e na qual sobressaem as famílias brancas creou-las a par de um importante núcleo de mestiços e de outro constituído pelos descendentes dos escravos trazidos outrora do continente africano.
A lei de 19 de Março de 1946 pôs em execução as novas disposições constitucionais francesas quanto às vieilles colonies. O resultado imediato foi certa desorganização administrativa, agravada, com a instalação os novos serviços e a chegada dos funcionários metropolitanos, carecidos totalmente de preparação para actuar no novo meio e ... de casas para se instalarem.
Num livro recentemente publicado1 o Prof. Revert dá conta do que se tem passado e entre as diversas dificuldades encontradas nota a seguinte: «Jadis on était habitué à traiter toutes les questions d'intêret général avec le seul Ministère de la France d'Outre-mer. On est obligé de s´adresser maintenant à plusieurs et l´on n'y rencontre pas facilement le service ou le bureau compétents. Les vieilles habitudes se sont perdues, les contacts humains relachés. D'oú perte de temps et un mécontentement larvé qui s'est parfois exprimé de manière outrancière. Dans certains milieux irresponsables il a même été susurré imprudemment le not d'autonomie caraíbe ...».
E o autor, antigo e experiente colonial, conclui por propor que se confiem «toutes les affaires intéressant les nouveaux départements à une direction unique dépendant d'un grand Ministère, Intérieur ou Finances, et ou l´on eût rassemblé un ccrtain nombre d'especialistes des vieilles colonies», observando com prudente sabedoria:
«Il vant mieux, dans les circonstances présentes, éviter les heurts et les mutations trop brusques, ne fussent que pour ôter toutes appaarences de prétexte à certaines déclarations venues de la côte ferme».
A Câmara pensa, pois, que a outorga do estatuto metropolitano ao arquipélago de Cabo Verde deve ser feita com a maior circunspecção. Convirá começar por estabelecer um regime transitório em que o arquipélago goze de um estatuto ainda mais desconcentrado e descentralizado do que o das ilhas adjacentes, ficando dependente de uma pequena repartição metropolitana, que teria a sua colocação lógica na Presidência do Conselho. Através desta repartição se facilitariam os contactos da administração cabo-verdiana com os diversos Ministérios e aí se informariam os assuntos a ela respeitantes com o conhecimento especial de que carece.
Por isso sugere que na Constituição fique apenas um preceito - que deverá constituir o § único do artigo 3.º do Acto Colonial - permitindo ao legislador ordinário que faça a integração progressiva da administração cabo-verdiano na da metrópole.

15.º Voltando à questão da denominação, a Câmara Corporativa compreende que o Governo sinta a conveniência de nesta oportunidade substituir a designação de colónias por outra. Mas qual?
Aqui as opiniões dividem-se. A adopção da expressão províncias ultramarinas reúne os sufrágios de muitos e ilustres colonialistas e tem a simpatia de parte da Câ-

1 Terres lontaines - La France d'Amérique, 1949, ver p. 168.

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mara. É preciso, porém, considerar as dificuldades que dela adviriam imediatamente.
No sentido português de província, trata-se de regiões que dentro do território nacional oferecem caracteres geográficos, económicos e etnográficos que as individualizam. Neste sentido a actual divisão de Angola e de Moçambique em províncias é mais conforme à tradição portuguesa do que considerando províncias as actuais colónias.
Angola, com o seu território correspondente a catorze vezes o de Portugal, compreende regiões tão diversas na natureza, no clima, na população, na economia, que são verdadeiras províncias. O mesmo poderá dizer-se de Moçambique.
As grandes regiões administrativas dessas duas colónias, chamadas hoje províncias, têm de manter-se. Poderá chamar-se-lhes distritos, denominando os actuais distritos intendências, mas o problema tem de ser estudado com ponderação, sem pressas, sem impulsos sentimentais.
A súbita substituição na lei constitucional do termo colónias por províncias ultramarinas daria lugar a um verdadeiro terramoto administrativo: tudo o que nas leis e no Governo se apelida hoje em dia colonial ficaria sem base. Não era só o Ministério das Colónias, o Conselho do Império Colonial, a Ordem do Império Colonial, a Escola Superior Colonial, a Agência-Geral das Colónias, mas todo um mundo de coisas perturbado, abalado, e que precipitadamente se procuraria ajustar à nova ordem.
Nem se diga que o mesmo sucedeu em 1910, porque não se compara a complexidade e a extensão da administração colonial de hoje com a desse tempo.
A Câmara inclina-se, por isso, para uma solução que não resolva o problema no plano constitucional: empregando na Constituição a designação genérica de territórios ultramarinos (como, aliás, já acontece no artigo 23.º do Acto Colonial) será possível, depois, por meio de leis ordinárias, ir fazendo a mudança lenta da nomenclatura das colónias, quer chamando-lhes províncias quando estiverem resolvidos os problemas administrativos que a adopção desse nome implica, quer optando por uma organização variada, que seja adequada às condições peculiares de cada território, de modo que a índia conserve a designação tradicional de Estado, Angola e Moçambique fiquem sendo Governos-Gerais e os restantes passem, por exemplo, a províncias autónomas.
Assim se evitariam os inconvenientes de uma brusca mudança terminológica - e até se acautelaria a hipótese de se querer adoptar outra amanhã.

16. Regulando a Constituição a especialidade do governo e da administração dos territórios ultramarinos, é natural que indique quais são estes: e por tal motivo um território só poderá deixar de reger-se pelo estatuto próprio do ultramar para passar a ter estatuto metropolitano mediante uma emenda constitucional.
Se, portanto, é propósito do Governo atribuir dentro em breve ao arquipélago de Cabo Verde o estatuto das ilhas adjacentes, é melhor fazê-lo já. Ou então alterar o artigo 1.º da Constituição, de maneira a isolar na enumeração das partes do território português esse arquipélago, em termos de facilmente se poder amanhã separá-lo dos territórios ultramarinos.
De harmonia com as considerações feitas, a Câmara Corporativa sugere para o artigo 3.º do projecto a seguinte redacção:

Os territórios ultramarinos, referidos nos n.05 2.º a 5.º do artigo 1.º da Constituição, terão organização político-administrativa adequada à situação geográfica e as condições do meio social de cada um.

§ único. A administração do arquipélago de Cabo Verde poderá ser integrada, parcial ou totalmente, no sistema da administração metropolitana.

ARTIGOS 5.º E 6.º

17. A ser aceite a redacção proposta pela Câmara para o artigo 3.º, passariam os artigos 5.º e 6.º a ler-se da seguinte forma:

A Nação Portuguesa constitui uma unidade política fundada na solidariedade de todas as partes do seu território aquém e além-mar. Nesta solidariedade se devem inspirar todas as suas actividades na ordem espiritual, administrativa, económica e financeira.

Suprimiu-se a referência à comunidade natural que se lê no projecto, pois que, tratando-se de uma unidade política, a comunhão criada nada tem que ver com a natureza.

A solidariedade entre os territórios ultramarinos e a metrópole abrange especialmente a obrigação de contribuir pela forma adequada para assegurar a integridade e a defesa de toda a Nação e os fins da política nacional definidos no interesse comum pelos órgãos da soberania.

ARTIGOS 7.º A 7.º-D

18. A Câmara Corporativa aceita a nova redacção do artigo 7.º, salvo quanto à inserção da palavra «conveniente» na frase final, pois não é de supor que a Assembleia Nacional aprove um acto inconveniente nem há forma jurídica de, após esse voto, ajuizar de tal conveniência.
Entende, porém, que ao integrar-se o Acto Colonial no texto da Constituição deixa de ser justificado o preceito especial para o ultramar, devendo antes este artigo, com carácter de generalidade, passar a constituir um § 2.º do artigo 1.º da Constituição.
Propõe, por isso, a sua eliminação deste título.
Quanto ao artigo 7.º-A, aceita-o com leves alterações de redacção.
Pelo que respeita ao artigo 7.º-B, julga a redacção proposta melhor do que a Ao actual artigo 22.º, pois não é necessária a especificação dos usos (individuais, domésticos e sociais) e há vantagem em conciliar o texto constitucional com o do artigo 246.º da Carta Orgânica, onde também se exige, para a recepção dos usos, que estes não sejam incompatíveis «com o livre exercício da soberania portuguesa».
Nem convém descer a mais pormenores para indicar certos usos e costumes a proscrever: é matéria a deixar para as leis ordinárias e que nem sempre se apresenta isenta de dificuldades, dado que usos manifestamente em desacordo com a moral cristã não podem, em certos casos, ser abolidos de chofre, sob pena de se criar a desordem e a desmoralização nas tribos, com efeitos maléficos muito superiores aos benefícios da afirmação dos princípios.
O artigo 7.º-C corresponde ao artigo 23.º do Acto Colonial, sem alteração.
Quanto ao artigo 7.º-D, que corresponde ao artigo 24.º, com a supressão da referência à função política das missões católicas e o aditamento de nova menção das concordatas e acordos com a Santa Sé, a Câmara nada tem a opor à redacção proposta, embora julgue supérfluo o aditamento.

Epígrafe do capítulo III

19. O título n do Acto Colonial intitula-se Dos indígenas. No projecto de revisão corresponde-lhe o capítulo III, que, a seguir àquele em que se trata Das garan-

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tias gerais, consigna a matéria Das garantias especiais para os indígenas africanos. Pelo que se deduz das notas explicativas enviadas com o projecto, o Governo teme que o emprego da palavra indígena, ainda mesmo com o qualificativo restritivo de africano, possa ferir a susceptibilidade dos naturais de algumas colónias.
Ora no direito colonial português está perfeitamente assente o que se entende por indígena. É na revisão a que em 1945 se procedeu na Carta Orgânica dispôs-se no artigo 246.º, § único, que «no Estado da índia e nas colónias de Macau e Cabo Verde as respectivas populações não estão sujeitas nem à classificação de indígenas com ao regime de indigenato na sua acepção legal».
Pretende-se agora declarar também Timor isenta desse regime. Sem dúvida que os malaios timorenses possuem nível cultural mais elevado do que a maioria das populações negras de África; mas daí até se poder afirmar que estão em condições de ser tratados como cidadãos portugueses, prescindindo das garantias espaciais que a lei estabelece para defesa e protecção dos indígenas, vai ainda uma grande distância.
Um missionário, o P.e Abílio Fernandes, resume a religiosidade e as superstições timorenses em duas palavras: temor e orgias, e considera os indígenas de uma psicologia quase primitiva e pueril 1.
Jacinto Magro descreve o timorense como «uma criança irresoluta»2.
Teófilo Duarte refere-se em 1926 «ao estado de atraso social em que o timorense se encontra» 3 e diz que «a densidade de população é insignificante... o seu estado de civilização é o mais rudimentar possível»4.
O declarar os timorenses cidadãos, e, portanto, não indígenas, não só os privaria da protecção legal e administrativa estabelecida para acautelar a debilidade dos não civilizados contra os perigos da utilização desprevenida do direito e da técnica das sociedades evoluídas, mas envolveria consequências importantes para a organização e até para a divisão administrativa da colónia, pois onde não há indígenas deixa de haver lugar a circunscrições e, portanto, deixam de existir administradores de circunscrição com os poderes e funções prescritos na Reforma Administrativa Ultramarina (cf. especialmente os artigos 8.º e 46.º).
Entende a Câmara que se não deve temer o emprego do termo indígena: qualifica uma realidade evidente, que exige uma disciplina jurídica, sem a qual graves inconvenientes se produziriam na vida e na evolução das populações atrasadas das colónias.
Não temos de pedir desculpa da existência dessas populações, que se encontram por toda a África tropical, na Ásia e na Oceânia, nem devemos vendar os olhos à protecção necessária e dignificante que lhes queremos conceder.
Por isso a epígrafe do capítulo III poderá ser «Das garantias especiais para os indígenas».

ARTIGO 15.º

20. A nova redacção do artigo ]5.º ressente-se do espírito, notado no número anterior, de julgar quase vergonhoso confessar a existência, de indígenas, procurando-se justificar a inserção destas disposições especiais com a invocação do artigo 6.º da Constituição, em que o Estado assume a incumbência de zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas.
A Câmara considera desnecessária tal invocação e entende que o estatuto especial dos indígenas é uma consequência do estado primitivo de certas populações que temos a missão de educar para a civilização, e não uma medida de política social para alento de classes economicamente débeis.
Entende também que a actual redacção do artigo é inteiramente satisfatória, salvas as alterações exigidas pela nomenclatura agora adoptada e com o aditamento de um parágrafo onde se especifiquem os territórios em que é aplicável o estatuto do indigenato, a fim de ficar constitucionalmente consignada, a exclusão daqueles em que já se sabe que suscita melindre a possibilidade de confusão dos seus habitantes com os indígenas.

ARTIGOS 16.º A 21.º

21. A Câmara Corporativa nada tem a observar à redacção dada aos artigos 16.º a 21.º, que é, salvo ligeiríssimas alterações, a que actualmente têm no Acto Colonial.

ARTIGO 26.º

22. O artigo reproduz, com ligeira alteração de terminologia, o texto actual. Se não fora o inconveniente de suprimir disposições que constam do Acto Colonial vigente, a Câmara proporia a eliminação do § único, pois a unidade política de cada colónia não está hoje posta em dúvida, não há tendências para a organização federativa, encontra-se posta de parte por todas as pessoas de senso a cisão das colónias em mais de um governo-geral, e os termos em que se encontra redigido o artigo do projecto criam dificuldades relativamente aos governos subalternos das colónias de governo-geral.
A redacção proposta pela Câmara é a seguinte:

Cada território ultramarino será organizado com a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição e com o seu estado de desenvolvimento e os seus recursos próprios, sem prejuízo do disposto no artigo 47.º
§ único. Cada território terá uma capital, onde residirá o governo a que caiba assegurar a respectiva unidade política e administrativa.

