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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 71
ANO DE 1959 13 DE FEVEREIRO
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 71 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 12 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Martinho da Costa Lopes
Nota. - Foram publicados os seguintes suplementos ao Diário das Sessões: dois ao n.º 64, inserindo o 1.º o relatório das contas de gerência e exercício das províncias ultramarinas de 1957 e o 2.º o aviso convocatório para reabertura da Assembleia Nacional no dia 9 de Dezembro; três ao n.º 70, inserindo o 1.º o texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, acerca do decreto da Assembleia Nacional sobre a autorização das receitas e despesas para 1959, o 2.º o aviso t/u interrupção dos trabalhos da Assembleia Nacional desde o dia l1} de Janeiro até ao dia 11 de Fevereiro, inclusive, e o 3.º o aviso convocatório para a reabertura da Assembleia Nacional no dia 12 do corrente mês.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 17 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 70 com uma rectificação proposta pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
eu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou terem sido recebidos, durante o interregno parlamentar, elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Augusto Simões em sessão de 24 de Outubro passado; pelo Ministério da Justiça, em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Paulo Cancella do Abreu em sessão de 31 desse mês; pelo Ministério da Economia, em satisfação do requerimento do Sr. Deputado António Lacerda em sessão de 21 desse mesmo mês, e pelo Ministério das Corporações, em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Júlio Evangelista em sessão de 5 de Fevereiro de 1958.
Foram entregues a estes Srs. Deputados oportunamente.
Foram recebidas na Mesa as contas da Junta do Crédito Público relativas à gerência, de 1957, que vão faixar à Comissão de Contas Públicas e serão publicadas no Diário das Sessões:
Enviados pela Presidência do Conselho, foram recebidos na Mesa vários números do Diário ddo Governo, inserindo diversos decretos-leis, para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
Receberam-se também na Mesa os elementos referidos em sessão de 24 de Outubro passado pelo Sr. Deputado Morai» Sarmento, que foram entregues àquele Sr. Deputado.
Foi igualmente recebido na Mesa um oficio da 1.ª vara cível de Lisboa pedindo autorização para o Sr. Deputado Avelino Teixeira da Mota depor como testemunha, o que foi autorizado.
Foi negada autorização para o Sr. Deputado António Jorge Ferreira depor como testemunha no tribunal de Pombal.
Pela Presidência do Conselho foram remetidas à Mesa duas propostas de lei, uma relativa à nacionalidade portuguesa e outra ao Fundo Piscicola nas Aguas Interiores do Pais. A primeira, baixará às Comissões de Legislação e Redacção e Negócios Estrangeiros e a segunda às Comissões de Economia e de Política e Administração Geral e Local.
Igualmente foi entregue na Mesa uma proposta de lei respeitante ao plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa, que segue para a Câmara Corporativa para obtenção do respectivo parecer, baixando, entretanto, às Comissões de Economia, Trabalho e Previdência Social, Educação Nacional, Interesses Espirituais o Morais, Obras Publicou o Comunicações e Política e Administração Geral e Local.
Usaram da palavras Srs. Deputados Augusto Simões, para um requerimento; Urgel Horta, acerca da revisão dos vencimentos dos funcionários do Estado e sobre a questão das pensões; Costa Ramalho, sobre a recente Exposição, Comemorativa do Centenário da Rainha D. Leonor; Nunes Barata, igualmente acerca da revisão dos vencimentos dos funcionários públicos e sobre problemas de administração pública; Rodrigues Prata, para se referir a assuntos de interesse para Portalegre; Nunes Fernandes, também sobro o reajustamento dos vencimentos; José Sarmento, na mesma ordem de ideias, e Soares da Fonseca, para, em nome da Comissão de Legislação e Redacção, enviar para a Mesa uma proposta de revisão constitucional.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 6/VII, acerca do projecto de decreto-lei n.º 500 (Da nacionalidade portuguesa).
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O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Finto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 17 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 70.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: peço a palavra, para apresentar uma rectificação ao Diário em discussão.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: em virtude de a p. 160, col. 2.% 1. 24 e 37, constar ter o orador atribuído ao Governo a proposta de emenda ao artigo 4.º da proposta da Lei de Meios, a qual foi da iniciativa dos Srs. Deputados constantes da p. 154 do mesmo Diário, peço que se faça a respectiva rectificação.
O Sr. Presidente: - Será feita a rectificação que V. Ex.ª pretende.
Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação ao citado Diário, considero-o aprovado, com a rectificação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
Da Associação Lisbonense de Proprietários do seguinte teor:
«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Permita (pie a direcção da Associação Lisbonense de Proprietários, com sede em Lisboa, na Rua do Vítor Cordon, 170-A. 2.º, volte a insistir respeitosamente e chamar a douta atenção da Assembleia- para-as considerações que vimos apresentar, as quais interessam à defesa dos legítimos direitos dos proprietários
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irbanos, que, sem dúvida alguma, nos cumpre precaver:
Um novo ano vai começar.
Reabriu a Assembleia e está apreciando o projecto da proposta de lei n.º 501, que diz respeito à Lei de Meios de 1959 (publicado no n.º 30, de 22 de Novembro de 1958, das actas da Câmara Corporativa).
E, ao tratar da política fiscal, no artigo 4.º, o Governo prevê que lhe seja concedida a necessária autorização para proceder à reforma fiscal, que abrange a contribuição predial e o imposto complementar, além de outros impostos.
Ora, como é do domínio público, a propriedade urbana é certamente o ramo dos interesses privados mais onerado em Portugal, sofrendo ainda duramente as consequências da anomalia deixada de pé pela Lei n.º 2030 ao permitir a actualização das rendas antigas em todo o País, inclusive nas freguesias limítrofes das grandes cidades, e proibindo (artigo 48.º) essa actualização dentro dos dois maiores núcleos urbanos - Lisboa e Porto-, onde subsistem inúmeras rendas irrisórias relativas a casas de que os inquilinos - à sombra do direito de hospedagem que a mesma Lei n.º 2030 lhes concedeu - conseguem viver de graça, ou quase, sendo os senhorios que ainda por cima sustentam a carga fiscal e suportam os danos causados nas referidas casas pelos hóspedes.
Por isso, se esta ainda vier a ser agravada, será de elementar justiça que, simultâneamente, seja permitido, no justo equilíbrio de interesses, que se acabe com aquela anomalia e se permitam as avaliações das rendas antigas em Lisboa e Porto, tanto mais que a experiência demonstra que as comissões de avaliação têm sempre, e em todo o País, procedido com ponderação e equidade.
No mesmo projecto de lei diz-se, na alínea e) do artigo 5.º, que a isenção do imposto complementar passará a ser de 60 contos, e, na alínea f), que é estabelecido o limite máximo de 1.200$ por cada filho menor a cargo do contribuinte.
Ora, salvo o devido respeito, estas cifras não estão de harmonia nem com a desvalorização da moeda, nem com o custo da vida, nem com as despesas de educação normais por cada filho.
