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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207
ANO DE 1957 27 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 207, EM 26 DE ABRIL
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Pacheco Jorge
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 204.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo ocupou-se de assuntos de interesse para a Madeira.
O Sr. Deputado Rui de Andrade falou da política de há cinquenta anos e tratou da situação de alguns funcionários públicos demitidos por política.
O Sr. Deputado Amaral Neto referiu-se às comparticipações para melhoramentos rurais e pediu a revisão do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
O Sr. Deputado Pereira Jardim falou sobre o problema das estradas de Moçambique.
O Sr. Deputado António de Almeida falou sobre a reunido em Lisboa do Instituto Internacional de Civilizações Diferentes.
O Sr. Deputado João Valença chamou a atenção do Governo para o assoreamento do rio Lima e da barra de Viana do Castelo.
O Sr. Deputado Gaspar Ferreira tratou de problemas do distrito de Aveiro.
O Sr. Deputado Russel de Sousa examinou a questão industrial.
O Sr. Deputado José Sarmento referiu-se a problemas do ensino superior.
O Sr. Deputado Baptista Felgueiras ocupou-se da electrificação rural.
O Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu falou sobre o problema da mão-de-obra indígena em Angola.
O Sr. Deputado Abel de Lacerda requereu informações ao Ministério do Interior.
Ordem do dia. - Discutiu-se na especialidade a proposta de lei de alterações à Lei n.º 2030 (inquilinato).
Foram aprovadas as dezassete bases, algumas delas com emendas propostas pelas Comissões de Legislação e Redacção, de Economia e de Trabalho e Previdência.
Concluiu-se o debate na generalidade sobre o parecer da Comissão de Contas Públicas relativo às Contas Gerais do Estado, da metrópole e do ultramar, respeitantes ao ano de 1955.
Falaram os Srs. Deputados Pereira Jardim, Furtado de Mendonça e Teixeira de Sousa.
O Sr. Deputado Araújo Correia apresentou uma proposta de resolução, que a Assembleia votou, por unanimidade, aprovando aquelas contas.
Mediante uma proposta de resolução apresentada pelo Sr. Deputado João das Neves, foi aprovado o parecer relativo às contas da Junta do Crédito Público de 1955.
Antes do encerramento da sessão trocaram-se saudações entre o Sr. Presidente e o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, este último em nome dos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 80 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
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António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
oão Alpoim Borges do Cauto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e. Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa,.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo. Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 204, de 24 do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Câmara Municipal da Covilhã e da Comissão Municipal de Turismo a associarem-se às palavras de agradecimento do Sr. Deputado Morais Alçada ao Sr. Ministro das Obras Públicas proferidas na sessão de ontem.
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão de 14 de Março findo e os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 4 do corrente pelo Sr. Deputado Cortês Pinto. Vão ser entregues a estes Srs. Deputados.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: tendo-me ocupado nesta Câmara, no decurso da presente legislatura, dos problemas da Madeira, não quero, na sessão de encerramento dos trabalhos da Assembleia Nacional, deixar de agradecer ao Sr. Presidente do Conselho e ao Governo o interesse que lhes mereceu a satisfação de algumas das mais importantes aspirações da população madeirense e de relembrar também a valiosa acção do governador do Funchal, que tão dedicadamente se esforçou pela solução desses problemas.
No decurso da actual legislatura, além de outras realizações, iniciaram-se as obras do prolongamento do porto do Funchal, foi adjudicado o fornecimento de óleos u navegação, aprovado o novo plano de estradas, continuada a execução dos aproveitamentos hidráulicos e levado o benefício da energia eléctrica a muitas das mais importantes freguesias rurais da Madeira.
Para verificar o andamento deste notável conjunto de obras em curso e ao mesmo tempo assistir à inauguração do Estádio do Funchal, magnífica realização da Junta Geral do Distrito, e comparticipar do júbilo das classes desportivas madeirenses, tão merecedoras do carinho e da simpatia oficiais, desloca-se na próxima semana àquela ilha, acompanhado de alguns dos directores-gerais do seu Ministério, o Sr. Eng. Arantes e Oliveira, Ministro das Obras Públicas.
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Quero deste lugar formular votos pela Loa viagem daquele ilustre membro do Governo, a quem a Madeira tanto deve, pelo cuidado e atenção que tem dedicado aos seus problemas, esforçando-se para que estes sejam sempre estudados com a maior celeridade e postas também rapidamente em execução as soluções adoptadas. Estou certo de que na sua próxima visita o Sr. Ministro das Obras Públicas mais uma vez constatará os sentimentos de respeitosa consideração e reconhecimento que lhe consagra, por forma unânime, a população da Madeira.
Tem esta em aberto uma grande aspiração: a construção do aeródromo, condição essencial para resolver o problema das suas comunicações e elemento indispensável à valorização do seu turismo.
Para a solução deste problema muito se tem progredido nos últimos meses, mercê do interesse que lhe têm dedicado o Sr. Ministro das Comunicações e a Direcção-Geral da Aeronáutica Civil.
Uma brigada de técnicos visitou recentemente a Madeira a fim de colher novos elementos de estudo, pensando-se construir muito brevemente uma pista que permita a descolagem de um pequeno avião que tenha por objectivo a recolha de informações de ordem meteorológica indispensáveis ao esclarecimento da melhor solução a adoptar, entre as várias que se julgam possíveis.
Tenho muita pena de que o Sr. Ministro das Comunicações, a quem ainda recentemente me referi nesta Câmara com expressões de merecido apreço e inteira justiça, não possa, por agora, deslocar-se à Madeira. Ficamos, entretanto, esperando a oportunidade da visita de S. Ex.ª, e estou certo de que o Sr. Ministro das Obras Públicas não deixará de transmitir ao seu ilustre colega no Governo as suas impressões pessoais, não só sobre as possibilidades técnicas do empreendimento, mas também sobre as grandes vantagens que resultariam da sua execução para o progresso e para o futuro daquela ilha, parcela rica e valiosa da Nação Portuguesa.
Sr. Presidente: oxalá que precisamente daqui a quatro anos, no encerramento da próxima legislatura, já concluídas ou em vias de conclusão as obras previstas de ampliação do porto do Funchal e das instalações destinadas ao fornecimento de combustíveis líquidos à navegação, possam os Deputados eleitos por aquele círculo agradecer ao Governo a construção do aeródromo na ilha da Madeira.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rui de Andrade: - Sr. Presidente, meus prezados colegas: há muito que sou solicitado por um grupo de antigos empregados do Estado demitidos dos seus empregos por terem estado implicados em assuntos políticos em várias ocasiões.
Todos ou quase todos os que se encontraram nas mesmas situações foram considerados e obtiveram reformas, mas estes não.
Não tenho competência para saber se todos têm ou não razão, e é possível que alguns a não tenham. Sei porém, de alguns que certamente se sacrificaram, por terem cumprido ordens superiores ou espontaneamente, em defesa da boa doutrina nacional.
Julgo que, desde que contribuíram para o sucesso da actual situação, não devem ser esquecidos, porque seria uma ingratidão contra estes - já poucos - servidores da Nação, para os quais chamo a atenção, e por isso não quero deixar o Parlamento sem recomendar ao Governo uma atenta e benévola revisão deste problema. Junto mando a lista das pessoas que têm requerido o inquérito à sua situação.
Sr. Presidente, meus queridos e simpáticos colegas: perdoem se lhes vou roubar alguns minutos; quando se chega à minha idade já se não pode contar com muitos mais dias, e por isso, antes de nos separarmos, vou aproveitar esta última ocasião de nos acharmos juntos para lhes fazer as minhas despedidas. Muito obrigado pela gentil camaradagem.
Entrei nesta Casa pela primeira vez há mais de cinquenta anos. Desde então Deputado, nela presenciei os mais emocionantes momentos da vida política da Nação: morte de el-rei D. Carlos; queda da monarquia; assassinato de Sidónio; Monsanto; liquidação dos democráticos ; revoluções militares; 28 de Maio; obra de Salazar. Se toco neste ponto, é porque o que lhes vou dizer a seguir lhes lembro como exemplo.
Bem novo, com o mínimo de idade exigido por lei, por pedido do conselheiro João Franco e desejo de S. M. El-Rei D. Carlos e pela quase unânime vontade dos eleitores do distrito de Portalegre, onde trabalhava nas labutas do campo, vim sentar-me no centro desta Câmara, extremo esquerdo das direitas.
É já uma época bem afastada de nós, mas a grande alma de português de el-rei D. Carlos tinha animado nos novos de então extremo entusiasmo para colaborarmos com ele num esforço de ressurreição da nossa pátria.
El-rei D. Carlos tinha-se empenhado em levantar Portugal, e na África desenvolviam-se as gloriosas campanhas que, com a efectiva ocupação e pacificação, deviam obstar àquela espoliação que começara com o Congo e o interland das nossas províncias costeiras como tópicos mais evidentes.
Mouzinho - que conheci -, auxiliado por Azevedo Coutinho, Aires de Orneias, Couceiro, João de Almeida, os Gaivões, Mascarenhas, Freire de Andrade e tantos e tantos que foram do meu tempo e meus amigos e com os quais mais tarde tanto labutei, estava empenhado neste labor. E não era só a organização ultramarina, mas todas as questões nacionais: financeiras, culturais e reconstrutivas.
Quando el-rei D. Carlos estava no mais forte desta batalha de ressurreição foi abatido traiçoeiramente pelas costas, aproveitando a sua corajosa e leal confiança no povo português, por uns sicários a soldo de inconfessáveis interesses partidários e externos, gente que ainda hoje se move para preparar outra derrocada da obra que reconstruiu outro grande, que teve a sorte de, felizmente, nos vir salvar.
Ruiu toda a obra daquele grande rei, do qual tantos anos esteve ali em frente de nós aquela estátua que hoje está escondida num corredor da nossa biblioteca e que, se houvesse a coragem da gratidão, bem que pequena, deveria estar ela, pelo menos, à luz do sol numa praça.
Quando entro e vejo a sua falta, nunca me esqueço da última ocasião em que o vi, em Vila Viçosa, dois dias antes do assassinato, e lhe falei e o adverti, e das palavras que me respondeu: «Não, Rui; tenho de ir a Lisboa e irei». E foi e o mataram. Para a nossa geração, para Portugal, foi uma catástrofe.
Vai acabar este nosso mandato e o 28 de Fevereiro de 1908 aproxima-se, dia cinquentenário da grande tragédia, e por isso aproveito esta minha última estada para lembrar que não cumprirão o seu dever de gratidão aqueles portugueses que esquecerem este dia, de triste recordação, e não tiverem a coragem de comemorar dignamente essa data com aquele preito de homenagem que é devido e repudiando aquele delito de poucos, ao qual a generalidade do País foi estranha e que dês-
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truiu a pedra angular do grande e belo edifício monárquico português, que, formada a nacionalidade portuguesa em 1940, durante mil anos o conseguiu conservar intacto até nossos tempos. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: por meados do ano passado veio nos jornais a notícia de ter o Governo autorizado o Comissariado do Desemprego a conceder à Junta Autónoma de Estradas o subsídio de 60 000 contos, pagável em três anuidades e reembolsável a seguir do mesmo modo, para que a Junta se não visse obrigada a abrandar a efectivação de outros trabalhos sob o peso dos grandes encargos de construção da importante ponte da Arrábida, no Porto.
Sucedendo estar ao tempo esta Assembleia reunida extraordinariamente, logo um Deputado bem avisado - o nosso ilustre colega Sr. Dr. Pinto Brandão - lançou o grito de alarme de que a concessão de tão elevado subsídio pelo Comissariado do Desemprego viesse a repercutir-se nas suas comparticipações em trabalhos de melhoramentos urbanos dos corpos administrativos, afirmando, com evidente razão, que, se assim viesse a acontecer, a resolução governamental salvaguardaria os interesses da rede das estradas nacionais, mas feriria fundo os interesses das populações rurais e a justa e necessária elevação do seu nível de vida.
Ora, passado algum tempo, parecem os factos justificar o receio do nosso ilustre colega, porque, segundo consta, todas as comparticipações pelo Fundo de Desemprego, ou pelo menos as que são destinadas aos corpos administrativos, são, por despacho ministerial, sujeitas desde há meses ao desconto de 10 por cento. É difícil deixar de relacionar esta dedução com a despesa total do Comissariado do Desemprego, que, sendo da ordem de 200 000 contos, leva a concluir que tal dedução realizará exactamente o necessário para ocorrer ao subsídio especial da Junta Autónoma de Estradas.
Este e outros indícios alimentam-me na impressão de que, efectivamente, será sobretudo para fazer face aos encargos lançados sobre o Comissariado do Desemprego durante o triénio agora em meio que se está a aplicar sobre as comparticipações do Estado para melhoramentos nas cidades e vilas do País o desconto de um décimo, factor de óbvias dificuldades para todas as autarquias, comissões de melhoramentos, etc., com recursos apertados e previsões alteradas pela inesperada dedução. E a verdade é que as entidades comparticipadas nunca podem esperar o reembolso prometido ao Comissariado, sendo assim lícito dizer-se que serão as únicas, efectivamente, prejudicadas.
Quando todas as opiniões concordam na necessidade de serem aumentados os financiamentos para obras municipais - e a última em data podemos encontrá-la, aliás na continuação de uma já antiga linha de pensamento, no parecer sobre as contas públicas ora em discussão - e quando é unânime o reconhecimento da importância e urgência de intensificar por todas as formas o progresso das pequenas localidades, este desconto surge ao arrepio de todas as correntes de ideias, e choca porventura ainda mais por isto do que pelo seu efectivo montante, como pelo desagradável sabor de ver dar, para logo tirar uma parte.
Convenho em que esta não é enorme, mas sempre obriga a ir cercear nas dotações de qualquer outra obra ou serviço o necessário para tapar a falta, e assim pode a dedução ter uma espécie de efeito em cadeia sobre os melhoramentos na província portuguesa durante o corrente ano; e oxalá que não se prolongue!
Não duvido, Sr. Presidente, de que só muito contrariado e à falta de melhor o Sr. Ministro das Obras Públicas terá lançado mão deste recurso. S. Ex.ª conhece bem os problemas das autarquias locais e ainda há poucas semanas, em palavras que calaram fundo nos espíritos das edilidades, a todas penhorando e reanimando com novas esperanças, teve a generosidade de assinalar a importância crescente do papel desempenhado pelas câmaras municipais na vasta tarefa de que o seu Ministério tem o encargo. É-me sempre grato prestar a S. Ex.ª a sincera homenagem de quem, como colega que- foi de ofício, admira a sua altíssima sabedoria e capacidade técnica e, como homem interessado na marcha da coisa pública, as vê associadas a um poder de acção em nada inferior.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E nada poderia pesar-me mais do que entender alguém nas minhas palavras de hoje algum sentido de censura, que não têm.
Não! Apenas desejo, pondo em destaque o facto a que venho aludindo, e que de algum modo hipoteca o progresso de todas as cidades e vilas deste país a um só grande melhoramento, que é também pela mor parte de interesse regional, apenas desejo, repito, formular um voto e tirar uma ilação.
O voto é o de que no próximo ano se possa encontrar o meio de já não fazer dos municípios, das comissões de iniciativa, das associações de melhoramentos e de quantos mais por esse país além procuram alindar e fazer prosperar as suas terras subscritores forçados da construção - aliás, a todos os títulos útil e oportuna - da ponte da Arrábida; a ilação é a de que continua a verificar-se a necessidade de prover especialmente ao financiamento das obras rodoviárias de carácter excepcional e grande dispêndio, para que não apareçam ao País como cancros que por todo o tecido da Nação roem nas outras actividades necessárias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há tempos manifestei-me partidário do sistema das portagens: das portagens como meio de pagamento das obras de custo grande e tráfego elevado, e não, claro está, das meras e iníquas taxas de passagem como a que vem impondo-se aos usuários da Ponte Marechal Carmona.
Esse sistema, ao menos, tem o mérito da incidência directa: paga a obra quem a usa. Não será o único processo, mas continuo a pensar e afirmar que é certamente melhor do que o de concentrar as dotações orçamentais nas grandes construções e, por um artifício ou outro, tornar participantes no custo, pelo sacrifício de legítimas necessidades e satisfações, toda a gente, desde Melgaço a Vila Real de Santo António, e mais a das ilhas atlânticas, tenham ou não interesse nessas obras extraordinárias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Daria aqui por findas as minhas palavras, pois é evidente a conclusão a que me levariam, se a circunstância de não ter mais ensejo de falar e a de me estar de certo modo dirigindo ao Sr. Ministro das Obras Públicas me não incitassem a pedir vénia a V. Ex.ª para uma brevíssima nota em assunto completamente diverso.
Mandou o Sr. Ministro, e muitíssimo bem, que, à luz da experiência de alguns anos que leva de publicado, fosse revisto o Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
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Se este pedido ainda vai a tempo, quereria daqui solicitar a S. Ex.ª que fizesse estudar a inclusão na nova redacção de provisões sobre o isolamento térmico e acústico das construções. O desenvolvimento do uso do betão armado, não só em pavimentos como em paredes, sobretudo das empenas, torna muitos dos modernos edifícios de andares um lugares desconfortáveis, pela transmissão de todos os sons e ruídos e pela falta de defesa contra o calor e o frio. São sem número os casos, mais ou menos anedóticos, dos ralhos - se não assuntos que deveriam ficar confidenciais - ouvidos por vizinhos, que umas vezes com eles se divertem, outras se aborrecem, ou dos pais ou amigos sobressaltados pelos choros de crianças, que afinal vão, com alívio, mas não sem incómodo, apurar serem as dos prédios ao lado; e é incontestável que algum desperdício se faz no aquecimento dos últimos andares ou das divisões exteriores, que as paredes não isolam do frio.
A par disto temos por aí uma indústria de materiais de isolamento, de variadas naturezas e aptidões, pronta a resolver todos os problemas dos edifícios; e sabemos que a construção civil trabalha, ao menos nos centros mais importantes e em forte proporção do número das construções, em níveis de dispêndio que não tornam inaceitável o acréscimo dos isolamentos. E a obrigação destes seria uma homenagem devida ao conforto dos inquilinos, facilmente esquecido tanto por quem edifica só para lucro como por quem compra os edifícios só para deles tirar rendimento.
Termino, pois, com uma exortação ao Sr. Ministro das Obras Públicas para que legisle, se ainda tem oportunidade naquele regulamento, ou como melhor entender, no sentido de serem providos de adequados isolamentos térmicos e acústicos os prédios que pretendam mostrar o grau de conforto ou se situem no nível de preços que não deve dispensar tais elementos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi multo cumprimentado.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: há poucas semanas ocupou-se o nosso ilustre colega e Deputado por Moçambique Sr. Comodoro Sarmento Rodrigues do problema das estradas no ultramar, sublinhando, com a sua peculiar autoridade e por forma objectiva, a relevância que as comunicações rodoviárias assumem no quadro do progresso que desejamos para as províncias de África e os esforços que o Governo vem realizando para impulsionar, com os recursos disponíveis, a realização de programas que visem a dotar os territórios ultramarinos com uma rede básica de comunicações.
Pelo que respeita a Moçambique, foi dada notícia de que se encontra concluído o estudo da revisão do plano e que daí resultará novo impulso para a construção das artérias fundamentais, contemplando 7500 km, com o dispêndio anual de cerca de 200 000 contos até 1962.
Quero associar-me, de forma expressa, aos louvores que aqui foram dirigidos ao Governo pela firme orientação traçada em tal sentido e pelo conjunto de medidas promulgadas com o objectivo de estruturar, orientar e impulsionar a definição e execução do plano rodoviário de Moçambique.
Quero ainda renovar - em concordância com as afirmações criteriosas do Sr. Comodoro Sarmento Rodrigues - a minha insistente recomendação para que o Plano de Fomento considere no primeiro grau da hierarquia dos investimentos em Moçambique a ampliação do programa rodoviário que foi possível delinear, com único recurso às disponibilidades normais da província. É que, na verdade, com esses meios exíguos - mobilizados, mesmo assim, com sacrifício - de outros empreendimentos - não é possível ir, em matéria de estradas, tão longe quanto necessitamos e tão depressa quanto carecemos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A quantos labutam naquela província e sofrem constantemente o drama das comunicações é grato verificar a unanimidade das vozes autorizadas que classificam com justiça o problema rodoviário como o primeiro a inserir no âmbito das preocupações governativas e como o primeiro a atender no nível das realizações a levar a cabo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É com veemente interesse que Moçambique afirma o seu anseio de ver o Plano de Fomento incluir nos seus objectivos o alargamento do programa rodoviário.
Porque os recursos próprios da província são insuficientes para levar a cabo o mínimo de que carecemos neste fundamental sector e porque a falta desse mínimo afecta o nosso desenvolvimento - impedindo até que de outros investimentos se obtenha a melhor rentabilidade -, bem merecerá de todos o Governo ao dedicar ao programa de estradas a valiosa contribuição dos meios financeiros disponíveis no quadro do Plano de Fomento que está a ser delineado.
Diz-nos, no entanto, a experiência em Moçambique que não basta dispor de possibilidades orçamentais e de esquemas de realização para efectivamente se construírem estradas.
Nos últimos anos verificámos que parte apreciável das verbas inscritas ficou por utilizar, que a construção se arrastou com demoras incompreensíveis ou se iniciou com sério atraso sobre os prazos anunciados, que os insucessos se acumularam por forma lamentável e que houve de reparar, ou mesmo reconstruir, alguma coisa do que vinha de ser concluído.
E os que percorrem as estradas, no seu labor diário, sofrem triste desilusão quando se encontram perante «picadas» intransitáveis, que, no programa anunciado, deveriam já ser estradas em condições de permitir trânsito regular.
E surge uma pergunta unânime: porquê?
E daqui resulta ainda que ao anunciar-se a revisão do plano ou a possibilidade de se dispor de mais largos recursos financeiros se verifique uma simultaneidade de esperança e de desalento.
De esperança em que se iniciem novos rumos; de desalento perante as perspectivas, que no passado recente parecem encontrar fundamento.
Ao esclarecimento destas dúvidas - desta verdadeira ansiedade de compreender as razões que impediram dar cumprimento a um plano modesto - se dirigiu o pedido de informações que formulei nesta Câmara em Abril de 1956.
A prontidão com que o Sr. Ministro do Ultramar forneceu os elementos solicitados, a clareza com que neles vi considerados todos os aspectos, a honesta sinceridade com que se anunciaram deficiências e o critério com que se apontaram as melhores directrizes deram-me a certeza de que o Governo acompanhava com a melhor atenção esse grave problema, que conhecia todos os seus aspectos e decididamente corrigia os erros verificados.
Não deixei de o mencionar prontamente - prestando a justiça que era devida -, mas não quis alinhar comentários, que no momento poderiam não ter utilidade construtiva e só serviriam propósitos demagógicos, que estão fora dos meus hábitos.
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Decorrido um ano, julgo conveniente fazer com serenidade o exame objectivo desses males do passado e apontar as directrizes actuais que os permitem corrigir e já deram provas visíveis da sua eficiência.
Ao longo deste ano acompanhei interessada e atentamente o trabalho do Ministério do Ultramar e do Governo-Geral de Moçambique e posso dar testemunho dos progressos obtidos, afirmando a esperança de que caminharemos ùtilmente no futuro.
As causas do insucesso da execução do plano de 1953 residiram, comprovadamente, no atraso da elaboração de estudos e projectos, na falta de organização, de pessoal e de equipamento para a execução simultânea, por administração directa, de numerosas obras dispersas, da ausência de grandes empreiteiros e da incapacidade de outros cumprirem os prazos, do desvio das brigadas técnicas para funções que lhes não deveriam pertencer, de erros de projectos e de execução e, finalmente, da própria programação do plano.
Com possível dureza, mas necessária verdade, foram estes os vícios de que enfermou a realização do plano de estradas de Moçambique.
Não faltaram verbas, mas, sim, pelos motivos indicados, capacidade para as utilizar.
Houve males estruturais, a que vieram juntar-se infelicidades acidentais. Uns e outros, porém, nos custaram muito caro.
Determinadas as origens da deficiente execução verificada, tomaram-se providências, que conduziram ao afastamento dos serviços de obras públicas da realização de obras por administração directa, passando as brigadas técnicas a dedicar toda a sua atenção à elaboração de estudos e projectos e cometendo-se a construção aos empreiteiros, definindo-se a regra de haverem de ser postos em praça, de cada vez, conjuntos de obras no valor de algumas dezenas de milhares de contos, por forma a interessar e tornar viável a presença de empresas idóneas, técnica e financeiramente. Colocou-se ainda ao dispor dos empreiteiros a utilização do equipamento pesado que o Estado havia adquirido e procuraram-se concentrar os esforços num reduzido número de obras em cada ano, visando atingir o escalonamento mais vantajoso das diversas fases da construção. Melhorou-se o apetrechamento dos serviços dedicados ao estudo da estabilidade e características dos solos e deu-se maleabilidade à utilização das verbas destinadas à execução do plano.
Paralelamente, e sem prejuízo de se dinamizar a realização das obras em curso ou que se encontravam em condições de ser iniciadas, promoveu-se a revisão do plano, fixando as directrizes a que haveria de obedecer.
Não se poderia pretender que esta orientação viesse eliminar, de um jacto, as deficiências anteriormente acumuladas, mas pode-se afirmar que ela consentiu, já em 1956, que os trabalhos de construção das estradas e obras de arte a elas ligadas assumissem características bem diversas das que se verificaram nos anos anteriores.
A comprová-lo está o andamento registado em certos traços, cujos trabalhos víamos anteriormente eternizarem-se ou pareciam recuar, pelo desaproveitamento do que anteriormente se fizera. E a confirmá-lo está ainda a correcção já em curso de certos erros, bem mais difíceis de remediar do que haveria sido o planeamento acertado desde o início.
Não cultivando, por sistema, as referências pessoais quando aprecio os problemas e a sua evolução, deverei neste caso, por imperativo de consciência, mencionar quanto se ficou a dever ao esclarecido critério e competência do Sr. Subsecretário de Estado do Ultramar, Eng. Carlos Abecasis, na revisão ponderada do que se vinha fazendo e na definição metódica das novas linhas de acção.
O Governo-Geral de Moçambique apresentou, dentro da orientação traçada, os elementos necessários para se estabelecer o novo plano de estradas da província, que .será publicado dentro em breve, logo que se conclua a apreciação que no Ministério do Ultramar sobre esses elementos haveria de incidir.
Com a mesma objectividade que usei para formular críticas e reparos, desejo agora afirmar a minha confiança na eficiente execução das directrizes estabelecidas. Além de um plano, estou certo de que também vamos ter estradas.