ARTIGO 26.º-A

23. O artigo 25.º do Acto Colonial diz que «as colónias regem-se por leis especiais, nos termos deste título». (3 projecto substitui-o pelo artigo 26.º-A, que, além de indicar desde logo os órgãos legislativos, restringe os termos da formulação do princípio da especialidade da legislação colonial, dispondo que «as províncias ultramarinas reger-se-ão por via de regra por legislação...».
Na concepção até hoje aceite as leis vigentes no território colonial eram sempre especiais, mesmo quando dimanadas dos órgãos legislativos metropolitanos.
Entendia-se que estes órgãos agiam como órgãos especiais para o ultramar (como nos casos em que a Assembleia Nacional exercia a sua competência exclusiva) ou assumiam a competência legislativa especial por deles fazerem parte o Presidente do Conselho e o Ministro das Colónias, o primeiro dos quais é o orientador superior da política do Governo e o segundo o legislador qualificado para o ultramar.
Para afirmar que o Governo, ao legislar, englobara a competência especial do Ministro das Colónias e que este interviera na sua qualidade de legislador ultramarino é que se exige a menção autografa do Ministro de que o decreto-lei ou o decreto simples deve ser publicado no Boletim Oficial das colónias onde haja de executar-se.
Quando o Ministro das Colónias não intervém num diploma metropolitano ou intervém na simples quali-

1 Cit. Em M. Correia, Timor Português, pp. 130 e 131.
2 Idem, idem, p. 132.
3 Timor, antecâmara do inferno?, p. 355.
4 Ob. cit., p. 381.

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dade de membro do Governo, então só a ele compete transformar esse diploma em lei especial do ultramar, mediante a publicação de portaria de extensão, com ou sem adaptação (Acto Colonial, artigo 28.º; Carta Orgânica do Império, artigos 89.º e 91.º).
Que se pretende com a inserção da frase restritiva por via de regra?
Tirar ao Ministro das Colónias a qualidade de legislador qualificado para o ultramar, admitindo-se o princípio de que podem as leis e os decretos entrar em vigor nos territórios ultramarinos independentemente da sua intervenção especial, mesmo de simples carácter formal?
Parece que sim, visto o precedente ter sido estabelecido já (contra as disposições expressas do Acto Colonial) no Decreto-Lei n.º 37:542, de 2 de Setembro de 1949, que no seu artigo 1.º atribui aos Ministros da Guerra e da Marinha, independentemente até de simples consulta ao das Colónias, a legislação sobre defesa nacional.
A Câmara Corporativa vê com apreensão definir-se a evolução num sentido que já foi experimentado, tanto em Portugal como no estrangeiro, e cujos resultados não foram nunca satisfatórios.
As colónias continuam a ser, em geral, territórios em via de desenvolvimento, de sociedades instáveis com composição heterogéneas, onde a unidade de governo, a concentração da autoridade e a coerência da orientação constituem condições fundamentais da disciplina social e do progresso moral e económico.
A restrição da autoridade dos governadores, a multiplicidade dos órgãos metropolitanos de legislação e de direcção dos serviços, a existência de várias hierarquias independentes com pontos de apoio próprios na capital do Império são factos fatalmente nocivos à boa ordem política e administrativa.
A nova experiência, a fazer-se, dirá se assim é ou não.

ARTIGO 27.º

24. Os artigos 27.º e 28.º do Acto Colonial foram fundidos no artigo 2-7.º do novo projecto, que introduz no sistema vigente da legislação colonial algumas modificações importantes.
Comecemos pela competência da Assembleia Nacional.
O Acto Colonial consagrou os princípios que a partir da Lei n.º 1:005, de 7 de Agosto de 1920, têm prevalecido no" direito constitucional português e que já anteriormente a essa lei constituíam, ao abrigo de disposições permissivas da legislação em caso de urgência, o regime de facto da legislação colonial.
O primeiro desses princípios é o de que o legislador normal para as colónias é o Governo, através do Ministro das Colónias.
Durante todo o século XIX a indiferença e o insuficiência dos parlamentos para regular a vida colonial fizeram com que, em pleno auge dos princípios democráticos, se formasse uma corrente doutrinária favorável à subtracção da legislação colonial à competência das assembleias políticas.
Esse mesmo movimento se produz em Portugal quando, após o início do movimento de ocupação efectiva dos territórios africanos, que, é bom não o esquecer, nos tornou uma verdadeira potência colonial moderna (porque enquanto apenas dominávamos pontos distanciados nas costas e algumas ilhas estivemos longe dos problemas políticos e administrativos que a colonização contemporânea suscita), houve ensejo de formar entre nós uma escola de pensamento colonial.
Assim, Eduardo da Costa, no seu notável Estudo sobre a Administração Civil das nossas Possessões Africanas, apresentado ao Congresso Colonial Nacional de 1901, e que é a primeira sistematização séria dos princípios que a experiência ensinara à geração que fez as campanhas de Moçambique como mais convenientes ao desenvolvimento das colónias, afirma:

A primeira consequência a tirar de princípios do tão evidente e larga consagração (combinação da sujeição com a autonomia) é a necessidade de subtrair a legislação colonial à acção do Parlamento...
... o Poder Legislativo - dentro de certos limites -, como o Poder Executivo, deve concentrar-se nas mãos das autoridades coloniais, Ministro e governadores, com as suas juntas e conselhos de nomeação ou de eleição de sufrágio restrito.
Os limites a que me referi são evidentemente as leis de aplicação geral a todos os portugueses e as que designarem a estrutura geral da administração dos territórios ultramarinos. E também evidente que todos os actos que contendam com os interesses cio Estado metropolitano, assim como todos que envolvam assuntos respeitantes à sua soberania, têm de ser sujeitos à sanção parlamentar 1.

Marnoco e Sousa, o primeiro professor que regeu a cadeira de Administração Colonial, criada pela reforma de [...] na Faculdade de Direito, e que o fez com aquela larga informação que foi apanágio de todo o seu ensino, abordou o problema nas suas lições de 1906-1907 nos seguintes termos:

O parlamento metropolitano deve abranger na sua acção tanto a mãe-pátria como as colónias. A função legislativa colonial pode, porém, ser delegada pelo Poder Legislativo no poder Executivo, ficando as colónias sujeitas deste modo ao chamado regime dos decretos.
Ao regime dos decretos contrapõe-se o regime das leis, em que as providências legislativas para as colónias unicamente podem ser tomadas pelo Poder Legislativo.
......................
O regime dos decretos parece oferecer vantagens que não tem o regime das leis. Em primeiro hur.v o regi m? dos decretos tem em seu favor a aptidão para a celeridade, o que não é para desprezar quando se trata de países novos, em que a sua rápida organização é condição indispensável de toda a prosperidade.
Em segundo lugar reúne todas as garantias de competência. Os governadores tomam a iniciativa das providências legislativas; os conselhos coloniais discutem-nas; o Ministro aprecia-as, adoptando as que lhe parecem aceitáveis.
Para melhor funcionamento do sistema pode haver ainda um conselho superior das colónias, que represente, acima dos egoísmos e dos prejuízos estreitos, tanto coloniais como metropolitanos, um interesse superior gorai e permanente do poder nacional no Mundo 2.

Marnoco, em todo o caso, com o seu conhecido gosto pelo ecletismo, preferia - um regime misto, secundo o qual «o Poder Executivo, quando não estiverem reunidas as câmaras» pode decretar as providências legislativas reputadas urgentes, sob condição de as submetei à subsequente apreciação parlamentar 3.
Era o sistema consagrado no Acto Adicional de 1852, mas que, segundo a praxe aplaudida pelo mesmo pro-

1 Timor, antecâmara do inferno?, Lisboa, 1903, pp 11 e 12.
2 Administração colonial, 1906, pp. 190 a 192.
3 Ob. Cit., p. 194.

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fessor 1, não implicava a necessidade de um voto das câmaras acerca das providências decretadas; a simples entrega do relatório do Governo bastava para cumprir a formalidade constitucional.
E acrescenta:

Resta mesmo saber se uma reforma do artigo 15.º do Acto Adicional de 1832 se deve fazer no sentido de reforçar os direitos da representação nacional ou no sentido de os atenuar. Efectivamente a tendência nos parlamentos estrangeiros não é para estender a sua acção sobre a administração colonial, mas para a restringir, intervindo nela o menos possível e só em casos extraordinários, intimamente ligados com a vida política da Nação. O Parlamento inglês, por exemplo, tem o direito incontestável de fazer leis para as colónias, mas raras vezes usa deste direito, discutindo principalmente em interpelações ao Governo as questões coloniais 2.

Quase pela mesma altura, em 1907, um distinto juiz do ultramar, Albano de Magalhães, consagrava o primeiro volume dos seus Estudos Coloniais à Legislação Colonial, seu Espírito, sua Formação e seus Defeitos, nele defendendo igualmente com larga cópia de argumentos e transcrições de autores estrangeiros a faculdade normal do Ministro das Colónias para legislar para o ultramar, com exclusão do Parlamento.

25. É este movimento doutrinário que explica o sistema consagrado pela Lei n.º 1:005 e que passou para os artigos 67.º-A e 67.º-B da Constituição de 1911: competência normal do Poder Executivo e dos governos coloniais para legislar para as colónias, com a reserva de certas matérias para a competência exclusiva do Parlamento.
O significado da expressão exclusiva competência é assim o da criação de uma zona de matérias reservadas, que não poderia constitucionalmente ser invadida pelo Governo Central ou pelos governos coloniais.
Se fora dessa zona o Parlamento legislasse, as suas leis ficavam sujeitas a ser alteradas ou revogadas por decretos do Ministro das Colónias, pois estes decretos têm o mesmo valor que as leis.
Mas dentro da zona reservada só o Parlamento é competente e os decretos ministeriais que nela toquem são inconstitucionais.
O sistema passou intacto para o Acto Colonial, salvo que as suas linhas mestras ficaram neste mais vincadas ao estabelecer-se um processo especial para o Ministro das Colónias legislar, em caso de urgência extrema, sobre as matérias da competência exclusiva da Assembleia Nacional fora do período das sessões desta: o do § único do artigo 27.º, que confere nesse caso ao Conselho do Império poderes legislativos, visto fazer depender a publicação do diploma governativo do seu voto afirmativo.
A exclusiva competência da Assembleia Nacional, segundo o direito constitucional colonial português, não tem, pois, nada que ver com as disposições da Constituição que dizem o que deve constituir matéria de lei.
A interpretação a dar ao artigo 93.º parece, na verdade, ser esta: a de que enumera matérias que não podem ser reguladas por meio de regulamentos independentes, devendo, portanto, ser objecto de lei ou de decreto-lei, sem embargo de estes diplomas poderem, depois ser desenvolvidos mediante regulamentos complementares 3.
Há quem entenda que não é assim. O facto de o artigo 93.º vir a seguir àquele em que se estabelece o princípio de que «as leis votadas pela Assembleia Nacional devem restringir-se à aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos...» significaria que, quanto às matérias neles referidas, se abria excepção à regra, devendo as leis que as regulassem esgotar todo o regime jurídico e não se limitar às bases gerais, e deixando, portanto, de haver lugar à publicação de regulamentos, mesmo complementares.
Não parece, porém, à Câmara que tal interpretação convenha ao texto. O artigo 92.º é manifestamente restritivo da competência legislativa da Assembleia ao incumbir-lhe apenas a votação das «bases gerais dos regimes jurídicos». Em rigor, os decretos-leis publicadas em casos de urgência e necessidade pública não deveriam ir mais além do que a definição dessas mesmas bases gerais, suprindo a falta da Assembleia.
O legislador constitucional sentiu, porém, que era preciso especificar certos casos em que a matéria exigiria a forma de lei (ou de decreto-lei) por dois motivos:
1.º Porque se tratava de assuntos importantes, mas que poderiam oferecer dúvidas sobre se correspondiam aos «regimes jurídicos» a que se referia o artigo 92.º;
2.º Porque ao cabo de tantos anos de ditaduras, disfarçadas ou ostensivas, os diplomas publicados pelo Governo, no exercício dos poderes extraordinariamente assumidos, tornavam difícil a destrinça entre a matéria legal e a matéria regulamentar (veja-se a conexão estabelecida entre os artigos 70.º e 93.º e o artigo 141.º pelo § único deste).
Assim, um novo serviço público ou um banco têm de ser criados por lei ou decreto-lei que contenha as regras fundamentais da sua organização; mas, uma vez criados, nada impede que em complemento dessas regras fundamentais o Governo publique os regulamentos que reputar convenientes.

26. Resulta daqui que são inteiramente diferentes na sua natureza e nos seus intuitos o artigo 93.º da Constituição e o artigo 27.º do Acto Colonial.
No artigo 27.º do Acto Colonial trata-se de assegurar uma rigorosa distinção de competência dos órgãos. Os decretos do Ministro das Colónias e os diplomas legislativos dos governadores são verdadeiras leis, como as da Assembleia Nacional, e, portanto, era necessário determinar os órgãos adequados para publicar leis sobre cada espécie de matérias. A matéria da competência da Assembleia Nacional é exclusiva desta, sem que o Governo possa substituir-se-lhe publicando decretos-leis, que a Carta Orgânica, antes da reforma de 1945, esclarecia não terem função na legislação do ultramar.
Ora o artigo 93.º da Constituição limita-se a salvaguardar uma hierarquia de formas, especificando matérias que têm de ser objecto de lei ou de decreto-lei, mas que são indiferentemente da competência de qualquer dos órgãos legislativos, Assembleia Nacional ou Governo.
Cabe, porém, perguntar aqui: mas convirá manter o princípio da existência de uma competência exclusiva da Assembleia Nacional? Não será isso prestar homenagem a uma supremacia parlamentar em franco declínio? Haverá motivo para exceptuar tais matérias coloniais da regra da competência comum dos dois órgãos legislativos, admitida na nossa Constituição?
A Câmara Corporativa entende que sim. Considerando atentamente o artigo 27.º do Acto Colonial, com o seu § único, torna-se manifesto que o objectivo do legislador foi o de assegurar a publicidade do debate e da deliberação em certos assuntos de especial melindre para a soberania nacional, ao mesmo tempo que para eles requer o concurso dos votos de pessoas qualifica-

1 Administração colonial, 1906, p. 214.
2 Ob. cit., p. 215.
3 Na nossa escassíssima literatura do Direito Público o assunto tem sido muito pouco tratado. Que conste, sob a responsabilidade do autor e não em lições ou apontamentos colididos por estudantes, só foi versado por Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 1.ª ed., p. 444.