Uma família da classe média, e não precisa de ser numerosa, com renda de casa, vestuário, manutenção e educação dos filhos, não pode manter-se com 5.000$ por mês, ou difìcilmente o conseguirá.
Em média, estamos disso convencidos, as famílias são obrigadas a gastar bem mais; e daí a dura necessidade de a mulher, que se devia dedicar ao lar, ser obrigada a ajudar o marido, muitas vezes com prejuízo dos filhos, visto que não pode dar-lhes a devida assistência, para cumprir os seus deveres profissionais ou os deveres inerentes ao emprego a que se dedica.
Será, portanto, proteger a família elevar o limite da isenção do imposto complementar para 100.000$ e a percentagem por cada filho até 3.000$. Eis o que vimos, a bem da Nação, sugerir.
Pedimos vénia para lembrar ainda ú douta Assembleia que quaisquer agravamentos em matéria de sisa e de imposto sucessório são da maior delicadeza, pois podem dificultar as transacções, com as quais o Estado ganha tanto, e afectar também a família, que o Estado diz querer defender, sendo de esperar que as vantagens concedidas na Lei n.º 2022, de Maio de 1947, sejam alargadas pelo menos para 200.000$ ou 300.000$ por cada filho, pois a cifra de 100.000$ e, em relação ao actual valor do escudo, comparativamente com o valor de propriedade imobiliária, desproporcionado, não atingindo, portanto, o fim da protecção que deu origem a esta justa disposição legal.
Confiamos, deste modo, que a Assembleia Nacional se dignará ponderar estes e outros aspectos da melindrosa questão, ao conceder as autorizações pedidas pelo Governo em matéria fiscal, não deixando de acautelar os direitos dos contribuintes, em cujo número se conta esta massa imensa dos proprietários urbanos, que, por vezes, tantos sacrifícios têm de fazer para conservar e legar aos seus herdeiros o que herdaram ou adquiriram a sombra de tantos trabalhos e canseiras.
E finalizamos apresentando a V. Ex.ª Sr. Presidente, os protestos da nossa mais alta consideração.
Lisboa, 9 de Dezembro de 1958. - Pela Associação Lisbonense de Proprietários, o Presidente da Direcção, João Afonso Côrte-Real».
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 265, 269, 271, 273, 274, 275, 276, 278, 280, 281, 282, 284, 2, 3, 4 e 7 do Diário do Governo, 1.º série, respectivamente de 6, 12, 15, 17, 18, 19, 20, 23, 26, 27, 29 e 31 de Dezembro último e de 3, 5, 6 e 9 de Janeiro findo, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 42 049, que prorroga até 31 de Dezembro de 1959 o disposto no Decreto-Lei n.º 40 049, que permite que aos subsidiados pelo Comissariado do Desemprego presentemente ao serviço seja mantida a sua actual situação; n.º 42 013, que isenta de quaisquer impostos sobre rendimentos que sejam tributáveis em Portugal metropolitano e províncias ultramarinas de Angola e Moçambique os rendimentos da indústria de transporte marítimo ou aéreo exercido entre os referidos territórios e outros países por empresas da União Sul-Africana que se dediquem à essa indústria; n.º 42 016, que altera o quadro do pessoal docente, técnico, auxiliar e menor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e amplia de um aspirante o quadro do pessoal da secretaria da mesma Universidade; n.º 42 018, que aumenta de um oficial superior do serviço de administração militar o quadro orgânico do Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana, anexo ao Decreto-Lei n.º 33 905; n.º 42 019, que autoriza o Ministro das Finanças a conceder a isenção de direitos até 3000 t de amido produzido na província ultramarina de Angola que se destine a ser incorporado na farinha para fabrico de pão; n.º 42 021, que aprova, para ratificação, o acordo entre Portugal e o reino de Marrocos, relativo ao transporte aéreo, assinado em Rabat em 3 de Abril de 1958; n.º 42 027, que autoriza as repartições da Direcção-Geral da Contabilidade Pública a mandarem satisfazer diversas quantias em conta da verba de «Despesas de anos económicos findos»; n.º 42031, que atribui ao Ministério das Comunicações, pela Direcção-Geral de Aeronáutica Civil, a competência para efectuar a aquisição ou expropriação dos terrenos e edificações necessários às obras de ampliação do Aeroporto de Lisboa e sua adaptação as progressivas exigências dos transportes aéreos (revoga o Decreto-Lei n.º 33 520); n.º 42 034, que abre um crédito no Ministério das Finanças a favor do Ministério das Obras Públicas, destinado a ser adicionado à verba inscrita no artigo 118.º, capítulo 17.º, do orçamento respeitante ao corrente ano económico do segundo dos mencionados Ministérios; n.º 42 040, que modifica a divisão administrativa da cidade de Viseu; n.º 42 045, que altera os quadros permanentes da Armada, estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 39 073 e alterados pela Portaria n.º 16 469; n.º 42 046, que promulga o reajustamento das condições de remuneração dos servidores do Estado; n.º 42052, que transfere para o Fundo do Cinema Nacional os títulos corres-
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pendentes à participação das disponibilidades do referido Fundo no capital das empresas produtoras de filmes, assim opino o exercício dos respectivos direitos sociais, até a presente data atribuídos ao Fundo de Fomento Nacional (revoga o § único do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39 926 e dá nova redacção ao corpo, do mesmo artigo); n.º 42 054, que dá nova redacção ao § 2.º do artigo 27.º do Regulamento Respeitante ao Fabrico, Importação, Comércio, Detenção, Manifesto, Uso e Porte de Armas e Suas Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 37 313; n.º 42 063, que autoriza o Ministério das Obras Públicas a promover, por intermédio da Câmara Municipal de Coimbra, a construção de setenta e duas habitações destinadas às famílias de modestos recursos a desalojar em consequência das obras na Cidade Universitária de Coimbra; n.º 42 066, que fixa os quadros do pessoal militar permanente privativo da Força Aérea, do pessoal militar privativo do Exército ou da Armada em serviço na Força Aérea, do pessoal equiparado a militar e do pessoal civil contratado, referidos nos artigos 7.º, 17.º, 23.º 627.º do Decreto-Lei n.º 41 492; n.º 42 069, que permite que seja reduzida de harmonia com a execução dos trabalhos em curso a importância atribuída para 1958 à Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira no financiamento dos encargos com as obras de ampliação do porto do Funchal; n.º 42 071, que actualiza as disposições relativas à execução de fotografia e cinematografia de bordo de aeronaves; n.º 42 072, que cria os serviços sociais das Forças Armadas (S. S. F. A.); n.º 42 073, que promulga o reajustamento das disposições relativas às tropas pára-quedistas; n.º 42 074, que dá nova redacção a várias disposições do Decreto-Lei n.º 40 949, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 41 144 e 41 758, e do Decreto-Lei n.º 41 492; n.º 42 084, que modifica o sistema de tributação em contribuição industrial da actividade de construção de casas para venda e dá nova redacção à verba n.º 168 da relação geral das indústrias e dos comércios, aprovada pelo Decreto n.º 18 222; n.º 42 085, que permite que sejam delegadas em funcionário civil ou militar as funções atribuídas à Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar pelo Decreto-Lei n.º 35 992 (Fundo de Auxílio a Organismos Desportivos); n.º 42 087, que cria no concelho de Nisa a freguesia de Santana, com sede na povoação de Monte do Duque; n.º 42 088, que aprova, para ratificação, o acordo comercial entre o Governo de Portugal e o Governo do Chile, assinado em Lisboa em 17 de Julho de 1958; n.º 42 089, que concede amnistia e perdão a vários crimes e infracções; n.º 42 093, que estabelece o regime por que deve reger-se durante o ano de 1959 o Fundo do Socorro Social, instituído pelo Decreto-Lei n.º 35 427.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa o relatório e contas da Janta do Crédito Público relativos à gerência de 1957. Vão baixar à Comissão de Contas Públicas desta Assembleia e serão publicados no Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa os elementos requeridos na sessão de 24 de Outubro passado pelo Sr. Deputado António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento. Vão ser entregues àquele Deputado.