Os serviços de obras públicas de Moçambique, onde dispomos de técnicos capazes, uma vez libertos dos males estruturais de que se enfermava, revelar-se-ão competentes no desempenho da sua missão. E cometer-se-ia injustiça imperdoável se lhes fossem atribuídas as culpas, que não lhes cabem.
Tenho dúvidas se a orgânica actual dos serviços será ainda a mais apropriada para fazer face ao que deles se tem de exigir, sem esquecer que a sua acção se alarga por outros sectores de trabalho, num território com as dimensões de Moçambique. Mas está-se no caminho do» serviços - como seria a criação de um departamento autónomo -, e eles haverão de ser fruto da própria experiência recolhida e do volume que venha a atingir, com a indispensável inclusão das estradas no Plano de Fomento, o programa de realizações.
Paralelamente, julgo que seria da maior vantagem adoptar em Moçambique, com as necessárias modificações, o regime que na metrópole vigora, desde Maio de 1956, quanto à definição da capacidade dos empreiteiros e sua severa disciplina. Ao confiar o Governo à iniciativa particular - e julgo que acertadamente - função verdadeiramente primordial na execução de tão vasto empreendimento, deverá, simultaneamente, ser exigida a comprovação da capacidade bastante e punir-se energicamente os que não venham a revelar a devida idoneidade.
Guardei propositadamente para este último dia de trabalhos da Assembleia as referências que entendi do meu dever formular quanto ao problema das estradas em Moçambique.
Iniciei a minha actividade de Deputado ocupando-me deste assunto. Encerro-a voltando ainda a ocupar-me dele.
E com isto desejo sublinhar a permanente actualidade que o problema oferece, a importância que se lhe tem de atribuir e a sua decisiva influência no progresso de Moçambique.
Não será tarefa para realizar em curtos anos, e tenho a firme certeza de que será tarefa para nunca se considerar concluída, porque, sendo as estradas criadoras de progresso, vêm a ser exigidas cada vez mais, pelo próprio progresso a que dêem origem.
O problema das estradas será sempre, em Moçambique, um problema actual, mas por hoje é o seu problema n.º 1.
As minhas últimas palavras nesta Câmara serão para deixar o apelo que lancei no primeiro dia:
Moçambique precisa de estradas. Dêem-nos estradas e Moçambique progredirá.
Confio em que assim há-de ser.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: reuniu-se há dias em Lisboa, na Câmara Corporativa, o Incidi-
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abreviatura do nome de uma prestigiosa agremiação cultural e cientifica, o Instituto Internacional de Civilizações Diferentes, com sede em Bruxelas, sucessor do Instituto Internacional Colonial, designação substituída por virtude de, em nossos dias, quase se considerarem tabos a palavra «colónia» e suas derivações.
A 1.ª sessão de estudos do Instituto, realizada entre nus, efectuou-se sob a presidência do conde de Penha Garcia, presidente da Sociedade de Geografia, director da Escola Superior Colonial e antigo e ilustre Presidente desta Casa; a 30.ª sessão fez-se sob a presidência do nosso ilustre colega e antigo professor da Escola Superior Colonial comodoro Sarmento Rodrigues, que pronunciou dois excelentes discursos, um na inauguração e outro no encerramento.
O Governo deu merecido realce à conferência, quer por meio da magnifica mensagem do Sr. Presidente do Conselho e do douto discurso do Sr. Ministro da Presidência, quer por intermédio do patrocínio dos distintos Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Ultramar.
Sr. Presidente: não foi mais um congresso internacional, tantos se têm efectuado ultimamente na nossa terra, ainda que seja sempre vantajosa a presença em Portugal de estrangeiros qualificados para nos conhecerem, dado que, conhecendo-nos bem, melhor nos apreciarão, mais justos se mostrarão nos juízos a pronunciar a nosso respeito. Com efeito, todos os estrangeiros que comparticiparam nesta reunião do Incidi - alguns dos quais visitavam Lisboa pela primeira vez - não se cansaram de enaltecer as nossas belezas naturais e monumentos e a fidalga maneira de se receber na Casa Lusitana.
Não se tratava, realmente, de uma vulgar conferência internacional, não só porque os seus componentes eram individualidades do maior relevo - vindas de vários países e pertencentes a diversas raças, religiões e culturas -, mas, sobretudo, porque tais estudiosos iam apreciar problemas de grande transcendência política, económica, social e cultural, com enorme interesse para as populações das províncias ultramarinas.
Na recente sessão do Incidi foram examinadas desenvolvida mente as referidas questões e sempre com rara elevação, que estava em perfeita harmonia com a índole dos temas propostos e com a craveira mental das pessoas que intervieram nos debates. Mas, mais do que o nível intelectual das discussões, deve sublinhar-se a calorosa consagração feita, pela voz autorizada de cientistas tão ilustres, à portentosa tarefa civilizadora do Portugal em terras de além-oceano.
Na realidade, nenhum dos assuntos expostos pôde ser apreciado sem que o ingente esforço português em favor da valorização dos povos atrasados ressaltasse em todo o seu esplendor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- O Mundo nada tom para nos ensinar em matéria de convívio social com as gentes primitivas; há mais de cinco séculos que ensaiamos e aplicamos frutuosamente uma doutrina própria de política indígena, que consiste em elevar material e espiritualmente povos menos adiantados, para os integrar na civilização ocidental e cristã.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Valença: - Sr. Presidente.: ao iniciar esta legislatura, as minhas primeiras palavras nesta Assembleia foram para V. Ex.ª
Serão também para V. Ex.ª ao encerrar a, actual legislatura, as minhas primeiras palavras, para lhe manifestar mais uma vez todo o meu apreso pelas suas altas qualidade de espírito e inteligência e para lhe patentear a minha profunda gratidão pulas atenções recebidas e pela forma amável com que sempre me recebeu e distinguiu.
Aceite, pois, Sr. Presidente, os testemunhos da minha muita consideração e os protestos do meu profundo reconhecimento.
Sr. Presidente: ainda há bem pouco tempo, não decorreram muitos meses, fiz aqui uma pequena intervenção sobre o assoreamento do rio Lima e a grave situação da barra de Viana do Castelo.
Não quero deixar findar esta legislatura sem mais uma vez me referir e chamar a atenção do Governo para tão momentoso e magno problema do distrito que aqui tenho a honra, de representar.
Não tão importante esse problema que pode afoitamente dizer-se, sem receio de desmentido, que ele constitui hoje o problema número um daquele distrito.
Daí a razão da minha insistência.
Quer a imprensa da região, quer a de Lisboa, nomeadamente o jornal O Século, a quem presto as minhas homenagens rendo o preito da minha gratidão, puseram já em relevo, com o brilho costumado, a importância de tal assunto e mostraram a necessidade, e mais do que necessidade a urgência, de ele ser encarado o solucionado pelos Poderes Públicos.
É que, na verdade, Sr. Presidente, o actual estado do rio Lima não pode manter-se.
O seu assoreamento causa graves, gravíssimos, prejuízos à região e até ao País. dado que uma grande parte das veigas ou terrenos que o marginam tornaram-se improdutivos e constituem actualmente leito do referido rio.
São hectares e hectares de terreno que se encontram inutilizados e abandonados ou afastado, de um destino que podia ser útil ao País, como factor de produção.
Causa lástima, penaliza, ver um rio de sonho, como é o Lima, votado a um completo abandono, sem poder ser apreciado na sua beleza e nos seus encantos.
Compreendo que as obras para evitar e remediar tal assoreamento sejam de custo elevado, mas da sua realização só podem resultar grandes benefícios e evidentes vantagens.
Por isso nada há que recear. Há que caminhar.
Acham-se já publicados vários trabalhos sobre a canalização do rio Lima e rectificação das suas margens, merecendo menção especial a tese apresentada a» II Congresso Municipalista Minhoto, em 1929, pelo engenheiro Lima Júnior, então chefe da 1.ª Secção da Divisão Hidráulica do Douro, em Viana do Castelo - tese intitulada.: «A Canalização dos Rios Minhotos e a Normalização do Seu Regime».
Foram feitos já vários trabalhos e estudos por uma brigada do serviços hidráulicos sobre o aproveitamento do referido rio.
Não falta, por isso, tudo.
Há já muitos elementos e estudos para um empreendimento e uma obra que urge ser iniciada.
Pela sua importância, pelos resultados e benefícios que, principalmente sob o ponto de vista económico, dela podem resultar para o País, impõe-se a sua inclusão no próximo Plano de Fomento.
Sr. Presidente: também o problema da barra de Viana do Castelo assume e reveste capital importância.
Se não se olhar de frente para este problema, se não se tomarem medidas imediatas sobre ele, em breve aquela barra estará completamente inutilizada, com prejuízo para a economia da região e do País.
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Viana do Castelo tem já hoje uma frota bacalhoeira importante, cujos navios são obrigados, pelo assoreamento da barra, a ir a Leixões aliviar a carga.
Dentro de algum tempo, se não se tomarem rápidas e - urgentes providências, os navios que constituem aquela frota jamais poderão demandar a barra.
Viana do Castelo possui também os seus estaleiros, que mantêm cerca de 1200 operários diários e onde têm sido construídos e estão a construir-se navios de grande tonelagem.
Se não se solucionar o problema da barra, terão aqueles estaleiros de paralisar o seu trabalho, relegando para o desemprego e para a miséria muitos operários, com prejuízo da riqueza e economia da Nação.
Sr. Presidente: muito mais se poderia dizer acerca dos problemas a que venho fazendo referência. Porém, a escassez do tempo não permite que me alongue nas minhas considerações.
Mas também não é preciso que elas sejam mais extensas. Confio na acção do Governo. E essa confiança me tranquiliza e tranquiliza toda a boa gente da minha região, cujas justas aspirações e legítimos anseios tenho a honra de aqui exprimir e interpretar.
Tenho dito.
Vozes: -- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gaspar Ferreira: - Sr. Presidente: na sessão de 29 de Março os ilustres Deputados pelo círculo de Aveiro, Dr. Paulo Cancella de Abreu e Dr. Joaquim de Pinho Brandão, manifestaram o seu regozijo e dirigiram agradecimento ao Sr. Ministro das Obras Públicas pela abertura do concurso das variantes das estradas n.ºs 16 e 109, junto da cidade de Aveiro.
Só hoje me é possível associar-me às palavras dos dois ilustres Deputados, que, com tanta razão e justiça, frisaram o grande interesse daquela obra e da supressão da actual passagem de nível de Esgueira. Este regozijo sobe de ponto pela informação, que recentemente foi dada, de que estavam ultimadas, com êxito, as negociações com a C. P., que permitem possa ser encarada para muito breve, simultaneamente com a das derivantes referidas, a construção da estrada de acesso à cidade, sem a qual Aveiro seria fortemente prejudicada. O conhecimento deste facto movimentará a cidade e a região numa exaltação de entusiástico sentimento de agradecimento ao Governo, e nomeadamente ao Sr. Ministro das Obras Públicas, pela resolução grandemente prestigiante de um problema de tamanha importância.
Sr. Presidente: seria a realização das obras das variantes das estradas n.ºs 16 e 109, junto da cidade, e da derivante destas para Aveiro, com a consequente supressão da passagem de nível de Esgueira, razão suficiente para os meus sentimentos de entusiástico regozijo e de profunda gratidão para com o Governo do Estado Novo; mas outros factores do maior relevo e da maior importância para a economia regional exaltam em mim e em todos os habitantes da região aqueles sentimentos, despertando em todos forte euforia.
Indubitáveis realizações, que correspondem a anseios vivamente sentidos, fortalecerão toda a economia da região, servida magnificamente pelo portentoso instrumento de fomento que é a ria de Aveiro, que estrutura todo o campo das actividades marítimas, as quais, em larga extensão, concorrem para o já verificado surto de desenvolvimento, sob todos os aspectos, não só na cidade, como em muitos outros concelhos do distrito de Aveiro.
Estão, com efeito, Sr. Presidente, abertas às actividades marítimas da região as mais grandiosas perspectivas com o relativamente próximo completamento das
obras em curso para melhoramento da barra de Aveiro e com a projectada execução das obras do seu porto interior, de comércio e pesca.
Outras obras em projecto na região da ria abrem também felizes perspectivas às actividades locais, agrícolas e industriais, e entre estas citarei, em lugar de especial relevo, a do turismo.
Sr. Presidente: o problema do porto interior de Aveiro tem merecido já a melhor atenção dos Srs. Ministros das Obras Públicas e das Comunicações e dos serviços mais qualificados para o efeito desses Ministérios.
Referir-me-ei simplesmente a algumas intervenções mais recentes e significativas:
Por despacho de 13 de Fevereiro de 1952 determinou o Sr. Ministro das Obras Públicas de então que fosse definida quanto antes a localização dos portos comercial e de pesca.
A este despacho foi dado cumprimento, sendo pelos serviços competentes organizado um esquema do porto interior, que será constituído por quatro zonas: a industrial, a de pesca longínqua (bacalhoeira), a comercial e a de pesca costeira. Esse esquema foi submetido à apreciação do douto Conselho Superior de Obras Públicas. Mereceu ele o acordo de uma comissão constituída por inspectores superiores da 2.º Secção daquele Conselho, presidida pelo seu ilustre presidente, tendo-se aquela comissão pronunciado sobre o referido esquema em 20 de Março de 1952, esquema que foi visado pelo Sr. Ministro das Obras Públicas em seu despacho de 26 do mesmo mês e ano.
Por despachos dos Srs. Ministros da Obras Públicas e Comunicações respectivamente de 18 de Maio de 1955 e de 20 do mesmo mês e ano foi homologado o parecer do Conselho Superior de Obras Públicas - 2.º Secção - n.º 2586, de 10 de Maio de 1955, nos quais se declara ser de particular interesse o futuro papel do porto de Aveiro no sistema portuário do Norte do País, recomendando-se aos serviços competentes que activassem os estudos entre mãos, com vista à definição de um plano geral do desenvolvimento da zona portuária de Aveiro.
Em sequência, em Março de 1957 homologou o Sr. Ministro das Obras Públicas o parecer do mesmo Conselho Superior, que opinou pela aprovação da ampliação do esquema geral do porto interior e do plano geral das obras do porto de pesca costeira, datados, respectivamente, de 26 de Junho de 1956 e de 30 do mesmo mês e ano.
Espera-se que dentro de poucos dias seja aprovado o plano geral das obras do porto de pesca costeira de Aveiro, compreendendo as destinadas a:
Armazenamento e tratamento de redes;
Lota, tratamento e expedição de peixe fresco;
Fabricação de conservas e transformação de resíduos de peixe.
Sr. Presidente: não é oportuno e seria incompatível com o tempo de que disponho enunciar agora os números que justificam, aliás largamente, as obras do porto de Aveiro, tanto as que já estão em execução como as que se projectam.
Direi simplesmente, e isso por motivo de justiça e em honra da engenharia portuguesa, que delineou e apreciou os projectos, que os resultados obtidos pelas obras em curso são concludentemente brilhantes.
Direi também que nenhuma dúvida pode haver sobre o contributo poderoso do porto de Aveiro para o progresso e desenvolvimento do País.
Sr. Presidente: ligado ao sistema do porto de Aveiro está o problema das pontes que sobre a ria haja neces-
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sidade de lançar, e que teia de ser convenientemente localizadas.
As obras exteriores de grande vulto para melhoramento da barra, em curso, em que o Estado tem investido quantia elevadíssima, embora ainda não concluídas, produziram já efeito magnífico nas condições do porto, devendo atingir dentro de dois anos os seus máximos efeitos na barra.
Elas só não bastam, porém, por si próprias, para se obterem as melhores condições possíveis de navegação a barcos de alto bordo e para o aproveitamento por ela do porto interior.
E necessário corrigir correntes interiores, aumentar consideràvelmente a capacidade da maré lagunar, tornar possível o aproveitamento ao máximo de todas as áreas destinadas às instalações portuárias terrestres, e é indispensável o aproveitamento, na maior extensão, dos troços dos canais da ria que melhores condições hidráulicas ofereçam para fundeadouro amplo e seguro.
As exigências dos portos de comércio e de pesca impuseram já a nova localização da ponte de Gafanha, actualmente em construção, segundo projecto moderno e grandioso e em obediência às conveniências superiores do porto. A substituição da outra ponte - a ponte da barra - impõe-se, também, não só para remoção dos perigos que oferece, como em obediência a exigências de um importantíssimo movimento rodoviário, a que é preciso garantir possibilidades contínuas, e ainda pelo imperativo da necessidade de se evitar um estorvo considerável à propagação das marés no braço de Mira.
Indubitavelmente que a substituição é indispensável e que a sua urgência se impõe, mas a resolução do problema tem de ser dada por forma a não vir, de futuro, a constituir ao sistema hidráulico outro estorvo semelhante ao imposto pela actual.
O problema da nova ponte a construir oferece dificuldades e exige cautelas.
O estudo do canal de Mira, no aspecto da corrosão das suas margens e do traçado que lhe deve ser dado definitivamente perante a evolução das correntes e das marés, foi confiado, em 1955, a uma comissão pelo Ministério das Obras Públicas, única entidade a quem está confiada a orientação e estudo desses assuntos.
Essa comissão concluiu, há pouco, os seus trabalhos, optando por, em presença de problema tão complicado e importante para a manutenção da barra, recomendar a efectivação de um modelo reduzido onde o assunto deve ser melhor estudado.
Neste caso, o problema hidráulico não pode deixar de sobrepor-se ao problema de construção de uma ponte e será dele que resultará a localização e restantes características desta. Esta supremacia do problema hidráulico é tanto mais importante quanto é certo que se trata de conseguir, através do melhoramento do canal de Mira, um reforço hidráulico na manutenção da barra, procurando-se obter com ele uma parcela importante de auxílio na conservação dos fundos do canal da entrada da laguna, para obtenção dos quais o Estado, em magnífico esforço e com tão manifestos resultados já evidenciados, tem empregado largas importâncias em obras.
A actual ponte é dispendiosa, prejudicial e até perigosa; é também quezilenta, como já lhe ouvi chamar. E, indubitavelmente, urgente a sua substituição. Não se podem porém, prejudicar os estudos necessários. Por mim, estou certo de que .estes serão realizados com toda a brevidade possível e que sofrerão do respectivo Ministério o impulso que o País já se habituou a ver da sua parte em tudo o que diz respeito ao interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o tempo vai fugindo e eu vou procurar resumir considerações sobre algumas outras legítimas aspirações locais, da mais alta importância para o turismo regional, de tão grande valor, solicitado, como é, pelas belezas fascinantes da região, que enquadram o esplendoroso panorama da ria, de tão policromos e magníficos aspectos, em que os homens anfíbios erguem o seu busto num esforço hercúleo diário na conquista do pão, revolvendo águas e arrancando aos fundos da ria adubos e lamas, à custa dos quais vão, em progresso contínuo, integrando benemerentemente no solo produtivo de Portugal áreas de dunas ásperas e revoltas; tirando das águas da laguna as mais variadas e apreciadas espécies de uma fauna que delicia as mesas de centenas de famílias e que se juntam, em oração a Deus e à Senhora, em festas tão esplêndidas de Portugal, que cantam connosco a fé nos destinos desta Pátria e que (praticam indomáveis a religião de Deus, Pátria e Família.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Neste momento mesmo, sinto mergulhar em mim os olhos confiados dessa gente de Mira, de Vagos, de Ilhavo, de Aveiro, de Estarreja, da Murtosa e de Ovar, que nas margens da ria vive em forte assim enriquece Portugal com o seu - esforço e contínuo, suando sobre a terra e sobre as águas da ria, e assim enriquece Portugal com o seu esforço e com o seu soberbo exemplo patriótico cria tranquilidade, espalha fé e confiança.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As aspirações destas gentes apregoam-nos necessidades que são condições de desenvolvimento da sua região e serão auxiliares poderosos dos seus esforços: pedem que seja estabelecido o sistema circulatório que irrigue o organismo regional, por forma a poder contribuir, de facto, para as realizações com que as possibilidades estabelecidas pelo trabalho dos habitantes, pelas aliciações dos seus panoramas e pela policromia do seu folclore fabricarão riqueza e bem-estar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Limitar-me-ei, Sr. Presidente, a ser porta-voz das solicitações para a construção de um pequeno troço de estrada, pela ilha da Mó do Meio, a partir do Forte da (Barra até em frente de S. Jacinto, necessário, indispensável, para o estabelecimento do jerry-boat, já assegurado, que permita ligação entre a estrada nacional n.º 327 (do Furadouro a S. Jacinto) com a estrada n.º 100-7 (de Aveiro à Barra e Costa Nova).
Outra aspiração, vivida com entusiasmo, vivificada pela fé dessa gente da Murtosa, tão trabalhadora e tão afincada à sua terra, que não poderá ser furtada à nossa admiração e à nossa extrema simpatia, é a da ponte de Varela, nas proximidades de Torreira, através da qual se poderá fazer a ligação de sistema rodoviário das duas margens da ria, e que é de tão grande importância para a economia e turismo regional, pelo incremento das actividades agrícolas desenvolvidas já tão notavelmente pelos íncolas, no cordão de areias do litoral, em que se patenteiam, além das quintas, muitíssimos outros surpreendentes exemplos do que criaram em prol do fomento da riqueza nacional os esforços, a persistência, a habilidade e os contecimentos práticos da gente da região.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Aquela ponte servirá muitas das actividades da região, alimentará copiosamente a corrente turística e será contributo dos mais poderosos para o que se pretende obter com a construção próxima de uma pousada na região de Moranzel.
Para guiar um golpe de vista sobre as conveniências da ponte de "Varela, recordarei unicamente que só as carreiras de lanchas estabelecidas entre as duas margens da ria, entre Béstida e Torreira, transportaram em 1955 200 035 passageiros e numa barcaça primitiva naquele ponto passaram 2756 automóveis.
Por mim, suponho do maior interesse regional a construção urgente da ponte de Varela, a qual não oferecerá dificuldades técnicas nem inconvenientes graves no regime hidráulico da ria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Associo entusiasticamente a minha voz às do» que há quase um século pedem a construção urgente da ponte de Varela.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, com a expressão dos meus entusiasmos, e gratidão pela acção desenvolvida pelo Governo do Estado Novo em favor do desenvolvimento da região de Aveiro.
A região reconheci, essa acção e agradece-a.
Sabe o que deve e é agradecida a Salazar e aos seus Governos às brilhantes equipas de homens de Estudo que tem feito a reconstrução nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda há pouco seguiu o distrito de Aveiro, fortemente impressionado, a viagem, através de uma parte importante dele, do Sr. Ministro das Obras Públicas, levado pelo desejo de conhecer e viver localmente os problemas da região.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As altas e aliciantes qualidades de S. Ex.ª vinculam os povos do distrito de Aveiro ao respeito, à admiração e, o que é mais, à fé em S. Exa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aguarda o distrito com ansiedade, por tudo e até pelo convívio de algumas horas, a visita de S. Ex.ª aos concelhos ainda não visitados e à ria de Aveiro, em que espera, com o maior interesse, seja também acompanhado pelo ilustre Ministro das Comunicações, em cuja jurisdição cabem os problemas da ria e porto de Aveiro, problemas a que os mesmos têm dispensado o maior interesse.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Russel de Sousa: - Sr. Presidente: neste momento encontra-se a indústria nacional perante um difícil problema. O alargamento do «mercado comum» ao nosso país, para onde as coisas nos podem conduzir, impelidos pela força das circunstâncias, mais precipitadamente do que desejaríamos, preocupa, sem dúvida, os vários sectores da vida nacional e todos os responsáveis pelo equilíbrio da produção e do consumo.
Poderá o Governo, sob o alto critério de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, encaminhar o problema para um plano mais facilmente aceitável, e nós todos
estamos firmemente seguros de que assim acontecerá; porém, essa certeza não basta, pois não resolve completamento as dificuldades que vão surgir, e que, em maior ou menor escala, atingirão, sem dúvida, a nossa economia.
Para vencer as dificuldades e reduzir assim os efeitos perniciosos da a zona de trocas livres», haverá que estruturar toda a economia portuguesa em normas que lhe permitam resistir ao embate, colocando-a em igualdade aproximada das suas concorrentes. Antes de mais, parece-nos que se deve estudar a fundo, e rapidamente, a posição exacta da produção nacional, quanto a quantidade, qualidade e custo. Depois, facilitar o estudo da planificação do trabalho e o reapetrechamento das indústrias que o exijam, tomando em atenção que a melhor produtividade não exige maior produção, mas melhor qualidade e menor preço de custo de fabrico.
Como cada máquina nova produz sempre, pelo menos, o dobro da máquina a substituir, haverá que estabelecer com justo critério o número de máquinas a inutilizar pelo número de máquinas a montar de novo; de contrário, continuaremos a concorrer para um excesso de produção, que, não encontrando colocação, leva à concorrência desregrada e o lucro da exploração indispensável a um prejuízo certo e ruinoso.
Posto o problema, de tanta magnitude, só superficialmente e em meia dúzia de palavras, parece-nos que deveremos, em simples esquema, propor as soluções que nos parecem viáveis para nos conduzirem aos desejados resultados.
Volto a insistir pelo ponto de vista várias vezes já exposto. Sem condicionamento não haverá coordenação e sem esta nada de útil se poderá realizar.
Parece-nos que, para mais rápida e eficiente solução, haverá que agrupar os vários ramos industriais em três ou quatro grandes sectores distintos, as várias industrias com mais afinidades entre si.
Através desta orgânica seria mais fácil obter informações que forneçam ao Governo elementos de apreciação e estudo para saber até onde pode e deve agir no sentido de obter uma cooperação efectiva de todos os sectores da produção nacional.
Coloco em primeiro plano as indústrias de alimentação; considero da maior importância que se estabeleçam e se cumpram as condições mínimas em que tais estabelecimentos podem funcionar. Antes da defesa da indústria em si há que considerar a defesa da saúde pública.
Referiu-me há tempos o nosso ilustre colega Dr. Sousa Machado um facto que profundamente me impressionou: pequenas fábricas de rebuçados, para obterem um preço de custo menor, entregam aos inválidos dos bairros pobres rebuçados e invólucros para estes os embrulharem.
Pela minha mente quantas vezes tem passado este quadro, que faz arrepiar: as nossas crianças a ingerirem guloseimas infectadas, que passaram por casinhas sórdidas e mãos suarentas de doentes acamados.