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das, de modo a não deixar ao Governo a responsabilidade exclusiva das decisões.
Tais motivos, de ordem prática, e não inspirados em quaisquer preconceitos doutrinários, conservam plena validade. Em pontos essenciais da política colonial o Governo não deve decidir sozinho nem em segredo.
Uma observação mais à inclusão no n.º 1.º do artigo 27.º do projecto da referência ao artigo 93.º da Constituição.
Mante-la equivaleria a reconhecer que daqui por diante os decretos do Ministro das Colónias paru o ultramar perderiam a força de leis: esses decretos e, consequentemente, os diplomas legislativos coloniais passariam à categoria de meros regulamentos, embora em muitos casos com carácter independente.
A respeitar-se rigorosamente o novo preceito constitucional, a criação ou supressão de qualquer serviço administrativo nas colónias dependeria da Assembleia Nacional. Ora se há matéria que no ultramar esteja a cada passo sujeita a modificações pela própria natureza da vida colonial, em crescimento contínuo, é a organização administrativa. N fio se vislumbra a razão por que a instituição de qualquer novo Serviço há-de depender da Assembleia Nacional, privada de experiência, de conhecimento e de suficientes informações paru votar com consciência em tal matéria. Por estes motivos a Câmara Corporativa não concorda com a nova redacção proposta.
De resto, se o que se quer afirmar é que a Assembleia Nacional não fica privada da competência legislativa quando tenha de ocupar-se de matérias de lei comuns à metrópole e ao ultramar, tal doutrina consta já do artigo 28.º do Acto Colonial, na redacção votada em 1945, sem que se torne necessária qualquer nova disposição.
E também lhe merece reparo a nova redacção do n.º 1.º do artigo 27.º, agora alínea a) do n.º 1.º do texto do projecto.
O Acto Colonial refere-se aos «diplomas que estabeleçam ou alterem a forma de governo das colónias», fórmula sem dúvida defeituosa que veio substituir a do artigo 67.º-A da Constituição de 1911, «leis orgânicas coloniais».
Na nova redacção lê-se: «regime geral de governo das províncias ultramarinas». Quere-se com esta expressão dizer que se trata dos diplomas reguladores da» linhas gerais do governo de cada província ou que há um regime uniforme para todos os territórios?
A questão não é ociosa, porque, embora hoje exista uma Carta Orgânica do Império, única, ttem-se discutido a possibilidade de ser outorgado um estatuto especial para a índia e é crível que as circunstâncias aconcselhem em qualquer momento a abrir essa ou outra excepção.
A expressão leis orgânicas tem já um sentido definido no direito colonial português e por isso para ela se inclina o voto da Câmara.

27. O n.º 2.º do novo artigo 27.º refere-se à competência do Governo para legislar para o ultramar por decreto-lei. Essa competência foi reconhecida expressamente na redacção dada ao artigo 28.º por ocasião da revisão constitucional de 1945. A Câmara entende que sé deve especificar que tal legislação tomará sempre ã forma de decreto-lei por ser o único processo eficaz dê assegurar a intervenção do Ministro das Colónias na referenda do diploma e, portanto, na sua elaboração.
Quanto ao n.º 3.º, apresenta como primeira inovação a mudança da designação do Ministro das Colónias, consequência necessária do abandono da terminologia das leis vigentes. A Câmara pondera, todavia, que & designação de Ministro do Ultramar é menos expressiva que a actual. Ultramar ou além-mar são todas as terras separadas da mãe-pátria pelo oceano. Tratando-se de uma expressão geográfica, e não de um termo com significado jurídico como é o de colónia, na sua acepção própria abrangeria os Açores e a Madeira, continuará mesmo a compreender Cabo Verde ainda depois de este território receber o estatuto metropolitano insular.
Terá do se criar um conceito jurídico de ultramar, distinto do conceito geográfico, sem esquecer que em muitos países, como, por exemplo, a Inglaterra e os Estados Unidos, o termo overseas que corresponde ao nosso ultramar, é empregado apenas nessa acepção geográfica: Portugal está no ultramar desses países.
A fugir-se, porém, da palavra «colónia», excomungada nos sinédrios internacionais, é preferível adoptar o «Ultramar» para designar o Ministério das Colónias, visto ter sido esse o nome que teve durante o século XIX. Não antes: a Secretaria de Estado, criada em 1736 por D. João V, não era «do Ultramar», e sim «da Marinha e Domínios Ultramarinos».
E também a nova designação do Ministério das Colónias francês é restritiva à France d'Outre-mer.
Neste n.º 3.º especifica-se o âmbito da competência legislativa do Ministro do Ultramar de acordo com o que está expresso no artigo 10.º da Carta Orgânica do Império. Não se vê vantagem apreciável em tal reprodução na lei constitucional: esta ganha em não ser sobrecarregada em demasia e todos lucram com que se não criem novas fontes de dificuldades ou de discussões em redor do texto fundamental da Nação, não se devendo perder de vista que a competência legislativa colonial não foge à ordem hierárquica e que por isso ao Ministro do Ultramar não pode ser recusada a superintendência sobre a legislação local.

28. O § 1.º do artigo 27.º tem no projecto duas partes: a primeira corresponde ao § 3.º do actual artigo 28.º, com modificações que adiante se examinarão, e a segunda ao § 2.º do mesmo artigo, com pequena alteração.
A segunda parte do novo § 1.º diverge do § 2.º actual em esclarecer que os diplomas publicados pelo Ministro do Ultramar, quando no território colonial, revestirão a forma de portaria.
Efectivamente tem sido essa a praxe. Mas a Câmara pondera que, tendo tais portarias ministeriais força obrigatória superior à dos demais diplomas nascidos dos órgãos legislativos locais, seria porventura preferível que se denominassem diplomas legislativos ministeriais, readquirindo assim a designação usada pelos decretos para o ultramar na vigência da Constituição de 1911, reformada em 1920, e por essa forma passando a enfileirar entre os diplomas de mais alta hierarquia da legislação própria de cada território, que são os diplomas legislativos.

29. A questão mais importante é, porém, a suscitada na primeira-parte do novo § 1.º: deverá manter-se o Conselho do Império Colonial, embora com o nome mais uma vez mudado? Ou será preferível suprimir o Conselho, fazendo depender da consulta à Câmara Corporativa, nos termos gerais da Constituição, õ exercício da função legislativa do Ministro do Ultramar?
O Conselho do Império Colonial vai filiar-se, como já tem sido mostrado, no Concelho Ultramarino, que D. João IV instituiu e que começou a funcionar em 1643.
Suprimido cento e noventa anos depois, em 1833, quando o entusiasmo liberal quis fazer a assimilação à outrance, veio a ser restaurado em 1851 por Fontes Pereira de Melo.

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Em 1867 a preocupação de fazer economias na Administração leva o Governo à reduzi-lo a um aparato mais modesto e a crismá-lo em Junta Consultiva do Ultramar, nome que persistiu até 1911.
Após a proclamação da República veio o horror à designação reaccionária de «ultramar» e o gosto pelas «colónias»: em vez da Junta instituiu-se um Conselho Colonial, que em 1926 passou a chamar-se Conselho Superior das Colónias e um 1935 Conselho do Império Colonial.
Com cinco nomes diferentes e apenas com a interrupção de dezoito anos (1833 a 1851) o Conselho, portanto, tem existido desde 1643 a 1950: exagerada duração, na verdade, para o versátil feitio português!
E hoje em dia um verdadeiro Conselho de Estado para o ultramar que, além das funções de tribunal superior do contencioso administrativo local e de tribunal de contas, exerce as de tribunal constitucional e órgão de consulta do Governo.
Estas funções foram-lhe sendo atribuídas através da sua existência moderna como resultado da pressão das necessidades políticas e administrativas e dos ensinamentos da experiência.
Que deixe a sua 1.ª secção de ser tribunal de contas nada importa; que a instância superior do contencioso local ultramarino passe para o Supremo Tribunal Administrativo, como sucedeu até 1911, já é reforma a ponderar maduramente, dada a especialidade subsistente da legislação e da administração e até do ambiente social das colónias. E como o número de juizes do Supremo não é suficiente para suportar o aumento de serviço que daí adviria, a transferência teria naturalmente de se traduzir na criação de uma 5.ª secção no Supremo Tribunal Administrativo, a do contencioso administrativo ultramarino.
O funcionamento do Conselho como tribunal da inconstitucionalidade das leis é fruto de uma medida de muito bom aviso. A divisão da competência legislativa entre o Governo Central e os governos locais cria problemas de constitucionalidade, tanto material como formal, que se não põem na metrópole e que se assemelham muito aos originados nos Estados federais.
As mesmas razões que levam os Estados federais a criar tribunais que vigiem pela observância das regras constitucionais de partilha de competência legislativa entre o Estado federal e os Estados federados determinam a necessidade da existência nos Estados unitários com pluralidade de órgãos legislativos hierarquicamente estruturados, como são os impérios coloniais, da fiscalização da constitucionalidade dos diplomas locais. E não convém que essa fiscalização seja entregue aos juizes, dado o carácter eminentemente político que reveste, e menos ainda aos tribunais com sede na colónia a que pertença a legislação contestada, pois isso equivaleria a colocar nas mãos destes um instrumento de larguíssimo alcance político, com o qual poderiam até fazer paralisar o Governo ou colocar em cheque determinado governador.
O Conselho do Império, onde se sentam a par juizes, políticos e antigos administradores coloniais, está indicado para julgar com perfeita serenidade e independência, como sempre tem feito, e olhando todos os aspectos das questões, os incidentes de inconstitucionalidade suscitados nos tribunais do ultramar.
É ainda o Conselho órgão de consulta nos negócios correntes da administração central do ultramar e nessa função parece imprescindível. Ao Ministério vêm parar quotidianamente, de mistura com importantes problemas de interesse público, as mais variadas pretensões de interesse particular, aspirações ou reclamações de funcionários, de concessionários ou de simples candidatos a actividades económicas ou burocráticas no ultramar.
Em certos casos, como, por exemplo, quando um governador divirja do voto do seu Conselho do Governo, levantam-se melindres compreensíveis na resolução do conflito. E mister que exista um órgão, cheio de autoridade e de prestígio, que em todos esses assuntos esclareça o Ministro com o seu parecer, fornecendo-lhe uma sólida base de decisão.
A Câmara Corporativa entende, pois, que o Conselho do Império Colonial, condenado embora a mudar de nome, deve subsistir, pois a extinção só serviria para mostrar a sua necessidade: não vale a pena introduzir mais experiências na já acidentada vida de tão venerando corpo governativo.

30. Assente, pois, que o Conselho deve subsistir, resta saber se lhe há-de ser mantida a função de consultor obrigatório do Ministro no exercício da competência legislativa deste.
Para responder a essa dúvida convém começar por averiguar se a intervenção do Conselho na legislação colonial tem sido efectiva e útil.
Vejamos a estatística dos decretos do Ministério das Colónias referente ao período que vai de 1 de Janeiro de 1944 a 31 de Dezembro de 1949:

[Ver Tabela na Imagem]

a) Neste ano o Ministro das Colónias esteve ausento nas colónias durante cinco meses.

Verifica-se assim que em relação a um período de seis anos, e sem embargo de nos últimos dois anos ter escasseado a consulta ao Conselho, este interveio em aproximadamente a quarta parte dos decretos publicados.
Ora há que ponderar que dos restantes três quartos fazem parte numerosos pequenos decretos, publicados pela Direcção-Geral de Fazenda ou pela Inspecção Superior das Alfândegas, que contêm autorizações para aberturas de créditos e retocam rubricas das pautas, ou então fazem alterações de pormenor nos quadros coloniais propostas pelos respectivos governadores, assuntos que pela pequena importância, efectiva urgência ou ponderado estudo por outros órgãos (não raro foram ouvidos Conselho do Governo, Conselho Técnico das Alfândegas Coloniais, Conselho Técnico do Fomento Colonial, juntas de exportação. Junta Central do Trabalho e Emigração...) dispensavam a audiência do Conselho.
Assim o Conselho, pelo menos até 1948, desempenhou importante papel na legislação colonial, sendo a maioria dos seus pareceres homologada pelo Ministro, com a consequente aceitação nos diplomas das alterações neles propostas para os projectos analisados.

31. Pensando-se, porém, em tornar a Câmara Corporativa o órgão normal de consulta do Governo quanto à generalidade dos decretos-leis, não seria preferível integrar nela o Conselho Ultramarino, que ficaria a constituir a secção do ultramar no agrupamento da Administração Pública?