Está ainda na Mesa uma relação dos elementos fornecidos por vários departamentos do Estado durante o interregno parlamentar, em satisfação de requerimentos apresentados por alguns Srs. Deputados.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Augusto Simões na sessão de 24 de Outubro último;
Elementos fornecidos pelo Ministério da Justiça em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu na sessão de 31 de Outubro último;
Elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado António Lacerda na sessão de 21 de Outubro último;
Elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações e Previdência Social em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Júlio Evangelista na sessão de 5 de Fevereiro do ano findo.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da 1.ª vara cível de Lisboa pedindo autorização para que no dia 19 do corrente ali possa comparecer, para depor, como testemunha, em julgamento, o Sr. Deputado Avelino Teixeira da Mota.
Informo a Câmara de que aquele Sr. Deputado não vê qualquer inconveniente em que seja dada a autorização solicitada.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização pedida.
O Sr. Presidente:- Está também na Mesa um ofício do juiz de direito da comarca de Pombal pedindo automação para que no dia 27 deste mês ali possa comparecer, para depor, como testemunha, o Sr. Deputado António Jorge Ferreira.
Comunico à Câmara que aquele Sr. Deputado entende ser prejudicial para o desempenho das suas funções de Deputado a concessão da referida autorização.
Consultada a Assembleia, foi negada a autorização.
O Sr. Presidente: - Em cumprimento de um despacho do Sr. Presidente do Conselho, foi enviada à Assembleia uma proposta de lei sobre nacionalidade portuguesa.
Esta proposta vem já acompanhada do respectivo parecer da Câmara Corporativa e está, portanto, em condições de ser submetida definitivamente às comissões desta Assembleia, ou sejam as de Legislação e Redacção e de Negócios Estrangeiros.
Também em cumprimento de um despacho do Sr. Presidente do Conselho, está na Mesa uma proposta do lei relativa ao fomento piscícola nas águas interiores do País.
Como esta proposta de lei também já vem acompanhada do parecer da Câmara Corporativa, vai baixar às Comissões de Economia e de Política e Administração Geral e Local.
Está ainda na Mesa outra proposta de lei, respeitante, ao plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa.
Esta proposta de lei não vem acompanhada do parecer da Câmara Corporativa, e, portanto, terá de ir àquela Câmara, baixando, entretanto, às Comissões de Economia, Trabalho, Previdência e Assistência Social, Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais, Obras Públicas e Comunicações e Política e Administração Geral e Local.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Augusto Simões.
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O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: durante a suspensão dos trabalhos parlamentares foi-me enviado, para a minha residência, dactilografado em papel com o timbre da Secretaria de Estado da Agricultura, mas sem qualquer título nem assinatura cientificadora da sua autenticidade, um arrazoado de cinco parágrafos que pretende ser a resposta aos elementos por mim aqui pedidos, na sessão de 24 do Outubro do ano findo, sobre a mudança para Coimbra da sede da brigada técnica, da 4.ª região agrícola.
Como esse escrito não prima nem pela correcção, nem pela cortesia, nem na forma, nem no desenvolvimento do seu conteúdo, isso me faz supor, amparado ainda na forte razão do sen anonimato, que ele não tenha sido efectivamente elaborado e expedido pelo Gabinete que somente o papel lhe atribui, dado que a correcção e a lhaneza têm de ser ali normas gerais de procedimento, sem qualquer possibilidade de excepções.
Sob tal pensamento, e não desejando guardar no arquivo dos documentos concernentes às minhas funções parlamentares um escrito anónimo, que seria o primeiro a ser poupado ao destino que a forte repugnância que me inspiram me obriga a dar-lhes, o venho entregar a V. Ex.ª e, mui respeitosamente, impetrar que o mesmo seja enviado ao Ministério da Economia, era busca da autenticação que se torna necessária e do esclarecimento que é mister ser apresentado e que a civilidade impõe, para não sofrerem injúria ou menosprezo os direitos constitucionais de um representante da Nação e, com eles, os da própria Assembleia Nacional.
V. Ex.ª se dignará conceder deferimento.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: meia dúzia de palavras apenas, focando ligeiramente assuntos de importância primacial.
No interregno parlamentar que agora acaba de bater seu termo passaram-se factos e deram-se acontecimentos de natureza administrativa cuja importância se projecta na vida do Estado, repercutindo-se vivamente na estrutura financeira e económica da Nação.
Factos de tão acentuada repercussão na vida da grei não podem passar despercebidos, sendo inteiramente credores de um comentário, que, embora ligeiro, se torna necessário, visto a eles se encontrarem ligados problemas cuja solução e concretização estão na sua dependência. Bem andou o Governo no estudo e na adopção de medidas de tão grande alcance, satisfazendo legítimas aspirações e anseios, que há muito se impunham, valorizando o esforço dos que trabalham, dentro das exigências actuais, reflectindo-se benèficamente sobre os diferentes sectores da nossa actividade.
A revisão e o reajustamento dos vencimentos ao funcionalismo em serviço activo, o desenvolvimento do programa respeitante à execução do II Plano de Fomento dentro do ano corrente e o Orçamento Geral do Estado para 1959 são, na verdade, acontecimentos merecedores de uma elogiosa referência, dignificando uma política baseada na imprescindível elevação do nível de vida de um povo, através da efectivação de realizações indispensáveis à fonte de benefícios de que todos partilharemos.
Permita-me, pois, Sr. Presidente, que desta tribuna, respirando um ambiente de fé e de confiança, que se torna necessário sentir e manter bem vivo, apoie inteiramente a revisão operada nos vencimentos do funcionalismo, operação realizada dentro das possibilidades orçamentais, sem recurso a artifícios, demonstração clara da solidez de uma política financeira que há largos anos vem sendo realizada, nunca esquecendo que no equilíbrio orçamental reside a segurança e o crédito de que gozam as contas do Estado. Agiu-se dentro de marcados limites, orçando por 600 000 contos esse acto de magnifica administração, que vai estender-se a todos os serviços autónomos ou administrativos, referenciado a Janeiro, o que atingirá cifra superior a 1 milhão de contos.