Sr. Presidente: os grémios dos industriais de panificação dirigiram a esta Assembleia uma esclarecedora exposição sobre a situação daquela indústria, e igualmente me foi possível tomar conhecimento detalhado da posição da mesma indústria no Norte do País, onde as precárias condições em que trabalha são postas em relevo, com a indicação de factos e de números concludentes.
Em vez de se concentrar o fabrico do pão em instalações próprias e higiénicas, para obter as melhores condições para a saúde e economia nacional, tem-se permitido o licenciamento de novos estabelecimentos em regime caseiro, contrariando assim o Decreto n.º 31 545, de 1941, que no respectivo articulado reconhece a com-
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petência dos grémios dos industriais de panificação «para promover a concentração de padarias e o encerramento das consideradas desnecessárias ao abastecimento público», segundo plano a aprovar pelo Governo, ouvido o Instituto Nacional do Pão e o Instituto Nacional do Trabalho.
Decretos posteriores revogaram o anteriormente legislado, mas, mesmo assim, o cumprimento rigoroso destes teria evitado em parte a desregrada concorrência que se verifica, intensificando cada vez mais a montagem de padarias e os seus fabricos em precárias condições, que se traduzem na eliminação quase completa dos cuidados de higiene anteriormente observados na defesa e salvaguarda da conspurcação do pão, desde o seu fabrico até à sua entrega ao consumidor.
Sr. Presidente: existe já legislarão bastante, embora muito dispersa, que, devidamente codificada, poderá reorganizar em moldes aceitáveis o fabrico e comércio deste produto, principal na alimentação do povo português, e que é necessário defender, não permitindo que seja fabricado ou revendido em qualquer parte, sem observância dos preceitos de higiene e de limpeza, sem garantias de quaisquer ordem quanto às suas características de qualidade, peso e preço.
Parece-nos condenável permitir que uma indústria transformadora de um produto de tal importância alimentar se baseie no princípio de «regime caseiro e familiar autónomo D, para poder assim invadir as atribuições de uma indústria organizada, pulverizando de tal forma esta actividade que não permita a sua vida desde que tenha de cumprir as disposições que como indústria lhe estão designadas. Sei que está em estudo, há muito, um novo regulamento para o fabrico e venda do pão, mas o assunto não se compadece com demoras; esta indústria carece da pronta atenção do Governo para que a sua regulamentarão seja um facto, ouvidas e consideradas as sugestões dos organismos que a representam, e há que enfrentar sem demora o problema para que se obtenha uma solução imediata, mesmo a título provisório, se o Governo entender que será conveniente estudar durante um período experimental as medidas e os seus reflexos na economia nacional.
Sr. Presidente: alonguei-me demasiadamente na apreciação de um único sector, embora o repute de capital importância, e terei de reduzir agora a um ligeiro inumerado de factos o restante problema, como convém aos trabalhos desta Assembleia; farei por abreviar as minhas considerações.
Em face do projectado «mercado europeu», cujo problema terá realmente de ser encarado de frente, há agora mais necessidade do que nunca de coordenar todas as actividades da indústria nacional, facultando-lhe os meios necessários para que possa desembaraçar-se e competir com a produtividade das suas congéneres concorrentes ao referido mercado.
Uma das formas será, sem dúvida, facultar o reapetrechamento industrial, concorrendo para a substituição das máquinas velhas, que devem ser completamente inutilizadas, concedendo facilidades de crédito ha empresas estabelecidas e com um passado que dê as necessárias garantias.
Embora muitas empresas industriais tenham no seu activo reservas para a renovação de maquinismos, esses valores encontram-se envolvidos no movimento da firma e não poderão ser rapidamente mobilizados. Os créditos necessários atingirão, decerto, volume apreciável, em face do movimento da firma adquirente; convirá facilitar as respectivas amortizações num prazo nunca inferior a dez anos.
Só o Estado, através dos seus organismos de crédito, o poderá facilitar, ou então garantindo-o com o seu aval e permitindo que ele seja obtido através dos vários bancos. A intervenção do Estado daria mesmo e incentivo à economia, particular, facilitando grandemente a tarefa.
O Governo dos Estados Unidos da América emprega desde 1940 o sistema de endosso dos contratos hipotecários, destinado à construção de habitações, e graças a esta fiança do Governo reforça-se o crédito bancário até 93 por cento do valor hipotecado, o que representa extraordinárias facilidades para quem necessita de recorrer ao em préstimo.
Havendo precedentes já no nosso país de comparticipação do Estado no capital de novas indústrias, parece-nos que seria para considerar esta nova modalidade de auxílio às existentes, que ou melhoram de produtividade ou se arruinam definitivamente.
Sr. Presidente: é, porém, preciso obstar a que continuemos a dificultar a nossa vida industrial.
Pulo Decreto-Lei n.º 29 904, de 7 de Setembro de 1039, fica sujeito a prévia licença de importação todo e qualquer tipo de máquinas de aplicação industrial usadas.
Infelizmente, porém, tal decreto não tem sido considerado pelas instâncias competentes e continuam a passar pelas alfândegas portuguesas máquinas muito velhas, postas de parte pelas indústrias estrangeiras, que são importadas como máquinas, quando realmente são pouco mais do que sucata, paga muito cara pela economia portuguesa.
Compreendemos que é difícil a verificação nas alfândegas de uma máquina desmontada, e cujas peças muitas vezes ocupam dez ou mais caixas, e parece-nos que a defesa da importação de máquinas usadas só poderia ser eficiente se fosse obrigatório apresentar no acto do despacho de cada máquina um documento da própria fábrica construtora certificando que a máquina é nova e de seu recente fabrico.
É necessário actuar urgentemente, e só assim se modificará tal estado de coisas, que cada vez desvaloriza mais a nossa fraca produtividade e nos continua a manter num baixo nível de rendimento industrial.
Antes de concluir estas palavras, que, creio bem, serão as últimas que me será dado proferir nesta Assembleia, desejo saudar, na pessoa do Sr. Presidente do Conselho, o Governo da Nação e apresentar a V. Ex.ª, com os protestos da minha mais elevada consideração e apreço, e a todos os nossos ilustres colegas, os meus mais penhorantes agradecimentos pelas atenções que no decurso destes quatro últimos anos se dignaram dispensar-me, o que profundamente tocaram o meu coração.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: em primeiro lugar quero agradecer ao Governo, e em particular ao Sr. Ministro das Obras Públicas, as informações que me foram enviadas referentes à Cidade Universitária de Lisboa. Por elas tomei conhecimento de que a Faculdade de Direito deverá ficar concluída no princípio do próximo ano lectivo, que a Faculdade de Letras ficará pronta em fins de 1058 e que o projecto da reitoria está em curso de apreciação final, dependendo o seu início, no próximo ano, da possibilidade de lhe ser consignada verba orçamental necessária.
Em relação à Faculdade de Ciências encontra-se elaborado um projecto de programa das instalações, com base na qual estão decorrendo os estudos preliminares necessários para habilitar o Governo a tomar uma decisão definitiva sobre a oportunidade do empreendimento.
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Em presença destas informações, e já concluído o Hospital-Faculdade e a primeira fase das instalações desportivas, tenho a certeza de que a Assembleia se congratulará ao reconhecer o muito que o Governo já fez para que, num breve futuro, a Cidade Universitária da capital seja um facto. Torno a repetir: muito já se fez, mas muito se vai fazer ainda até fins de 1958.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo não pode nem deve considerar concluída a sua tarefa neste sector. Estou certo de que será seu intento iniciar, logo que o achar oportuno, a construção da reitoria e da Faculdade de Ciências. Mas as precárias condições em que se encontram estes dois departamentos da Universidade Clássica de Lisboa não permitem que se prolongue por muito mais tempo ainda n actual estado de coisas. Espero que pelo menos em 1958, ou o mais tardar em 1959, se iniciem as referidas construções.
Sr. Presidente: é já quase um lugar-comum afirmar-se que não pode haver hoje desenvolvimento económico sem ser acompanhado por um grande número de cientistas e técnicos devidamente preparados. O Governo reconhece este facto e ainda há bem pouco tempo o provou quando submeteu à apreciação desta Assembleia o projecto de lei para a criação dum instituto nacional de investigação.
O Sr. Ministro da Educação Nacional muitas vezes se tem referido nos seus discursos e preâmbulos de decretos à necessidade de o País poluir cientistas e técnicos convenientemente preparados. Além disso, já vários Srs. Deputados nesta Assembleia destacaram a falta que hoje se nota nos países mais desenvolvidos, sob o ponto de vista material, de cientistas que permitam manter em marcha e em bom funcionamento a utensilagem moderna dos meios de produção.
Enquanto outrora, nos tempos estáveis da velha máquina a vapor e em que dominava o materialismo, o número de cientistas necessário era reduzido e reduzidos também os conhecimentos indispensáveis que estes deviam possuir, hoje o panorama é totalmente diferente.
Cientistas e técnicos devem hoje ter uma formação cultural bem diferente da de outrora, para que o seu labor seja fecundo. Assim, deverão possuir uma forte preparação matemática, na qual os métodos da álgebra abstracta são um dos seus firmes esteios. A preparação física deverá ser intensa, devendo adquirir profundos conhecimentos da tal física moderna que levou o cientista, por tanto se debruçar sobre os problemas da matéria, a abandonar o materialismo.
Em resumo, só com profunda cultura de base físico-matemática é que os futuros cientistas poderão explorar os novos sectores que estão revolucionando o Mundo, dos quais destaco somente a electrónica e a energia nuclear; o primeiro permite a automatização, o segundo poderá fornecer à humanidade tanta energia que esta talvez nunca venha a faltar.
Sr. Presidente: o outro ponto que quero focar é a necessidade premente, hoje mais do que nunca, de nas nossas Universidades se cultivar a investigação científica. E costume classificarem-se as ciências em puras e aplicadas. Mais correctamente deveria dizer-se: a ciência s uma, do seu cultivo é que nascem as aplicações. Como se poderia apontar com vários exemplos, só há verdadeiro progresso científico se se promover a investigação em ciências puras.
Ora a preparação dos futuros cientistas e investigadores é tarefa que incumbe às nossas Faculdades de Ciências. Por isso, elas deverão estar preparadas convenientemente para essa missão.
Infelizmente, como já lautas visses apontei, a organização das nossas Faculdades de Ciências necessita de uma remodelação completa para que elas possam cumprir. Mas na parte que diz respeito à Faculdade de Ciências de Lisboa sobrepõem-se ainda, além disso, as deficiências das suas instalações. Estas são de tal natureza que a falta de espaço e de laboratórios adequados impede que o ensino prático laboratorial atinja o limiar necessário para uma boa assimilação dos conhecimentos.
Para o demonstrar, aponto os seguintes números: encontram-se inscritos no presente ano nos vários cursos de Física cerca de 800 alunos. Se se exigir a cada um destes alunos quatro horas de trabalhos práticos semanais, serão 3200 alunos-horas de laboratório por semana. Como semanalmente o número de horas em que o laboratório se encontra em laboração não pode exceder quarenta e quatro horas, corresponde, no caso mais favorável de uma igual repartição, que nunca se realiza, a unia população de, aproximadamente, 70 alunos.
Ora, como se dispõe unicamente de duas salas para a realização dos trabalhos e como em cada uma não se podem nem devem meter mais de 18 alunos, poder-se-á fazer uma ideia das deficiências do ensino prático provocadas unicamente por falta de espaço. Isto é, esta falta, mesmo que mais nada faltasse, nem pessoal nem material, impediria por si só de dar ao ensino prático a eficiência prevista na já velha e desactualizada organização das Faculdades de Ciências.
O que se disse para a Física poder-se-ia repetir para a Química e para as restantes secções da Faculdade.
Um outro ponto que desejo destacar para mostrar a necessidade imperiosa de quanto antes se tratar de instalar a Faculdade de Ciências em edifício conveniente é o problema da sua biblioteca. Esta tem um grande movimento, muito e muito superior ao das bibliotecas das outras Faculdades. Basta registar que em 1955 o número de volumes consultados atingiu 30 824.
Devido e o incremento do seu movimento não ser acompanhado de um aumento proporcional de espaço e pessoal - basta dizer que o actual pessoal é o mesmo que era em 1919 (um conservador e um ajudante) -, notam-se, como é natural, graves deficiências. Mantém-se, apesar de tudo, um serviço eficiente e intensíssimo de leituras, graças à competência e extraordinária dedicação e zelo do seu conservador, que conta actualmente cinquenta anos de exemplar serviço. No entanto, por inacreditável que pareça, nem existe um catálogo geral onomástico nem um ideográfico. Apenas existe um obsoleto catálogo por secções. Encontram-se centenas de volumes por catalogar e há milhares de livros e revistas sobre bancos e cadeiras ou simplesmente alinhados no chão. Centenas de espécies vão-se deteriorando, por carência e deficiência de limpeza.
Chamo, em particular, a atenção do Sr. Ministro da Educação Nacional para este problema. Torna-se indispensável aumentar desde já o pessoal da biblioteca para se poder proceder à elaboração dos catálogos essenciais e simultaneamente proceder-se a uma arrumação de espécies no pouco espaço que ainda se encontra livre.
Sr. Presidente: vou terminar, chamando a atenção do Governo para as deficiências apontadas. Como estas só poderão ser suprimidas com a construção dum novo edifício para a Faculdade de Ciências, espero que as dificuldades técnicas e orçamentais sejam removidas para que no mais curto espaço de tempo se inicie a sua construção.
Construído este, a sua localização nas proximidades das Faculdades de Direito, Letras e Medicina - e pena é não se poder acrescentar a esta lista uma Faculdade de Teologia permitirá aqueles contactos tão proveitosos entre estudantes de Faculdades diferentes. Este convívio não só atenuará os defeitos inerentes à especialização como evitará possíveis deformações duma cultura pu-
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ramente científica. Como muito bem disse recentemente o Sr. Ministro da Educação Nacional, é preciso que o ressaibo materialista das ciências e das técnicas não adultere o primado espiritual de toda a acção humana. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Baptista Felgueiras: - Sr. Presidente: tantas vezes se tem proclamado nesta Assembleia a necessidade e urgência da intensificação da electrificação rural que a quem se proponha versar ainda algum dos aspectos desse problema pode o intento acarretar a impressão de que, ao ocupar-se de tal assunto, não irá senão fazer cair chuva em terreno molhado.
Quer-me parecer, porém, que um problema da magnitude e acuidade do da electrificação dos meios rurais só deverá considerar-se suficientemente debatido não na medida em que dele se fale, mas em função das realidades por que se traduza.
E a tal respeito temos de concordar em que há ainda longo caminho a percorrer.
Onde me parece que o problema dispensa mais considerações e arrazoados é no tocante à demonstração da sua importância e da transcendência da sua projecção nas condições de vida das zonas rurais do País.
Sob esse aspecto parece-me que já não é necessário convencer ninguém. Jam satis prata biberunt.
E, por outro lado, quanto se reclame se faça não exclui o reconhecimento do muito que já se fez, e é justo motivo de satisfação.
Não podemos, apesar disso, deixar de reconhecer que, à medida que o tempo decorre e até na proporção em que a electrificação progride, se exacerba a impaciência dos povos, que, por se verem privados da fruição do benefício que outros alcançaram já, são por vezes tentados a olhar como tratamento de injustiça o que pode não passar das simples limitações a que um problema desta ordem está necessariamente adstrito.
Daí o inconformismo crescente de que tende a revestir-se, mesmo nas aldeias mais recônditas, a reclamação do benefício da electrificação.
O aspecto político do problema, que se concretiza na insatisfação dos povos, que acabo de apontar, não pode deixar de ser acentuado no seio desta Assembleia, onde devem ter eco todas as aspirações e justos anseios da Nação, aqui representada.
E a consideração desse aspecto político conduz naturalmente a solicitar do Governo que, através dos serviços pertinentes, faça os maiores esforços para vencer o tempo e dar à electrificação rural a realização pronta e ampla que o País reclama.
Considerando em termos simples o problema da electrificação rural do País, interessa encarar dois aspectos ou fases distintos: o fornecimento de energia às sedes dos concelhos e a sua difusão pelas localidades de fora da sede ou meios rurais no sentido mais rigoroso de expressão.
É daquele aspecto primário do problema, que se prende com a execução do preceituado na Lei n.º 2002, ao tornar encargo das empresas concessionárias da grande distribuição o transporte de energia em alta tensão às sedes dos concelhos, que vou ocupar-me na breve intervenção que me propus fazer.
Para ajuizar do panorama do País sob esse aspecto solicitei ao Ministério da Economia, em 24 de Abril do ano findo, determinados elementos, que me foram prestados em termos precisos e claros.
Em face desses elementos, e em relação à data em que me foram prestados (fim de Maio de 1958) - e de então para cá não deve ter havido alteração de monta -, verifica-se que a situação do País quanto a abastecimento de energia eléctrica às sedes dos concelhos é a seguinte: há oito sedes de concelho que se encontram ainda por electrificar. A par delas regista-se a existência de cinquenta e oito sedes de concelho cuja electrificação é mais ou menos deficiente, por não se encontrar feita a sua ligação à rede eléctrica nacional.
Em relação a todas as sedes de concelho sem electrificação e a quarenta e seis sedes de concelho electrificadas, mas sem ligação u rede eléctrica nacional, encontram-se já definidos, por força dos Decretos n.º 36 832, de 14 de Abril de 1948, 39 130, de 9 de Março de 1953, e 40 322, de 19 de Setembro de 1955, os respectivos concessionários da grande distribuição, com o encargo da construção dos correspondentes ramais de ligação em alta.
Os doze concelhos restantes, que são os de Oleiros, Vila de Bei, Proença-a-Nova, Alandroal, Mora, Redondo, Avis, Campo Maior, Penalva do Castelo, Melgaço, Monção e Valença, para estabelecerem a sua ligação à rede eléctrica nacional e disporem assim de uma fonte normal de energia, acham-se condenados, segundo se vê da informação que me foi prestada, a aguardar a regulamentação da Lei n.º 2002 e consequente revisão das áreas de concessão da grande distribuição, pois só então o estabelecimento dos ramais de distribuição em alta constituirá encargo dos concessionários designados para o efeito.
Se antes disso quiserem solucionar o problema, terão as respectivas câmaras municipais, ainda segundo o conteúdo da informação, de suportar o encargo da construção dos referidos ramais.
Ora nem as câmaras de facto podem, na quase totalidade, nem de direito devem, assumir tais encargos. Se a regulamentação da Lei n.º 2002, e só ela, condiciona a solução do problema, impõe-se que o Governo a efectue sem mais delongas.
Cerca de treze anos volvidos sobre a sua votação pela Assembleia Nacional não poderá já haver dificuldade válida - nem sequer a preocupação pela situação financeira das empresas, que se mostra de sinal fortemente positivo - que obste à sua regulamentação.
O protelamento desta equivale à derrogação prática da lei em casos como os que acabam de citar-se.
No caso particular dos concelhos de Melgaço, Monção e Valença o fornecimento de energia que os abastece, além de anormal e precário, e insusceptível, portanto, de permitir o funcionamento regular de qualquer indústria ou serviço, oferece às respectivas populações, como já tive ocasião de afirmar noutra intervenção nesta Assembleia, o aspecto desairoso e irritante de ter proveniência espanhola, tornando-se, por isso, mal suportado pelo seu portuguesismo, a que a proximidade da fronteira afervora o brio e aumenta a susceptibilidade.
Daqui me permito apelar para o Sr. Ministro da Economia para que não negue ao País, e em especial aos concelhos a que me referi, mais este relevante serviço.
E, tratando-se de concelhos pobres, nem sequer haverá de fazer-se a distinção, a que ontem se referiu o Sr. Deputado Dinis da Fonseca no final do seu discurso sobre as contas públicas, para que o Governo possa ficar seguro de que, concedendo àqueles povos, ainda desfavorecidos de electrificação capaz, o benefício que reclamam, haverá deles o maior reconhecimento e a mais penhorada gratidão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: o problema da mão-de-obra. indígena em Angola, mormente no imenso sector da sua agricultura, sempre se revestiu de especial melindre. Agora, porém, chegam-me ecos que indicam, de algum modo, a oportunidade de, como Deputado por aquela província, aqui formular sobre esse problema sumárias considerações ou breves comentários antes de terminar o mandato honroso que me fui atribuído.
O voluntariado de escolha do trabalho indígena é lei nossa. Há que confirmá-lo em todas as circunstâncias, sem prejuízo da eventual excepção de que os superiores interesses da comunidade possam indispensàvelmente carecer, nos termos das leis e convenções internacionais. Mas para que eficientemente se confirme e execute esse princípio que a lei contém é necessário que o apoiem a boa compreensão de uns e outros e a acção colaborante e inteligente das autoridades administrativas.
É preciso organizar devidamente ou estimular a organização eficaz rio emprego voluntário dos trabalhadores, patrocinando, por meio da adequada acção oficial, o recrutamento ou angariamento a realizar, designadamente para as entidades patronais do mais modela envergadura ou mais limitadas possibilidades e que, portanto, mais carecem de conselhos e auxílios. Mas também é preciso, por outro lado, realizar, simultaneamente e com insistência, junto dos indígenas a primacial campanha da indispensabilidade do trabalho, para seu benefício material e para dignificação da sua condição humana. Não deve admitir-se a criminosa expansão do falso lema de que ao trabalha quem quer, como deturpação daquele que efectivamente traduz a faculdade legítima de «trabalhar com quem se quer».
Essa faculdade deve, assim, abranger d trabalho do indígena por conta própria? Creio, por mini, que não haverá direito nem razão de o excluir, contanto que esse indígena possua condições e capacidade de um trabalho regular e útil ou proveitoso para a comunidade. Comunidade familiar? Não apenas para essa, mas para a comunidade geral, para a comunidade nacional, para a comunidade portuguesa, que a todos integra, brancos e negros. Contanto, também, que tal nau sirva de simples e injustificado pretexto para sistematicamente negar colaboração aos agricultores europeus ou às empresas em que se reúnem.
Considero que para se alcançarem os elevados objectivos dessa boa política de voluntariado da mão-de-obra indígena, consagrada pela lei, é indispensável que ela seja bem compreendida e integralmente respeitada pelas autoridades administrativas; que estas sirvam essa política com lealdade, que obedeçam com disciplina fácil e sincera às disposições legais e às indicações que as hierarquias superiores lhes transmitam; que prezem e preservem o sou próprio prestígio; que promovam a conciliação dos interesses em jogo; que dirijam ou auxiliem o angariamento dos trabalhadores pelos que pretendem utilizá-los, nessa base franca do voluntariado.
E preciso que as funções de autoridade sejam sempre desempenhadas por quem esteja à altura das circunstâncias morais que dominam o problema, por quem as sinta e viva como nós as sentimos a vivemos. E se isto tem, naturalmente, de ser assim em toda a província, por maior força do razão o deve ser naquelas regiões onde o problema a mais complicado ou maior o seu melindre.
Além do espírito de isenção dignificande, em funcionários é de exigir espírito compreensivo das próprias dificuldades em que se debaterão por vezes aqueles que sem mão-de-obra não podem salvar ou manter o seu património; é de exigir a esses funcionários, designadamente, cauteloso bom senso na arbitragem que venha eventualmente a competir-lhes e em que, se não podem ser desprotegidas as justas aspirações de uns, não podem também ser esquecidos o legítimo prestígio e os legítimos interesses de outros.
Todos cabemos ou avaliamos como é dura a vida do colono 110 interior de Angola; todos somos admiradores do esforço ingente com que ele, desde há cinco séculos, tem desbravado aquela terra inicialmente tão inóspita; todos reconhecemos a heroicidade do eu apego a essa terra, das suas lutas ou Aos seus sacrifícios; todos nós somos gratos ao êxito colectivo da sua acção e pomos as mais confiantes esperanças na continuação desse êxito, para progresso da província e orgulho da raça.
São, portanto, devidos e merecidos todo o apoio e todo o carinho que oficialmente se dispensem às meritórias actividades desses pioneiros para garantia ou segurança dos seus empreendimentos. Assim como os merecem as organizações mais poderosas que- dedicam ao progresso o enriquecimento da província valiosas competências e avultados capitais.
Isto não dispensa, como é óbvio, que, para evitar possíveis deslizes de uns ou outros, seja mantida com eficácia uma fiscalização oficial de plano superior, que verifique a fornia como são cumpridas e respeitadas, mesmo depois do recrutamento e nos próprios locais de trabalho, as regras desse trabalho e as obrigações de cada um - obrigações das autoridades, obrigações dos patrões, obrigações dos trabalhadores. E se se revelarem faltas ou culpas, sobretudo se se revelarem propósitos ou interesses suspeitos, em sentido oposto ao quo estes bons princípios impõem, se preciso denunciá-los, anulá-los - e puni-los.
Acima de tudo o interesse político nacional - que é um só, na metrópole e no ultramar -, irmanado, aliás, como interesse económico dessa comunidade que constituímos e com os princípios cristãos de que temos sido paladinos através dos séculos e através do Mundo. E atenção - mas atenção sem medo - a possíveis manobras anti portuguesas, sob o falso rótulo que auti-colonialistas, que aqui ou ali se esbocem por parte de seitas mais ou menos conhecidas ou de elementos estrangeiros, sejam eles brancos, negros ou mestiços.
Cautela com as consequências de qualquer excessiva benevolência ou brandura na repressão de actividades, claras ou disfarçadas, dos elementos que se tenham denunciado, ou venham a denunciar-se, como agentes de dissolução da nossa unidade e da fraternidade inter-racial que cultivamos.
Sr. Presidente: estou certo de que o Governo-Geral de Angola terá ditado e imposto uma orientação com que inteiramente se harmonizem as considerações ou comentários que acabo de fazer.
Não precisará, por isso, de avisos ou sugestões que eu aqui formule. Em todo o caso, se podem ser-lhe agradáveis este evidenciar de opiniões e critérios, que me permite supor afins dos seus, e o apoio que a eles esboce a Assembleia Nacional, daqui lhos ofereço, plenamente confiante no valor e no triunfo da acção de quem está dirigindo superiormente os destinos dessa grande província de Angola.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Ao abrigo das disposições regulamentares, roqueiro que, pelo Ministério do Interior, me seja fornecida cópia
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do inquérito há cerca de oito meses feito aos serviços cirúrgicos e administrativos da Misericórdia de Tondela, bem como de qualquer despacho que o mesmo haja merecido ou venha a merecer».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão nu especialidade a proposta de lei que introduz alterações à Lei n.º 2030.
Está em discussão o artigo 1.º da proposta de lei, com as propostas de alteração que lhe dizem respeito. Vai ser lido o artigo 1.º e as respectivas propostas de alteração.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 1.º
O senhorio pode requerer o despejo para o efeito de execução de obras tendentes a permitir o aumento do número de arrendatários, em conformidade com projecto aprovado pela câmara municipal.