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Escusado será sublinhar quanto a Câmara Corporativa teria de se sentir honrada caso lhe fosse confiada a função de, por intermédio de uma das suas secções, substituir o tricentenário Conselho Ultramarino.
Mas a preocupação de prestigiar esta Câmara não pode impedir que se examinem serenamente as vantagens e os inconvenientes que para o interesse nacional poderão advir da solução proposta.
A favor da integração do Conselho na Câmara aduz-se que se evitaria uma duplicação de órgãos de funções análogas, que se reforçaria o princípio da unidade política e administrativa da Nação e que com ela se justificaria mais larga representação na Câmara, até hoje inexplicavelmente ausente, das autarquias locais e dos organismos corporativos de além-mar.
Vejamos se as razões procedem.
A duplicação de órgãos é mais aparente que real. Já acima se notou que o Conselho do Império, além de órgão de consulta em matéria legislativa, é tribunal da inconstitucionalidade dos diplomas locais e precioso auxiliar da administração civil, económica e financeira.
Integrando-o na Câmara Corporativa, de duas uma: ou ficava substituído pela secção do Ultramar, embora ampliando o número de procuradores desta, mas sujeito ao estatuto comum da Câmara, e então desapareceriam funções (jurisdição constitucional e consulta administrativa) que são de primacial importância e de imprescindível existência no Ministério das Colónias; ou a secção do Ultramar da Câmara conservava essas funções do Conselho do Império, constituindo uma especialidade, para não dizer anomalia, dentro do quadro desta Casa parlamentar.
É certo que para justificar que na Câmara Corporativa existisse uma secção com funções muito diferentes das outras se poderia invocar o exemplo da Câmara dos Lordes, onde efectivamente funciona, actuando em nome de toda a Câmara, o supremo tribunal de apelação do Reino Unido, composto pelo Lorde Chancheler, pelos sete lordes da apelação in ordinary, pelos antigos lordes chanceleres e pelos lordes que hajam desempenhado altas funções judiciais.
Mas esse facto explica-se por uma longa tradição, desde a Idade-Média em que a Cúria Régia constituía com o soberano o supremo tribunal do reino, prerrogativa herdada pelo Parlamento que, sucedendo à Cúria, conservou sempre a natureza de High Court.
Á tradição portuguesa, pelo contrário, é no sentido de manter o Conselho Ultramarino como um Conselho de Estado independente das assembleias legislativas.
A segunda razão, do reforço da unidade política, impressiona pouco esta Câmara. A experiência de todos os impérios coloniais mostra que não é a excessiva assimilação nas instituições, com a sua sistemática centralização e unificação de órgãos e de processos que estreita os laços das colónias com as metrópoles. Pelo contrário: se os territórios do ultramar se vêem governados por quem desconhece as particularidades da sua economia e da sua administração, se falta, a eficiência nas medidas e a prontidão nas resoluções, começa a radicar-se a crença de que a lentidão do progresso ou a persistência de certos inales é fruto da dependência dos órgãos longínquos, indiferentes ou até ignorantes, da metrópole.
Se no caso presente a secção do Ultramar decerto procuraria, na medida das suas possibilidades e sem embargo de ser solicitada a intervir no estudo de outras providências submetidas ao exame da Câmara, dar pronta e conveniente satisfação às consultas feitas, nem por isso a tendência para a concentração e unificação deixa de ser perigosa na medida em que possa comprometer a especialidade e a eficiência administrativas.
Resta a terceira razão. Mas seria praticável uma larga representação ultramarina, isto é, dos interesses locais através de procuradores vindos das colónias, na Câmara Corporativa?
Pense-se que a Câmara funciona por secções, convocadas ao sabor das exigências de estudo dos projectos e propostas que lhe são submetidos e que a evolução parece desenhar-se no sentido do seu funcionamento permanente.
Já hoje é chocante que, durante os períodos das sessões legislativas, os procuradores dos distritos insulares sejam forçados a residir em Lisboa, ficando assim importantes câmaras municipais privadas dos seus presidentes durante três ou quatro meses, enquanto estes esperam uma eventual convocação da secção a que pertencem.
Imagine-se a perturbação que proviria dessa ausência anual em relação a procuradores de todas as colónias ou da sua convocação telegráfica a propósito de qualquer projecto sobre o qual devessem ser ouvidos!
O sistema da Carta Orgânica do Império acerca da representação dos interesses locais em órgãos consultivos da administração ultramarina completava os preceitos constitucionais e dava plena satisfação às necessidades das colónias desde que fosse posto em prática como deveria ser.
Os interesses económicos, sociais e culturais nas colónias têm representação nos corpos administrativos, podem tê-la nos Conselhos de Governo e, no plano imperial, seriam ouvidos periodicamente nas conferências económicas imperiais, que} por serem de reunião espaçada, já permitiam sem inconveniente a deslocação de elementos verdadeiramente representativos da opinião local até Lisboa.
Essa era a fórmula prática e útil que a Câmara Corporativa não vê razão para se pôr de parte.

32. Na primeira parte do § 1.º da nova redacção do artigo 27.º propõe-se ainda outra inovação: a de a publicação dos decretos do Ministro do Ultramar poder fazer-se independentemente de consulta ao órgão que for indicado, «nos casos de urgência reconhecida pelo Conselho de Ministros».
Até aqui o juiz da urgência tem sido, em primeiro lugar, o Ministro das Colónias, mas não é o único: na verdade, carecendo o decreto da referenda do Presidente do Conselho (Acto Colonial, artigo 28.º, § 2.º, com referência ao artigo 82.º da Constituição), este, como orientador da política do Governo, é também juiz da oportunidade da medida. E em última instância, o Chefe do Estado, ao promulgar o decreto, pode ainda fazer novo juízo e decidir de acordo com as conclusões a que chegar.
A resolução em Conselho de Ministros não melhora em nada tal sistema.
Acresce ainda que não sendo o Conselho de Ministros um órgão de funcionamento regular e menos ainda de reunião frequente, nos casos de verdadeira urgência haveria que suprir a sua audiência pela resolução do Presidente, como de há muito é praxe suceder em casos análogos.
Nestes termos a Câmara Corporativa é de parecer favorável à manutenção do que se encontra disposto no Acto Colonial.

ARTIGOS 28.º E 28.-A

33. As considerações feitas acerca da nova redacção proposta para o artigo 27.º explicam que não haja agora que emitir voto acerca do novo texto do artigo 28.º. A Câmara opta, portanto, pela conservação do texto vigente, com a supressão do n.º 1.º e algumas modificações de redacção.

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Segue-se-lhe o artigo 28.º-A, que corresponde ao actual artigo 30.º
Neste artigo suscita-se um problema: saber se convirá legislar em termos de impor ou permitir a competência deliberativa dos Conselhos de Governo.
A Câmara Corporativa entende que ao redor desta questão se estão figurando maiores dificuldades do que ela realmente oferece.
A Constituição de 1911, revista em 1920, dispunha no § 1.º do artigo 67.º-B que aã competência legislativa dos governos coloniais exerce-se sob a fiscalização da metrópole e com o voto dos conselhos legislativos, onde haverá representação local adequada ao desenvolvimento de cada colónia».
Em execução deste preceito, as bases orgânicas de 1920 (Decreto n.º 7:008) estatuíam que o Conselho Legislativo de cada colónia «discutia e votava» os diplomas da competência do governo local (base 28.ª), mas os diplomas aprovados careciam do «assentimento do governador» (base 30.ª, secção 2.ª), podendo este, no caso de considerar a decisão contrária ao interesse público, sobrestar na execução dela e apelar para o Governo da metrópole (base 27.ª, n.º 9.º).
As bases de 1926, mais sobriamente, diziam no final da base VIII que «compete ao governador da colónia, assistido do conselho do governo, estatutir...».
Na Carta Orgânica de Angola, publicada logo a seguir, estabelecia-se, por exemplo, que o Conselho do Governo teria poderes deliberativos em matéria legislativa (artigo 74.º), competindo ao governador «promulgar» as respectivas resoluções (artigo 76.º), sem embargo de lhe assistir o direito de, em caso de urgência ou de discordância do Conselho, adoptar as providências que entendesse, com autorização do Ministro das Colónias (artigo 74.º, § único) e da faculdade reservada ao Poder Central de anular ou revogar a legislação local (artigo 77.º).
A partir de 1928 adoptou-se a fórmula que actualmente vigora: é aos governadores que compete legislar, mas a publicação dos diplomas legislativos depende do voto de aprovação dos Conselhos do Governo (Carta Orgânica do Império, artigos 42.º e 44.º, § 2.º), podendo os governadores, nos casos em que se não conformem com a deliberação dos Conselhos, submeter as divergências à resolução do Ministro das Colónias (artigo 45.º).
Como se vê, os Conselhos do Governo (presentemente emitem em matéria legislativa votos que vinculam os governadores. A situação não difere mesmo substancialmente da anterior. Antes de 1928 os Conselhos deliberavam e os governadores podiam promulgar ou não as resoluções, expondo as suas dúvidas, no caso de recusarem a promulgação, ao Governo Central, que decidia definitivamente: depois de 1928 os governadores pedem o voto de conformidade aos Conselhos e, quando o não obtenham, apelam em última instância para o Ministro das Colónias.
A única diferença reside no direito de iniciativa: antes de 1928 os vogais não oficiais podiam apresentar propostas nas sessões dos Conselhos, mas as do governador tinham sempre prioridade na discussão; depois, pelo artigo 76.º da Carta Orgânica do Império, a iniciativa pertence apenas ao governador e os vogais só a ele podem apresentar propostas, que está na sua mão admitir ou não à discussão.
Não há, pois, mudança sensível ou transição perigosa se se tornar à fórmula anterior a 1928: mais do que uma questão de fundo, há aqui uma questão de forma, que consiste em pôr o acento tónico na competência do governador (dependente do voto do Conselho) ou na do Conselho do Governo (dependente da aprovação do governador).
Para tal efeito, porém, é indiferente redigir o preceito constitucional dizendo que o governador legisla «com o voto...» ou «conforme o voto ...» do Conselho do Governo: na Constituição de 1911, à sombra da qual se instituíram conselhos legislativos de função deliberativa, usava-se a primeira fórmula tal como no actual artigo 30.º do Acto Colonial; na Carta Orgânica do Império lê-se, no artigo 42.º, que «o governador exerce as suas funções legislativas sob a fiscalização do Ministro das Colónias e, por via de regra, conforme o voto do Conselho do Governo», sem embargo do sistema adoptado.
Mais uma prova de não haver diferença substancial entre os dois regimes.

ARTIGO 29.º

34. A nova redacção dada ao artigo 29.º afirma em termos vagos o princípio, não contestado e já contido no artigo 109.º da Constituição, da superintendência do Governo na administração ultramarina. O que parece justificar a inclusão do preceito é a parte final, ao explicar-se que essa superintendência é exercida pelo Governo «agindo por intermédio dos órgãos que a mesma lei indicar».
Procura-se desta forma legitimar constitucionalmente e, mais do que isso, provocar para o futuro a desintegração do Ministério do Ultramar pela passagem de alguns serviços ultramarinos para a dependência, dos Ministérios que gerem serviços idênticos ou análogos na metrópole.
Será de aplaudir esta tendência, cuja primeira manifestação ostensiva está na transição para o Ministério da Guerra dos serviços militares?
A Câmara Corporativa, ao examinar o problema, porá de parte a lição de experiências históricas que, por terem decorrido há muito, sob o signo de circunstâncias diferentes das de hoje em dia, podem não ser probatórias; tão-pouco irá firmar-se em considerações de ordem puramente teórica.
E reconhece sem custo que certos serviços de comunicações intercontinentais podem lucrar, sobretudo na fase de instalação e de início de exploração, com a unidade de comando que reúna os de aquém e de além-mar, sem com isso admitir que essa seja a única forma de funcionamento conveniente e eficiente para o futuro, pois de contrário equivaleria a afirmar que nessa espécie de comunicações, incompatíveis com as autonomias coloniais e com a especialidade dos órgãos, menos ainda se poderia respeitar a soberania dos Estados, sendo-se conduzido necessariamente à internacionalização sob a égide de um super-Estado.
Passando, porém, aos outros serviços, administrativos ou judiciais, há que atentar, primeiramente, na índole especial do Ministério das Colónias.
Ao contrário dos outros departamentos do Governo, esse Ministério não é uma Secretaria de Estado onde se concebem, planeiam e executam as tarefas administrativas correntes, mas um organismo eminentemente político de direcção superior, coordenação e apoio de oito governos autónomos sobrecarregados de problemas os mais variados.
Dizem às vezes certos críticos superficiais que as colónias são administradas do Terreiro do Paço em regime de excessiva centralização. O remoque é inexacto, e mesmo que alguém quisesse pôr em prática um tal sistema hoje em dia, ser-lhe-ia totalmente impossível.
Cada colónia é um país em permanente desenvolvimento, com os mais variados problemas, que, se alguns são análogos aos da metrópole ou se podem formular tecnicamente em termos semelhantes àqueles em que são postos nos territórios europeus, em muitos outros casos são completamente diferentes em razão das par-

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ticularidades do território, do clima, do desbravamento da terra, da novidade da colonização, da posição dos brancos, do estado das populações indígenas, etc.
É lá, é no próprio local, que a grande massa dessas questões tem de ser examinada e resolvida. Se fosse o Ministério das Colónias a decidir, não haveria forças humanas que sustentassem o encargo da pasta. Mas a verdade é que a Lisboa só chegam informações gerais sobre a marcha da administração e os casos particulares que pela sua especial complexidade e importância a lei reserva directamente ou em última instância à resolução do Governo Central.
O Ministério das Colónias tem assim espírito, função e métodos próprios que os outros Ministérios não possuem e muitas vezes não compreendem. O Ministro é como que o presidente de um Gabinete de oito governadores dispersos.
Na colónia o governador assegura por sua vez a unidade de acção e a coordenação de esforços de um grupo de chefes de serviços. Fá-lo com segurança, porque recebe directrizes de um só superior - o Ministro das Colónias - e só perante ele responde. E através do Ministério das Colónias que os restantes departamentos ministeriais se correspondem com os governadores e podem criticar a acção destes.
A desconcentração dos serviços superiores do Império é quase certo que acarretará a multiplicidade de direcções simultâneas a premir os governadores; na impossibilidade de satisfazer ao mesmo tempo esses comandos múltiplos, os governadores começarão a ver-se mal apreciados e fatalmente se acentuará a tendência para os Ministérios metropolitanos chamarem directamente a si os serviços locais, deixando de banda o governador, como já aconteceu com os serviços militares. Assim os governadores coloniais ficarão pouco a pouco reduzidos à função quase decorativa dos governadores civis da metrópole e a experiência dirá se com vantagem para os interesses dos territórios ultramarinos e da soberania nacional.