O que este facto representa na vida do povo foi-nos dado pelo regozijo com que foi recebido, trazendo aos espíritos inquietos o sossego, a tranquilidade, a paz, que todos ambicionavam possuir, visto no seu equilíbrio económico se encontrar satisfação para as suas mais prementes necessidades.
Sr. Presidente: o II Plano de Fomento, de cuja realização resultará uma obra do mais extraordinário interesse e proveito para o continente e para as províncias de além-mar, sucede ao I Plano, há pouco terminado, atingindo o montante de 16 255 736 contos as magníficas realizações que esse Plano originou.
As tarefas que através do novo Plano estão projectadas e em início de realização abrirão largas perspectivas de progresso social e económico aos diversos sectores da vida nacional, projectando-se notàvelmente no crescimento do nível de vida, constante preocupação de governantes e governados. Pratica grave atentado contra a verdade quem diminuir o valor real e efectivo de uma obra de tão grandiosa projecção e interesse, no presente e no futuro da Nação, obra em que serão investidos 30 milhões de contos, distribuídos, na devida proporção, pelo continente e pelo ultramar português.
Impõe-se ao nosso espírito render homenagem de inteira justiça àqueles que, dentro dos nossos recursos, criaram condições de extraordinária grandeza, possibilitando a execução de uma obra que atinge tão extraordinárias dimensões, não podendo sofrer confronto com nenhuma das grandes tarefas até agora realizadas.
Mas, Sr. Presidente, quem governa tem sempre problemas novos a estudar e a resolver, visto as circunstancias em que o Mundo vive, desde a sua criação, se modificarem numa intensidade e aceleração que não admitem travões ou delongas na sua resolução.
O problema dos vencimentos do funcionalismo em serviço efectivo foi resolvido, e bem resolvido, em perfeita harmonia com o equilíbrio das contas públicas. Mas falta, Sr. Presidente, dar remédio a outro, que lhe está inteiramente ligado, confundindo-se até com o primeiro: o problema dos vencimentos dos funcionários reformados pelo limite de idade ou invalidados por doença permanente, que a lei atirou para a inactividade. É destes velhos servidores, que trabalharam até ao limite das suas forças, limite reconhecido legalmente, que agora me quero ocupar, bem compreendendo a razão dos seus queixumes, obrigando-se a viver uma vida cheia de atribulações, de dificuldades, no último período da sua existência.
Temos de olhar com a devida e merecida atenção especialmente para os mais modestos, que, impossibilitados de executar as funções que desempenhavam, suportam, em número elevado, as inclemências do frio ou as agruras da fome, vivendo ou morrendo em agonia lenta, prolongada, nos seus pobres lares, batidos pela adversidade e pela injustiça, numa carência de tudo quanto é necessário à digna manutenção da vida.
Ao Estado compete encarar de frente o problema, resolvendo-o com objectividade e com generosidade, atendendo as suas necessidades mais prementes e angustiosas, dentro de um realismo que se compadeça com a hora actual.
Não é aceitável, não é admissível, que funcionários que, nos diferentes ramos da sua actividade, souberam cumprir a missão que lhes cumpria, abrindo caminho aos novos, pelo exemplo, dedicação e lealdade que sempre adoptaram na defesa da causa pública, se vejam agora, velhos, trôpegos e doentes, a braços com insanáveis dificuldades, sem outro meio para as vencer que não seja o recurso ao Estado, que tem por obrigação
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ouvi-los e atendê-los, dentro do espirito da razão e da justiça que lhes assiste.
Os aposentados experimentam, sem dúvida, maiores dificuldades na satisfação das suas necessidades que aqueles que possuem capacidade física compatível com o exercício do seu cargo. São chefes de família que vivem e sentem, como os novos, as exigências constantes do encarecimento da vida, na insuficiência das suas magras pensões, algumas tão exíguas que não lhes bastam para fazer face à mais rudimentar alimentação.
Os que ocuparam posição de maior relevo, em situações de maior responsabilidade, foram, em grande parte, obrigados a reduzir, perante os seus proventos, as condições de vida que tinham direito a manter dentro do nível que ocuparam. Se estes não atingem o paroxismo de desalento que inquieta e aflige profundamente os mais modestos, nem por isso devem olvidar-se, não esquecendo a sua folha de bons serviços, prestados como garantia do seu futuro na tranquilidade da sua velhice.
Este problema, velho, mas cada vez mais actualizado pelas condições em que o Mundo vive, deve fazer pensar e reflectir todos aqueles que hoje são válidos e que amanhã, com o rodar dos anos, ocuparão o lugar que ocupam os que trabalharam e serviram, confiados na justiça dos homens.
Dezenas, muitas dezenas, de apelos aflitivos, mas verdadeiros, me tem chegado às mãos, expondo-me as circunstâncias verdadeiramente dramáticas em que vivem esses velhos servidores, que a Nação deram todo o seu esforçado labor, dentro da função que lhes era destinada. Através dessas cartas, gritos de alma a pedir justiça, pude verificar quão grande é a insuficiência de certas pensões, que é urgente rever, como imperativo de humanidade e de justiça social. Recolhendo e ordenando essas informações, pude constituir um quadro, cujos números falam mais claro que as minhas palavras, números que passo a apresentar e cuja correcção se impõe para solucionar questão tão angustiosa, fonte de inquietação para tantos lares, onde outrora reinou a paz, a harmonia e a fartura, fruto do trabalho do seu chefe.
Pensões
(ver tabela na imagem)
Os números que acabo de citar são elucidativos na singeleza da sua expressão. Muitos deles exprimem com evidência a inferioridade do seu valor pecuniário perante as alarmantes condições actuais da vida, onde habitação, alimentação e vestuário, necessidades fundamentais, atingem preços incomportáveis com a magreza das pensões recebidas. Há que remediar prontamente a situação do funcionalismo aposentado, que, sob o aspecto social, representa muitas vezes um atentado à saúde e à vida dos indivíduos, reflectido através de gerações futuras.
Sr. Presidente: do alto desta tribuna, que sempre ocupei para defesa das cansas justas, apelo, com a autoridade que me confere um passado que não receia confrontos com os mais dignos e os mais isentos, para os sentimentos humanitários dos homens que presidem aos destinos da Nação, a fim de que não seja permitido o prolongamento do estado de abandono em que vivem muitas famílias que outros recursos não possuem além da pensão concedida aos seus chefes.
Hoje, como ontem e como sempre tenho afirmado, confio inteiramente na acção governativa daqueles que tão esforçada e abnegadamente têm lutado pela melhoria das condições de vida de todos os portugueses.