§ 1.º O referido despejo pode ser requerido:
a) Contra o arrendatário ou arrendatários do prédio urbano, a fim de proceder à respectiva ampliação, alteração ou substituição;
b) Contra o arrendatário de prédio rústico sito dentro de zona urbanizada, a fim do construir neste um edifício.
§ 2.º Observar-se-á, em relação a cada inquilino, o regime estabelecido para a alteração ou o estabelecido para a ampliação do edifício, conforme as obras projectadas modifiquem ou não o local por ele ocupado.
Proposta de alteração das Comissões de Legislação e Redacção e Economia
ARTIGO 1.º
O senhorio pode requerer o despejo para o fim do prazo do arrendamento com fundamento na execução de obras tendentes a permitir o aumento do número de arrendatários, em conformidade com o projecto aprovado pela câmara municipal:
$ 1.º O referido despejo pode se requerido:
a) Contra arrendatários de prédio urbano, a fim de proceder à respectiva ampliação, alteração ou substituição;
b) Contra arrendatários de prédio rústico destinado a estabelecimento comercial ou industrial, sito dentro de povoação ou na sua contiguidade, a fim de construir neste um edifício.
$ único. ( O § 2.º da proposta)
O Sr. Presidente: - Está ainda na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Pereira de Melo relativamente ao corpo do artigo 1.º, já publicada e que depois o mesmo Sr. Deputado rectificou em nova proposta, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
roposta de emenda
Nos termos regimentais, tenho a honra de alterar parcialmente as propostas que apresentei na sessão de 3 de Abril corrente, publicadas no Diário das Sessões n.º 197, do seguinte modo:
a) Que o aditamento proposto ao corpo do artigo 1.º da proposta de lei n.º 019 fique com a seguinte redacção: «... desde que neste se incluam zonas reocupáveis com a mesma localização de pavimento e área e compartimentação não inferiores às já existentes».
b) Ou, para a hipótese de rejeição da proposta de emenda ao corpo do artigo 1.º, que o n.º 2.º do artigo 3.º fique assim redigido:
O novo edifício ou edifício alterado devem conter locais destinados aos antigos inquilinos correspondentes às suas necessidades de alojamento e devidamente assinalados no projecto.
O Deputado, João de Assis Pereira de Melo.
O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: no actual estado da discussão da proposta de lei verifica-se que ao corpo do artigo 1.º há propostas de emenda: uma apresentada pela Comissão de Legislação e Redacção, outra por ruim.
Quero, no limiar das considerações, aliás breves, que vou proferir, agradecer ao ilustríssimo presidente da Comissão de Legislação e Redacção a gentileza que teve ontem para comigo, permitindo-me que tomasse conhecimento da proposta de alteração apresentada pela Comissão a que superiormente preside.
Entrando propriamente na apreciação das duas propostas, desejo sublinhar em primeiro lugar a minha viva adesão à proposta de emenda por parte da Comissão de Legislação e Redacção, esclarecendo e vincando o princípio de que o despejo ou a faculdade de despejo concedida aos senhorios é para exercer no fim do prazo do arrendamento.
Na verdade, tanto quanto a economia desta proposta de lei o permite, ficamos com a certeza de que se respeita a natureza jurídica do contrato de arrendamento e tanto quanto possível os direitos que o mesmo confere. Depois de acentuar esta orientação e a minha adesão a ela, certamente há-de esperar-se que faça justificação singela, prévia, das minhas propostas de emenda.
À história da disposição vem desde o projecto de decreto-lei submetido pelo Governo a parecer da Camará Corporativa, em cujo artigo 1.º se preceituava que as habitações dos prédios alterados, ampliados ou reconstruídos teriam de ter áreas não inferiores a três quartas partes das habitações anteriores, as mesmas divisões, situação e altura análogas.
Contra esta orientação se reagiu no parecer da Câmara Corporativa, invocando essencialmente razões de ordem simultaneamente económica e técnica. Não obstante a aceitação que o Governo fez dos pontos de vista assim expressos pela Câmara Corporativa, ainda sustentei uma tese mais rígida que a do projecto inicial do Governo e fi-lo em ordem a algumas considerações que sucintamente passo a expor.
É evidente que, segundo as modernas técnicas de construção, tudo o esforço se faz no sentido de melhor aproveitamento do espaço para uma maior renda a obter pelo senhorio. Entretanto, deste esforço não raro resultará para o inquilino uma diminuição, por pequena que seja, no número de compartimentos, que perturbará, por exemplo, nos casos de habitação, a dignidade devida à própria família instalada no prédio. É a hipótese da supressão de um compartimento apenas no caso um que uma família tenha, por exemplo, dois filhos adultos (i de sexo diferente e que na habitação anterior dispusesse de quarto individual para cada um deles. Na verdade, o sentido da minha proposta é de realização contra esta tendência que se revela na construção moderna, no sentido do criar promíscuas condições de alojamento às famílias locatárias. Por outro lado, não se esquecerão certamente os casos de um bibliófilo, de um coleccionador de objectos de arte, de uma qualquer outra pessoa desse tipo, que por via de regra não são
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pessoas ricas e que terão pacientemente e com muitos sacrifícios mandado construir os seus escaparates, estantes e outras peças de adequado mobiliário em função do espaço de que dispunham.
Nestes casos, uma redução - mínima que seja - do novo espaço que lhes for facultado pelo senhorio em efectivação do direito de reocupação, que em seu benefício a lei consigna, pode ocasionar, na ordem prática, a impossibilidade da reinstalação dos referidos móveis e bibliotecas, ou colecções neles arrecadadas, inutilizando de tal arte o direito que se quis conceder.
Naturalmente, não foi também esquecido na minha proposta o interesse duma outra teoria de inquilinos, por via de regra economicamente débeis, como os escultores, os pintores e os arquitectos, que para instalação dos seus locais de trabalho procuravam alojamentos com determinadas situações e com convenientes exposições à luz natural vinda do exterior, através de galerias envidraçadas e, por vezes, de telhados translúcidos. Assim realizaram as suas instalações, em função dum rendimento óptimo do seu trabalho, ou no interesse da exposição das suas obras, pelo que se não afigura justo modificar-lhes as condições de instalação em termos impeditivos da satisfação dos seus interesses próprios.
Finalmente, também ponderei que mesmo por pequena que seja a redução, na hipótese, por exemplo, de instalação de profissões liberais, ou de actividades comerciais ou industriais, poderá resultar o grave prejuízo de não caberem nesse espaço mais reduzido que se lhes ofereça. Daí a circunstância de ter formulado as minhas propostas de emenda no sentido que já li à Assembleia e que se exprimem na última redacção que lhes dei na sessão de 24 deste mês. Por isso me parece que será mais conforme com a estabilidade do direito de reocupação que é concedido ao inquilino a adição da fórmula que tive a honra de propor ao corpo do artigo 1.º da proposta de lei em discussão.
Eis o que se me oferece dizer para esclarecimento dos motivos que me levaram à elaboração das minhas emendas.
Tenho dito.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: as alterações que se propõem ao artigo em debate, com a aprovação da Comissão de Legislação e Redacção, não são propriamente alterações à proposta, mas sim esclarecimentos do pensamento que já está expresso na proposta. Deste modo, a do corpo do artigo - «o senhorio pode requerer despejo para o fim do prazo do arrendamento» - foi para aclarar dúvidas que na Câmara se suscitaram - suponho que sem fundamento - para se esclarecer que o despejo, na hipótese, não podia ser decretado senão para o fim do prazo do arrendamento. Isso já resultava da economia da proposta.
A outra alteração sugerida pela Comissão também consagra a mesma doutrina que já deveria ver-se como consagrada na proposta. É a que diz «destinados a estabelecimentos comerciais ou industriais».
Também quanto a esta matéria, a proposta de alteração não modifica o que já deveria ver-se contido na proposta, porque se a proposta não se referisse, na alínea a) do artigo 1.º, a esta hipótese não tinha praticamente conteúdo, já que prédios rústicos não destinados a estabelecimentos comerciais ou industriais podem ser despejados à vontade do senhorio no fim do prazo do arrendamento, pelo direito vigente.
Portanto, a doutrina que aqui é expressamente consagrada é a que já deveria ler-se na proposta do Governo.
Quanto à proposta de aditamento do Sr. Deputado Pereira de Melo, não me parece que seja de admitir.
Mas, mesmo que ela fosse de admitir, estava deslocada neste artigo 1.º, devendo ser transferida para o artigo 3.º
Mas, repito, não me parece que tal proposta seja de admitir, mesmo com relação ao artigo 3.º, porque este diz:
Leu.
Isto, suponho, deverá considerar-se suficiente para satisfazer as ansiedades do Sr. Deputado Pereira de Melo. E, se se vai para a solução que S. Ex.ª propõe, isso pode conduzir praticamente a que esteja a querer dar-se com uma mão aquilo que com a outra mão se vai tirar.
Praticamente, essa solução preconizada pelo Sr. Deputado Pereira de Melo pode conduzir a inutilizar a aplicação dos princípios que este diploma estabelece.
Tenho dito.
O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: a crítica, aliás muitíssimo clara, feita pelo Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo à proposta que a propósito do corpo deste artigo tive a honra de apresentar não conseguiu, no entanto, fazer-me mudar de opinião.
Não vejo porque é que em nome de razões de ordem técnica - puramente razões de ordem técnica - se vai estabelecer um princípio que, na prática, conduzirá à inutilização dos direitos de um inquilino antigo. Isto é, os esclarecimentos prestados pelo Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo mostram que o ponto de vista a que aderiu a Comissão de Legislação e Redacção foi o de que, no conflito de interesses considerado, as razões de ordem económica e as razões de ordem técnica deverão prevalecer sobre os interesses e direitos individualmente subjectivados. Ora é diferente o meu ponto de vista, radicalmente oposta a posição em que o meu espírito se coloca: sou pela absoluta subjunção dos aspectos técnico-económicos à força e à autoridade dos direitos subjectivos.
O Sr. Presidente: - Parece-me que, para uma boa ordenação, se deve deixar a votação do aditamento do Sr. Deputado Pereira de Melo para quando se votar o artigo 3.º, e estou convencido de que o Sr. Deputado Pereira de Melo não deixará de concordar que este meu modo de ver é procedente, pois que no corpo do artigo 1.º se estabelece o princípio do despejo para obras de ampliação; mas só no artigo 3.º se regulam as condições de admissibilidade do pedido de despejo para esse efeito.
O Sr. Pereira de Melo: - Estou perfeitamente de acordo com a sugestão de V. Ex.ª
O Sr. Presidente:- Considera-se admitido o aditamento à primeira parte do artigo 1.º e a alternativa de V. Ex.ª será considerada quando se discutir p artigo 3.º
Vou, portanto, submeter à aprovação o artigo 1.º com as emendas formuladas pelas Comissões de Legislação e Redacção e Economia.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 1.º com as alterações propostas pelas Comissões de Legislação e Redacção e Economia.
O Sr. Presidente:- Vamos passar à discussão do artigo 2.º, sobre o qual há uma proposta de alteração do Sr. Deputado Carlos Moreira. Vão ser lidos o artigo 2.º e a proposta.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 2.º
O disposto no artigo anterior abrange os arrendamentos para habitação, comércio, indústria ou
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profissão liberal, mas não é aplicável às casas de saúde e aos colégios e escolas, mesmo quando sujeitos a contribuição industrial.
Proposta de alteração
Nos termos do disposto no § 2.º do artigo 38.º e § 1.º do artigo 39.º do Regimento desta Assembleia, proponho a seguinte emenda ao texto do artigo 2.º: onde se diz: «não é aplicável às casas de saúde e aos colégios e escolas, deverá dizer-se: «não é aplicável às casas de saúde e estabelecimentos de ensino oficial ou particular».
O Deputado, Carlos Moreira.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: acho que não se trata de uma proposta de alteração. Compreendo perfeitamente a solução propugnada pelo Sr. Deputado Carlos Moreira, mas suponho que é exactamente a mesma que se contém na proposta.
Trata-se, portanto, antes de uma redacção diferente daquela que está na proposta do que propriamente de uma alteração.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: se V. Ex.ª me dá licença, devo dizer que julgo evidente a necessidade ou, pelo menos, a conveniência da proposta de emenda que tive a honra de apresentar, pelos motivos que sumariamente passo a expor.
Nos termos do Decreto de 19 de Abril de 1930, a nomenclatura adoptada relativamente aos estabelecimentos de ensino particular adaptar-se-ia, sem dúvida, aos termos em que está redigida a proposta cuja discussão se está fazendo.
Acontece, porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Se, posteriormente ao decreto citado de 1930, foi publicado o Decreto-Lei n.º 37 545, de 8 de Setembro de 1949, onde a nomenclatura é já diversa da adoptada pelo referido decreto anterior.
Assim, segundo a nomenclatura actual - e é essa que interessa - o artigo 6.º do aludido decreto-lei diz, no seu n.º 1.º, o que deve entender-se por estabelecimentos do ensino particular e, no n.º 2.º, traz a especificação de quais são os estabelecimentos de ensino particular. Podemos, assim, considerar que à designação genérica de «estabelecimentos de ensino particular» se segue a especificação de quais são esses estabelecimentos.
Ora, nos termos da proposta, fala-se apenas em colégios e escolas e no artigo 6.º diz-se expressamente que estes estabelecimentos se denominam «colégios».
Leu.
Quer dizer que na aplicação da lei cuja discussão se está fazendo pode surgir a dúvida de que estejam abrangidos dentro do seu contexto mais do que os colégios e escolas, visto que «escolas» normalmente é denominação dada aos estabelecimentos de ensino oficial para o ensino primário.
Dentro desta ideia, pode haver motivos de divergência ou discussão, que são sempre defeituosas ou pouco convenientes; inclusivamente dentro do âmbito judicial pode pôr-se a dúvida se, falando apenas em colégios e escolas, se pode falar em outros estabelecimentos de ensino.
Não me parece, e salvo o devido respeito pela opinião do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, uma simples questão de redacção, mas, antes, uma questão de essência. Parece-me evidente que, se falamos apenas em colégios e escolas, não falamos nos outros estabelecimentos de ensino, pois colégio ou escola não é sinónimo de estabelecimento de ensino.
Na verdade, enquanto «estabelecimento de ensino» é denominação genérica, «colégio» é uma das formas de ensino particular.
Pela redacção da proposta por mim apresentada suponho que obviaria a quaisquer dúvidas.
Creio nada mais ser preciso acrescentar.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - De harmonia com as considerações que fiz há pouco, não faço qualquer oposição a que essa proposta seja posta à votação. Eu mesmo a voto.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai passar-se à votação do artigo 2.º a proposta de lei com a alteração apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Moreira e que já foi lida à Câmara.
Submetidos à votação, foram, aprovados.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.º, sobre o qual há na Mesa -propostas apresentadas pelas Comissões de Legislação e Redacção e Economia e pelo Sr. Deputado Pereira de Melo. Vão ser lidos o artigo e as propostas.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 1.º
O despejo com o fundamento indicado no artigo 1.º só é admissível desde que se reunam os seguintes requisitos:
1.º O número dos locais arrendados ou arrendáveis deve aumentar num mínimo de metade, mas nunca para menos de sete, quando seja inferior;
2.º O novo edifício ou o edifício alterado devem conter locais destinados aos antigos inquilinos, correspondentes aproximadamente aos que estes ocupavam e devidamente assinalados no projecto;
3.º Em caso de ampliação ou alteração do edifício deve encontrar-se certificada pela câmara municipal, com base em vistoria, a impossibilidade de o inquilino ou inquilinos permanecerem nele durante a execução das obras, nos termos do § 2.º do artigo 167." do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951.
§ 1.º O requisito expresso no n.º 1.º aplica-se tanto ao despejo de prédio urbano como ao despejo de prédio rústico.
§ 2.º A correspondência aproximada entre os novos locais e os antigos será apreciada pelo tribunal, segundo o seu prudente critério, em atenção às circunstâncias de cada caso.
§ 3.º A mesma correspondência aproximada é necessária quando as obras possam ser efectuadas sem despejo do inquilino, mas com alteração do local por ele ocupado.
Proposta de alteração das Comissões de Legislação e Redacção e Economia
ARTIGO 1.º
O despejo com o fundamento indicado no artigo 1.º só é admissível desde que se reunam os seguintes requisitos:
1.º O número de locais arrendados ou arrendáveis deve aumentar num mínimo de metade, mas
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nunca pode aquele número ficar inferior a sete em Lisboa e a quatro nas outras terras do País, não sendo considerados para o efeito os locais de tipo apartamento;
2.º O novo edifício ou o edifício alterado devem conter locais destinados aos antigos inquilinos, correspondendo aproximadamente aos que eles ocupavam; mas quando, por virtude da extensão ou importância destes locais, a atribuirão de outros, aproximadamente correspondentes, na obra em projecto, tornar esta economicamente inviável, será dado aos arrendatários nestas condições o direito de reocupar até dois locais no novo edifício ou o de receber a indemnização estabelecida nesta lei, acrescida de percentagem, a fixar pelo tribunal, não superior a 50 por cento. Em qualquer caso, serão assinalados no projecto os locais destinados aos diversos arrendatários.
(O resto como na proposta).
Proposta de alteração
Nos termos regimentais, tenho a honra de alterar parcialmente as propostas que apresentei na sessão de 3 de Abril corrente, publicadas no Diário da» Sessões n.º 197, do seguinte modo:
a) Que o aditamento proposto ao corpo do artigo 1.º da proposta de lei n.º 510 fique com a seguinte redacção: s... e desde que neste se incluam zonas reocupáveis com a mesma localização de pavimento e área e compartimentação não interiores às já existentes».
b) Ou, para a hipótese de rejeição da proposta de emenda ao corpo do artigo 1.º, que o n.º 2.º do artigo 3.º fique assim redigido:
O novo edifício ou edifício alterado devem conter locais destinados aos antigos inquilinos correspondentes às suas necessidades de alojamento e devidamente assinalados no projecto.
Proponho que sejam eliminados os §§ 2.º e 3.º do artigo 3.º da proposta de lei em discussão.
O Deputado, João de Anais Pereira de Melo.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: na discussão da generalidade expus as razões que me levavam a discordar do n.º 1.º do artigo 3.º sugerido pela Camará Corporativa, na parte onde torna obrigatório, em qualquer caso, o número mínimo de sete habitações, ou seja o número de unidades locativas em cada prédio construído, reconstruído ou aumentado nos casos a que se refere a alínea c) do artigo 69.º da Lei n.º 2030.
Eram de duas ordens as minhas razões. As primeiras consistiam em, especialmente nos meios urbanos, as construções deverem respeitar certos condicionalismos preestabelecidos em planos de urbanização, que, por seu turno, obedeceram a circunstancias de ordem especial, como localização, área do terreno ocupado, bairro, privilégios naturais de exposição e panorama, e ainda largura dos arruamentos, altura e arquitectura dos prédios vizinhos, harmonia do conjunto, etc.
A segunda ordem de razões consistia em, não obstante a larga competência legislativa da Assembleia só ter os limites estabelecidos na Constituição, entender que nos envolvemos com rigor demasiado nas atribuições de ordem técnica e urbanística que marcada e justificadamente pertencem às câmaras municipais por determinação legal, como seja, por exemplo, a do n.º 5.º do artigo 50.º e a do n.º 20.º do artigo 51.º do Código Administrativo, e ainda as do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38 386, de 7 de Agosto de 1951, e dos regulamentos e posturas municipais em vigor.
Especifiquei os princípios informadores daquele regulamento expostos no relatório e consubstanciados nos seus artigos 58.º e seguintes e 121.º e ainda, quanto à Câmara de Lisboa, o artigo 113.º do seu Regulamento de 1930, ainda aplicável em parte e que justamente estabelece a altura dos edifícios em função da largura das ruas, etc.
Numa palavra: ao fim e ao cabo - passe a consagrada redundância -, além de legislar contra o que logicamente está estabelecido e é tradicional, a Assembleia, com o seu exagero, vai, sem querer, invadir demasiadamente o difícil e transcendente campo da urbanização.
Ora, vem a propósito o que ainda ontem, em editorial do Diário de Notícias, dizia o distinto arquitecto Raul Lino, depois de apreciar o conceito e o significado atribuídos ao vocábulo e urbanização!:
... A tarefa do urbanista é muito complexa: tendo de acompanhar a evolução dos tempos, nos conceitos sociais e nos artísticos, nas condições variáveis do local e dos materiais - na actualidade parece que são os problemas de ordem técnica, nomeadamente o do aproveitamento económico do espaço e o do trânsito, que a tudo o mais sobrelevam.
Poderia acrescentar que, afinal, a exigência do mínimo do aumento das habitações em mais metade do que as existentes só tem relevância na construção ou ampliação dos prédios onde existem já cinco unidades locativas ou mais, pois nos de menos unidades o mínimo deixa de ser aquele e passa a ser o de sete.
Foram estes, em síntese, os motivos em que baseei a minha discordância.
Simplesmente, além de dizer o parecer que se teve em vista intensificar o aproveitamento económico do terreno, opuseram-se-me argumentos dignos de ponderação e que, por o serem, me levaram a rever o problema.
Em primeiro lugar - diz-se -, estabelecendo-se apenas que o número de habitações a aumentar seria do mínimo de metade das já existentes, esta condição, aplicada em referência a moradias ou habitações unifamiliares já existentes, só obrigava a elevar, e por arredondamento, o número de habitações ao mínimo de uma, e para tão pouco não se justificava a violência do despejo do locatário.
Em segundo lugar - acrescenta-se -, se as câmaras municipais, como é seu dever, cumprirem a lei, terão de rejeitar os projectos que não incluam, nem possam incluir, o mínimo de sete habitações, e nesses casos a construção não se faz e os senhorios não podem despedir os arrendatários.
Finalmente - conclui-se -, se, pelo contrário, as câmaras municipais desprezarem a lei ou realmente não puderem exigir o mínimo do sete habitações, o senhorio não pode obter o despejo compulsivo e, se o tentar, a acção terá de ser julgada improcedente.
Quer dizer: em qualquer destas duas hipóteses, o caso fica arrumado.
Por último, Sr. Presidente, verifico que a proposta de substituição enviada para a Mesa pelas nossas Comissões elimina a exigência do mínimo de sete habitações nas construções da província, incluindo o Porto, e apenas a mantém para Lisboa.
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Em face do exposto, meditando bem no problema em todos os seus aspectos e ponderando especialmente o facto de se tratar de uma lei moralizadora, destinada a entravar a especulação que se está a fazer, consistente em, a pretexto de se aumentar só uma ou duas habitações (o que, em muitos casos, se pode fazer sem a desocupação), despejar prédios inteiros seja qual for o número de pavimentos e de inquilinos, não mantenho o propósito que formulara de requerer a votação em separado da segunda parte do n.º 1.º do artigo 3.º, embora não abdique das razões em que me baseara e ponha todas as reservas sobre os efeitos práticos de tal condicionalismo.
Tenho dito.
O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: desejava que V. Ex.ª me informasse sobre a maneira como vai proceder-se à votação.
O Sr. Presidente: - Em primeiro lugar submeterei à votação o corpo do artigo 3.º e o seu n.º 1.º com a alteração proposta pelas Comissões de Legislação e Redacção e Economia. Depois farei incidir uma votação especial sobre o n.º 2.º do referido artigo 3.º da proposta em discussão.
O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: entendo ser oportuno referir que há que ter em conta os interesses de determinados locatários, especialmente os de coleccionadores, bibliófilos, etc., porque estes são, a meu ver, da sua maior parte, pessoas pobres, ou, pelo menos, pessoas que fazem muitos sacrifícios para comprar colecções de livros, de quadros, etc., em lugar de guardarem as suas economias para outros fins.
São precisamente essas pessoas, economicamente débeis, que podem ser postas, através da redacção da proposta de lei, confirmada pela nossa Comissão de Legislação e Redacção, em situação que pode classificar-se de bastante delicada, pois poderão ter de sujeitar-se à contingência de verem as suas colecções postas no meio da rua.
Compreendo que as propostas de emenda que fiz ao artigo 1.º não mereçam o acordo de todos, e de bom grado eu próprio as retiraria. Mas o que vejo é que, entre a redacção da proposta do lei e da nossa Comissão de Legislação e Redacção e a da minha proposta de emenda ao corpo do n.º 2.º do artigo 3.º se apresenta um critério diferenciador que pode definir-se deste modo: enquanto para a proposta de lei e para a nossa Comissão de Legislação e Redacção o critério a seguir é um critério de pura quantidade, o critério que pode considerar-se consignado na minha proposta de emenda é um critério qualitativo. Isto quer dizer que o deixar-se ficar o advérbio «aproximadamente» não realiza com suficiente clareza e nitidez a salvaguarda do verdadeiro conteúdo do direito de reocupação, pois tal advérbio de modo pode referir-se ao número de compartimentos, à localização de pavimentos, etc., enquanto pela minha proposta tal conteúdo se torna claro e apareço nos seus elementos constitutivos, parecendo-me, por isso. que a fórmula que preconizo é mais significativa, mais plástica e muito mais acauteladora dos interesses que resumidamente apontei há pouco.
Tenho dito.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: o n.º 1.º diverge de igual número do texto sugerido apenas em se restringir a quatro o número de locais arrendáveis fora de Lisboa.
Como o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, também eu, quando entrei no debato, adiei exagerada n exigência do número de locais, mas também me rendi a esta consideração: o despejo por motivo de reconstrução e ampliação de prédios deve ser excepcional. O incómodo para os arrendatários só se justifica quando houver interesse público.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Inicialmente, no projecto de decreto-lei apenas se exigia o aumento de um terço. A Câmara Corporativa estabeleceu duas exigências comutativas: aumento mínimo para metade e fixação em sete do número mínimo de locais.
A nova redacção do artigo 3.º, limitando a quatro o número mínimo de locais arrendados fora de Lisboa, justifica-se pelas críticas de que o texto sugerido foi alvo nesta Assembleia.
Fora de Lisboa seria muitas vezes impossível o senhorio fazer prédio com sete locais arrendáveis, pois em muitas povoações, dada a estreiteza das ruas e a exiguidade de superfície construível, não poderia o senhorio aumentar o prédio ou construí-lo com aquele número de locais.
É o caso do Porto, em que as casas têm, em regra, frente exígua.
Entendeu-se que não devia baixar-se daquele número quatro, a fim de o aumento ser sensível.
O simples aumento de metade não bastava para esse efeito.