35. Um outro aspecto a considerar é o dos quadros dos funcionários. A unificação imperial dos serviços sob a dependência do Ministério metropolitano respectivo deve trazer como consequência a fusão de quadros, de tal modo que não haja mais funcionários coloniais e todos possam ser colocados, quando convenha, no ultramar.
À primeira vista trata-se de uma solução cheia de vantagens para os serviços e para os próprios funcionários, além de extremamente lisonjeira para a sensibilidade nacional. Olhemos, porém, mais de perto a questão, e para concretizá-la, a fim de melhor a cingir, consideremos a magistratura judicial, que tem, para mais, a vantagem de ser independente dos governos coloniais.
Já, de resto, no II Congresso da União Nacional (1943) foi apresentada e defendida por um antigo magistrado ultramarino uma tese sobre Organização Judiciária das Colónias, em que se defende a integração dos serviços judiciais coloniais no Ministério da Justiça e a inteira unificação das duas actuais magistraturas.
Ora presentemente o candidato à magistratura escolhe uma das duas carreiras: a metropolitana ou a ultramarina. Escolhida esta, com todos os seus prós e percalços, já sabe que terá de fazer a sua vida de uma para outra colónia, tratará de adaptar-se com a família ao meio tropical e cuidará da sua especialização nas particularidades do direito colonial.
Na hipótese da unificação das magistraturas, de duas uma: ou se estabelecia uma opção inicial para fazer a carreira no ultramar até à 2.ª instância, por exemplo, de forma que na prática tudo se passaria como se houvesse os dois ramos actuais, embora num Ministério só (mas teriam de se alargar as vantagens da carreira no ultramar, pois de contrário raros optariam) ou a colocação nas comarcas se faria tal qual como se faz para a metrópole.
Nesta segunda solução, faltando voluntários para uma comarca ultramarina, a deslocação de um delegado de Valença para Cabinda ou de um juiz de Tondela para Bardez criaria tão aflitivos problemas individuais e familiares ao magistrado que poderiam conduzi-lo ao abandono da carreira. O tempo da comissão mal chegaria para a adaptação ao meio e ao direito local; o desejo de retorno seria permanente e instante. Nunca se chegaria a ter magistrados com a sólida experiência ultramarina que é necessária ao prestígio da função e a iniciação feita já em idade madura e em grau superior da carreira não raro se acompanharia de insucessos e ridículos pouco favoráveis ao bom desempenho dos cargos.
Com outras funções, de índole administrativa, acontece ou pode vir a acontecer coisa semelhante. O funcionário colocado por tempo limitado na colónia e dependente de um chefe longínquo, tenderá a não se integrar na disciplina local, sempre pronto a apelar para Lisboa; o interesse que o serviço lhe merece é diminuto - trata-se de mero episódio de uma carreira que tem decorrido ou decorrerá na metrópole sob os olhos dos verdadeiros chefes; cumprida a comissão, regressará, trazendo condigo a parca experiência adquirida das coisas coloniais.
Será difícil assim criar um corpo de técnicos bem adaptados aos problemas tropicais, experientes das soluções mais convenientes e. sobretudo, responsável perante o Governo e o País pela continuidade de uma obra. Para mais, é de temer que o ultramar seja escolhido para campo de ensaio dos principiantes e para arrumo cómodo dos impertinentes e dos endividados (estes os mais ardorosos voluntários, nos momentos de aperto financeiro), voltando-se a situações que, graças a muito trabalho do Ministério das Colónias, se têm corrigido e melhorado.
Por estes motivos a Câmara não julga conveniente a inserção do novo artigo proposto.

ARTIGOS 29.º-A E 31.º

36. Com ligeiras alterações de pequena monta o artigo 29.º-A reproduz o actual 29.º do Acto Colonial.
A Camara opta por outra redacção, que, embora fiel também às linhas gerais do actual preceito, deixe liberdade ao legislador ordinário acerca da designação a dar aos governadores.
O importante, no parecer da maioria da Câmara, é manter-se o princípio de não ser admissível a outorga aos governadores de poderes que a Constituição atribua aos órgãos de soberania.
Isso não impede que a lei ordinária lhes dê, como tem sucedido, os poderes necessários e suficientes para resolverem in loco os problemas que possam ou devam ser resolvidos nas próprias colónias.
Quanto ao artigo 31.º, a Câmara vota a manutenção do actual.

ARTIGO 32.º

37. A inovação que o texto proposto no projecto apresenta em relação ao actual está em admitir-se que, além das câmaras municipais, comissões municipais ou juntas locais, possa haver no ultramar «outros órgãos adequados à importância, desenvolvimento e população da respectiva circunscrição».
Será conveniente tal ampliação?
O artigo 32.º devia corresponder aos artigos 125.º e 126.º da Constituição, de modo a fundamentar a orga-

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nização especial da administração civil local do ultramar.
Como o Acto Colonial foi redigido antes da Constituição pode notar-se que falta essa correspondência, não havendo, por exemplo, qualquer referência à divisão administrativa.
Por outro lado, mencionando-se as instituições administrativas locais, não se enumeram depois os órgãos autárquicos das actuais províncias (juntas provinciais), como não se prevê o aparecimento de juntas de freguesia.
Acontece ainda que em Angola existem, nas sedes de alguns postos administrativos, comilões locais que não estão previstas na Reforma Administrativa Ultramarina, mas que o Decreto n.º 23:848, de 14 de Maio de 1934, manteve no seu artigo 6.º, como órgãos das autarquias rudimentares constituídas pelas povoações a que pertencem.
A verdade, porém, é que nada impede que a lei ordinária chame juntas locais a essas comissões e estabeleça que, diferentemente do disposto agora na Reforma Administrativa Ultramarina, elas possam existir mesmo nas povoações que sejam sede de mero posto administrativo, quando se trate de núcleos importantes de colonização.
Há, de facto, toda a vantagem em ir interessando os colonos na administração e no progresso das povoações que surgem e rapidamente se desenvolvem em certas regiões de Angola, sem que seja possível erigi-las desde logo em sedes de concelho.
Ora para facilitar ao legislador ordinário o acompanhar desse fenómeno de povoamento, e mais, para não deixar de fora as autarquias de grau superior, províncias ou distritos das grandes colónias, o corpo do artigo 32.º poderia ficar redigido como segue:

A divisão administrativa dos territórios ultramarinos e as condições em que neles poderão ser instituídas autarquias locais serão determinadas por lei, tendo em atenção a importância, o desenvolvimento e a população de cada área.

ARTIGO 33.º

38. O novo texto do artigo 33.º corresponde ao vigente, que a Câmara prefere, com ligeiros retoques de redacção.
Todavia surgiu ao espírito de alguns Procuradores a dúvida sobre se este artigo continua a ter sentido ou, pelo menos, eficiência nos casos mais críticos em que ao governador se exigia empenhasse vida e honra em cumpri-lo: nos casos de ser preciso recorrer ao uso das armas para manter a paz interna ou defender a colónia contra agressões exteriores.
Efectivamente o Decreto-Lei n.º 37:542, de 2 de Setembro de 1949, não deixou ao governador qualquer ingerência na utilização das forças militares, e por esse motivo, quando a sustentação dos direitos de soberania da Nação deixe de poder fazer-se por meios meramente jurídicos, o governador passa a ser um cidadão como outro qualquer.
A Câmara regista estas observações, que submete à consideração do Governo.

ARTIGO 34.º

39. Com o artigo 34.º inicia-se o capítulo V do novo texto, intitulado Da ordem económica e correspondente a parte do título IV do Acto Colonial, que se intitula Das garantias económicas e financeiras.
A nova redacção do corpo do artigo visa evitar a repetição do princípio afirmado no artigo 5.º e parece; efectivamente, preferível ao texto vigente.
Fala-se agora em que, através da organização económica geral da Nação Portuguesa, a economia ultramarina realize «a sua comparticipação na economia mundial»: é a aquiescência à corrente moderna do one world que inspirou o célebre point four da mensagem do Presidente Truman. A unidade do Mundo implica o auxílio dos países económica e tecnicamente mais adiantados aos que estão mais atrasados, em troca da facilidade de utilização dos recursos destes.
É no § único, porém, que se encontra o princípio mais rasgadamente inovador, no prever-se uma evolução que conduza à livre circulação dos produtos, das pessoas e dos capitais entre as várias partes do território nacional.
A livre circulação dos produtos conseguir-se-á mediante progressiva redução, até à supressão, dos direitos aduaneiros.
Não consta à Câmara Corporativa que tal liberdade exista em qualquer império, união ou federação de tipo colonial ou pós-colonial, salvo nas dependências norte-americanas.
Na verdade os Estados Unidos praticam uma política de assimilação pautai em relação aos seus territórios dependentes ou ex-coloniais, que são as ilhas sujeitas à administração naval (Guam e Samoa americana) por um lado, e Porto Rico, Filipinas, ilhas Virgínias, Hawai por outro.
Entre esses territórios e a metrópole existe liberdade de comércio e todos beneficiam das pautas proteccionistas metropolitanas. O resultado deste sistema é que o regime económico dos territórios é efectivamente regulado pelas conveniências do grande mercado americano, produzindo, não o que o mercado mundial solicita, mas aquilo que aos Estados Unidos convém. De industrialização quase não se fala. Os territórios vendem quase tudo quanto produzem para a metrópole e compram nesta também quase tudo o que necessitam.
É, porém, difícil tirar daqui qualquer conclusão para o caso português, visto tratar-se de um país de enorme capacidade de produção industrial e de consumo, que, tendo desde sempre praticado esse sistema, pôde especializara economia dos territórios dependentes: o açúcar, as oleaginosas e o tabaco nas Filipinas, o açúcar e a aguardente em Porto Rico.
No nosso Império o problema há-de ser considerada em três aspectos principais e em todos eles tanto sob o ponto de vista económico como sob o ponto de vista financeiro.
Parece que este último ponto de vista é o que tem impressionado mais aqueles que se ocuparam até aqui do problema do livre trânsito das mercadorias no Império: todavia, a Câmara considera-o secundário ao lado do ponto de vista económico.
Os três aspectos são: o das importações coloniais na metrópole, o das importações metropolitanas nas colónias e o das importações de umas colónias nas outras.
A questão, quanto aos dois primeiros aspectos, tem grande importância para os territórios da África Ocidental; reveste interesse considerável, mas já menor, para a África Oriental; é de interesse praticamente nulo para as colónias da Ásia e da Oceânia, cujo intercâmbio com a metrópole é irregular e escasso.
A metrópole importa das colónias produtos agrícolas, florestais e pecuários complementares da sua economia. O sacrifício financeiro dos direitos de importação pode ser apreciável, mas não é incomportável; economicamente a liberdade não prejudicaria qualquer actividade metropolitana (salvo a cultura do milho) e favoreceria as indústrias laboradoras das matérias-primas coloniais.
As colónias importam da metrópole alguns produtos alimentares apreciados pelos europeus e, sobretudo, artigos manufacturados. Não é natural que estes prejudiquem, quando importados sem pagamento de direitos,

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a sua incipiente indústria se esta obedecer às normas que têm sido prescritas para a respectiva instalação, sobretudo se laborar com matérias-primas locais e puder utilizar predominantemente a mão-de-obra também local.
Resta o terceiro aspecto - o do comércio entre colónias - e aí surgirão as principais dificuldades, porque se trata, não já de territórios complementares, mas concorrentes. Se Moçambique conseguir para uma cultura mão-de-obra mais abundante e mais barata, se os seus produtos suportarem os fretes num sistema de comunicações mais aperfeiçoado, não poderá ir matar em Angola a mesma cultura pela venda nos centros consumidores do litoral a preço mais barato do que a produção local?
O problema não é impossível. Sabe-se como a Índia tem possibilidades de obter reduções incríveis de custos de produção graças à mão-de-obra barata. Angola tem cada vez maior escassez de trabalhadores e o problema da sua população indígena só pode ser resolvido a longo prazo com medidas de protecção demográfica e de eugenia, que custam caras e que hão-de sobrecarregar o produtor.
A verdade é que as colónias poderão ser declaradas juridicamente províncias de Portugal, mas não o são de facto: trata-se de territórios com economias distintas da metropolitana e umas das outras e, portanto, com interesses acentuadamente diferenciados, que podem exigir políticas económicas diferentes.
A livre circulação de mercadorias dentro do Império só poderia decretar-se relativamente às de produção nacional. Se fosse extensiva às mercadorias de origem estrangeira, apenas nacionalizadas, isso implicaria a existência de uma só pauta aduaneira e é escusado sublinhar o que teria de aberrante que Macau, Moçambique, Angola e S. Tomé tivessem à sua volta a barreira levantada durante anos de experiência para defender os interesses da, economia multissecular da metrópole.

40. Mas a livre circulação de mercadorias aparece ligada à livre circulação de capitais.
Interpreta a Câmara esta expressão no sentido da unificação da moeda em termos tais que não só seja suprimido o fenómeno cambial como todas e quaisquer restrições à transferência de dinheiros em qualquer dos sentidos - da metrópole para o ultramar ou vice-versa.
Uma série de anos de prosperidade económica e de equilíbrio (financeiro parece ter convencido muitos bons espíritos de que se desvaneceram perigos antigos de tal modo que não volte a verificar-se a falta de meios de pagamento externo, caso se mantenham as moedas locais ou o afluxo do dinheiro à metrópole com rarefacção do meio circulante colonial, na hipótese da moeda única.
Não vale a pena repetir aqui nem os princípios da teoria monetária colonial nem a história das experiências passadas. Mas importa insistir em que as colónias são territórios cujas condições naturais, cuja estrutura económica e cujo meio social são profundamente diferentes do meio metropolitano.
Ainda não desapareceram nem o desejo de retorno de bom número de colonos enriquecidos que se fazem acompanhar do seu cabedal, nem o perigo das crises específicas dos países tropicais com as suas súbitas destruições de riqueza, a paralisação dos negócios e a consequente exaustão de meios de pagamento por necessidades de importação sem contrapartida nas exportações e pelo próprio pânico, que faz muita gente abandonar as colónias nesses períodos.
Se a metrópole está disposta nessas ocasiões a socorrer as colónias com largos subsídios que irriguem a circulação deficiente, vá-se para a1 livre circulação dos capitais. Mas se há probabilidade de então se reagir como em 1928-1930, melhor parece manter-se o sistema dos fundos cambiais, que tão bem provou durante vinte anos e graças aos quais se resolveram velhas, e parecia que incuráveis, chagas da economia imperial, como a das transferências de Angola.
Considerações semelhantes poderiam ser feitas acerca da livre circulação das pessoas: as colónias, porque são diferentes, não devem receber toda a gente. mas unicamente os elementos que lhes possam ser úteis e que não rebaixem a raça colonizadora aos olhos dos indígenas. A colonização, mesmo espontânea, deve ser objecto de selecção. E em períodos críticos (como foi o de 1930 a 1936) não se deve autorizar a emigração para simples transferência de desempregados, que no ultramar se transformarão em poor whites socialmente perigosos.
Inscrever o princípio na Constituição, para depois ter de o restringir na lei a tal ponto que fique praticamente aniquilado, não parece aconselhável; consagrá-lo como simples tendência é animar reclamações irresponsáveis e imprudentes, que uma sensibilidade pouco esclarecida não deixará de formular com insistência para que se dê corpo à solene promessa constitucional e a que dificilmente se poderá deixar de dar ouvidos.
Por esse motivo a Câmara Corporativa não dá parecer favorável à inclusão do novo § único do artigo 34.º

ARTIGOS 35.» A 36.«>-D

41. Na nova redacção seguem-se os artigos 35.º a 36.º-D: o artigo 35.º corresponde ao actual, com ligeiros retoques de redacção, dos quais o mais importante é o que se refere ao bem-estar das populações das colónias.
O artigo 36.º corresponde igualmente ao actual.
O artigo 36.º-A «concentra a matéria dos actuais artigos 9.º e 10.º, relegando para a lei ordinária grande parte do que hoje é matéria constitucional». Não parece haver inconveniente, dado que aliviará o texto e que se trata de normas já consagradas, na legislação e entradas na mentalidade política.
O artigo 36.º-B corresponde ao actual artigo 13.º, com ligeira alteração.
O artigo 36.º-C corresponde ao actual artigo 11.º, ao qual se acrescentou a menção dos aeroportos.
O artigo 36.º-D corresponde ao actual artigo 12.º, com alguns retoques, que a Câmara aprova, notando de passagem que a interpretação rigorosa do n.º 1.º levaria a proibir as próprias concessões de serviços públicos, por envolverem sempre transferência temporária de certos poderes administrativos.
Não tem a Câmara outras observações a formular a estes artigos.