E se a caridade é, em toda a sua essência, a maior e a mais nobre de todas as virtudes, não será necessário apelar para esse sentimento, que vive na alma da cristandade, quando existe a força da razão e do direito a demonstrar e u impor a justa remuneração devida aos que esforçadamente souberam servir, cumprindo a obrigação de funcionários dentro das normas legais instituídas pelo Estado.
E o Estado não pode negar a dívida contraída para com aqueles que foram e continuam sondo seus servidores.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Costa Ramalho: - Sr. Presidente: durante o tempo em que esteve interrompido o funcionamento efectivo da Assembleia encerrou-se, no Mosteiro da Madre de Deus, em Xabregras, a exposição consagrada à memória da rainha D. Leonor e incluída no ciclo das comemorações da instituição das Misericórdias. Visitei essa exposição durante três horas, que me não pareceram longas, e tive pena de não poder lá voltar.
Toda uma época dramática e gloriosa da nossa história perpassou, ante os olhos dos visitantes, no cenário de maravilha da Madre de Deus, arranjado com gosto e saber. E, assim, o velho mosteiro, de nome saborosamente arcaico e belos pórticos manuelinos, em que muitos mal reparam ao vê-lo do comboio, não longe de Santa Apolónia, nas preciosidades de arte que se juntaram às lá existentes, nos diagramas culturais e explicativos, no comentário musical escolhido e nos efeitos de luz bem calculados, ressuscitou para a mais bela, nos tempos modernos, das suas horas de casa do espírito.
E de toda essa reconstituição histórico-cultural da vida da Europa e da vida portuguesa na segunda metade de Quatrocentos e no primeiro quartel do século XVI saiu exaltada a figura excelsa da esposa de D. João II. Mulher de eleição, a quem, para o ser, não faltou sequer a má-língua historiográfica dos que pretenderam apoucá-la, acoimando-lhe ressentimentos e desejos de vingança, como se ao deslumbramento perante a gigantesca estatura política do rei devesse, necessàriamente, corresponder a inferioridade de sentimentos da rainha.
Na exposição, lá estavam mulheres e filhas de soberanos, a melancólica princesa Santa Joana, a circunspecta D. Catarina, mulher de D. João III, é a formosura branca e sensual de D. Leonor de Áustria, terceira mulher de D. Manuel, numa tábua quinhentista de Van Cleve, doada ao Museu de Arte Antiga por Calouste Gulbenkian. E, na modéstia do seu hábito de freira, a rainha
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viúva D. Leonor, com a expressão a um tempo inteligente e triste, bondosa e firme, que devia ser a sua quando a pintaram a um canto do Panorama de Jerusalém ou na tábua da Chegada das Relíquias de Santa Auta á Igreja da Madre de Deus.
Entre a documentação iconográfica do sentimento que informou a criação das Misericórdias, que não eram apenas instituições de beneficência, mas confrarias preocupadas em realizar as catorze obras de misericórdia, avultam as representações numerosas, do mais diverso gosto artístico e da mais variada precedência, dessa devoção bem quinhentista que é a da Nossa Senhora das Misericórdias, a Virgem Madre de Deus, que sob o seu manto amplo e acolhedor protege os grandes e pequenos do Mundo e se encontra tanto nas pedras manuelinas do tímpano da Conceição Velha como na pintura envernizada dos estandartes das Misericórdias de Lisboa e de muitas outras terras do País.
A obra de benemerência, a obra de mecenatismo cultural (o quadro, o livro, a escultora!) de uma grande rainha, ficaram bem patentes nesta realização da Fundação Gulbenkian, que, um tanto à maneira da homenageada, se tem desentranhado em obras de bem-fazer e valiosas iniciativas, nos domínios da cultura, em Portugal e no estrangeiro. E só senti pena de que exposições como esta não pudessem de algum modo ser tornadas acessíveis a públicos mais numerosos que o da capital. Estou a pensar nos estudantes, não apenas das Universidades, mas também do ensino secundário, em lugares remotos da província, que não tem as oportunidades dos seus colegas lisboetas. Eis um aspecto a considerar no futuro.
Por agora, e seja como for, não regateemos os nossos louvores à benemérita Fundação Calouste Gulbenkian por mais esta mostra da sua já hoje impressionante actividade cultural.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: as minhas primeiras palavras são ainda de louvor para o Governo pelo reajustamento das condições de remuneração aos servidores do Estado.
Creio que esta Câmara, onde tantas vozes se ergueram na defesa de um aumento nos vencimentos e que em Dezembro aprovou o artigo 8.º da Lei de Meios para 1959, se congratula com a publicação do Decreto-Lei n.º 42 046 e restante legislação complementar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As providencias do Governo, efectuando a revisão na medida das disponibilidades orçamentais, merecem não só o vivo reconhecimento dos beneficiados, mas generalizado e caloroso aplauso público. Será, pois, justificado todo o realce político que se tenha pretendido extrair da nova situação, já que na sua base fortes razões morais e económicas a justificam.
Acentuou-se, por exemplo, que 80 por cento dos 60O 000 contos em que se traduzem os novos encargos do orçamento do Estado serão distribuídos por funcionários de modesto nível de vida. O «duplo drama dos que querem produzir e não encontram mercado e dos que querem consumir e não têm meios», a que só referiu oportunamente o Sr. Ministro da Economia, encontrou, nas medidas tomadas, um expediente que ajudará a atenuá-lo. Eis um motivo para que certos sectores da nossa produção se sintam indirectamente beneficiados, dada, pois, a orientação que boa parte dos referidos 600 000 contos tomará no circuito interno.
O País colheu, mais uma vez, a incontestável certeza de que as promessas do Prof. Oliveira Salazar se cumprem. Alegra-me constatar este facto, formulando votos para que aqueles a quem cumpre tirar do mesmo as necessárias ilações sejam fiéis à verdade.
É neste estado de confiança, Sr. Presidente, que aguardamos, com júbilo, as novas medidas sobre a assistência na doença e a construção de habitações para os servidores públicos.
Sr. Presidente: a temática da função pública reveste-se de uma extensão e complexidade de que o problema das remunerações é simples parcela.
Esta realidade, acentuada no relatório da proposta da Lei do Meios para 1959, faz apelo a soluções de conjunto, onde se equacionam todos os dados do problema.
Acontece serem escassos em Portugal os elementos que permitam estudos pormenorizados sobre a Administração. Este facto tem dificultado a tarefa dos reformadores, ao mesmo tempo que contraria um desenvolvimento eficaz das organizações.
Questões primárias, como a dos efectivos (na sua evolução quantitativa, repartição por classes ou relações entre o número de servidores e a população global) ou a das remunerações (na comparação do desenvolvimento dos seus índices com os do custo de vida, na percentagem das despesas administrativas face ao rendimento nacional, na dissecação do binómio salário-produtividade e no escalonamento relativo das várias classes), nem sempre se apresentarão fáceis aos nossos estudiosos. Temas de natureza sociológica, como o de desenvolvimento biológico da burocracia (com suas forças internas e externas), o da origem social dos funcionários, o do seu comportamento demográfico, o das suas tendências políticas ou até o dos seus hábitos (linguagem, vestuário, alimentação, relações pessoais, etc.), não têm sido entre nós objecto de pesquisas. Assuntos de interesse mais imediato, como o do combate à burocracia, com as possíveis opções entre a justiça ou a simplicidade, a equidade ou a eficácia, a unidade ou a fragmentação, reclamam urgentemente as melhores atenções.