Sendo na maioria das povoações as casas ocupadas por fim só arrendatário, ou quando muito, por dois, se apenas fossem exigíveis dois ou três locais arrendáveis, o aumento seria insignificante.
O acréscimo ao n.º 2.º resolve - tão bem quanto pudemos fazê-lo - o caso das moradias.
Quando se verifiquem as condições que previmos, o senhorio deixa de estar obrigado a facultar ao arrendatário locais aproximadamente correspondentes aos que ele ocupava, ficando apenas adstrito a reservar-lhe - assinalando-os no projecto - até dois locais, que podem ser dois andares ou dois meios andares.
E, se o arrendatário achar insuficientes as dependências que lhe são oferecidas, resta-lhe optar pela indemnização, que pode ser melhorada em 50 por cento e dentro dos limites que o juiz considere justificados. O que não pode é o tribunal computá-la em mais de 50 por cento da concedida pelo artigo 4.º
O acréscimo interessará para alguns casos de Lisboa, mas releva especialmente para o Porto, onde o regime de moradias - ainda que modestas - constitui regra.
O Sr. Dr. Pereira de Melo, para a hipótese de ser rejeitada a sua emenda ao corpo do artigo 1.º, propôs nova redacção para o n.º 2.º do artigo 3.º
Também não posso aceitar esta emenda.
O princípio deve ser o da correspondência aproximada entre as antigas dependências e as novas.
O juiz, por força do § 2.º deste artigo, tem certa latitude de apreciação, age segundo o seu prudente arbítrio.
As necessidades de alojamento dos respectivos agregados familiares serão naturalmente consideradas. Essas necessidades não constituem, porém, o início elemento.
O juiz decide ex aequo et bono em cada caso e segundo as circunstâncias atinentes à hipótese.
Não concorda com isto o Sr. Dr. Pereira de Melo, pois pretende a eliminação dos §§ 2.º e 3.º, mas sem razão, salvo todo o respeito.
Neste capítulo de reocupação podem distinguir-se três fases. Na primeira, que é a da Lei n.º 2030, havia toda a liberdade de o senhorio organizar o projecto, segundo a jurisprudência estabelecida. Foi assim que os tribunais interpretaram a lei.
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Na segunda fase, a do projecto do decreto-lei, exigia-se que aos arrendatários se reservassem áreas não inferiores a três quartas partes das anteriores e com as mesmas divisões e situação e altura análogas. O critério da Câmara Corporativa é mais elástico. O senhorio só aproximadamente tem de reservar aos antigos arrendatários os locais que ocupavam.
Pela primeira proposta do Sr. Deputado Pereira de Melo tinha de haver correspondência integral de locais.
Deste modo, o senhorio era obrigado a reproduzir a casa antiga, construída há cem ou duzentos anos.
Na proposta apresentada para a hipótese da rejeição daquela outra enuncia-se um elemento a que o juiz deve atender.
Isso, porém, é incompleto, visto existirem outros elementos.
A Comissão de Legislação previu o caso de a obra ser economicamente inviável com a reserva, mesmo aproximada, de locais idênticos aos antigos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É o caso das moradias ... Mas não é só esse.
Foi a olhar para essas casas que se foi para a redacção proposta, que, no entanto, abrange ou pode abranger outras hipóteses.
O Orador:- Já há pouco me referi às casas do Porto. Se houvesse que respeitar-se a estrutura do prédio antigo, era impossível fazer a obra.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dar um breve esclarecimento ao Sr. Deputado Sá Carneiro.
Sobre aquilo que S. Ex.ª acaba de dizer - vincular-se o poder jurisdicional na aplicação da lei -, isso acho certo. Simplesmente, pode haver um juiz intérprete que não entenda como S. Ex.ª, enquanto com a minha fórmula da emenda ao n.º 2.º do artigo 3.º já não pode haver juiz intérprete que não reconheça como condição-base a possibilidade de alojamento no local posto à disposição do inquilino, em ordem a satisfazer as suas necessidades reais.
Tenho para mini que é diferente e sei que é assim.
Nós aqui pretendemos fazer a clara definição do conteúdo do direito de reocupação que reconhecemos ao inquilino; nada mais. Ora, para isso precisamos de adoptar uma fórmula que vincule o tribunal em ordem a garantir esse direito.
Por essa razão afigura-se-me que devo uma vez mais insistir em que me parece melhor a redacção da minha proposta de emenda.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Com a proposta apresentada por mim e outros Srs. Deputados o tribunal não fica ligado nos lermos em que o ficaria se a proposta de V. Ex.ª vingasse. Eu entendo que a proposta de V. Ex.ª não deve vingar porque ela conduziria, nos termos em que está redigida, a que, se a família fosse numerosa e não coubesse na casa que ocupava antes, tivesse direito a dar-se-lhe depois uma casa maior. Ora isto não está nas perspectivas do legislador.
O Sr. Pereira de Melo: - O que é de admitir é que essa família já não seja inquilino.
O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª abandona a primeira proposta ?
O Sr. Pereira de Melo: - Não tenho dúvidas nenhumas em retirar a primeira proposta. Ficamos apenas na segunda.
O Sr. Sá Carneiro: - O Sr. Deputado Pereira de Melo receia que nos tribunais não se atenda à situação familiar, mas creio não ser isso de recear, visto ser o mesmo o elemento fundamental. O juiz não decide em abstracto. Julga em concreto. Esse elemento é importante, havendo, porém, outros, como referi.
O Sr. Pereira de Melo: - Mas, se eu bem percebi o argumento de V. Ex.ª, ele inutiliza o argumento do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Sá Carneiro: - Está V. Ex.ª enganado. Entre os meus argumentos e os do Sr. Dr. Mário de Figueiredo não há qualquer divergência.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: requeiro a prioridade na votação para a proposta subscrita por mim e outros Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Concedo a prioridade pedida, que só funciona em relação ao n.º 2.º
Vai, portanto, votar-se em primeiro lugar o corpo do artigo 8.º e seu n.º 1.º, com a redacção formulada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação o n.º 2.º do artigo 3.º, com a redacção proposta pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Consequentemente, está prejudicada a proposta do Sr. Deputado Pereira de Melo relativa a este n.º 2.º, bem como a outra proposta do mesmo Sr. Deputado relativa à eliminação dos §§ 2.º e 3.º do mesmo artigo.
Ponho agora à votação o n.º 3.º e os §§ 1.º, 2.º e 3.º do mesmo artigo 3.º, tal como constam da proposta de lei.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.º-A, proposto pelas Comissões de Legislação e Redacção e Economia, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 3.º-A
O senhorio tem o direito de fazer visitar o prédio para o efeito do elaboração da planta, mesmo no caso de o contrato não facultar a ida dele ao prédio.
§ único. No caso de oposição do arrendatário, poderá ser judicialmente suprido o seu consentimento.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.º, sobre o qual há uma proposta de alteração das Comissões de Legislação e Redacção e Economia e outras do Sr. Deputado Pereira de Melo. Vão ser lidos o artigo e as propostas referidas.
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Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 4.º
O inquilino sujeito a despejo nos termos dos artigos precedentes pode escolher entre:
1.º Reocupar o local que ocupava no edifício simplesmente ampliado ou ocupar o que lhe é destinado no edifício alterado ou construído de novo e receber, além disso, em qualquer dos casos, uma indemnização pela suspensão do arrendamento;
2.º Receber uma indemnização pela resolução do arrendamento.
§ 1.º A indemnização pela suspensão do arrendamento será igual a uma ou duas vezes a renda anual à data da sentença de despejo, conforme se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal.
§ 2.º A indemnização pela resolução do arrendamento será igual a cinco ou dez vezes a renda anual à data da sentença de despejo, também conforme se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal.
§ 3.º Aos montantes determinados nos termos dos parágrafos anteriores acrescerá um vigésimo por cada ano completo de vigência do arrendamento antes da sentença de despejo, até um limite máximo de vinte anos.
§ 4.º A indemnização pela resolução do arrendamento é devida, do mesmo modo, ao arrendatário de prédio rústico despejado em conformidade com o disposto no artigo 1.º
Proposta de alteração das Comissões de Legislação e Redacção e Economia
ARTIGO 4.º
O inquilino sujeito a despejo, nos termos da alínea a) do artigo 1.º, pode escolher entre:
1.º Reocupar o local que ocupava no edifício simplesmente ampliado ou ocupar o que lhe é destinado no edifício alterado ou construído de novo e receber além disso, em qualquer dos casos, uma indemnização pela suspensão do arrendamento;
2.º Receber uma indemnização pela resolução do arrendamento.
§ 1.º A indemnização pela suspensão do arrendamento será igual a uma ou duas vezes a renda anual à data da sentença de despejo, conforme se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal.
§ 2.º A indemnização pela resolução do arrendamento será igual a cinco ou dez vezes a renda anual à data da sentença de despejo, também conforme se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal.
§ 3.º Aos montantes determinados nos termos dos parágrafos anteriores acrescerá um vigésimo por cada ano completo de vigência do arrendamento antes da sentença de despejo, até um limite máximo de vinte anos.
Proposta de alteração
Proponho que sejam eliminados os §§ 1.º e 2.º do artigo 4.º da referida proposta de lei e, em consequência, proponho que ao n.º 1.º do artigo 4.º se acrescente a fórmula do § 1.º da proposta, a partir de c... igual a uma a duas vezes ...» e que ao n.º 2.º do mesmo artigo se acrescente a fórmula do § 2.º da proposta a partir de c... igual a cinco ou dez vezes ...»;
Que os §§ 3.º e 4.º deste artigo 4.º tomem a designação de n.ºs 3.º e 4.º do mesmo artigo.
O Deputado, João de Assis Pereira de Melo.
O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: as minhas propostas de alteração não alteram substancialmente nem o pensamento nem a redacção da lei; dão-lhe apenas uma arrumação diferente. Redigi essas propostas porque me pareceu que os preceitos dos §§ 1.º e 2.º eram puramente integradores do preceito dos n.ºs 1.º e 2.º Foi uma razão puramente formal que determinou a apresentação das mesmas propostas.
O Sr. Sá Carneiro: - Se a alteração é meramente formal, parece que há invasão dos poderes da Comissão de Legislação e Redacção ...
O Sr. Pereira de Melo: - Não foi esse o propósito que me animou.
O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª não tem razão, porque a técnica adoptada na sua proposta não é melhor que a da Câmara Corporativa.
O corpo do artigo confere uma alternativa ao arrendatário: ou reocupar ou ser indemnizado. Depois, os parágrafos respectivos estabelecem o quantitativo da indemnização. Parece-me ser esta a melhor técnica - números e parágrafos.
O Sr. Presidente: - Considero a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Peneira ide Melo como mera arrumação de matérias. Nestas condições, vou pôr à votação em primeiro lugar o artigo 1.º com a alteração sugerida pelas Comissões de Legislação e Redacção e Economia ao corpo do antigo, ficando o resto tal como consta do texto da proposta de lei relativa a esse artigo. O parágrafo 4.º é suprimido, havendo depois um artigo 4.º-A o, substituí-lo.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está, deste modo, prejudicada a proposta do Sr. Deputado Pereira de Melo.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Passamos agora ao artigo 4.º-A. É um artigo novo, sugerido pelas Comissões de Legislação e Redacção e Economia. Vai ler-se.
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 1.º-A
O arrendatário sujeito a despejo nos termos da alínea 6) do artigo 1.º não tem o direito de reocupação, devendo, porém, ser indemnizado, nos termos dos §§ 2.º e 3.º do antigo anterior.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 5.º, sobre o qual há na Mesa uma proposta das Comissões com relação ao § 1.º
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Vai ser lido o texto do artigo e a proposta das Comissões.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 5.º
Em caso de mera ampliação do edifício o inquilino continuará sujeito à renda que pagava ao tempo do despejo. Nos outros casos as rendas dos locais destinados aos antigos inquilinos serão fixadas antecipadamente pela Comissão Permanente de Avaliação, em face de cópia certificada conforme com o original do projecto aprovado pela câmara municipal e dos seus anexos.
§ 1.º O antigo inquilino que vier a ocupar o edifício alterado ou construído de novo não poderá ser compelido a satisfazer, de começo, renda superior à vigente na data do despejo, acrescida de um máximo de 50 por cento do seu quantitativo. A eventual diferença para o montante estabelecido pela Comissão Permanente de Avaliação será atingida por meio de acréscimos de 10 por cento dessa diferença, que começarão a vigorar, sucessivamente, em cada um dos semestres seguintes.
§ 2.º Se as obras puderem efectuar-se sem despejo do inquilino, e ainda que alterem o local por ele ocupado, não haverá modificação de renda, nem durante a sua execução, nem posteriormente.
Proposta de alteração das Comissões de Legislação e Redacção e Economia
ARTIGO 5.º
Em caso de mera ampliação do edifício o inquilino continuará sujeito à renda que pagava ao tempo do despejo. Nos outros casos as rendas dos locais destinados aos antigos inquilinos serão fixadas antecipadamente pela Comissão Permanente de Avaliação, em face de cópia certificada conforme o original do projecto aprovado pela Câmara Municipal e dos seus anexos.
§ 1.º O antigo inquilino que vier a ocupar o edifício alterado ou construído de novo não poderá ser compelido a satisfazer, de começo, renda superior à vigente na data do despejo, acrescida de um máximo de 50 por cento do seu quantitativo. A eventual diferença para o montante estabelecido pela Comissão Permanente de Avaliação será atingida por meio de acréscimos de 20 por cento dessa diferença, que começarão a vigorar, sucessivamente, em cada um dos semestres seguintes.
§ 2.º (Igual ao da proposta).
O Sr. Presidente:- Estão em discussão.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: a única divergência que há entre o texto sugerido e o das Comissões é esta: que a diferença entre a renda antiga aumentada de 50 por cento e a renda nova seja paga em dois anos e meio, e não em cinco, por este último prazo ser excessivamente longo.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vão votar-se.
Submetidos à rotação, foi aprovado o artigo 5.º com a alteração ao § 1º proposta pelas Comissões.
O Sr. Presidente:- Está em discussão o artigo 6.º Sobre este artigo há na Mesa uma proposta de alteração das Comissões e outra do Sr. Deputado Pereira de Melo. Vão ser lidos o artigo e as propostas de alteração.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 6.º
A acção judicial será intentada conjuntamente contra todos os arrendatários, à excepção daqueles cujos locais não sofram alteração e que possam permanecer no prédio e daqueles contra quem já exista título exequível de despejo.
§ 1.º Havendo outros locais além dos ocupados pelos arrendatários demandados, o senhorio deverá alegar e provar que não sofrem alteração e que os seus detentores podem permanecer no prédio, conforme certificado camarário; ou que possui título exequível de desocupação contra os respectivos arrendatários ou detentores; ou que estão ocupados por ele próprio, senhorio; ou que se encontram vagos.
§ 2.º A petição inicial especificará as rendas pagas pelos arrendatários a despejar e o começo da vigência dos arrendamentos respectivos e será acompanhada de documentos comprovativos dos arrendamentos, nos termos legais, de planta do edifício na sua forma actual, de cópia certificada conforme com o original do projecto aprovado pela câmara municipal, de certidão do parecer da Comissão Permanente de Avaliação e da mais documentação necessária.
§ 3.º São aplicáveis à referida acção as disposições do Código de Processo Civil sobre despejo, para o fim do prazo do arrendamento ou da sua renovação, em tudo o que não for contrariado pelo presente diploma e exceptuadas designadamente as disposições do artigo 970.º e da segunda parte do segundo período do artigo 971.º daquele código, bem como as relativas ao despejo provisório, que não é aqui admissível.
§ 4.º Será de vinte dias o prazo para a contestação e de oito dias o prazo para a resposta.
§ 5.º Não pagarão custas os arrendatários que não contestarem a acção.
Proposta de alteração das Comissões de Legislação e Redacção e Economia
ARTIGO 6.º
A acção judicial será intentada conjuntamente contra todos os arrendatários, à excepção daqueles cujos locais não sofram alteração e que possam permanecer no prédio e daqueles contra quem já exista título exequível de despejo.
§ 1.º Havendo outros locais, além dos ocupados pelos arrendatários demandados, o senhorio deverá alegar e provar que não sofrem alteração e que os seus detentores podem permanecer no prédio, conforme certificado camarário; ou que possui título exequível de desocupação contra os .respectivos arrendatários ou detentores; ou que estão ocupados por ele próprio, senhorio; ou que se encontram vagos.
§ 2.º A petição inicial especificará as rendas pagas pelos arrendatários a despejar e o começo da vigência dos arrendamentos respectivos e será acompanhada de documentos comprovativos dos arrendamentos, quando legalmente necessários, de planta do edifício na sua forma actual, de cópia certificada conforme com o original do projecto aprovado pela câmara municipal, de certidão do
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parecer da Comissão Permanente de Avaliação e da mais documentação necessária.
§ 3.º O juiz, logo que o processo lhe seja concluso, marcará tentativa de conciliação, a fazer no prazo de quinze dias. Se houver acordo com todos os réus acerca da reocupação ou da indemnização, o processo considerar-se-á findo, proferindo o juiz, no próprio auto, a sentença a que se refere o artigo imediato. Se o acordo for apenas com alguns dos réus, o processo seguirá contra aqueles que não se conciliaram. O prazo da contestação contar-se-á, neste caso, desde a tentativa de conciliação.
§ 4.º (O § 3.º da proposta).
§§ 4.º e 5.º (Suprimem-se).
Proposta de alteração
Proponho que se elimine a parte final do corpo do artigo 6.º da proposta de lei, suprimindo-se-lhe a locução: «e daqueles contra quem já exista título exequível de despejo».
Proponho que no § 1.º do artigo 6.º se elimine o seguinte período: sou que possui título exequível de desocupação contra os respectivos arrendatários ou detentores».
Proponho que a locução «nos termos legais», inserida no texto do § 2.º do artigo 6.º da proposta de lei em discussão entre a expressão «documentos comprovativos do arrendamento» e «planta do edifício», seja substituída pela seguinte:
Nos casos em que a validade e subsistência jurídicas e a prova do contrato estejam dependentes da existência de título escrito ...
Proponho que o § 5.º do artigo 6.º desta proposta de lei seja eliminado e que, com o mesmo número, se inclua um novo parágrafo, assim redigido:
Ás custas da acção, seus incidentes e recursos, incluindo as de parte, ficarão sempre a cargo do autor, sem embargo da condenação dos réus pela sua eventual má fé no litígio.
O Deputado, João Assis Pereira de Melo.
O Sr. Presidente : - Estão em discussão.
O Sr. Pereira de Melo : - A Câmara acaba de ouvir ler a proposta que fiz no sentido de que se eliminasse a parte final do corpo do artigo 6.º
Verifica-se que a orientação da minha proposta não obteve acolhimento da nossa Comissão de Legislação e Redacção, visto que essa mesma disposição da proposta de lei se mantém na proposta de alteração que apresentou.
Parece-me, Sr. Presidente, e salvo o muitíssimo respeito que não posso deixar de confessar para com os membros dessa Comissão, que, ainda assim, deveria eliminar-se essa parte final, porque a verdade é esta: se o senhorio só pode propor acção de despejo fundamentada na circunstância da subsistência de um arrendamento contra quem seja inquilino, está implícito, é evidente, que não pode propor a acção do despejo contra quem, pelo facto do trânsito em julgado de uma sentença anterior, já não tem a posição jurídica de inquilino.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Só a sentença é que é exequível?
O Orador : - Evidentemente que não.
O Sr. Sá Carneiro: - A hipótese que a Câmara Corporativa considera é aquela em que os arrendatários assinaram um acordo em que se comprometem a deixar a casa ...
O Orador: - Mas nesse caso já não há a posição de inquilino, porque pelo acto de renúncia se perdeu essa qualidade.
O Sr. Sá Carneiro: - Mas V. Ex.ª só faz a sua proposta quanto a esse artigo, e não quanto ao seu § 1.º
O Orador: - Não, senhor. Foi na sessão de 24 do corrente que fiz outra proposta de eliminação. E esta refere-se precisamente ao reparo formulado por V. Ex.ª Vou lê-la:
Tenho ainda a honra de acrescentar a seguinte proposta de eliminação: que no § 1.º do artigo 6.º se elimine o seguinte período: sou que possui título exequível de desocupação contra os respectivos arrendatários ou detentores».
Sr. Presidente: abordarei agora outra das minhas propostas em discussão. Refiro-me àquela em que se pretendeu que a locução «nos termos legais» do texto do § 2.º do artigo 6.º da proposta de lei, inserida entre as expressões «documentos comprovativos dos arrendamentos» e «planta do edifício», fosse substituída por outra que formulei, em que se pretende não ser o autor obrigado a instruir a sua petição de despejo com título escrito probatório da existência do contrato de arrendamento nos casos em que tal lhe seja impossível e desnecessário, em vista da perfeição jurídica do contrato, por mera consualidade das outorgantes, ou, nos precisos termos em que formulei essa substituição, «nos casos em que a validade e subsistência jurídicas e a prova do contrato estejam dependentes da existência de título escrito».
A esta minha proposta suponho ter dado a sua adesão e o seu voto de concordância a nossa Comissão de Legislação e Redacção porque, na verdade, ou com a forma que proponho ou com a forma proposta por esta Comissão, o efeito útil que pretendo conseguir se obtém. Por isso é indiferente que seja votada a minha «proposta ou aquela, visto que há coincidência de pontos e vista.
Sr. Presidente: referir-me-ei seguidamente à redacção do § 3.º da proposta da Comissão de Legislação e Redacção, em que se estabelece a obrigatoriedade de tentativas de conciliação, a realizar entre as partes. Só louvores pode merecer a instituição de tal tramitação processual, por isso que não raras vezes se conseguirá no limiar da demanda estabelecer a harmonia dos interesses em conflito.
Ora a economia de tempo que daí resulta é muito apreciável no «aso concreto de que nos estamos ocupando. Bastará que consideremos a circunstância de na ampliação do edifício, sua alteração ou substituição se irem investir, por via de regra, avultados capitais para se compreender o benefício que eventualmente resultará do rendimento que deles vai extrair-se duma decisão precoce do pleito.
No entanto, parece-me inconveniente, ia a dizer antijurídico, que este § 3.º da proposta da Comissão de Legislação e Redacção seja aprovado no seu todo, visto no mesmo se dispor que, se o acordo que nessa tentativa de conciliação se verificar for restrito a certo número apenas dos inquilinos demandados, «o processo seguirá contra aqueles que não se conciliaram».
Ora, convém não esquecer que no corpo do artigo se dispõe que a acção judicial «será intentada conjuntamente contra todos os arrendatários» e assim se esta-
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belece para tal acção o regime processual do litisconsórcio necessário.
Segundo, pois, a proposta da nossa Comissão de Legislação e Redacção os resultados seriam os seguintes: com relação aos réus com os quais o autor chegasse a acordo na tentativa de conciliação teria o juiz de proferir sentença homologatória do acordo verificado; com relação aos réus em relação aos quais se não obtivesse acordo o processo prosseguiria seus pertinentes termos até ser proferida decisão final sobre o litígio.
Teríamos, parece-me, a decisão aberrante de uma só e única relação processual ser decidida em tempos e através de duas sentenças diferentes. Trata-se, como sublinhei, do caso de haver - artigo 31.º do Código de Processo Civil- e uma única acção com pluralidade de sujeitos» e não de acumulação de acções, ou de mera coligação de réus, excluídas, como é evidente, pelos próprios textos legais.
Deste modo, afigura-se-me que a solução proposta viola o princípio de que à unidade da relação processual corresponde a unidade do acto decisório do conflito de interesses sujeito à apreciação do tribunal.
A este prejuízo acrescerá com frequência um outro, verdadeiramente chocante; e é o seguinte: serem proferidas na mesma acção duas sentenças cujas partes dispositivas venham a mostrar-se contraditórias.
Pelas razões que acabo de expor, Sr. Presidente, julgo não ser de aprovar o parágrafo proposto na sua totalidade, embora entenda e sustente que o acordo que se obtiver com alguns dos réus deverá operar como elemento a atender na sentença final, no uso pelo juiz do princípio que estabelece a sua liberdade do apreciação do conjunto das provas produzidas.
Sr. Presidente: propus também a eliminação do § 5.º do artigo 6.º da proposta de lei em discussão. Aí se preceituava o seguinte:
Leu.
Tenho o prazer de verificar que a Comissão de Legislação e Redacção reconheceu bom fundamento a esta minha proposta e esse me parece de todo o ponto evidente. De tal coincidência de pontos de vista resultou a proposta apresentada por essa Comissão em igual sentido de eliminação desse § 5.º Nem o contrário seria admissível, já que o regime por ele criado seria o da revogação dos princípios gerais de responsabilidade pelo pagamento das custas judiciais. De facto, estabelecendo-se no artigo 458.º do Código de Processo Civil que serão pagas pelo autor as custas sempre que o réu não dê causa à acção, e entendendo-se que a não ocasiona sempre que «o autor não afirmar a existência de qualquer obrigação anterior do réu e se propuser exercer um mero poder legal», não se compreenderia - e porque esta é precisamente a hipótese em apreciação - que fosse diverso o regime no caso destas acções de despejo.
Mas, Sr. Presidente, há aqui ainda outro aspecto a considerar. Enquanto eu propus a eliminação desse parágrafo e a sua substituição por outro com o mesmo número, cuja redacção formulei, e em que especialmente se estabelece a responsabilidade do autor, não só pelas custas da acção, mas também pelas de parte devidas aos réus, e pelas dos incidentes e recursos da mesma acção, a nossa Comissão de Legislação e Redacção mostra já não me acompanhar em tal objectivo.
No entanto, julgo dever opinar no sentido de que a minha proposta relativa à inserção do proposto § 5.º seja votada, porque creio que só por via dela se acautelam todos os interesses atendíveis, como os de os réus reaverem as custas de parte que desembolsaram no decurso da causa e de haverem a procuradoria a que têm direito nos termos da lei penal.
Disse.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: o Sr. Dr. Pereira de Melo pretende que no corpo deste artigo se suprima a expressão final.
Mas é óbvio que essas palavras visam a prever o caso de o senhorio ter obtido do arrendatário declaração nos termos do § 2.º do artigo 970.º do Código de Processo Civil.
Se o arrendatário assinou declaração de que se considera despedido, ou outra equivalente a essa, não se compreende a necessidade de demandá-lo.
No § 1.º acrescentam-se algumas palavras tendentes a prevenir o caso de não haver arrendamento escrito.
Optamos pela fórmula e quando legalmente necessário» por nos parecer mais simples que a do Sr. Dr. Pereira de Melo, que alude à validade, substituição jurídica e prova do contrato que estejam dependentes da existência de título escrito.