ARTIGOS 37.º A 47.º

42. Os artigos 37.º a 47.º formam o último capítulo - o VI -, em que se desdobrou o título IV do Acto Colonial e que se intitula Do regime financeiro.
O artigo 37.º do projecto corresponde ao actual artigo 37.º, com nova redacção, que não afecta a doutrina.
O artigo 38.º corresponde ao actual, mas com alteração de redacção e um aditamento que mais não faz do que desenvolver e aplicar a doutrina vigente, e que por isso não parece necessária aio texto constitucional, bastando, caso se julgasse conveniente fazer uma afirmação explícita nesse sentido, incluí-la na Carta Orgânica.
O artigo 39.º corresponde ao actual, com nova redacção, a qual se podem fazer algumas observações.
Na alínea a) diz-se que constituem património de cada província... «os terrenos vagos nu ainda não concedidos como objecto de propriedade particular». Esta maneira de dizer não se afigura muito clara. Por um lado existem terrenos individualmente apropriados

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desde tempos imemoriais, cujos títulos do concessão não se conhecem (na Zambézia, em Cabo Verde, na índia), e por outro há numerosos casos em que a concessão da terra originou o desdobramento dos dois domínios, directo e útil, entrando este último definitivamente no património dos particulares enfiteutas.
Por isso, se se julga necessário fazer na Constituição a especificação dos bens patrimoniais da colónia (forma de dizer também discutível, pois a doutrina unanimemente ensina que as terras vagas das colónias formam antes um domínio público colonial especial, resultante do princípio do domínio eminente), será preferível dar outra redacção ao preceito, dizendo antes: «os terrenos vagos ou que não hajam entrado definitivamente noutro património ou no domínio público».
Nas alíneas b) e c) referem-se «os bens mobiliários ou imobiliários, incluindo fundos ou créditos...». Em primeiro lugar o termo fundos não tem sentido jurídico rigoroso, e em segundo lugar não consta que alguém tivesse alguma vez duvidado da inclusão dos «fundos» e dos «créditos» entoe os bens mobiliários ou imobiliários. A especificação é supérflua.
Por estes motivos a Câmara opina em favor da manutenção do texto actual.
Quanto ao § único, chama-se a atenção para a necessidade de prever a hipótese de os títulos aí referidos serem cedidos ou dados em penhor a departamentos de fomento dos bancos emissores ou a um futuro Banco de Fomento Colonial. Parecia, pois, mais conveniente dizer: «Só ao Tesouro Nacional ou aos estabelecimentos de crédito que o Governo designar...».
O artigo 40.º corresponde ao actual, mas com importantes alterações. No corpo do artigo, em lugar da referência aos artigos 63.º e 66.º da Constituição, diz-se agora «votado pelos seus próprios órgãos nos termos que a lei declarar». Há a observar, antes de mais, que a lei não declara, mas sim dispõe ou preceitua; e a referência aos órgãos da «província ultramarina» parece que implica a votação por mais de uma assembleia local. Por outro lado, tal como se apresenta redigido o artigo, parece conter o compromisso de deixar a última palavra na decisão sobre o orçamento aos órgãos representativos locais, presunção reforçada pelo facto de &e suprimir no § 1.º a referência à necessidade de autorização ou aprovação expressas do Ministro das Colónias para a sua entrada em vigor.
A supressão deste princípio num texto constitucional sobrecarregado de disposições secundárias afigura-se à Câmara Corporativa extremamente grave. A possibilidade de opção dada ao Governo entre a autorização e a aprovação do orçamento na revisão constitucional de 1945 foi, nessa altura, muito estudada e debatida, não apresentou até agora inconvenientes que se conheçam e fornece os meios suficientes para acompanhar a gestão financeira local, dando maior autonomia quando as circunstâncias o permitam e cerceando-a quanto se torne necessário.
Nas mais descentralizadoras bases orgânicas da administração colonial que até hoje tivemos - as de 1920 - logo na segunda se definia que «a metrópole exerce a sua função de superintendência e fiscalização no governo e administração das colónias... verificando e corrigindo no orçamento da colónia o cômputo das receitas e verificando a legalidade das despesas inscritas».
Por isso a Câmara Corporativa opta pela orientação que se encontra no texto actualmente vigente do artigo 40.º do Acto Colonial.

43. O artigo 41.º corresponde ao actual, mas com redacção inteiramente nova, que não modifica os princípios.
O artigo 42.º corresponde ao actual.
O artigo 43.º acrescenta ao texto vigente a indicação do órgão competente para julgar as contas anuais da gestão financeira das colónias. A Câmara não vê inconveniente em que essa função seja confiada ao Tribunal de Contas, visto o Conselho do Império carecer de contadores que possam proceder ao exame dos processos, não podendo os seus vogais, manifestamente, pronunciar-se antes do minucioso estudo que só a funcionários especializados cabe fazer.
O projecto insere neste lugar um artigo - o 43.º-A - tornando obrigatória a constituição em todas as colónias de «fundos de reserva». A excelência do princípio é duvidosa; mais duvidosa ainda a vantagem da sua inclusão na lei constitucional.
Os fundos de reserva nas colónias foram preconizados numa época em que o entesouramento público era bem. visto (vivia-se mo século XIX, sob o signo do ouro e da estabilidade dos valores) e são próximos parentes dos tesouros de guerra. A sua justificação principal encontrava-se no carácter incerto da economia tropical, cuja, débil estrutura, fundada na monocultura das colónias de exploração, as expunha a crises periódicas frequentes. Como as receitas fatalmente caíam nas épocas em que a exportação se não fazia, devia nos períodos de prosperidade entesourar-se parte delas, de modo a estar-se apto a enfrentar vicissitudes futuras.
Mas a mentalidade entretanto mudou. Na realidade, o fundo de reserva pode ser constituído em moeda local, em metais preciosos ou em divisas cambiais. A nossa Carta Orgânica permite também que seja aplicado «em prédios urbanos de boa construção e rendimento».
Se o fundo de reserva é constituído em moeda local, origina uma imobilização progressiva do meio circulante, que pode ter péssimos efeitos económicos pela subtracção ao giro normal de uma economia em desenvolvimento da moeda que lhe é necessária. Por outro lado, em períodos de instabilidade do valor da moeda condena-se por essa forma uma parte importante do património da colónia à depreciação, quando, se tivesse sido oportunamente investida em aplicações reprodutivos, se teria, pelo contrário, valorizado crematística e socialmente. Enfim, o geometrismo na imobilização anual de uma parte dos saldos pode levar ao sacrifício de obras e melhoramentos urgentes, que se traduz em atraso, em mal-estar e em má administração; e como um dia o fundo há-de ser gasto (pois não existe por existir mãe para se gastar...), caso a catástrofe não tenha surgido, acabará por ser aplicado nas mesmas obras que, feitas mais cedo, poderiam ter sido anais oportunas, mais baratas e mais rendosas.
A constituição em metais preciosos, divisas cambiais «a moeda exterior previne certos destes inconvenientes mas origina outros, sobretudo a imobilização de divisas, que, afectadas como actualmente se faz aos fundos cambiais, constituem reservas disponíveis, embora cautelosamente poupadas, susceptíveis de aumentar a confiança no crédito da colónia e de toda a sua economia, isto é, com benefício imediato e constante das próprias actividades privadas. Por outro lado, as divisas correm riscos de câmbio que podem de um momento para o outro importar graves prejuízos patrimoniais.
Estas críticas não respeitam à acumulação de fundos provenientes de saldos ou de outras origens, como reserva de maneio da tesouraria, como até aqui se tem feito, quando oportuno, na maior parte das colónias. A diferença está em que essa acumulação resulta do tino administrativo dos governantes, faz-se, quando as circunstâncias o permitem e indicam, até ao limite razoável, gasta-se segundo convém, sem que constitua uma imobilização legal. Foi com saldos que Moçambique pôde pagar as indemnizações devidas à Companhia de Moçambique e ocorrer, até 1947, às suas despesas extraordi-

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nárias sem recorrer ao crédito. No fim da guerra a rapidez da depreciação monetária e as urgências do fomento aconselharam a não entesourar e a contrair um empréstimo. Tudo teve o seu valor e o seu momento.
Até hoje só duas colónias constituíram fundos de reserva nos moldes clássicos: Macau e a índia. Macau, sem território a desbravar e a desenvolver, teve de se preparar para o prejuízo - que afinal foi insensível, graças a outras receitas - que se previa resultasse do abolição do tráfico do ópio. A Índia foi capitalizando saldos de gestões calmas, financeiramente abastadas, mas durante as quais se não estudou nem resolveu nenhum dos seus problemas económicos, administrativos e sociais.
Estas considerações visam mostrar apenas que o princípio cuja inscrição constitucional se propõe não é isento de dúvidas, de tal modo que tudo parece aconselhar que se deixem as coisas como estão: os fundos de reserva podem constituir-se já hoje onde for conveniente e oportuno.

44. O artigo 44.º do projecto reproduz o actual artigo 44.º do Acto Colonial.
O artigo 45.º corresponde ao actual, com a diferença de terem sido suprimidas as últimas palavras do § único «a quem prestará as devidas garantias», por serem julgadas desnecessárias em virtude do princípio já expresso no artigo 44.º
O artigo 46.º corresponde ao actual, mas a redacção diverge por mera transposição de termos.
O artigo 47.º corresponde sem alteração ao actual.

III

Conclusões

Em conclusão, a Câmara Corporativa, procurando manter-se tanto quanto possível dentro do sistema e da orientação do projecto do Governo, propõe para este a seguinte redacção:

Projecto de proposta de lei

Artigo 1.º As disposições do Acto Colonial são integradas no texto da Constituição, de que ficam a constituir o título VII da parte II, sob a rubrica «Do governo e administração do ultramar», nos termos do artigo 1.º do Decreto com força de lei n.º 18:570, de 8 de Julho de 1930.
Art. 2.º Em consequência do disposto no artigo anterior, proceder-se-á ao ajustamento da numeração do articulado e ao seu agrupamento em capítulos, alterando-se como segue o texto dos artigos do Acto Colonial, que se indicam com a sua numeração actual:

TITULO VII

Do governo e administração do ultramar

CAPÍTULO I

Princípios fundamentais

Artigo 1.º (A suprimir em consequência da integração determinada no artigo 1.º da proposta de lei).
Art. 2.º A Nação Portuguesa afirma o seu direito a prosseguir no desempenho da função histórica de colonizar os territórios ultramarinos sob a sua soberania que importe povoar e valorizar e de civilizar os povos atrasados que neles residam.
Art. 3.º Os territórios ultramarinos referidos nos n.ºs 2.º a 5.º do artigo 1.º da Constituição terão organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social de cada um.
§ único. A administração do arquipélago de Cabo Verde poderá ser parcial ou totalmente integrada no sistema da administração metropolitana.
Art. 4.º (A transferir para depois do artigo 7.º, com a redacção indicada no artigo 7.º-A).
Art. 5.º A Nação Portuguesa constitui uma unidade política fundada na solidariedade de todas as partes do seu território aquém e além-mar. Nesta solidariedade se devem inspirar todas as suas actividades na ordem espiritual, administrativa, económica e financeira.
Art. 6.º A solidariedade entre os territórios ultramarinos e a metrópole abrange especialmente a obrigação de contribuir por forma adequada para assegurar a integridade e a defesa de toda a Nação e os fiais da política nacional definidos no interesse comum pelos órgãos da soberania.
Art. 7.º (A trasladar para o § 2.º do artigo 1.º da Constituição, aplicando-o a todo o território português).
Art. 8.º a 14.º (A seguir ao artigo 36.º, substituindo-se a sua redacção pela indicada nos artigos 36.º, letras A a E).

CAPÍTULO II

Das garantias gerais

Art. 7.º-A. Os direitos e garantias individuais declarados pela Constituição são igualmente reconhecidos a nacionais e estrangeiros nos territórios ultramarinos nos termos da lei, mas sem prejuízo de a uns e a outros poder ser recusada a entrada em qualquer desses territórios e de uns e outros daí poderem ser expulsos se da sua presença resultarem graves inconvenientes de ordem interna ou internacional, cabendo unicamente recurso destas resoluções para o Governo.
Art. 7.º-B. Atender-se-á ao estado de evolução dos povos nativos dos territórios ultramarinos, havendo estatutos especiais que estabeleçam para eles, sob a influência do direito público e privado português, regimes jurídicos de contemporização com os seus usos e costumes que não sejam incompatíveis com a moral, com os ditames da humanidade ou com o livre exercício da soberania portuguesa.
Art. 7.º-C. O Estado assegura nos seus territórios ultramarinos a liberdade de consciência e o livre exercício dos diversos cultos, com as restrições exigidas pelos direitos e interesses da soberania de Portugal, bem como pela manutenção da ordem pública, e de harmonia com os tratados e convenções internacionais.
Art. 7.º-D. As missões católicas portuguesas do ultramar e os estabelecimentos de formação do pessoal para os serviços delas e do Padroado terão personalidade jurídica e serão protegidos e auxiliados pelo Estado como instituições de ensino e assistência e instrumentos de civilização, nos termos das concordatas e demais acordos celebrados com a Santa Sé.