Ora a indiscutível importância deste desdobrar da Administração sobre si própria impõe a criação de centros de estudo especializados no nosso país.
A projecção desta orientação revelar-se-ia, aliás, noutro aspecto que se me afigura essencial: o da formação e selecção dos servidores públicos.
Entramos assim no domínio das escolas especiais de administração. «O sistema que tende a transformar a função pública num vasto serviço social de recuperação - escreveu Sauvy (in La Bureaucratie) - é, na realidade, extremamente oneroso». Mais do que isso, afigura-se-me indispensável evitar a multiplicação de funcionários que, através de uma protecção generosa, chegam ao desempenho de lugares onde apenas os seduz a remuneração.
A formação directa de pessoal através das escolas especiais de administração constitui ainda expediente para melhoria de um aspecto nada despiciendo: o da técnica da eficácia administrativa.
Nem se diga que seríamos pioneiros em qualquer destas matérias. Pelos caminhos mais diversos e relativamente aos mais variados sectores, outros países têm feito o que não deixaria de nos convir.
Exemplifico com realizações de que beneficia a própria administração local: a cátedra de História de Paris, iniciada em 1903 por Mareei Poëte, originou na Sorbona o Instituto de Urbanismo. A criação, em 1907, do Instituto da Cidade de Nova Iorque iniciou um movimento de institutos de estudos municipais, logo estendido a todos os estados da União Americana.
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Constituiriam a base dos institutos de tecnologia (ex.: Massachusets), das escolas de arquitectura paisagística e das instituições de planificação que servem o moderno urbanismo. A vizinha Espanha, na sequência de tradições próprias, criou, em 1940, o Instituto de Estudos da Administração Local. Esta instituição tem por objectivo:
1.º A investigação, estudo, informação, ensino e propaganda dos temas da administração local, nas suas implicações de carácter jurídico, administrativo, social, económico e técnico;
2.º A formação e aperfeiçoamento de administradores e funcionários.
É assim que dentro do Instituto funciona a Escola Nacional de Administração e Estudos Urbanos.
Numa época em que por toda a parte o improviso, cede lugar à preparação metódica, importa que, ainda no sector da Administração, saibamos caminhar à frente das realidades do nosso século.
Sr. Presidente: se nos detivermos simplesmente no estatuto legal dos serviços públicos, ainda aqui se me afigura oportuna a publicação de novo diploma. O labor doutrinal desenvolvido nas últimas décadas e a experiência administrativa entretanto realizada aconselham a rever ou completar posições.
Concretizo com o próprio conceito de funcionário público. Ainda há anos (cf., por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Fevereiro de 1943) se reconhecia a dificuldade de uma rigorosa definição.
Desde sempre, porém, se entendeu que a fórmula penal é mais lata que a administrativa: a permanência ou transitoriedade das funções não intercedem com a conceituação de empregado público para efeitos penais (cf. artigo 327.º do Código Penal).
Embora justificada, esta orientação revela-se, em certo sentido, antipática: considera-se funcionário, para fins odiosos, o servidor a quem não se reconhece idêntica qualidade para beneficiar das vantagens inerentes a tal categoria.
Creio que seria agora altura de corrigir, quanto possível, esta disparidade, dando ao conceito administrativo uma extensão de forma a abranger sectores onde o mesmo tem sido regateado.
Assim, uma tendência pouco louvável teima em distinguir os funcionários públicos dos funcionários administrativos, reservando o primeiro qualificativo para os funcionários do Estado.
Daqui o aceitar-se, por exemplo, que os funcionários dos serviços especiais dos corpos administrativos com idade superior a 35 anos não podem concorrer a lugares da Administração Central.
Exemplifique-se com os engenheiros municipais.
É do maior interesse, Sr. Presidente, ponderar a possibilidade de criação de XVIII quadro geral de engenheiros municipais.
Mais do que isso, porém, é incompreensível a inibição que pesa sobre estes técnicos de não poderem, ultrapassados os 35 anos, concorrer a lugares dos quadros do Estado. Parece que a Administração Central só teria a lucrar facilitando-lhes o acesso no momento em que eles se apresentam senhores de uma experiência adquirida no exercício de funções nas câmaras municipais.
Mas também no que respeita aos servidores do Estado existem situações que aconselham igualmente revisão.
Já noutra oportunidade lembrei os escrivães das execuções fiscais. As manifestações de apoio que então recebi mais radicaram em mim a certeza de que se tratava de uma causa justa. É nesta convicção que de novo apelo para o Governo no sentido de brevemente dar realidade às legítimas aspirações de tão modestos servidores.
Outra classe igualmente carecida de atenções é a dos propostos dos tesoureiros da Fazenda Pública de 3.ª classe.
A sua existência, se não data das instruções regulamentares de 1860, vem, pelo menos, do Regulamento Geral da Administração da Fazenda Pública, de 4 de Janeiro de 1870. Dependendo da livre escolha dos tesoureiras, a nomeação dos propostos e a sua admissão a concursos é hoje regulada pelo Decreto-Lei n.º 27 249, de 28 de Dezembro de 1948, diploma em parte alterado pelo Decreto-Lei n.º 37 307, de 16 de Fevereiro de 1949.
Nada há legislado que classifique os propostos como funcionários públicos. E, embora as circulares da Direcção-Geral da Fazenda Pública de 21 de Setembro de 1933 e 27 de Outubro de 1933 os considerem, para os respectivos fins, como funcionários públicos, o certo é que decisões posteriores generalizaram a ideia contrária. Daqui a impossibilidade que sobre os mesmos recai, volvidos os 35 anos de idade, de concorrerem a outros lugares públicos.
O vencimento destes propostos tem sido variável de concelho para concelho, em função do respectivo movimento de serviço (cf. Decreto-Lei n.º 31 670, de 22 de Novembro de 1941, e Decreto-Lei n.º 40 959, de 31 de Dezembro de 1956).
Dentro da orientação do Decreto-Lei n.º 40 959, são dezoito os propostos de tesoureiro da Fazenda Pública que recebem a remuneração mínima de 3.000$ por ano, ou seja 250$ mensais!
É certo que, desde que recebam menos de 600$ por mês, os propostos só devem prestar serviço quando convocados pelo tesoureiro.
Constrói-se assim a figura singular de funcionária a dias, cuja assiduidade, dedicação e competência só o proverbial desinteresse do Português poderá justificar.