Obviamente que a propositura da acção de despejo supõe que há arrendamento válido, pois, se não existisse outro, era o meio de que tinha de servir-se o senhorio para reaver o prédio.
Propomos a eliminação do § 4.º porque, desde que se estabelece uma tentativa de conciliação preliminar, não vemos motivo para ampliar os prazos actuais para a contestação e resposta.
Reputamos o § 5.º desnecessário, pois pelos princípios gerais quanto a custas o R. não paga as da acção que não contesta e a cuja propositura não deu causa.
Não aceitamos, porém, a substituição proposta pelo Sr. Dr. Pereira de Melo, pois se ela fosse votada o autor pagaria custas mesmo no caso de ter havido contestação, o que contraria a regra do artigo 450.º do Código de Processo Civil.
Nem é necessária a faculdade de o juiz condenar o réu como litigante de má fé, pois tal condenação será aplicada nos casos de dolo substancial ou instrumental (que o artigo 465.º daquele código prevê).
O Sr. Deputado Pereira de Melo disse que nestas causas haverá litisconsórcio necessário e haverá duas sentenças, estranhando essa dualidade. Não tem razão.
A Câmara Corporativa previu o caso de o senhorio se entender com os arrendatários e obter um documento que fosse título executivo, evitando assim a acção de despejo quanto a eles. E assim como ela não é proposta contra esses inquilinos, também nada obsta a que não prossiga quanto àqueles com os quais houve conciliação.
O Sr. Pereira de Melo: - No caso de litisconsórcio diz o Código de Processo Civil, de cuja comissão revisora V. Ex.ª foi elemento distinto, que há uma única acção com pluralidade de sujeitos. No caso que V. Ex.ª aponta de continuação da acção contra os restantes haverá duas sentenças, o que está tecnicamente errado.
O Orador: - Só há litisconsórcio em relação àqueles com quem não houve acordo - anterior à acção ou na pendência dela.
O Sr. Pereira de Melo: - Essa ideia viola o princípio da estabilidade da instância. A acção é necessariamente proposta contra todos. Se apenas se chegou a acordo com alguns, a situação equipara-se à dos co-réus em estado de revelia, com relação aos quais também só se conhece do pedido - para mais, neste caso, pedido indivisível - na decisão final.
O Orador: - O senhorio pode demandar só os arrendatários com quem não chegou a acordo e apenas em relação àqueles com quem não se conciliou seguir com o processo.
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O Sr. Pereira de Melo: - Na altura em que se propõe a acção não se sabe se se chegará a acordo ou não.
O Orador: - Perdão, quando requer o despejo não demanda os arrendatários que assinaram documento obrigando-se a sair; e, por idêntico motivo, tendo-se conciliado com alguns dos demandados, o processo termina quanto a eles.
Tenho dito.
O Sr. Presidente:- Visto não se encontrar inscrito mais nenhum Sr. Deputado, vou pôr à votação, em primeiro lugar, o corpo do artigo 6.º e o seu § 1.º com as emendas apresentadas pelo Sr. Deputado Pereira de Melo.
Submetidos à votação, foram rejeitados.
O Sr. Presidente:- Em vista desta deliberação da Câmara vou submeter à votação o artigo 6.º e o seu § 1.º tal como constam da proposta governamental e o § 2.º com a emenda formulada pelas Comissões de Legislação e Redacção e Economia, que com diferenças de mera redacção coincide com a do Sr. Deputado Pereira de Melo.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente:- Segue-se a votação do § 3.º, novo, formulado pelas referidas Comissões.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Segue-se a votação do texto governamental do § 3.º do artigo, que passa a ser o § 4.º segundo a proposta das Comissões.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação a proposta das Comissões no sentido de serem eliminados os §§ 4.º e 5.º
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Há ainda uma proposta do Sr. Deputado Pereira de Melo para a inserção de um § 5.º novo.
O Sr. Sá Carneiro: - Parece-me que essa proposta está prejudicada pela votação, que acaba de ser feita, da eliminação do § 5.º
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pereira de Melo também propôs a eliminação do § 5.º e a sua substituição por um parágrafo novo. Portanto, parece-me que essa proposta não está prejudicada.
Submetida à votação, foi rejeitada a proposta do Sr. Deputado Pereira de Ateio.
O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão o artigo 7.º Sobre este artigo há uma proposta das Comissões para substituição do § 2.º Vão ser lidos o artigo e a proposta.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 7.º
Em caso de procedência da acção, a sentença reconhecerá ao senhorio o direito de realizar as obras e condenará os réus a despejarem o prédio, ou a não embaraçarem as obras, quanto aos inquilinos a que alude o § 3.º do artigo 3.º
§ 1.º A mesma sentença condenará o senhorio nas prestações, de coisa ou de facto, a que o arrendatário tem direito por força do artigo 4.º e condená-lo-á ainda nas prestações a que o arrendatário virá eventualmente a ter direito, nos temos dos artigos 12.º e 13.º, para a hipótese de o disposto nesses artigos se tornar aplicável.
§ 2.º A referida sentença será título constitutivo de hipoteca, a favor do arrendatário, sobre o prédio a que respeita a acção. Mas a hipoteca não constituirá obstáculo a execução das obras e abrangerá a ampliação ou alteração do edifício ou o edifício a construir.
Proposta de alteração
ARTIGO 7.º
§ 1.º Sem alteração.
§ 2.º Substituir por:
O arrendatário, para garantia das indemnizações a que tiver direito, goza de privilégio imobiliário, que tomará o 4.º lugar no artigo 887.º do Código Civil.
O Sr. Sá Carneiro: - Substituímos a hipótese prevista no § 2.º por um privilégio imobiliário para evitarmos ao arrendatário as despesas de registo de hipoteca e ao senhorio as do cancelamento desse registo.
Se é certo que os privilégios imobiliários não devem estabelecer-se a esmo, visto atingirem terceiros e não estarem sujeitos a registo, neste caso não parece desaconselhável, visto que, por um lado, as indemnizações não serão muito avultadas em relação ao valor do novo prédio e, por outro, nem o adquirente da casa nem quem dê dinheiro mediante hipoteca sobre ela pode desconhecer que houve um acréscimo do prédio ou a construção de nova casa ao abrigo da nova lei.
Poderia pensar em dispensar-se qualquer garantia para a indemnização, já que o arrendatário não é obrigado a deixar o prédio sem a receber integralmente.
Existem, porém, os complementos a que se refere o artigo 13.º
E poderia duvidar-se de o adquirente da casa estar sujeito a pagá-los.
Quanto ao direito de reocupação, esse não carece de ser assegurado de qualquer modo, pois, mesmo no caso de sucessão a título singular, o adquirente não pode negar-se a conceder a reocupação, visto o arrendamento não caducar com a transmissão do prédio e apenas o objecto e renda serem alterados.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Permito-me discordar da substituição do § 2.º do artigo 7.º proposta pelas nossas Comissões. Julgo preferível que a garantia das responsabilidades que o § 1.º atribui ao senhorio seja prestada mediante hipoteca constituída nos termos sugeridos pela Câmara Corporativa, pois esta hipoteca terá o seu lugar à esquerda das que porventura já onerem o prédio e, portanto, não se lhes antepõe nem afecta a posição dos outros credores já inscritos.
Assim não sucede com a proposta das Comissões, porque, em vez de hipoteca, estabelece o privilégio imobiliário do artigo 887.º do Código Civil, e o preâmbulo deste artigo e mais expressamente o artigo 1012.º estabelecem a prioridade dos privilégios imobiliários sobre as hipotecas, isto é, coloca-os à direita destas.
Demasiadamente se tem abusado já do alargamento a outros casos da disposição excepcional daquele artigo 887.º, quando é certo que semelhante procedimento afecta em alguns casos a segurança e afecta sempre a confiança no crédito hipotecário, e, consequentemente, provoca o retraimento dos capitais, sempre receosos ou desconfiados, quando o conveniente para a economia geral do Pais é o desenvolvimento do crédito, devidamente assegurado, para largos investimentos e para o
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descongestionamento dos capitais imobilizados e improdutivos.
O legislador foi prudente e cauteloso estabelecendo, mesmo nos três únicos casos para que o artigo 887.º atribui privilégio imobiliário, restrições quanto à amplitude da sua incidência e ao tempo da sua duração, e fê-lo com possível prejuízo para o próprio Estado. Efectivamente, o privilégio dos impostos devidos à Fazenda Nacional incide apenas sobre os prédios a que diz respeito e extingue-se ao fim de três anos. E quanto às custas judiciais, o privilégio só abrange as feitas no interesse dos credores e incide unicamente sobre o valor do prédio hipotecado.
O mesmo sucede quanto à proveniência, ao limite e ao prazo, nos créditos particulares de despesas de conservação dos prédios. Apesar disto, tem acontecido, por vezes, devedores pouco escrupulosos, mancomunados com os executores, empreenderem, a título ou pretexto de conservação, obras de nenhuma ou de duvidosa necessidade, para justificar contas vultosas em que comparticipam com manifesto prejuízo dos credores hipotecários inscritos. E estes nem sempre tom possibilidade ou facilidade de demonstrar a fraude, porque, efectuada a obra, não se pode verificar se a reparação era necessária e em que consistiu, ou mesmo se a houve, quando os prédios são de construção recente.
Mais: mesmo que, na realidade, os privilégios creditórios não afectem o valor das garantias hipotecárias, por haver valorização desta ou ser suficiente a margem, deve, como já disse, ter-se em vista que o capital pode retrair-se perante o receio, embora injustificado, de insegurança ou de complicações e incómodos.
Eis as sucintas razões por que não concordo com a proposta de substituição do § 2.º do artigo 7.º e, portanto, não a aprovo. Aprovaria o texto sugerido pela Câmara Corporativa.
Tenho dito.
O Sr. Morais Alçada: - Fedi a palavra, Sr. Presidente, para aderir às afirmações do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, trazendo à Câmara uma hipótese em que os argumentos apresentados por este mesmo Sr. Deputado têm inteiro cabimento.
A hipótese é a de num prédio antigo estar constituída uma hipoteca e, mais tarde, pensar-se em fazer uma ampliação, para a qual se concedeu um privilégio creditório. Ë fácil de ver que a hipoteca antiga ver-se-á surpreendida, anulada ou invalidada. Isto, decididamente, é atraiçoar a boa fé que preside à feitura dos negócios jurídicos.
E por isso que me inclino para a posição defendida pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu. Entendo que a proposta da Câmara Corporativa tem muito mais garantias e respeita muito mais factos passados dignos de serem respeitados do que a inovação que a Comissão de Legislação e Redacção pretende introduzir a respeito desta matéria.
Tenho dito.
O Sr. Sá Carneiro: - Suponho que o perigo de as hipotecas anteriores serem afectadas por este privilégio é puramente ilusório. Já acentuei: o prédio tem de ser alimentado no mínimo de 50 por cento. O credor hipotecário de um pequeno prédio, se este é substituído ou ampliado, faz um negócio magnífico, pois o objecto da hipoteca fica muito valorizado. Ò Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu aceita o privilégio com prioridade para as hipotecas que subsidiaram as construções.
Ora cuido que apenas esse caso podia ser objecto de dúvida, mas não que o privilégio se sobreponha às hipotecas anteriores, pela razão que já apontei; e a garantia dos credores era muito reforçada com a valorização do prédio.
O Sr. Pereira de Melo: - Ouvi muito atentamente as considerações dos Srs. Deputados Sá Carneiro, Paulo Cancella de Abreu e Morais Alçada. E, se bem as entendi, propendo à concordância com os Srs. Deputados Cancella de Abreu e Morais Alçada. O Sr. Dr. Sá Carneiro põe o problema seguinte: se aumenta o valor do prédio, aumenta a garantia. Mas, também, porque os inquilinos é dado o direito de receber indemnizações, no mesmo volume destas diminui aquela garantia. O problema talvez tenha de se considerar indo nós à procura da raiz da atitude que levou a nossa Comissão de Legislação e Redacção a criar um novo privilégio imobiliário, que, como bem disse o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, é absolutamente necessário admitir com a maior reserva, porque da sua admissão podem resultar prejuízos graves.
Eu pergunto o seguinte: que sanção s que se encontrará dentro dos nossos regimes jurídicos para o inquilino titular do direito à indemnização que resolva renunciar a garantia do privilégio imobiliário e faça registar em seu benefício simples hipoteca judiciária? Esta a primeira pergunta.
Outra pergunta, que se enquadra num ponto de vista puramente político da feitura da lei, decorre da seguinte consideração: não vejo razão para que só pela consideração dos encargos, aliás pequenos em relação ao volume das despesas que se vão fazer com a reconstrução do prédio, para exclusiva protecção do senhorio, se vá criar este privilégio.
Na hipótese, o inquilino é mero credor numa relação de obrigação pecuniária, que se originou na sentença atributiva do direito a haver certa indemnização.
Por isso, não vejo causa que lhe privilegie esse direito, coou eventual prejuízo ou inutilização de idênticos direitos de crédito de terceiros, para mais constituídos anteriormente à data da sentença que fixou a indemnização a receber pelo inquilino.
Tenho dito.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: suponho que tudo consiste em saber se a indemnização dada ao arrendatário deve ser-lhe assegurada mesmo nos seus complementos ou se ela é apenas eventual.
Sugeri o estabelecimento do privilégio por me parecer mais simples que a hipoteca.
O Sr. Deputado Pereira de Melo considera aplicável a este caso o artigo 676.º do Código de Processo Civil, que estabelece a hipoteca judiciária a favor do autor duma acção.
O Sr. Pereira de Melo: - A disposição do Código de Processo Civil diz o seguinte:
Leu o primeiro período do artigo 676.º do Código de Processo Civil.
O Orador: - Aqui quem é condenado não é o réu, mas sim o autor. E hipoteca judiciária dá-se quando o réu é condenado a pagar qualquer quantia. Portanto, o artigo 676.º do Código de Processo Civil não é aplicável a este caso.
O Sr. Pereira de Melo: - É a opinião de V. Ex.ª, aliás controvertível. Na verdade, bem pode entender-se que nesse preceito, apesar de se falar em condenação do réu, por ser a hipótese comum, o que se quis estabelecer foi a garantia de hipoteca judiciária em benefício da parte na causa que, por efeito da sentença proferida, ficou investida na qualidade jurídica de credor da outra
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parte por determinada obrigação pecuniária que nessa sentença se declarou ou nela se origina.
Quanto à outra ordem de razões que aduzi, não vejo que V. Ex.ª tenha desejado ponderá-las, ou, melhor, que V. Ex.ª haja contestado o seu merecimento.
O Orador: - Por minha parte dei as razões que considero fundamentais.
E não vale a pena alongar-me, pois à Câmara não interessam torneios jurídicos.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se o corpo do artigo 7.º e o § 1.º
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Ponho à votação a proposta de substituição do § 2.º apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados, que já foi lida à Câmara.
ubmetida à aprovação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vão ser lidos os artigos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º Em relação ao § 2.º do artigo 10.º há na Mesa uma proposta das Comissões de Legislação e Redacção e Economia no sentido de ser suprimida a palavra «voluntária».
Vão ser lidos os artigos e a referida proposta.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 8.º
O inquilino comunicará ao senhorio, por meio de carta registada e o mais tardar até oito dias depois do trânsito em julgado da sentença de despejo, se opta pela primeira ou pela segunda das modalidades previstas no artigo 4.º
§ único. No silêncio do inquilino, entender-se-á que este escolhe a segunda das aludidas modalidades.
ARTIGO 9.º
Nos quinze dias subsequentes ao termo do prazo estabelecido no artigo anterior o senhorio pagará ao arrendatário metade da indemnização que no caso couber.
§ 1.º Tratando-se de arrendatário de prédio rústico, o prazo fixado neste artigo começará a correr na data do trânsito em julgado da sentença.
§ 2.º A mora do senhorio dará ao arrendatário direito aos respectivos juros, nos termos gerais.
ARTIGO 10.º
Efectuado o pagamento ordenado no artigo precedente, o arrendatário deverá desocupar o prédio dentro do prazo de três ou de seis meses, conforme se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal, ou no fim do prazo do arrendamento ou da renovação deste, em curso ao tempo da propositura da acção, se o segundo desses prazos vier a expirar depois do primeiro.
§ 1.º Verificando-se algum dos factos previstos no artigo 759.º, n.ºs 1.º, 2.º e 3.º, do Código Civil, o primeiro prazo indicado no corpo do presente artigo contar-se-á a partir da ocorrência desse facto.
§ 2.º No acto da desocupação voluntária do prédio o senhorio satisfará ao arrendatário a segunda metade da indemnização, sem o que este pode legitimamente recusar-se a proceder àquela desocupação.
ARTIGO 11.º
As obras deverão ser começadas o mais tardar três meses depois de tornado efectivo o despejo em relação a todos os arrendatários, salvo caso fortuito ou de força maior.
§ único. Esse prazo será, todavia, de seis meses se nenhum arrendatário houver declarado querer ocupar ou reocupar o edifício.
ARTIGO 12.º
Em caso de inobservância do prescrito no artigo anterior ou no seu § único o senhorio perde o direito à execução das obras e os arrendatários, mesmo que não tenham optado pela modalidade estabelecida no n.º 1.º do artigo 4.º, podem reocupar imediatamente o prédio, nas condições vigentes à data do despejo, sem obrigação de restituírem a indemnização recebida.
Proposta de alteração das Comissões de Legislação e Redacção e Economia
ARTIGO 10.º § 2.º (Suprimir a palavra «voluntária»).
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: relativamente ao artigo 10.º suprimimos no § 2.º o termo «voluntária», pois a segunda metade da indemnização é paga no acto da desocupação, quando esta seja voluntária ou coerciva.
Se o arrendatário não sair no prazo do artigo 10.º, o senhorio pode requerer o despejo com base na sentença que julgou a acção procedente.
O Sr. Presidente: - Visto mais ninguém pedir a palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vão ler-se o artigo 13.º e a proposta de aditamento do § 4.º das Comissões de Legislação e Redacção e Economia.
Foram lidos. Silo os seguintes:
ARTIGO 18.º
O inquilino que oportunamente declarou querer ocupar ou reocupar o edifício tem direito a um complemento de indemnização, se o senhorio lhe não facultar aquela ocupação ou reocupação, com base na respectiva licença camarária, até doze meses depois de ele haver desocupado o prédio.
§ 1.º O referido complemento será determinado nos termos seguintes: por cada um dos primeiros seis meses de atraso, vez e meia ou três vezes a renda mensal à data da sentença de despejo, consoante se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal; por cada um dos meses seguintes, o dobro desses quantitativos.
§ 2.º Se o senhorio provar que o aludido atraso provém de caso fortuito ou de força maior, o complemento de indemnização será calculado, conforme a natureza do arrendamento, na base de uma ou duas vezes a mencionada renda; e só depois de cessar o impedimento se observará o disposto no parágrafo anterior.
§ 3.º Ao complemento de indemnização também é aplicável em qualquer dos casos o factor estabelecido no § 3.º do artigo 4.º
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Proposta de alteração ARTIGO 18.º
Como na proposta, acrescentando-se o parágrafo seguinte:
§ 4.º O arrendatário fica obrigado ao pagamento da renda e ao cumprimento das suas demais obrigações a partir da data em que o senhorio lhe faculte a ocupação da casa.
O Sr. Presidente:- Estão em discussão.
O Sr. Sá Carneiro: - Quanto ao artigo 13.º, acrescentámos um § 4.º de acordo com representação feita a esta Assembleia.
Desde que o arrendatário manifestou a vontade de reocupar o prédio, o arrendamento das divisões antigas é substituído pelo das novas.
Por isso, parece que o senhorio poderia exigir a renda desde o momento em que a casa ficou à disposição do arrendatário.
Fica, porém, isso expresso por forma clara.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Visto mais ninguém pedir a palavra, vai votar-se o artigo 13.º e a proposta de aditamento de um § 4.º das Comissões, que V. Ex.ª já ouviram ler.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à leitura do artigo 14.º, sobre o qual há na Mesa uma proposta das Comissões de Legislação, Redacção e Economia, que também vai ser lida.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 14.º
As obras serão executadas em harmonia com o projecto junto com a petição inicial, mesmo que nenhum arrendatário tenha declarado querer ocupar ou reocupar o edifício.
§ 1.º Não poderão em caso algum ser aprovadas alterações ao projecto que impeçam o aumento mínimo do número de arrendatários exigido no artigo 3.º, n.º 1.º, ou que afectem os locais destinados aos inquilinos com direito u referida ocupação ou reocupação.
§ 2.º Verificando-se a hipótese prevista na segunda parte do corpo do artigo 165.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1551, o despejo aí regulado tornar-se-á obrigatório desde que nenhum dos antigos arrendatários tenha declarado querer ocupar ou reocupar o edifício.
§ 3.º O pedido de licença de ocupação será despachado o mais tardar até trinta dias depois da sua apresentação, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º e seus parágrafos do citado Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
Proposta de alteração
ARTIGO 14.º
Eliminar o corpo do artigo, passando para o corpo do artigo o actual § 1.º
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 14.º, com a emenda que acaba de ser lida.
O Sr. Sá Carneiro: - Suprimimos o corpo do artigo, pois bastam os parágrafos.
As únicas alterações ao projecto primitivo que não são consentidas são as que afectam o aumento mínimo ou os locais destinados aos arrendatários que optaram pela reocupação.
Contudo, se nenhum deles tiver querido reocupar a casa, ao proprietário deve ser permitido introduzir no projecto modificações que não diminuam o mínimo de locais arrendáveis.
Quanto ao § 1.º - de sentido algo nebuloso -, parece que ele se destina apenas a tornar obrigatório um despejo administrativo que até aqui era meramente facultativo.
Continua, porém, a ser facultativo no caso de reocupação dos antigos arrendatários
O Sr. Presidente: - Visto mais ninguém pedir a palavra, vai votar-se o artigo 14.º com a emenda sugerida pelas Comissões.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão os artigos 15.º e 16.º, sobre os quais não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Vão ser lidos.
Foram lidos. São os seguintes:
ARTIGO 15.º
O preceituado nos artigos 804.º, 986.º, 987.º, 988.º e 992.º do Código de Processo Civil é aplicável, com as necessárias adaptações, à execução da sentença de despejo, ou à ocupação ou reocupação do prédio pelos arrendatários despejados, nos termos do n.º 1.º do artigo 4.º ou nos termos do artigo 11.º deste diploma.
ARTIGO 16.º
Os processos administrativos respeitantes ao projecto e execução das obras e à fixação das rendas ficam sujeitos à legislação respectiva no que não for modificado pelo disposto precedentemente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão o artigo 17.º, sobre o qual há na Mesa uma proposta das Comissões de Legislação e Redacção e Economia.
Vão ser lidos o artigo e a proposta.
Foram, lidos. São os seguintes:
ARTIGO 17.º
Fica revogado o artigo 69.º, alínea c), da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
§ único. As disposições inovadoras do presente diploma só são aplicáveis aos despejos fundados em projecto cuja aprovação tenha sido requerida u câmara municipal a partir de 29 de Outubro de 1956, inclusive.
Proposta de alteração
ARTIGO 17.º
§ 1.º (O § único da proposta).
§ 2." O direito de os senhorios requererem o despejo nos termos do parágrafo anterior caduca, po-
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rém, no prazo de seis meses, a partir da entrada em vigor desta lei ou dentro de igual prazo, contado da aprovação do projecto, se esta for posterior, salvo, neste último caso, se a demora na referida aprovação for imputável ao senhorio.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 17.º, com a proposta de alteração que acaba de ser lida.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação desta proposta de lei.
Vai passar-se à segunda e última parte da ordem do dia: conclusão do debate sobre as Contas Gerais do Estado, da metrópole e das províncias ultramarinas, e as da Junta do Crédito Público de 1955.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: ao comentar, na anterior sessão legislativa, o parecer relativo às contas ultramarinas do exercício de 1954 permiti-me formular o voto de que o desenvolvido estudo então apresentado em relação à província de Angola pudesse vir a estender-se a Moçambique, sublinhando quanto carecíamos, igualmente, nessa outra grande província da África que nos fossem dedicados trabalhos daquele nível e autoridade.
Decorrido um ano, é para mim particularmente grato poder registar o desenvolvimento que o relator do parecer das contas públicas dedicou, neste seu vasto trabalho, aos problemas de Moçambique, depois de haver percorrido o território, examinando atentamente as suas possibilidades e estudando criteriosamente os recursos que se oferecem para o seu progressivo desenvolvimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tive ensejo, bem grato, de acompanhar o Sr. Eng. Araújo Correia durante parte da sua estada naquela nossa província do Indico e de lhe ouvir formular as primeiras impressões, que não se afastaram da regra unânime de verdadeiro entusiasmo que sentem quanto? visitam Moçambique, com a inteligência e os olhos abertos, e nesse vasto território deparam com os imensos possibilidades que só por si se afirmam suficientes para arredar a melancólica resignação de quantos, confinados em ambiente mais estreito, lamentam a nossa pobreza e parecem conformar-se com a modéstia de um lugar subalterno no concerto das nações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Habituados à grandeza dos horizontes africanos, ao prestígio que nos advém de uma posição de paridade com os demais, à revelação da capacidade para levarmos a cabo empreendimentos que não receiam paralelo com os de outros, para nós - os Portugueses de África - não se consente o conformismo com a ideia de sermos uma pequena nação entre as que se agitam nesta velha Europa e antes se radica a certeza de constituirmos uma pátria que pode enfileirar, em pé de igualdade honrosa, com aqueles que no Mundo ocupam posição de relevo entre os demais povos.
Apoiados.
A Europa já não detém a posição de supremacia total que levava a medir a categoria das nações pela hierarquia do seu valor no seio do velho continente. E sem desprezarmos a nossa ligação europeia, sem renegarmos o património comum de civilização, temos nós, os Portugueses, de meditar no relevo que assumimos em África, esse verdadeiro continente do futuro, sobre o qual a Europa lança, preocupadamente, as suas esperanças e sobre o qual outros dardejam os mais cubiçosos olhares, na certeza de que ali se decide a sorte da luta em que se debatem ideologias e interesses.
Em África, Portugal tem vida própria, e não, como outros, uma presença consentida por arranjos ou mantida por equilíbrios de momento.