CAPÍTULO III

Das garantias especiais para os indígenas

Art. 15.º O Estado garante a protecção e defesa dos indígenas dos territórios ultramarinos, onde os haja, conforme os princípios de humanidade e soberania, as disposições deste título e as convenções internacionais que actualmente vigorem ou venham a vigorar.
§ 1.º As autoridades locais impedirão e castigarão conforme a lei todos os abusos contra a pessoa e bens dos indígenas.
§ 2.º O estatuto do indigenato só é aplicável nos territórios da Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola, Mo-

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çambique e Timor e aos indivíduos que a lei genericamente determinar.
Art. 16.º O Estado estabelece instituições públicas e promove a criação de instituições particulares, portuguesas umas e outras, em favor dos direitos dos indígenas ou para a sua assistência.
Art. 17.º A lei garante aos indígenas, nos termos por ela declarados, a propriedade e posse dos seus terrenos e culturas, devendo ser respeitado este princípio em todas as concessões feitas pelo Estado.
Art. 18.º O trabalho dos indígenas contratados para serviço do Estado ou dos corpos administrativos é remunerado.
Art. 19.º São proibidos:
1.º Os regimes pelos quais o Estado se obrigue a fornecer trabalhadores indígenas a quaisquer empresas;
2.º Os regimes pelos quais os indígenas existentes em qualquer circunscrição territorial sejam obrigados a prestar trabalho às mesmas empresas por qualquer título.
Art. 20.º O Estado somente pode compelir os indígenas ao trabalho em obras públicas de interesse geral da colectividade, em ocupações cujos resultados lhes pertençam, em execução de decisões judiciárias de carácter penal ou para cumprimento de obrigações fiscais.
Art. 21.º O regime do contrato de trabalho dos indígenas assenta na liberdade individual e no direito a justo salário e assistência, intervindo a autoridade pública somente para fiscalização.
Art. 22.º a 24.º (Intercalados acima, com a redacção dos artigos 7.º-B, 7.º-C e 7.º-D).

CAPÍTULO IV

Do regime político o administrativo

Art. 25.º Os territórios ultramarinos regem-se por diplomas especiais, nos termos deste título.
Art. 26.º Cada território ultramarino será organizado com a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição e com o seu estado de desenvolvimento e os seus recursos próprios, sem prejuízo do disposto no artigo 47.º
§ único. Cada território terá uma capital, onde residirá o governo a que caiba assegurar a respectiva unidade política e administrativa.
Art. 27.º São da exclusiva competência da Assembleia Nacional, mediante propostas do Ministro do Ultramar, apresentadas nos termos do artigo 113.º da Constituição:
1.º As leis orgânicas dos territórios ultramarinos;
2.º Os diplomas que abrangerem:
a) Aprovação de tratados, convenções ou acordos com nações estrangeiras;
b) Autorização de empréstimos ou outros contratos que exijam caução ou garantias especiais;
c) Definição de competência do Governo da metrópole e dos governos ultramarinos quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos ou outras que envolvam exclusivo ou privilégio especial.
§ único. Em caso de urgência extrema, o Governo, com voto afirmativo do Conselho Ultramarino, em sessão presidida pelo Ministro do Ultramar, poderá legislar sobre as matérias a que se referem o n.º 1.º e as alíneas a) e b) do n.º 2.º do presente artigo, fora do período das sessões da Assembleia Nacional.
Art. 28.º Os diplomas não compreendidos na disposição do artigo antecedente que regularem matérias de interesse comum da metrópole e de todos ou de algum território ultramarino revestirão a forma de lei, decreto-lei ou decreto simples, nos termos da Constituição, e devem sempre conter a declaração de que têm de ser publicados no Boletim Oficial dos territórios onde hajam de executar-se; os que regularem matérias de exclusivo interesse do ultramar são da competência do Ministro do Ultramar ou do governo do território, conforme for estabelecido nos diplomas a que se refere o n.º 1.º do artigo anterior. Fica, porém, estatuído o seguinte:
1.º Dependem da aprovação do Ministro do Ultramar os acordos ou convenções que os governos dos territórios ultramarinos, devidamente autorizados, negociarem com outros territórios portugueses ou estrangeiros;
2.º Os governos dos territórios ultramarinos não podem alterar ou revogar o disposto em diplomas publicados pelos órgãos legislativos metropolitanos.
§ 1.º Não pode ser contestada, com fundamento na violação da primeira parte deste artigo, a legitimidade constitucional dos preceitos contidos nos respectivos diplomas.
§ 2.º Os diplomas publicados no exercício da competência legislativa do Ministro do Ultramar revestirão a forma de decreto promulgado e referendado nos termos da Constituição, salvo o caso de o Ministro se encontrar em funções no território ultramarino, em que revestirão a forma de diploma legislativo ministerial.
§ 3.º A competência legislativa normal do Ministro do Ultramar será exercida ouvido o Conselho Ultramarino, salvo nos casos de urgência e nos demais indicados na lei.
Art. 29.º O governo dos territórios ultramarinos será confiado a governadores, com designação e categoria adequadas à importância de cada território, aos quais não poderão ser confiadas atribuições que pela Constituição pertençam à Assembleia Nacional, ao Governo ou ao Ministro do Ultramar, salvo as que restritamente lhes sejam outorgadas por quem de direito, para determinados assuntos, em circunstâncias excepcionais.
§ único. Não poderão ser nomeados governadores quaisquer interessados na direcção ou gerência de empresas com sede ou actividade económica no respectivo território.
Art. 30.º As funções legislativas dos governadores, na esfera da sua competência, são sempre exercidas sob a fiscalização dos órgãos da soberania e por via de regra com o voto de conselhos onde haverá representação adequada às condições do meio social.
Art. 31.º As funções executivas em cada território são desempenhadas, sob a fiscalização do Ministro do Ultramar, pelo governador, que nos casos previstos nas leis orgânicas será assistido de um corpo consultivo.
Art. 32.º A divisão administrativa dos territórios ultramarinos e as condições em que neles poderão ser instituídas autarquias locais serão determinadas por lei, tendo em atenção a importância, o desenvolvimento e a população de cada área.
§ 1.º A criação ou extinção das câmaras municipais é atribuição do governador, com voto afirmativo do Conselho de Governo e aprovação expressa do Ministro do Ultramar.
§ 2.º Os estrangeiros com residência habitual no território por tempo não inferior a cinco anos, sabendo ler e escrever português, podem fazer parte dos corpos administrativos até ao máximo de um terço dos seus membros.
Art. 33.º É supremo dever de honra do governador, em cada um dos territórios ultramarinos, sustentar os direitos de soberania da Nação e promover o bem do território, em harmonia com os princípios consignados na lei.

CAPÍTULO V

Da ordem económica

Art. 34.º A organização económica do ultramar deve integrar-se quanto possível na organização económica geral da Nação Portuguesa e comparticipar através ela na economia mundial.

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Art. 35.º Os regimes económicos dos territórios ultramarinos são estabelecidos em harmonia com as necessidades do seu desenvolvimento e do bem-estar da sua população, com a justa reciprocidade entre eles e os países vizinhos e com os direitos e legítimas conveniências da Nação Portuguesa, de que são parte integrante.
Art. 36.º Pertence à metrópole, sem prejuízo da descentralização garantida, assegurar pelas decisões dos órgãos competentes a conveniente posição dos interesses que, nos termos do artigo anterior, devem ser considerados em conjunto nos regimes económicos dos territórios ultramarinos.
Art. 36.-A. A lei especificará as parcelas de terrenos ou outros bens no ultramar que, por estarem afectos ou destinados ao domínio público ou interessarem ao prestígio do Estado ou a superiores conveniências nacionais, não podem ser concedidos nem por qualquer outro modo alienados.
§ único. A lei regulará também o uso ou ocupação das mesmas parcelas de terrenos por entidades públicas ou particulares, quando convenha aos interesses do Estado e a título precário.
Art. 36.º-B. As concessões do Estado ou das autarquias locais na esfera, da sua competência, ainda quando hajam de ter efeito com a aplicação de capitais estrangeiros, serão sempre sujeitas a condições que assegurem a nacionalização e demais conveniências da economia nacional.
Diplomas especiais regularão este assunto para os mesmos fins.
Art. 36.º-C. De futuro a administração e exploração dos portos ou aeroportos do ultramar são reservadas para o Estado. Lei especial regulará as excepções que devam ser admitidas dentro de cada porto ou aeroporto em relação a determinadas instalações ou serviços.
Art. 36.º-D. Nem o Estado nem as autarquias locais podem conceder no ultramar a empresas singulares ou colectivas:
1.º O exercício de prerrogativas de administração pública;
2.º A faculdade de estabelecer ou fixar quaisquer tributos ou taxas, não se incluindo a cobrança de rendimentos públicos cuja arrematação for permitida por lei;
3.º A posse de terrenos ou direito exclusivo de pesquisas mineiras, com a faculdade de subconceder a outras empresas.
§ único. Nos territórios ultramarinos onde actualmente houver concessões da natureza daquelas a que se refere este artigo observar-se-á o seguinte:
a) Não poderão ser prorrogadas ou renovadas no todo ou em parte;
b) O Estado exercerá o seu direito de rescisão ou resgate nos termos das leis ou contratos aplicáveis.

CAPÍTULO VI

Do regime financeiro

Art. 37.º A cada território ultramarino corresponderá uma pessoa colectiva de direito público com a faculdade de adquirir, contratar e estar em juízo.
Art. 38.º Cada pessoa colectiva referida no artigo anterior tem o seu activo e o seu passivo próprios, competindo-lhe a disposição das suas receitas e a responsabilidade das suas despesas, dos seus actos e contratos e das suas dívidas, nos termos da lei.
Art. 39.º São considerados propriedade de cada pessoa colectiva das referidas no artigo 37.º os bens mobiliários e imobiliários que, dentro dos limites do seu território, não pertençam a outrem, os que ela tenha adquirido legalmente fora daquele, os títulos públicos ou particulares que possua ou venha a possuir, os seus dividendos, anuidades ou juros e as participações de lucros ou de outra espécie que lhe sejam destinadas.
§ único. Só ao Tesouro Nacional ou aos estabelecimentos de Crédito que o Governo designar podem ser cedidas, ou dadas em penhor, as acções e obrigações de companhias concessionárias pertencentes a uma das pessoas colectivas referidas no artigo 37.º, e só também podem ser consignados às mesmas entidades os rendimentos desses títulos em qualquer operação financeira.
Art. 40.º Cada território ultramarino tem o seu orçamento privativo, elaborado segundo um plano uniforme e de harmonia com os princípios consignados nos artigos 63.º e 66.º da Constituição.
§ 1.º O orçamento geral do território incluirá somente despesas ou receitas permitidas por diplomas legais e não entrará em vigor sem autorização ou aprovação expressas do Ministro do Ultramar.
§ 2.º Quando o orçamento não possa entrar em execução no começo do ano económico, continuarão provisoriamente em vigor, por duodécimos, só quanto à despesa ordinária, o orçamento do ano antecedente e os créditos sancionados durante ele para ocorrer a novos encargos permanentes.
Art. 41.º As leis orgânicas estabelecerão:
1.º Quais as despesas e as receitas que pertencem aos territórios ultramarinos separadamente ou em comum, bem como as atribuídas à metrópole;
2.º As regras de fiscalização ou superintendência a que ficam sujeitos os governos ultramarinos para salvaguarda da ordem financeira.
Art. 42.º A contabilidade dos territórios ultramarinos será organizada como a da metrópole, com as modificações que se tornem indispensáveis por circunstâncias especiais.
Art. 43.º As contas anuais dos territórios ultramarinos serão enviadas ao Ministério do Ultramar para, depois de verificadas e relatadas, serem submetidas a julgamento do Tribunal de Contas, nos termos e prazos fixados na lei.
Art. 44.º A metrópole presta assistência financeira aos territórios ultramarinos, mediante as garantias necessárias.
Art. 45.º Os governos dos territórios ultramarinos não podem contrair empréstimos em países estrangeiros.
§ único. Quando seja preciso recorrer a praças externas para obter capitais destinados ao governo de um território, a operação financeira será feita exclusivamente de conta da metrópole, sem que o governo do território assuma responsabilidades para com elas, tornando-as, porém, plenamente para com a metrópole.
Art. 46.º Os direitos do Tesouro Nacional ou dos estabelecimentos de crédito referidos no § único do artigo 39.º por dívidas pretéritas ou futuras dos territórios ultramarinos são imprescritíveis.
Art. 47.º A autonomia financeira dos governos dos territórios ultramarinos fica sujeita às restrições ocasionais que sejam indispensáveis por situações graves da sua Fazenda ou pelos perigos que estas possam envolver para a metrópole.

Palácio de S. Bento, 19 de Junho de 1950.