Estes homens, com uma remuneração inferior a 600$ mensais, estariam, segundo penso, inibidos de acumular lugares públicos e de exercer o comércio ou a indústria. Sendo assim, restar-lhes-á, nas horas vagas da tesouraria, serem ensaiadores de grupos cénicos, caçadores furtivos ou, até, aqueles úteis faz-tudo que, nos tempos em que não existia a dolorosa e absorvente preocupação do futebol, enobreciam o viver habitual das nossas bucólicas terras de província.
Sr. Presidente: está o Governo a demonstrar, uma séria preocupação na defesa e valorização dos servidores públicos.
Tenho esperança de que o novo estatuto da função pública seja maleável, de molde a proporcionar aos servidores modestos a qualidade de funcionários públicos, com todos os direitos resultantes desta condição. Isto justifica-se tanto mais quando sucede, em nossos dias, os governos mostrarem especial carinho pelos sectores do trabalho. Ora, se os governos impõem às actividades privadas obrigações no sentido da melhoria das classes trabalhadoras, justo é que pelo exemplo dêem testemunho dessa estima.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: mais uma vez ouso erguer a minha voz, não esquecendo nunca as legítimas aspirações e os justos anseios, de tantos quantos com o seu voto me confiaram a sua represen-
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tacão nesta Assembleia, confiado no espírito de V. Ex.ª e na relevância do pedido que formulo.
A linda cidade de Portalegre, capital de distrito, alcandorada em maravilhoso anfiteatro natural que é a sua serra, vértice do triângulo de turismo Portalegre-Marvão-Castelo de Vide, verdadeira reserva de possibilidades turísticas pela imensa quantidade e qualidade das suas belezas naturais, é servida por duas estações de caminho de ferro: á de Castelo de Vide, a 10 km da cidade, e a de Portalegre, distante 12 km.
Pois, Sr. Presidente, a estação de caminho de ferro de Portalegre, a 12 km da cidade por estrada, a curta distância da barragem de Nisa, na progressiva era do átomo e quando se processa o desenvolvimento hidroeléctrico do País, continua, talvez muito poèticamente, mas com um cunho assustadoramente retrógrado, iluminada a petróleo. Não citarei já as outras estações de menor importância da linha do Leste (linha ferroviária internacional), mas a impressão que se coíbe quando se chega ou se parte da estação que serve esta capital de distrito é verdadeiramente confrangedora, e não são poucas as pessoas que ao utilizá-la declaram que sentiram medo de nela permanecer. Poderá parecer que há exagero nestas afirmações, mas, realmente, no Inverno é de meter medo e se, por infelicidade, o comboio que se espera circula com atraso, o que acontece com certa frequência nos comboios descendentes, por demoras imprevistas nos serviços de fronteira, o viajante terá de o aguardar ao ar livre, arrostando com vento agreste, com frio enregelante, ou com a chuva, se a houver.
A fachada da estação é iluminada pelos faróis dos automóveis ou pela camioneta que assegura a ligação cora a cidade, se porventura a Lua não iluminar naturalmente as instalações ferroviárias da C. P. em Portalegre, e dentro da estação os pontos luminosos são, como não podia deixar de ser, verdadeiramente simbólicos.
A sala de espera dos passageiros está sempre mergulhada na mais completa escuridão - o que, como é óbvio, não agrada à grande maioria dos que dela se querem utilizar - e os corredores e salas de passagem são ainda mais desagradáveis pelos cheiros, falta do luz e correntes de ar.
Se estar numa sala de espera iluminada a petróleo não me parece fácil de admitir nos tempos actuais, procurar lugar numa sala de espera à luz de fósforos, para enxergar a localização dos bancos e descortinar se estão desocupados, parece-me verdadeiramente inadmissível.
Os funcionários lutam com tremendas dificuldades para ler as requisições, para fazer trocos na bilheteira, para bem cumprir todo o seu serviço e, diga-se com a maior justiça, fazem-no o melhor que é possível, com a melhor boa vontade.
Quem, nesta estação, procura os transportes ferroviários, como serviços de utilidade pública que são, sofre inclemências que me não parecem impossíveis de remediar. Nem uma modesta cobertura para proteger da chuva os passageiros que aguardam o transporte no cais da linha do lado sul!
Eis, Sr. Presidente, porque me atrevo a lançar um sentido e vibrante apelo ao conselho de administração da C. P., de que é tão ilustre presidente o Ex.mo Leader desta Câmara, o querido mestre Prof. Doutor Mário de Figueiredo: por favor, levem a electricidade até à estacão de caminho de ferro de Portalegre; a cidade, a região, o distrito todo saberá, como sempre, recompensar o melhoramento e merece, por tudo, que tal melhoramento lhe seja concedido. A cidade de Portalegre deixará de ouvir tão justificados queixumes por parte de quem procura a sua estação ferroviária, e creio que para sua infelicidade bastar-lhe-á ter a sua estação a 12 km.
Espero de V. Ex.ª, Sr. Presidente, da elevada noção do justiça que tantas vezes demonstrou, do seu alto espírito de solidariedade, do seu comprovado desejo de servir o bem comum, espero com a maior confiança que V. Ex.ª junte à modéstia do meu apelo o apelo prestigioso do presidente ilustre desta Assembleia para se encontrar o necessário eco nos serviços competentes da C. P. e resolver-se, assim, o problema da electrificação da estação de caminho de ferro de Portalegre, a bem do distrito, a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: nas vésperas do último Natal publicou o Governo um notável diploma, que bem merece um caloroso comentário, dados os benefícios dele resultantes.
Refiro-me, Sr. Presidente, ao Decreto-Lei n.º 42 046, de 23 de Dezembro, que promulgou o reajustamento das condições de remuneração dos servidores do Estado, completado posteriormente por outros decretos abrangendo todos os sectores ministeriais.
Resultou, é certo, do artigo 8.º da Lei de Meios, aqui discutida e aprovada sem qualquer discrepância, neste particular, por parte desta Assembleia, que acompanha e sente os anseios da Nação para uma vida melhor.
O problema foi aqui tratado com a elevação e o carinho que ele merecia.
Da sua resolução resultou, como não podia deixar de ser, melhor bem-estar para mais de cem mil famílias de Portugal e o reforço da confiança que se deposita nos homens que dirigem os destinos da Nação.
Foi uma hora alta do regozijo para os servidores do Estado, que viram aumentados os rendimentos que auferiam e que virão, por certo, reflectir-se na elevação do seu nível de vida.
Aumento substancial foi esse, se tomarmos em linha de conta as nossas receitas orçamentais.
Congratulando-me com as medidas tomadas faço votos por que os servidores do Estado compreendam o esforço despendido e prestem as suas homenagens de dedicação àqueles que lhes conferiram tais benefícios, colaborando com lealdade e zelo nos sectores a seu cargo.
Entretanto, Sr. Presidente, há uma classe que bem merece, em futuro próximo, a revisão das suas pensões.
Refiro-me aos funcionários na situação de reforma e aposentação, que não beneficiaram de qualquer aumento nas suas pensões desde a publicação do Decreto n.º 39 843, de 7 de Outubro de 1954.