Somos ali os mesmos que na Europa, na Ásia ou na Oceânia e sentimo-nos tão ligados à vida, aos problemas e aos anseios desse continente como nos consideramos solidários com a defesa do património europeu. Não somos, assim, participantes de um bloco europeu que arraste - ou pretenda arrastar - os territórios africanos como elementos subalternos, mas, antes, sentimo-nos estreitamento unidos à vida e ao futuro desse vasto continente africano, onde mantemos uma civilização que na Europa tem as suas raízes, mas que nessas paragens vai frutificando polo nosso persistente e dedicado labor de povo cristão.
Portugal é, em verdade, tão europeu como africano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sendo assim, a colaboração estreita com os países que em África detém o facho da civilização ocidental e o propagam aos que carecem de até ela serem erguidos impõe-se para nós como um dever que vai muito além de uma solidariedade defensiva, para passar as fronteiras de uma comunidade de missão.
Se a geometria das classificações houvesse de continuar a varrer o Mundo, na catalogação forçada das posições dos países o bloco africano teria de encontrar Portugal dentro dos seus limites e teria de contar com a presença do nosso esforço e da nossa potencialidade para a realização das tareias comuns.
A nossa civilização europeia dá relevo à condição de africanos, que orgulhosamente queremos afirmar, como a nossa potencialidade africana dá relevo à posição que ocupamos na Europa. Mas, num e noutro continente, somos, untes de tudo, Portugueses.
Moçambique orgulha-se de constituir um dos pilares dessa posição de Portugal entre as demais nações e é com verdadeiro agradecimento que vê sublinhar, como se faz no parecer das contas públicas, os recursos do seu vasto território, o relevo dos seus problemas no conjunto da vida nacional e a justiça doa seus anseios do progresso.
O Sr. Eng. Araújo Correia soube recolher no seu estudo dedicado a Moçambique uma súmula notável desses diversos aspectos e soube, ainda, traduzi-los em linguagem clara e precisa para as páginas do parecer, que bem merece larga divulgação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com imutável percepção das realidades, que em África se oferecem aos olhos do observador atento com a pujança dos problemas tropicais, segue o relator das contas públicas o rumo de enquadrar todos às soluções e dirigir as suas sugestões para a realização do objectivo primeiro na condução da política ultramarina: o crescimento rápido da população civilizada.
Apoiados.
A essa finalidade têm, efectivamente, de subordinar-se todos os interesses e a ela se têm de dirigir todos os programas, com a máxima utilização dos recursos mobilizáveis.
As iniciativas ou empreendimentos que não sirvam tal objectivo estão deslocados ao âmbito de uma acção civilizadora que não visa estabelecer imperialismos eco-
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nómicos, mas busca consolidar a estrutura de uma nação.
Importei-nos assina, em breve comentarão, abordar o problema de esclarecer as razões profundas da nossa política em África e apontar as linhas mestras a que tem de dirigir-se toda a acção empreendedora não no parecer das contas públicas se aprecia ou recomenda.
Para estarmos certos da exactidão dos caminhos que se tracem haverá que subordiná-los a um enquadramento superior no que tenha de ser norma condutora da vida da Nação.
E insisto em repetir que dessa orientação depende a nossa sobrevivência em África e que sobreviver é mais do que dura para além de outros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O aumento da população civilizada não significa para nós apenas o crescimento do número de indivíduos de raça branca. Será esse critério aceitável para aqueles que nos territórios de África visam apenas recolher paga material para os seus investimentos e procuram cobrá-la com a urgência de quem não sabe quanto pode demorar-se. Mas não pode ser aceite por nós, uma vez que entendemos que a nossa permanência nessas terras portuguesas tem de ser tão durável como a existência da Nação.
Nesta linha doutrinária não nos seria lícito acompanhar arranjos ou entendimentos para associar outros à nossa acção civilizadora, e, se desejamos a estreita colaboração com os demais povos - que a aceitem ou ofereçam dignamente -, nunca poderíamos consentir que ela se traduzisse em identidade de direitos com quem, em terra portuguesa, não poderia ter identidade de objectivos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desta forma, no nosso conceito, o aumento de população civilizada só pode entender-se como o acréscimo do número de habitantes que, tendo embora traços fundos de coincidência com os demais que da civilização cristã participem, conjuguem a sua qualidade de portadores desse património com a afincada integração na vida portuguesa.
Neste rumo terá de entender-se o nosso anseio de ver multiplicar-se a população civilizada, quer recebendo no ultramar, sem restrições impróprias, mas sem larguezas prejudiciais, o largo contributo de potencial humano que na metrópole abunda, quer integrando as populações indígenas na estrutura indissolúvel do agregado nacional.
Para um e outro efeito carecemos de aumentar, em ritmo mais acelerado, a densidade da colonização metropolitana, que, satisfazendo directamente ao primeiro aspecto, virá permitir, pelo acréscimo da intensidade de contactos com a massa indígena, a mais ampla satisfação da finalidade de a trazer ao nível comum de civilização.
E porque do colono se exige esta missão, em paralelo com o seu labor produtivo, haverá de compreender-se a necessidade de não consentir que nesta sociedade em evolução tenha lugar uma indiscriminada admissão de emigrantes e antes se procure que eles satisfaçam os requisitos mínimos que assegurem a sua contribuição útil para a tarefa de firmar a posição portuguesa em África.
Dispomos, felizmente, de excedentes populacionais na metrópole capazes de satisfazerem ao que deles, no ultramar, o País tem de exigir, e a disciplina da emigração está longe de representar atentado à liberdade de deslocação dos Portugueses no espaço territorial da Nação, uma vez que só traduz a selecção indispensável dos mais capazes para se fixarem em zonas onde os deveres a cumprir exigem, no interesse de todos, a posse de atributos mínimos para o exercício daquele direito.
Não creio que venham dessa origem dificuldades sérias e o problema reside em se criarem as condições básicas indispensáveis para que muitos milhares de portugueses da metrópole possam demandar, com probabilidades de êxito, os vastos territórios de África.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tive ensejo de referir no meu comentário de há um ano as directrizes de actuação que para o efeito devem ser adoptadas, e é com natural aprazimento que recolho do parecer das contas públicas a autorizada concordância do seu relator quanto a essas linhas de trabalho.
Formulo os melhores votos de que para esse rumo se oriente, como tudo me leva a crer, o esquema do próximo Plano de Fomento, que, no caso português, e em divergência com orientações seguidas por outros, não pode ser encarado como simples programa de investimentos em busca da melhor rentabilidade financeira, mas tem de ser posto ao serviço da melhor utilidade para a obra civilizadora que temos de consolidar.
Não nos chega no ultramar que o progresso seja representado pela prosperidade económica, que, sendo factor de inegável valia, pode não constituir o aspecto mais significativo para a realização dos objectivos que nesse progresso havemos de ter em vista quando o encaramos com preocupações nacionais.
Se não alcançarmos as finalidades que enunciei quanto ao acréscimo da população civilizada, a prosperidade eventualmente obtida pode não representar mais do que progresso ilusório, sob o qual fervilhem os germes da sua destruição.
Apoiados.
(Nesta altura assumiu a presidência o Exmo. Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu).
Seria ignorar as realidades se afirmasse que o continente africano, no seu todo, compartilha das mesmas directrizes ou se conduz para a realização dos mesmos objectivos no âmbito de uma colaboração construtiva.
O choque de interesses e ideologias foi por tal forma fomentado ou consentido, em África, que vieram a formar - à semelhança do que aconteceu na Europa, embora com menos nitidez aparente quanto à origem das influências - zonas diferenciadas pelo que respeita aos propósitos e às doutrinas de estruturação dos estados.
A linha de demarcação parece tender a precisar-se, sendo certo que a sua oscilação virá a depender da potencialidade atractiva de um ou outro bloco e da inteligência com que se conduza, de uma ou outra banda, a realização prática das ideologias que se erguem como bandeiras de progresso, mas que vão tomando muito a forma de estandartes de guerra.
Pelo que a nós se refere, temos mantido, graças à coerência entre o que afirmamos e praticamos, um clima de paz que nos permite continuar a viver serenamente - mas não despreocupadamente - na construção de uma estrutura em que todos se sintam participantes, e não apenas coexistentes. Teremos, fora de dúvida, alguns aspectos a corrigir e outros ainda a melhorar, mas vamos fazendo-o por respeito aos princípios que nós próprios definimos, desde há muito, e não por motivo de intervenções alheias, às quais falece autoridade e a nós não sobeja ânimo para suportar.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Assim, não apelamos para a colonização branca por necessidade de defesa contra outras raças ou com o propósito de exercer sobre elas domínio mais seguro. Queremo-la, como anteriormente referi, para realizar os objectivos mais altos de uma acção civilizadora que sirva o conjunto da comunidade portuguesa, e na qual não são os menos interessados aqueles a quem, felizmente sem êxito, algumas vozes segredam falsos rumos de redenção, que os conduziriam, afinal, ao ingresso na massa já tristemente volumosa daqueles a quem a geometria democrática ofereceu a liberdade de serem oprimidos em termos que não foram praticados pelas mais severas administrações colonialistas.
A solidariedade nacional, que se alarga aos portugueses de qualquer raça, não poderia consentir que transigíssemos, por obediência a padrões que não são nossos, em abandonar a tão mísera sorte aqueles que, exactamente, mais carecem de ser defendidos. Se não consentimos na metrópole que isso se verificasse perante doutrinas que até perto de nós chegaram, difícil seria compreender que o fôssemos permitir em África quando estamos certos da identidade de objectivos dos que, embora com outra aparência, ali as procuram disseminar.
Nisso estaria, a meu ver, uma discriminação incompatível com a igualdade de direitos de todos os portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pouco nos importam as críticas e incompreensões que nos queiram atingir e por vezes partem de alguns que aparentam ser bem intencionados. Temos de as encarar com a serenidade com que já ouvimos outras que hoje se convertem, nas mesmas bocas, em aplausos, e, certos do nosso rumo, haveremos de prosseguir com a firmeza que noutros ensejos temos sabido evidenciar.
Mas não pode passar sem uma referência a razão oculta dos ataques que nos são dirigidos.
O seu exacerbamento, a insídia que os rodeia, resultam nitidamente de constituirmos uma zona em que se desmente a falsa teoria da impossibilidade da coexistência pacífica das duas raças em África. E, assim, cada hora da nossa vida ordeira representa verdadeira demolição de meses de trabalho dos agitadores que vêem desmentido o estribilho de que já fizeram bandeira para lutas sangrentas e está na base do programa de subversão no continente africano.
A presença pacífica de Portugal em África é dos maiores obstáculos com que depara a acção dos agitadores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por isso nos atacam. E fazem-no exactamente pelo que vamos realizando em prol das populações que elevamos até ao âmbito da nossa civilização. Não nos atacariam com a mesma violência se nos mostrássemos menos diligentes na realização desse objectivo.
As manobras de infiltração insidiosa haverão de redobrar de intensidade, portanto, quanto mais firme for a nossa posição e quanto mais benéficos se apresentarem os resultados do nosso trabalho civilizador. As malhas da agitação hão-de procurar envolver-nos tal como se dirigem contra os estados que connosco participam das responsabilidades de exercer em África a sua acção civilizadora.
Haveremos de continuar atentos e haveremos de entender que, para progredirmos em paz, não podemos desinteressar-nos do desenvolvimento daqueles estados
que connosco apresentem paralelismo de finalidades, e muito especialmente, dentre esses, com os que circundem as nossas fronteiras.
Independentemente de diferenças de estrutura orgânica, de linhas de orientação política, de métodos de actuação ou de critérios de administração - que ao foro interno de cada um pertencem -, haverá do ligar-nos uma colaboração estreita e uma solidariedade que resulta da identidade de objectivos a alcançar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A esses fins se tem dirigido, perseverantemente, a acção do Estado Português - como resulta da análise feita no parecer das contas públicas - e os comentários que alinhei procuram demonstrar os sérios fundamentos da política que vem sendo adoptada e exigiu não pequeno esforço da nossa parte.
A melhoria das ligações ferroviárias e seu desenvolvimento, o apetrechamento das instalações portuárias, a ampliação do centros produtores de energia hidroeléctrica, a participação em estudos relativos a novos empreendimentos, tudo são aspectos da colaboração que oferecemos, em Moçambique, ao progresso doa territórios que nos rodeiam, como bem o frisa o parecer a que dedico este apontamento.
Não é, assim, pequeno o contributo que Portugal dedica a essa obra de colaboração, que na Europa pode ter os mais salutares reflexos.
Na verdade, é com esse agrupamento poderoso de estados que preservam o continente africano do alastramento da mancha subvertedora que a Europa mais poderá contar para a defesa conjunta de um património que a todos - Europeus e Africanos- é comum, embora para tanto haja de considerar a África como uma fonte de colaboração útil. e não apenas como um espaço económico apetecível.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A África haverá de ser o apoio mais firme da Europa, nesse esforço de cooperação construtiva, mas não pode ser encarada mais como uma simples zona subsidiária que flutue, sem rumo definido, ao sabor das conveniências e interesses momentâneos dos países europeus.
Portugal, na posição que resulta de viver igualmente em ambos os continentes, parece afirmar, pelos resultados obtidos, o êxito de uma concepção que se enquadra objectivamente nesta linha de orientação e que leva a respeitar a diversidade das condições de meio que se registam nos seus vastos territórios sem os forçar a uma identidade que não teria sentido num impor uma uniformidade prejudicial. E disso resulta, exactamente, o robustecimento da nossa unidade.
Estamos, por isso, em condições do servir utilmente - na África e na Europa - a defesa do património comum.
Apoiados.
A esse esforço de colaboração se dirigem alguns empreendimentos que o parecer sobre as contas públicas alinha com larga cópia de informações.
Para além disso assegurar uma melhor rentabilidade aos investimentos e se consolidar a viabilidade imediata de algumas realizações, isso visa a servir uma política de estreita ligação com o desenvolvimento de outros estados aos quais prestaremos serviços que valorizam a nossa posição e dos quais receberemos, em contrapartida, compensações que vão para alem da simples paga e se medirão em resultados construtivos que excedem os índices reflectidos na balança de pagamentos onde hoje o efeito de tais rendimentos já se faz sentir com um peso que o parecer aponta criteriosamente.
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Em África as nações civilizadoras que não queiram demitir-se da sua missão não podem deixar de tender a estruturar um verdadeiro bloco que, respeitando a soberania própria a cada um, melhor defenda a soberania de todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Oferecendo a nossa comparticipação ao progresso dos estados vizinhos, recolheremos benefícios directos para a vida de Moçambique e integramo-nos na realização de objectivos que vêm a servir, por vias paralelas, o nosso propósito de progredir duràvelmente e em paz.
A esse objectivo se dirigiu, em larga medida, o Plano de Fomento que se encontra em execução e a ele se terá de dirigir, do mesmo modo, o Plano de Fomento que se prepara.
É essa a orientação que resulta da ponderação do parecer sobre as contas públicas e são esses, igualmente, os meus votos.
Neste meu apontamento ao parecer sobre as contas públicas do ultramar relativas a 1955 preferi ater-me à exposição dos objectivos fundamentais a que não pode deixar de subordinar-se, em meu entender, a nossa política ultramarina no que toca às grandes províncias de África. Deixei, assim, sem menção expressa o estudo dos dados de apreciação que o parecer esgotantemente contém e que o seu relator tão criteriosamente comenta, com particular desenvolvimento, para o caso de Moçambique.
Afigurou-se-me que seria útil procurar estabelecer e fundamentar o sistema de coordenadas em relação ao qual haveríamos de apreciar a orientação governativa que se vem seguindo e de ponderar as sugestões que no parecer se formulam.
Disso me procurei ocupar com a generalidade imposta pelas características deste meu apontamento. E à luz desses objectivos que enunciei julgo poder concluir que a actuação governativa, que tem o seu espelho nas contas, se conduziu por forma a estruturar bases sólidas para uma obra que vai sendo erguida com firmeza, mas que urge revigorar em ritmo que acompanhe a premência de se alcançar a realização do fundamental objectivo de ocuparmos densamente os nossos territórios de África.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tivemos anos decisivos em que temos de redobrar de esforços e de retirar o melhor rendimento dos meios que se encontrem ao nosso dispor.
Perseverando no ritmo da nossa vocação ultramarina, havemos de ter a decisão de nos dirigirmos, com prioridade sobre o mais, para a realização de um programa em que pertencerá ao Estado criar as condições básicas para o desenvolvimento das iniciativas privadas que poderão conduzir pela forma mais económica, rápida e eficiente os pólos de atracção para a entrada nesses territórios dos milhares de portugueses que não encontram possibilidades de absorção remuneradora nos limites da metrópole, mas ali poderão ter largo campo para a sua actividade.
Como aqui já foi referido insistentemente, é no ultramar que se encontra a solução para muitos dos nossos mais sérios problemas e é ali que se carece de os enfrentar numa visão nacional em que a escala das perspectivas não tem equivalência nos padrões de medida que na Europa são correntes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tive ensejo de referir, há um ano, as linhas de acção que nesse sentido importa ver seguidas, e só não volto a repeti-las porque as encontro criteriosamente apontadas no parecer sobre as contas públicas do ultramar com uma coincidência de directrizes que resulta, afinal, de a apreciação ter incidido sobre as mesmas bases e as intenções da realização serem as mesmas.
Conduzindo o Plano de Fomento em estudo para uma decisiva acção impulsionadora do desenvolvimento do ultramar português - hierarquizando a realização dos investimentos para deles obter a melhor rentabilidade com vista aos objectivos apontados -, rasgaremos perspectivas animadoras para o futuro.
E Portugal, corporizando em África a sua vontade realizadora, poderá efectivamente ser, no seu todo, uma grande e próspera nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Sr. Presidente: breves, mesmo muito breves, vão ser as palavras que desejo proferir para dar satisfação, até certo modo, ao imperativo da minha consciência.
Desejo felicitar o Governo, e de um modo especial o Sr. Ministro das Finanças, por, na sequência da rota traçada desde os alvores da Revolução Nacional, haver mantido o preceito constitucional do equilíbrio das Contas Gerais do Estado durante o ano de 1955, transitando ainda um saldo de 31:170.407$60 para o exercício seguinte.
Desejo também felicitar o nosso ilustre colega Eng. Araújo Correia por mais este seu trabalho exaustivo, constituído pelos relatórios que acompanham as contas, em apreciação, da metrópole e do ultramar, documentos preciosos, que avolumam os tão reconhecidos como elevados méritos do seu insubstituível relator.
Da sua leitura não se fica com uma impressão pessimista, mas fica-se, antes, com uma esperança maior, com a certeza, mesmo, de que, apesar do panorama mundial, temos fortes possibilidades de prosseguir e acelerar o ressurgimento nacional, que nos últimos anos muito se tem acentuado.
Não temos - é certo - andado tão depressa quanto desejariam muitos dos Portugueses, sobretudo os mais novos, que não conheceram os esforços heróicos despendidos para salvar a Pátria, prestes a afundar-se, mergulhada na ruína e na vergonha.
«Salvem a Pátria!» - foram as últimas palavras de Sidónio, ferido de morte pelas balas assassinas dos sicários apostados em perdê-la.
E se não temos andado muito depressa foi não só porque se optou, desde o início, por uma evolução lenta, em vez de uma revolução violenta, e houve primeiro que desbravar o terreno, condição essencial para podermos avançar agora com mais segurança, livres dos liames que nos prenderiam se caminhássemos à improvisa, com os fracos meios disponíveis.
Presentemente, criadas novas condições, desfeitos os maus agoiros dos velhos do Restelo, já sentimos a juventude de Portugal irrequieta, quase irreverente, cheia de coragem e disposta para novas arrancadas, crente de que - se quisermos - poderemos estar à altura de beneficiar dos novos horizontes que as descobertas dos tempos modernos permitem visionar.
Mas, cuidado! Nada de ilusões: contrariamente àquilo que nos prometem certos filósofos ou idealistas, o Paraíso não é deste mundo!
Os acontecimentos têm-se encarregado de os desmentir, quer se pense em Kant ou Engels, Lenine e quejandos, quer na Carta do Atlântico, que nos fala duma
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paz e que garantirá a todos os homens, em todos os países, poder viver toda a vida ao abrigo do medo e da miséria».
Todavia, as doutrinas racionalistas são aliciantes, tão tentadoras e demoníacas que se prestam a tentar os mais bem formados, como Satanás procurou tentar o próprio Cristo no deserto, consoante ainda há poucas semanas nos recordava a Igreja.
Com vários disfarces se procura enganar os incautos, voltando a panaceia dum estado universal a constituir um meio de os iludir, esquecendo-se de que afinal o Mundo poderia transformar-se numa prisão, donde não teriam saída os amantes das liberdades essenciais, destruída a ordem natural das coisas e o seu direito natural.
Mas, Sr. Presidente, se não podemos aspirar a tal paraíso terrestre - aliás, perdido desde o começo do Mundo -, devemos procurar minorar a sorte dos mais desprotegidos, e aqui quero juntar a minha voz à de quantos e tão brilhantemente têm pugnado, nesta tribuna, por tais princípios. Neste ponto todos estaremos de acordo.
E, assim, ao verificar que as receitas ordinárias do Estado continuam a exceder as despesas da mesma natureza em mais de 1 milhão de contos em anos sucessivos, ultrapassando mesmo 1 200 000 contos no ano de 1955, sinto que é possível cuidar cada vez mais de melhorar a sorte dos menos favorecidos, quer se trate de servidores do Estado, quer dos próprios serviços, quer das terras ou das suas gentes, procurando dar-lhes satisfação naquilo que é razoável ou que a própria justiça social impõe.
Nesta ordem de ideias, vou terminar - pois prometi ser muito breve - fazendo um apelo ao Governo no sentido de que intensifique a sua política de protecção aos fracos ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... estando no meu pensamento toda uma política que crie condições que lhes permita singrar na vida, com menos dificuldades, com mais alegria, toda unia política de ensino nos seus diferentes graus - base do progresso e do aumento de nível de vida -, sem deixar de aperfeiçoar os serviços de saúde e de assistência, de reforçar a construção das casas económicos, os subsídios e tudo quanto constitua melhoramentos rurais, etc.; que se intensifique, portanto, toda essa política de satisfação, das necessidades essenciais dos povos, que o Governo muito bem conhece e tem realizado - embora um tanto timidamente -, pelo que me dispenso de insistir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas uma necessidade há para a qual desejo solicitar a melhor atenção do Governo, já que não tem sido destacada e pode ser atendida, dadas as crescentes possibilidades orçamentais.
Quero referir-me a certos problemas dependentes do Ministério da Justiça que carecem de revisão.
Povos há, Sr. Presidente, que têm sede de justiça, e, embora ela não seja deste mundo, desejam-na tão perfeita quanto os homens a possam distribuir!
Povos há que numa hora de austera compressão de despesas foram privados dos seus privilégios, foram privados das suas comarcas e viram-se forçados a percorrer longas distâncias para alcançarem as sedes das vizinhas comarcas a que ficaram adstritos e a suportar encargos tais de deslocação e outros que os obrigam a desistir de recorrer aos tribunais.
Povos há que viram as suas comarcas transformadas em julgados municipais onde a justiça, por vezes, anda ... ia a dizer: anda a pedir justiça!
Ouve-se falar tanto em reforma dos serviços de justiça que, Sr. Presidente, julgo chegada a hora de se rever este magno assunto, que constitui o problema inadiável para os povos atingidos, a ponto de, por mais vultosos que sejam os benefícios por eles auferidos do Estado Novo, continuam magoados e nunca esquecem que foram privados duma regalia essencial - a da boa justiça!
Se há julgados em que, por enquanto, ainda se não justifica a restauração das respectivas comarcas, outros ia que se desenvolveram por tal forma que, devido ao seu movimento crescente, aquela restauração se impõe.
Aqui também não podemos estar parados! E por isso, Sr. Presidente, para eles peço justiça e confio em que justiça lhes será feita - as suas comarcas serão restauradas com a urgência que o caso requer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: em face da importância do problema em debate e da extensão que abrange, vou procurar ser breve, limitando-me apenas a focar alguns aspectos restritos.
Em primeiro lugar desejo render as minhas homenagens ao nosso colega engenheiro Araújo Correia, relator do parecer das Contas Gerais do Estado de 1955, agora em discussão, e onde, mais uma vez, o seu espírito estudioso, aliado a uma alta competência técnica, evidencia a sua larga experiência, observando atentamente os problemas fundamentais da vida da Nação. Neste parecer os vários sectores da vida nacional são comentados com uma realidade e objectividade que impressionam. As orientações que define e as directrizes que aponta constituem valiosa contribuição para o estudo daqueles problemas.
É de notar a forma como está focado o problema agrícola, considerando alguns dos seus aspectos mais salientes. Há que considerar a dispersão da propriedade e o seu excessivo parcelamento, nuns casos e noutros a sua concentração demasiada, bem como o sistema de exploração pelo proprietário por arrendamento ou em parceria, a influir no progressivo e regular aproveitamento da terra. São aspectos que exigem uma observação atenta, mas, pela complexidade de que se revestem, não são fáceis de solucionar.
A par das medidas que, directa ou indirectamente, conduzam ao emparceiramento das propriedades e as facilidades de crédito para realizar os melhoramentos necessários à sua conveniente exploração, deve ser prestada à lavoura uma larga assistência técnica, com o objectivo de aumentar a produtividade e melhorar os rendimentos. É este o propósito do Governo, mencionado na Lei de Meios para 1957. Os trabalhos de vulgarização devem apoiar-se nas estações ou postos agrários e zootécnicos instalados nas diferentes regiões agrícolas, onde se deve proceder aos ensaios de adaptação de plantas e de animais, à experimentação de adubações e aos tratamentos destinados a combater as doenças e pragas das plantas e dos animais.
Estas estações ou postos devem trabalhar em estreita relação com os estabelecimentos de investigação agronómica e zootécnica, dentro dum programa devidamente ordenado, de fornia a tirar-se o melhor rendimento das despesas realizadas com os serviços, que, para serem eficientes, terão de ser necessariamente elevados.
(Reassumiu a presidência o Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).
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E apreciarei o esforço desenvolvido noa últimos trinta anos para incrementar a produção agrícola.
Em 1939 o coronel Linhares de Lima levou a efeito, com pleno sucesso, a Campanha do Trigo, onde os técnicos exerceram uma importante acção vulgarizadora. Em 1930, sendo Ministro da Agricultura o Dr. Rafael Duque, foram reorganizados os quadros, criada a Estação Agronómica Nacional e nos serviços de investigação, de experimentação e de assistência técnica foi realizado o ajustamento necessário a uma actuação continuada.
O Decreto-Lei n.º 8o 993, de 23 de Novembro de 1946, concedendo facilidades de crédito para a realização de melhoramentos agrícolas, veio beneficiar consideràvelmente as explorações agrícolas particulares.