António Vicente Ferreira, assessor, servindo de presidente.
Afonso Rodrigues Queiró. (Deixando de lado, sem reparo, uma ou outra afirmação de que dissinta, por não implicar directamente com o articulado sugerido pela Câmara, incumbe-me, porém, manifestar o meu desacordo com a apreciação feita no parecer ao § único do artigo 34.º da proposta.
Entendo que o corpo do artigo não veio senão dar completa expressão ao princípio da solida

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riedade económica da metrópole e das colónias, a que alude actualmente o Acto Colonial nos artigos 5.º e 34.º E, por seu turno, o § único do preceito em causa não faz mais do que tirar todas as consequências desse princípio, a que podemos chamar de assimilação económica entre a metrópole e as colónias.
Na verdade, a única forma de a metrópole e o Império constituírem economicamente uma nação, a única forma de «a organização económica do ultramar se integrar na organização económica geral da Nação Portuguesa» é «facilitar-se a livre circulação dos produtos, das pessoas e dos capitais dentro de tolo o território nacional». Num sistema assim a metrópole e cada uma das colónias assumem, no conjunto da economia nacional, o papel aproximado de «regiões» dentro de uma nação. O mercado interimperial passa a ser algo parecido com o mercado inter-regional dentro da metrópole.
As restrições tradicionais à transferibilidade dos factores produtivos e das mercadorias dentro dos limites de todo o território nacional não podem deixar de traduzir-se num prejuízo para certas parcelas desse território - e em regra esse prejuízo recai sobre as colónias mais que sobre a metrópole, que é quem realmente traça a política económica a seguir nas relações com o Império Colonial.
Se se quiser conseguir o maior rendimento nacional, «o máximo de produção e riqueza socialmente útil», é necessário não dificultar a transferência dos factores produtivos dentro da Nação (Nação = Metrópole e Império) para os locais onde a produtividade seja maior, por serem menores os custos comparados. Só assim, na verdade, se obtém a melhor remuneração para esses factores disponíveis dentro da Nação, o mais baixo nível nos custos de produção e, consequentemente, a satisfação das necessidades ao mais baixo dos preços possíveis. A maior vantagem da Nação só pode residir em que a circulação dos factores produtivos no âmbito dela se opere sem restrições. Liberdade cambial (livre circulação dos capitais), migração livre de nacionais - eis a primeira condição do aumento do rendimento nacional global.
Mas a prossecução desta finalidade frustrar-se-ia se a livre circulação dos factores produtivos não fosse acompanhada da livre circulação dos produtos, até hoje inexistente para a generalidade deles, posto que embaraçada por um sistema de pautas restritivas.
A política económica do futuro nas relações entre a metrópole e colónias é a política de assimilação aduaneira, segundo a qual a pauta, livre-cambista ou proteccionista, em vigor para a metrópole se aplicará ao Império. Metrópole a colónias formarão um território aduaneiro único. Assim, deixará de se favorecer deliberadamente certas produções metropolitanas, que melhor se implantariam nas colónias, com vantagem não só para estas como para o resto da Nação, dado que se obteriam a custo inferior.
Há-de acentuar-se que a prática desta política não se limita a conduzir à realização do maior rendimento nacional: asseguraria também o que um autor, Biccardo Bachi (cf. Principi di Seicnza económica, 1940, n, pp. 89 e seguintes; Politique douanière entre la metrópole et les colonies, in Mèlanges dédiés à Henri Truchy, 1938, pp. 32 e seguintes), chama a melhor justiça social topográfica na órbita da nação. Quere-se com isto significar que cada colónia, como cada «região», viria a ter o desenvolvimento e a prosperidade que naturalmente lhe corresponde em face dos custos comparados de produção (e de transporte).
A todas as objecções que se pode pensar em mover contra este modo de encarar as coisas, que põe tanto empenho em acentuar a igualdade, solidariedade e fraternidade entre todos os territórios nacionais, crê-se poder responder com as observações seguintes:
Em primeiro lugar, esta política assumiria na Constituição um aspecto apenas programático, para ser realizada progressivamente, a pouco e pouco, à medida que fosse possível, para impedir um brusco bouleversement da economia metropolitana, que se seguiria provavelmente à actuação imediata e integral da política de assimilação económica. Não são praticamente mobilizáveis de um momento para o outro os elementos produtivos investidos na metrópole, para poderem correr imediatamente em direcção aos recursos naturais existentes nas colónias, onde poderiam em muitos casos obter melhor remuneração. De resto, à coordenação económica competiria velar pelo estabelecimento do necessário equilíbrio de interesses nos quadros da Nação.
For outro lado, será necessário canalizar capitais para as colónias durante todo um período em que o rendimento que lhes pode ser atribuído seja eventualmente menor do que aquele que conseguiriam na metrópole. Será momentaneamente necessário sacrificar o progresso e prosperidade da metrópole para preparar o florescimento futuro dos territórios economicamente atrasados. Prejudicam-se os interesses presentes do capital metropolitano para beneficiar as gerações do porvir, em nome do maior bem nacional.
O que tudo se traduzirá, a final de contas, nesta asserção: à política de assimilação económica metropolitano-imperial, que se defende aqui, não repugna a direcção; é compatível com a economia dirigida. Só que a direcção será uma direcção global e determinada, não pela ideia de fazer perdurar o primado dos interesses metropolitanos, mas pela de arredar, no interesse da Nação, os entraves que a plena liberdade crie à consecução do máximo rendimento nacional e â instauração da melhor justiça social topográfica na órbita de todo o território.
A política de assimilação económica imperial, cuja aplicação progressiva se defende, não deve fazer-nos temer dificuldades financeiras cá ou nas colónias. Tudo dará, neste capítulo, em se procurarem as receitas públicas nas fontes onde seja justo e realmente indicado colhê-las. Para mais, o montante dos impostos não deixará de acompanhar o necessário aumento do rendimento nacional decorrente da aplicação desta política.
Utópico e ingénuo tudo isto? Talvez. No entanto; é curioso que um digno Procurador (Manuel Alberto Andrade e Sousa) ligado profissionalmente à economia colonial tenha advogado, ainda não há muito tempo, numa conferência sobre as «Relações económicas e comerciais entre a metrópole e o ultramar», e exprimindo quiçá um sentimento generalizado, a «unificação das pautas aduaneiras a usar em todo o Império»,

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«um único sistema tributário», «a adopção do escudo como moeda circulante em todas as províncias ultramarinas, proporcionando-se ao mesmo tempo as necessárias facilidades de movimentação entre elas», «a movimentação fácil dos portugueses que se deslocam de uma província do ultramar para a metrópole ou vice-versa», e outras medidas inspiradas pelo mesmo espírito de assimilação económica nos quadros da metrópole e do Império... salvo meliore).
José Joaquim de Oliveira Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque. (Votei pela designação de «províncias ultramarinas», e não de «colónias», com os fundamentos seguintes:

a) O conceito de província coaduna-se mais com o princípio constitucional da unidade política da Nação, que deverá informar o Governo e a administração do ultramar;
b) A província tem por si uma longa tradição - mantendo-se ainda no uso corrente e em parte da nossa legislação - e tem um sentido dignificante para as populações dos territórios ultramarinos. Com ela não se perde necessariamente a ideia - força do Império;
c) As alterações na terminologia jurídica determinadas pela denominação «províncias ultramarinas» afiguram-se-nos - salvo o devido respeito - problemas de importância secundária, de solução possível e relativamente fácil;
d) A designação de «colónia» envolve uma ideia de sujeição que - sob a aparência generosa de libertação dos povos - tem sido explorada pelas grandes forças que aspiram ao domínio político-económico do Mundo e podem servir para despertar tendências ou idealismos nocivos;
e) Formou-se uma opinião internacional contrária aos regimes coloniais; dos estados de espírito desta natureza podem advir graves prejuízos, que convém evitar).

Armindo Monteiro. (Aprovei o parecer com as declarações de vencido, que em seguida resumo noa seus pontos essenciais:
1. Artigo 2.º Voto pela conservação do actuai artigo 2.º do Acto Colonial. Reconheço a razão de muitas das críticas que lhe têm sido dirigidas. Mas estas são conhecidas há muito, foram formuladas abertamente, o seu valor foi reduzido a proporções justas por argumentos que esclareceram o pensamento legislativo. Todas as reacções que as afirmações contidas nessa disposição podiam ter suscitado abateram com o tempo. Verificou-se que muitas eram simples pretexto para especulação política. Nenhuma das nossas populações era com ela diminuída: a tarefa colonizadora pertencia a toda a Nação como o artigo da Constituição a definia; neste sentido representava uma homenagem ao esforço de alguns que por ela se julgavam ofendidos. Qualquer nova redacção suscitará porventura novas dúvidas, reacções, discussões, ofensas, sobretudo se do artigo alguns quiserem fazer bandeira de protestos.
Sob o aspecto político acho inconveniente que a Nação se demita, de repente e sem razão que todos vejam, da missão que durante vinte anos proclamou como constituindo um imperativo da história. Mentiu a Nação durante esse período? Mudou de rumo, abandonando a tarefa colonizadora? Ou obrigaram-na a uma abdicação? Tem receio de confessar agora a missão de que se orgulhava?
Para que se não levantem tantas dificulades e dúvidas - tão difíceis de responder - entendo que o artigo 2.º do Acto Colonial deve ficar como está.
2. Artigo 3.º Voto também pela conservação do artigo 3.º do Acto Colonial na sua redacção presente. O termo «colónia» é o único que com rigor designa a posição sentimental, política, administrativa e económica das populações e terras portuguesas não europeias. Não se encontra palavra que o substitua.
O termo «província» não tem entre nós tradição que o imponha. O seu significado não recomenda a sua aplicação às colónias. Uma província caracteriza-se hoje, dentro do agregado nacional, por uma unidade especialmente estreita de raça, de tradições, de costumes, de interesses, possibilidades económicas è até de aspectos geográficos. Neste sentido Angola e Moçambique e mesmo da Guiné têm províncias - não são províncias. Dar esta designação a grandes países como os dois primeiros referidos é diminuí-los na sua categoria e criar desnecessariamente um problema sentimental, que um dia fará sentir a sua força.
Não aludirei as complicações que a mudança proposta poderia trazer à Administração, senão para dizer que o espírito da colónia se infiltrou de tal modo no nosso direito que durante muitos anos será impossível fazê-lo regressar ao estado em que as leis de 1914, o encontraram.
Na aplicação do termo «província» às colónias repugna-me sobretudo a ideia de assimilação que ela, traduz e que contraria todo o sistema do Acto Colonial, que é de solidariedade. A assimilação nunca esteve nas nossas tradições nem está na base do regime administrativo que, com mil esforços e sacrifícios - e com incontestável êxito - construímos nas últimas dezenas de anos. Diante das correntes internacionais que hoje empurram os «territórios não autónomos» para a independência parece-me perigoso recuar no sentido acima de todos amaldiçoado - a assimilação. Podemos talvez provocar reacções internacionais, cujos efeitos não sabemos medir num momento em que só nos convém trabalhar sossegada e silenciosamente.
Adoptar, como propõe á maioria da Câmara, uma designação neutra - «território ultramarino» - parece-me uma atitude com a aparência da renúncia e do receio. Não penso que a obra dos portugueses nas colónias envergonhe a Nação; não temos motivo para deixar de encarar de fronte este problema constitucional, refugiando-nos numa designação anódina. As colónias são muito mais do que territórios: são sobretudo a gente que as povoa, os sentimentos que as unem, os interesses que as movem, as suas ambições, esperanças e sofrimentos, o passado e o futuro. É muito pouco - é quase depreciativo, a meu ver - chamar «territórios» ao grande conjunto de valores morais, políticos, culturais, económicos que formam as colónias.
Ambas as propostas - a do Governo e a da maioria da Câmara - levam a suprimir a designação de «Império Colonial Português», que

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foi um dos grandes ideais que o Estado Novo apontou à Nação. Dele se fez nestes vinte anos uma realidade nas almas, no direito e na economia. Conseguimos que fosse aceite e respeitado pelo Mundo. Entrou na poesia e no sonho tia gente nova. Moldou nas colónias a mentalidade dos funcionários e dos serviços, que se afizeram. à sua figura jurídica e moral. Renunciar a ele, fugindo diante das responsabilidades que importa e mesmo dos riscos que a sua defesa implica, é diminuir a Nação.
3. Artigo 27.º Concordo com a redacção proposta para este preceito, mas é-me impossível subscrever a interpretação do artigo 93.º da Constituição, aceite pela maioria da Câmara nos §§ 25.º e 26.º do parecer. Levar-me-ia muito longe explanar aqui as razões desta discordância e seria talvez fora de propósito fazê-lo, visto que as passagens a que aludo são apenas referências acidentais a problemas que se não ligam directamente ao Acto Colonial. Por isso me limito a declarar que, depois de ter detidamente ponderado o caso em todos os seus aspectos, concluí que os artigos 70.º e 93.º da Constituição referem matérias que, por serem da competência exclusiva da Assembleia Nacional, não podem ser objecto de decreto-lei. Como diz o texto constitucional, «constituem necessariamente matéria de lei», isto é, de lei formal).
Francisco José Vieira Machado. (Declaro que:
1.º Prefiro a designação de «províncias», por corresponder melhor ao fim da nossa acção ultramarina e por dar satisfação ao sentimento patriótico dos portugueses de além-mar.
Entendendo-se, porém, que a designação «província» tem inconvenientes, voto então pela expressão «territórios», apesar de reconhecer que não tem significação jurídica;
2.º Creio que não há inconveniente, antes vantagem, em passar certos assuntos para a gerência de vários Ministérios, desintegrando-os do Ministério das Colónias, desde que o governador continue a ser a suprema autoridade da colónia e o representante da soberania nacional e, portanto, desde que os serviços se correspondam exclusivamente com ele;
3.º Creio também que se deve adoptar uma redacção que valorize a acção dos conselhos de governo. Os seus membros devem em certas matérias ter faculdade de iniciativa. A expressão «com voto» dá lugar a dúvidas, enquanto a expressão «conforme o voto» é (perfeitamente clara no sentido de exigir a concordância do conselho, pelo que prefiro esta;
4.º Perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Armindo Monteiro, no que se refere à interpretação do artigo 70.º da Constituição; José Tristão de Bettencourt. (Não acompanho o parecer na parte relativa às dúvidas ou receios que nele se manifestam por motivo da passagem dos serviços militares das colónias para o Ministério da Guerra.
Considero esta a consequência lógica dos (princípios estabelecidos na Organização do Exército de 1937, que, necessariamente, haviam de levar à concentração no Ministério da Guerra de tudo quanto interessa à defesa militar da Nação. Só assim se pode obter a unidade de comando e de preparação indispensável para garantir a eficiência das forças militares.
As restrições que de tal medida resultam para a autoridade dos governadores podem atenuar-se por disposições adequadas, como se fez no Decreto n.º 37:542 (§ único do artigo 3.º, § 3.º do artigo 4.º e artigo 10.º), e os inconvenientes que delas possam ainda derivar não sobrelevam as vantagens da unidade de comando, que devem colocar-se em primeiro plano.
Penso, contudo, que os efeitos da concentração se não farão sentir com inteiro proveito para a defesa nacional enquanto o Ministério da Guerra não suportar todos os encargos com os serviços militares das colónias, recebendo de cada uma delas apenas uma comparticipação determinada por percentagem fixa sobre as suas receitas ordinárias).
Amadeu Guerreiro Fortes Ruas.
José Gabriel Pinto Coelho.
Marcello Caetano relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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