Em 1933, com a execução do Plano de Fomento, prosseguem as obras do hidráulica agrícola e de repovoamento florestal, na continuação dos trabalhos da mesma natureza executados ao abrigo da Lei n.º 1914, de 24 de Maio de 1935, conhecida pela designação de Lei de Reconstituirão Económica.
Os terrenos beneficiados pelas obras de hidráulica agrícola viu-se transformando, com maior ou menor rapidez, consoante as circunstâncias, e a sua adaptação ao regadio vai evolucionando no sentido favorável.
Para o novo Plano de Fomento, como já foi anunciado pelo Exmo. Ministro das Obras Públicas, está previsto o plano de rega. que abrange 150 000 ha, do Alto e Baixo Alentejo, e está calculado que para a sua execução em seis anos será necessário despender anualmente 250 000 contos. E uma obra de grande projecção e que vai revolucionar a agricultura duma vasta região do País, aumentando a produção de alimentos e proporcionando maior aplicação de mão-de-obra.
Na execução do respectivo projecto, e como elemento valioso de estudo, têm os serviços do plano de fomento agrário prestado uma contribuição muito importante.
Sr. Presidente: os trabalhos de investigação, experimentação e divulgação agrícola são por natureza demorados, a sua acção é lenta, dilui-se no tempo, de modo que, muitas vezes, não nos chegamos a aperceber do longo caminho já percorrido.
Sendo os efeitos lentos, torna-se indispensável assegurar uma continuidade aos serviços e um perfeito enquadramento dos diversos sectores, para evitar que muitas experiências se percam e por vezes trabalhos valiosos não cheguem até ao fim.
É grande o esforço realizado e são consideráveis os progressos obtidos, mus devemos olhar em frente e, com a preocupação do muito que ainda falta fazer, precisamos de apetrechar melhor os serviços e ajustá-los às circunstâncias actuais.
Precisamente porque a obra é demorada, não podemos perder tempo.
Como complemento indispensável dos serviços de vulgarização torna-se necessário incrementar o ensino agrícola elementar v com índole prática». E de salientar o interesse que aos Exmo. Ministro e Subsecretário da Educação Nacional merece este problema, como já foi anunciado em afirmações públicas, estando o director-geral do Ensino Técnico empenhado no seu estudo. Não é tarefa fácil, mas creio que a sua realização em termos eficientes poderá resultar da colaboração efectiva dos organismos agrícolas regionais do Ministério da Economia. A formação de bons profissionais agrícolas, com uma educação orientada no sentido prático ajustado às diferentes regiões agrícolas, poderá dar frutuosos resultados.
Também são de preconizar os cursos de férias de iniciação agrícola para professores primários, os quais poderão ser valiosos agentes divulgadores de noções importantes para o aperfeiçoamento da técnica agrícola e prestar, através da escola, uma importantíssima colaboração.
Sr. Presidente: em vários passos do parecer das coutas, quer no que se refere à metrópole, quer no que respeita ao ultramar, observam-se os inconvenientes que resultam da dispersão de serviços. Em relação ao Ministério da Economia, desejava fazer sentir a necessidade de se proceder ao indispensável ajustamento dos. serviços das direcções-gerais com os correspondentes dos organismos de coordenação económica, procurando uma colaboração efectiva, definindo funções e atribuições, evitando duplicações de serviços, laboratórios e outras instalações e promovendo o melhor aproveitamento do pessoal, numa actuação de conjunto mais eficiente e menos dispendiosa.
Os organismos de coordenação económica foram criados, à medida que as circunstâncias aconselharam, para enfrentar determinados problemas. A sua acção foi muito útil e são incontestáveis os seus benefícios. Porém, com a resolução duma grande parte dos seus objectivos, é necessário proceder à sua revisão e o seu número poderá ser reduzido, mantendo aqueles julgados indispensáveis, devidamente reorganizados, com uma estrutura adequada às novas funções.
Sr. Presidente: o parecer das Contas Gerais do Estado de 1955, como já sucedeu no último ano, abrange a metrópole e as províncias ultramarinas. Dentro do mesmo espírito, referir-me-ei, embora sumariamente, às coutas da Junta Geral do Distrito do Funchal, por constituírem receita deste corpo administrativo algumas das contribuições e impostos que no continente são arrecadados pelo Estado, os quais se destinam a cobrir as despesas com a manutenção dos serviços que lhe estão cometidos.
No ano de 1955 a receita ordinária totalizou 49 631 contos e a receita extraordinária 12 887 contos.
Na receita ordinária, a maior importância resulta da contribuição industrial (16418 contos), seguida da contribuição predial (9885 contos). Além destas, as mais importantes são a» taxas e rendimentos dos diversos serviços e bens próprios (7376 contos), os direitos e taxas de salvação nacional (3535 contos), o imposto sobre a aplicação de capitais (2296 contos) e os reembolsos, reposições e dívidas activas (2289 coutos).
A receita extraordinária é constituída, em grande parte, pelos subsídios do Estado para obras e suplemento de vencimento e o saldo da mesma verba da gerência anterior, na importância de 5628 contos.
A despesa ordinária totalizou 44 660 contos e a extraordinária 12 673 contos.
Nas despesas, as verbas mais elevadas são as destinadas à educação e cultura, que na sua totalidade foram de 12 757 contos, ou seja cerca de 26 por cento da receita ordinária. A verba mais importante respeita ao ensino primário (8772 contos), a qual ainda vai tomar maior vulto nos próximos anos, quando forem preenchidos todos os lugares das escolas criadas. Os encargos com a manutenção do Liceu, da Escola Industrial e Comercial e o ensino da música e das belas-artes, totalizaram 3985 contos.
Não estão abrangidas as despesas com a Escola Prática de Agricultura (128 contos) e os subsídios a alguns estabelecimentos de educação.
Com os serviços de saúde e assistência despenderam-se 6980 contos, dos quais 3619 com a assistência aos alienados, 1685 com a manutenção do Asilo dos Velhinhos Dr. João Abel de Freitas, 1229 com os servidos da Inspecção de Saúde e dez centros sanitários rurais e 447 com o laboratório e o centro antiparasitário,
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independentemente dos diversos subsídios concedidos a alguns estabelecimentos assistenciais. Estas despesas tendem a aumentar com o desenvolvimento destes serviços, em especial da clínica ortopédica marítima, e com a entrada em funcionamento do dispensário de higiene infantil de Câmara de Lobos. Ë de notar a importante actuação da Comissão Distrital de Assistência, subsidiando e mantendo numerosas instituições com verbas avultadas, tendo em 1955 a sua receita excedido 9600 contos.
Com as obras públicas, sector importante da administração distrital, despenderam-se 9507 contos-nos encargos do pessoal; na reparação de canais principais, ampliação da rede de rega e distribuição de água das novas e antigas levadas; na conservação de estradas; na conservação de edifícios: na reparação e canalização de ribeiras, e noutros trabalhos de menor importância.
Em construções e obras novas, incluídas na despesa extraordinária, foram gastos 10 096 coutos, dos quais 3517 na construção de estradas, 1983 no edifício da Escola Industrial e Comercial, 1547 na ampliação do campo dos Barreiros, 1526 no plano de melhoramentos de Porto Santo, 534 na ponte de Ribeira da Janela e o restante em obras de menor vulto.
Com o fomento agrário gastaram-se 3070 contos, dos quais 2413 na Estação Agrária, incluindo 128 da Escola de Agricultura e 400 da campanha de sanidade vegetal e de combate à formiga-branca, e 662 na Intendência de Pecuária, incluindo 262 despendidos com a campanha de saneamento dos bovinos leiteiros.
Nestas despesas estão considerados os trabalhos realizados no desenvolvimento dos diversos postos agrários.
Eis, em traços largos, os aspectos mais salientes da administração distrital no ano de 1955.
Sr. Presidente: a Junta Geral do Distrito do Funchal foi criada em 1901 e as suas atribuições foram consideravelmente ampliadas pelo Decreto n.º 15 805, de 31 de Julho de 1928. as quais foram definidas pelo Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, em Dezembro de 1940.
Deste sistema têm resultado importantes vantagens para o arquipélago da Madeira.
O Sr. Pedro Cymbron: - V. Ex.ª dá-me licença? Peço a V. Ex.ª para juntar também o dos Açores.
O Orador: - A autonomia administrativa de que desfruta não diminui os poderes de intervenção do Estado. Tem de actuar dentro de normas estabelecidas no plano quadrienal, que é aprovado em Conselho de Ministros, e às diferentes direcções-gerais compete dar orientação e exercer a inspecção necessária para observar a forma como funcionam os serviços respectivos.
É sempre bem recebida a orientação dos serviços centrais, e neste sentido desejo salientar, em especial, a valiosa colaboração da Junta Autónoma de Estradas e das Direcções-Gerais dos Serviços de Urbanização, dos Serviços Hidráulicos, dos Edifícios s Monumentos Nacionais, dos Serviços Pecuários, dos Serviços Agrícolas, da Assistência, do Ensino Primário e dos Transportes Terrestres.
Uma das principais vantagens deste sistema de desconcentrarão administrativa consiste na possibilidade de os problemas locais serem equacionados em conjunto, permitindo estudar as soluções mais convenientes, seriando-se depois a sua execução segundo a ordem de preferência.
Os mesmos serviços, passando da Junta Geral para dependerem directamente da administração central, dispersam-se e, em regra, o seu custo é mais elevado. Na administração local há uma fiscalizarão directa, e a economia do conjunto é maior, na medida em que permite utilizar em comum uma grande parte de pessoal, material e instalações.
Aplicam-se a este respeito as muito judiciosas observações de Ch. Antoine no Curso de Economia Social, acerca das comunas em França:
A autonomia comunal é efectivamente, reclamada para o bem comum da sociedade. Eis aqui as principais razões em favor deste direito:
1.º Os conselhos locais conhecem melhor que a secretaria dum ministério os interesses da comuna e a oportunidade das medidas que há a tomar;
2.º A responsabilidade que pesa sobre as autoridades locais é mais efectiva e oferece, por conseguinte, garantias mais sérias;
3.º Os trabalhos decretados e executados directamente pela comuna realizam uma séria economia, pela supressão dos intermediários; evitam a interminável lentidão e a papelada que inunda a administração central.
Recentemente, com as aluviões de 3 de Novembro, que atingiram fortemente os concelhos de Machico e de Santa Cruz, foi possível à Junta Geral, em virtude da autonomia administrativa de que desfruta, acudir imediatamente às populações sinistradas, reparando os estragos segundo a urgência que demandavam e restabelecendo as comunicações com a possível prontidão. Na continuação destes trabalhos foram observadas as indicações dos técnicos da Junta Autónoma de Estradas e da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, que para este fim se deslocaram àquela ilha, por determinação do Exmo. Ministro das Obras Públicas, o que imediatamente se inteirou da extensão do desastre e deu indicações a Junta Geral sobre a forma de procedei. Posteriormente aquele corpo administrativo ficou autorizado pelo Decreto-Lei n.º 41 028, publicado pelos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas, a receber os subsídios correspondentes às obras realizada e a contrair um empréstimo para se reembolsar das verbas despendidas, podendo assim prosseguir com os outros trabalhos donde estas importâncias haviam sido transferidas.
Sr. Presidente: embora ligeiramente, não queria deixar de fazer uma breve apreciação à situação económica do arquipélago da Madeira, quer em relação às importações e exportações, quer ao movimento em regime de cabotagem com o continente e os Açores.
A balança comercial referente à Madeira denuncia um saldo negativo em 1952, positivo de 1953 a 1955 e novamente negativo - com menos J089 contos - em 1956.
(Em milhares de escudos)
(Ver tabela na imagem)
Se discriminarmos as mercadorias importadas e exportadas segundo as classes da pauta, temos o quadro que segue.
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(Ver tabela na imagem)
Observamos que, apesar de terem aumentado as exportações, se verifica no ano de 1956 um pequeno déficit, que resulta principalmente do aumento de substâncias alimentícias. Deve-se em especial ao trigo, que neste ano não foi enviado do continente, pelo que, sendo importado do estrangeiro, deu uma considerável diferença. Ë de notar que nestes mesmos anos a importação de óleo combustível para a produção de energia eléctrica diminuiu consideràvelmente, em virtude dos aproveitamentos hidroeléctricos realizados.
Assim: em 1951 para um consumo de 5 600 000 kWh gastaram-se 2 300 000 l de óleo, que custaram 3178 contos; em 1953, com a entrada em serviço das centrais Salazar e Eng. José Frederico Ulrich, a distribuição de energia eléctrica aumentou para 6 190 000 k Wh e a economia de combustível, correspondente à energia de proveniência hidráulica, foi de 2167 contos; em 1954 o consumo foi de 7 667 000 kWh e a economia correspondente elevou-se a 4152 contos; em 1955 9 064 000 kWh e 4902 contos, e em 1956 10 682 000 kWh e 5749 contos.
O aumento da exportação de tecidos revela uma melhor posição da indústria de bordados. E de notar a influência favorável da actuação do respectivo grémio na defesa da qualidade e na disciplina deste comércio.
Se formos verificar a variação da importação e da exportação em relação a territórios de origem ou de destino, observa-se que a diminuição das importações e o aumento das exportações se revelam em relação aos países não participantes.
Os saldos, por territórios estatísticos, de 1953 a 1956 são os do seguinte quadro:
(Em milhares de escudos)
(Ver tabela na imagem)
A diferença para menos observada em 1956 no saldo das trocas com os países não participantes resulta da maior importação de trigo dos Estados Unidos.
Podemos observar o movimento de entradas e saldas, por cabotagem, do continente e Açores (em conjunto) no quadro seguinte:
(Ver tabela na imagem)
O saldo é sempre negativo e a diminuição que sofreu em 1956 resulta de terem sido reduzidas as remessas de trigo.
O maior valor das saídas refere-se às remessas de banana e, em menor escala, vimes, vinho e outros artigos, e nas entradas figuram os tecidos, vários produtos alimentares (tais como arroz, azeite e trigo) e também alguns materiais de construção (como cimento e ferro).
Nota-se uma grande diferença no movimento de cabotagem, e os 151 287 contos a menos são compensados pela entrada de invisíveis, em especial a remessa de dinheiro dos emigrantes e o turismo.
São de aplicar inteiramente à Madeira as considerações que o relator do parecer das contas faz sobre o turismo, e, para não me alongar, apenas direi que, quanto à Madeira, é fundamental para o seu desenvolvimento assegurar em condições regulares as comunicações marítimas e aéreas.
Um factor importante a atender é a remessa de dinheiro pelos emigrantes. A emigração continua a ser par» a ilha da Madeira uma necessidade, devido ao excesso demográfico. Chegou a ser exagerada nos anos de 1952 a 1954, excedendo nestes anos o saldo fisiológico; porém, em 1955 já foi mais limitada, como podemos observar no seguinte quadro:
(Ver quadro na imagem)
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A emigração para o Brasil tem diminuído; o maior contingente em 1955 dirigiu-se para a Venezuela.
Os Madeirenses emigram para todos os cantos do Mundo e a sua presença é sempre estimada, dadas as qualidades de trabalho e de disciplina que revelam. Tem sido preconizada a conveniência de canalizar os emigrantes madeirenses para as nossas províncias ultramarinas, estando indicados para ocupar os terrenos dos novos aproveitamentos hidroagrícolas, dada a sua experiência em culturas regadas.
Presentemente está o Ministério do Ultramar empenhado em seguir esta orientação, e já tem em curso, devidamente organizada pela Junta da Emigração, uma remessa de vinte e cinco famílias, tendo, pelo menos, dois filhos varões com idade superior a 10 anos, destinadas ao colonato do Cunene, sendo-lhes facultada casa e determinada área de terreno para cultura, uma parte de sequeiro e outra de regadio.
Esperamos que sejam bem sucedidos e que o exemplo frutifique.
Temos o exemplo dos duzentos e vinte e dois madeirenses que em J884 se dirigiram para o planalto da Huíla, que colonizaram e ocuparam, fundando depois a cidade de Sá da Bandeira, hoje em pleno desenvolvimento.
Como preito de homenagem e admiração por este punhado de heróis da ocupação, dirijo neste momento a minha atenção para Jacinto Rodrigues Figueira, que fez parte do primeiro contingente e faleceu recentemente, com a idade de 91 anos.
É de salientar que muitas famílias sem recursos poderiam deste modo, com a protecção oficial, ser deslocadas para as nossas províncias ultramarinas, em especial Angola e Moçambique, onde têm vasto campo para actuar. São precisamente as mais pobres que precisam de emigrar, mas não o podem fazer porque a emigração também custa dinheiro.
O parcelamento excessivo da propriedade e a sua pulverização, conjugados em muitos casos com o regime de exploração, são factores que dificultam a obtenção de melhores rendimentos agrícolas. Seria de toda a conveniência facilitar o acesso à propriedade das terras que cultivam quando os senhorios as desejem vender nas condições definidas no Decreto-Lei n.º 40 045, de 22 de Janeiro de 1955.
Sr. Presidente: o regime sacarino da Madeira precisa de ser revisto e actualizado em face das circunstâncias actuais:
Estabelecendo o condicionamento da cultura da cana de açúcar, de modo a acabar com o licenciamento autorizado pela Alfândega do Funchal, podendo a substituição ou renovação dos canaviais fazer-se livremente e em condições que melhor se coadunem com os hábitos do agricultor e correspondam às condições naturais desta cultura.
Seguindo uma política de preços do açúcar de acordo com as aplicações que se pretendam estimular, dentro do que determinam as disposições legais.
Não permitindo o fabrico de álcool em quantidades t fio elevadas como o tem sido nos últimos anos, estabelecendo-se preços diferentes, consoante as suas aplicações, sendo reservado para o álcool desnaturado um preço favorável.
Promovendo a beneficiação e envelhecimento de aguardente de cana e a constituição de reservas.
Não limitando o fabrico de mel de cana e, possivelmente, estimulando a sua preparação por meio de cooperativas. Este fabrico poderia ser um derivativo interessante para a produção sacarina do Norte da ilha.
Quanto aos inigualáveis vinhos, da Madeira, de reputada fama mundial, é necessário defender eficazmente a sua qualidade.
Sr. Presidente: são consideráveis os benefícios que tem recebido o arquipélago da Madeira nestes últimos trinta anos: as grandes obras dos aproveitamentos hidráulicos, alargando os benefícios da rega e generalizando a distribuição de energia eléctrica aos meios rurais; os melhoramentos rurais, estradas e caminhos municipais e abastecimento de água potável; alargamento da rede de estradas nacionais, etc.
É de assinalar o apoio decidido do Governo, e em especial dos Exmos. Ministros do Interior e das Finanças, que permitindo melhorar a situação financeira da Junta Geral, procuram habilitar este corpo administrativo a prosseguir nas tareias que lhe estão confiadas, e em especial a de dar ao ensino primário Ião grande impulso.
Estão em realização as grandes obras do porto do Funchal, que importam em 160 000 contos, para as quais a Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira contribui com 38 000 contos. Pelos benefícios que delas se esperam e pelo muito que se esforçaram para as tornar realidade, são credores do nosso reconhecimento o Exmo. Ministro das Obras Públicas, Sr. Eng. Arantes e Oliveira, e o governador do Funchal, Sr. Comandante Camacho de Freitas.
Ao Exmo. Ministro das Comunicações, Sr. General Gomes de Araújo, que, através de longo estudo, realizou o concurso e celebrou o contrato com a Companhia Shell Portuguesa para o abastecimento de óleos ao porto do Funchal e que está empenhado nos estudos e trabalhos em curso para a construção do aeródromo, hoje considerada a obra fundamental para o desenvolvimento turístico da Madeira, também manifestamos o nosso reconhecimento.
Sr. Presidente: ao apreciar as Contai Gerais do Estado de 1955, que mais uma vez revelam a boa orientação financeira e administrativa instituída pelo Prof. Doutor Oliveira Salazar, a quem devemos a atmosfera de paz de progresso e de prestígio e a possibilidade de dar vida às grandes realizações que estão a revolucionar Portugal, prestamos respeitosa homenagem ao seu enorme esforço e ao trabalho insano e heróico de todas as horas, nestes longos trinta anos, que só podem ter como lenitivo o reconhecimento e a gratidão de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentada.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito.
Dou, pois, o debate como encerrado.
Vai ler-se a proposta de resolução sobre as Contas Gerais do Estado, da metrópole e das províncias ultramarinas, do 1955.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de resolução
Tenho a honra de submeter à Assembleia Nacional as seguintes bases de resolução:
A) Quanto à metrópole:
1) A cobrança das receitas públicas durante a gerência decorrida entre 1 de Janeiro e
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31 de Dezembro de 1955 foi feita de harmonia com os termos votados pela Assembleia Nacional.
2) As despesas públicas, tanto ordinárias como extraordinárias, foram efectuadas nos termos da lei.
3) O produto de empréstimos teve a aplicação estatuída no preceito constitucional.
4) Foi mantido durante o ano económico o equilíbrio orçamental, como dispõe a Constituição, e é legítimo e verdadeiro o saldo de 31:170.407$60 apresentado nas contas respeitantes a 1950.
B) Quanto ao ultramar:
A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento da declaração de conformidade, segundo os termos do acórdão do Tribunal de Contas, e do exposto no parecer da Comissão das Contas Públicas, resolve dar a sua aprovação às contas das províncias ultramarinas.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 26 de Abril de 1957. - O Deputado, José Dias de Araújo Correia.
O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se agora a proposta de resolução sobre as contas da Junta do Crédito Público de 1950.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de resolução
A Assembleia Nacional, considerando que durante a gerência de 1955 a política do Governo em relação à dívida pública fundada respeitou escrupulosamente os preceitos da Constituição e das leis, continuou a revelar um alto critério administrativo e a prestigiar o crédito do Estado, mostrando-se assim a mais proveitosa e conveniente aos superiores interesses do País, dá a sua plena aprovação às contas apresentadas relativas à mesma gerência.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 25 de Abril de 1957. - O Deputado, João Luís Augusto das Neves.
O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Como a Câmara vai encerrar os seus trabalhos e há propostas que ficam dependentes de última redacção, julgo interpretar os sentimentos desta Câmara exprimindo à Comissão de Legislação e Redacção um voto de confiança para que lhes dê a sua redacção definitiva.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: ao encerrar esta última sessão da legislatura, apresento a VV. Ex.ªs os meus comovidos cumprimentos de despedida e com eles os agradecimentos sinceros pela boa vontade que sempre puseram em facilitar a delicada missão da presidência.
Desta convivência de quatro anos guardarei a mais grata das recordações: do espírito de perfeita camaradagem, tolerância e respeito por todas as opiniões sinceras; dos propósitos de bem servir a Nação.
Tem a aridez da vida pública as suas compensações; para mim a maior, a mais apreciável, a que mais prezo, é sentir o testemunho da consciência própria, corroborado pelo reconhecimento geral do País, sobretudo das suas elites políticas, de que a nossa acção se inspirou nos mais puros propósitos e nas mais desinteressadas intenções.
Ora eu sinto que me fica a acompanhar a justiça do vosso julgamento. O meu é o de que a Assembleia Nacional prestou ao País e ao Regime, e dentro dos limites constitucionais e do nosso condicionalismo político, o inestimável serviço dum controle político que não se aprecia apenas pelo que ela criticou, mas pelo que ela, porventura, evitou.
Os regimes políticos modernos suo cada vez mais regimes de opinião. Se se alarga afanosamente o campo da cultura, se ela se democratiza constantemente e tende a universalizasse, parece lógico prever-se que o interesse pelas coisas públicas seja cada vez mais geral e mais forte - e mais. premente sobre o Poder.
Assim, creio que a existência de grandes assembleias políticas como representação da Nação é indispensável em qualquer regime político de hoje em dia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Organizá-las por forma que sejam, quanto possível, a expressão da Nação em todos os seus aspectos - espirituais, morais e materiais -, não desbordem sobre as atribuições do Governo, nem descambem na agitação e na discórdia é todo um problema delicado de direito político.
Penso que evitámos durante a legislatura os mais graves inconvenientes apontados. Mais, talvez, por mérito vosso do que pela virtude intrínseca da instituição, sujeita, como todas, ao pendor inelutável dos movimentos passionais colectivos.
Porque assim o penso, quero finalizar estas brevíssimas palavras com a afirmação da minha consideração por todos e cada um de vós e da consoladora certeza de que, regressando a esta Casa ou ligados às vossas obrigações privadas, vós guardareis o mesmo ânimo de bem servir o País; e, porventura, uma ou outra vez aflorará na memória do vosso coração alguma reminiscência simpática do vosso presidente, que, aliás, quis ser apenas vosso colega e amigo e amigo quer continuar a ser ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - ... por todos os dias da sua vida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: não ficaria de bem comigo se, depois de ouvir as palavras que V. Ex.ª acaba de proferir, não dissesse que as perfilho no que respeita ao conceito que nelas se exprimiu desta Assembleia.
Como para V. Ex.ª. é motivo de grande contentamento para mim a excelente camaradagem que todos tivemos durante estes quatro anos, camaradagem que não exclui a liberdade de afirmação por cada um da sua própria opinião.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quero aderir às palavras expressas por V. Ex.ª e com V. Ex.ª levar a convicção de que todos
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saímos amigos, com boas recordações um dos outros, como sempre fomos aqui.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Também quero, Sr. Presidente - e agora permito-me afirmar que estou a interpretar o sentimento profundo da Assembleia -, endereçar a V. Ex.ª as nossas mais respeitosas saudações por ser quem é e pela maneira como sempre soube e quis conviver connosco.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Disse V. Ex.ª que preferiu mostrar-se sempre nosso colega e nosso amigo, antes do que nosso presidente.
Eu queria, Sr. Presidente, concluir estas poucas palavras dizendo que realmente conseguiu ser um presidente à altura dessa cadeira, sem nunca ter deixado de ser nosso amigo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Benevolência, autoridade, uma ou outra vez a rigidez necessária; mas, mesmo quando teve de utilizar a tal rigidez necessária, não deixou de o fazer com a bonomia amiga de um homem que trata com amigos.
Todos sabem que não se podia encontrar quem dirigisse melhor os trabalhos desta Assembleia, que não podia encontrar-se quem tratasse melhor os homens que a compõem do que V. Ex.ª os tratou. Pois, Sr. Presidente, é isto que eu, em meu próprio nome e em nome de todos, tenho empenho em afirmar a V. Ex.ª
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 40 minutos.
Sr. Deputado que entrou durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Sr s. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Joaquim de Sousa Machado.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL m LISBOA