Dedicando uma vida inteira ao serviço da Nação, vão geralmente para a reforma numa altura da vida em que já não é possível procurar outras fontes de rendimento.
E isso força-os a levar uma vida de apertadas economias, que, só por si, não são susceptíveis de acompanhar o ritmo de subida do custo da vida.
Esta circunstância condu-los, naturalmente, ao enfraquecimento da sua resistência económica perante este fenómeno e mais agrava a pobreza dourada em que muitos vivem.
O Decreto n.º 42 046 refere-se aos aposentados para salientar que o Estado já contribui para a Caixa de Aposentações com um subsídio da ordem dos 287 000 contos, transcrevendo o que já constava do notável relatório que precede a Lei de Meios.
Trata-se de um subsídio de monta, se atendermos a que, jurìdicamente, a pensão do funcionário se fixa no momento da aposentação e em função das quotas descontadas durante o período do serviço activo.
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Entretanto, no Decreto-Lei n.º 39 842, de 7 de Outubro de 1954, predominaram as razões de humanidade e equidade para se conceder aos aposentados um aumento de suplemento, que foi elevado para 70 por cento pelo Decreto-Lei n.º 39 845, da mesma data.
São do relatório que precede o Decreto-Lei n.º 39 842 as seguintes palavras:
Embora, jurìdicamente, a situação dos funcionários se fixe no momento da aposentação e devo ser função das quotas descontadas durante o período de serviço activo, razões de humanidade e equidade levaram a fazer beneficiar os já aposentados de um suplemento, embora menor que o atribuído aos vencimentos, e a proceder da mesma forma aos que passam àquele situação; a uns e outros foram as pensões que legalmente lhes cabiam acrescidas de um suplemento, que é actualmente de 60 por cento.
O espírito que então ditou estas afirmações é o mesmo de hoje, embora tenham decorrido catorze anos, pois são os mesmos, felizmente, os homens que dirigem o Governo.
As razões subsistem, quiçá com mais acuidade, dado o incremento que o económico e social estão a tomar dia a dia.
Bem sei que só à custa do novos sacrifícios no Orçamento Geral do Estado se poderá atingir tão humanitário objectivo. Entretanto, creio que toda a gente estará de acordo na necessidade premente de rever a situação dos funcionários em tais condições.
É um acto de justiça que se praticará auxiliando os econòmicamente débeis para que possam viver com mais tranquilidade o que lhes resta da vida.
Estou firmemente convencido de que o Governo, atento a todos os problemas que interessam à Nação e aos seus antigos servidores, não deixará de encarar este com a humanidade e equidade que ele merece.
E assim procedendo terá dado mais um passo na marcha ascendente do progresso da Nação, do seu prestígio e do bem-estar de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: não quero deixar de destacar, nesta Assembleia, o regozijo da Nação pela actualização de vencimentos e reajustamento de categorias dos funcionários públicos. Mais uma vez uma promessa de Salazar se tornou numa realidade. Poucos dias depois de realizadas as últimas eleições para a designação do Chefe do Estado o nosso Presidente do Conselho - que Deus lhe conserve por muitos anos a sua preciosa saúde para poder continuar a gerir a Nação - prometeu a actualização de vencimentos dos servidores do Estado. Ao invés daqueles que nas últimas e movimentadas eleições prometiam o que tàcitamente sabiam não poder cumprir, para ver se assim conseguiam votos para o candidato da oposição, o nosso Presidente do Conselho, com aquela seriedade que sempre usou, só depois de finda a campanha eleitoral e realizadas as eleições é que prometeu e pouco depois cumpriu.
Esta diferença essencial de comportamento merece bem ser destacada.
O nosso Governo, presidido por Salazar, para gerir a República não desperta no homem as paixões que nele se encontram sempre latentes. Não é sobre ódios, invejas, despeitos, etc., que ele se firma para governar. Pelo contrário, espera que esses maus fermentos estejam inactivos para que o poder de reflexão não seja perturbado ... pelas paixões e assim possamos distinguir qual o caminho que deveremos seguir para o engrandecimento de Portugal. Mais uma grande lição nos deu Salazar. Tenho a certeza de que se todos os portugueses pudessem dominar as suas paixões não haveria um único que, crente nos destinos da Pátria, não estivesse incondicionalmente com aquele que há tantos anos tem dedicado ao bem do seu país todos os segundos da sua vida.
Sr. Presidente: esta Assembleia congratula-se e regozija-se por ver enfim realizada uma das suas pretensões tantas e tantas vezes expressa na nossa tribuna - a necessidade de melhorar a situação económica dos funcionários públicos. Pela minha parte, quero destacar, muito particularmente, o reajustamento das categorias no sector da educação. Muitas vezes, tanto da tribuna como desta bancada, apontei a necessidade premente de se melhorarem as condições materiais daqueles que ao ensino se dedicam.
Disse que, por falta de incentivo material e por outras razões que agora não interessam destacar, os lugares dos encarregados de ministrar o ensino que iam vagando, desde o ensino primário ao superior, cada vez mais dificilmente eram preenchidos. Notava-se um abandono progressivo deste rumo de actividades, precisamente na altura em que mais necessário se tomava intensificar e aprofundar o ensino.
Como tantas vezes foi dito, só as nações em que o ensino, em todos os seus graus, atinge todas as camadas da população em profundidade e extensão poderão progredir materialmente.
Nesta era, em que a ciência pura é quase imediatamente utilizada, cada vez deverão ser mais numerosos os indivíduos que deverão possuir conhecimentos de matemática, física, química, etc. Por isso muitas vezes apontei a necessidade de os nossos estabelecimentos de ensino prepararem convenientemente esses indivíduos. Isto implica, evidentemente, um professorado numeroso e competente. Destaco os assistentes, pois, além do mais, será entre eles que se irão escolher os professores que irão substituir aqueles que a idade obrigou a retirar. Se não dispusermos actualmente de bons assistentes e em número suficiente o nosso futuro económico ficará irremediàvelmente comprometido.
Como muitas vezes se tem dito, a nossa geração foi e é a geração do resgate das loucuras a que nos conduziu cerca de um século de envenenamento e ideias políticas e destruição dos valores morais transmitidos pelos nossos antepassados. Se não quisermos comprometer novamente as gerações futuras, agora no sector económico, será necessário que a educação em todos os seus graus do ensino seja encaminhada e que o ensino superior científico se torne em pólo de atracção dos mais capazes.
Sr. Presidente: o Governo, com as medidas agora adoptadas relativas ao reajustamento das categorias no sector do ensino, muito particularmente na parte que diz respeito a assistentes e professores extraordinários do ensino superior, mostrou conhecer bem este grave problema, tantas vezes aqui ventilado.
Esperemos que esteja decidido a levar por diante o mais que se impõe para melhorar e intensificar o nosso ensino científico e técnico de grau superior, base fundamental da nossa expansão económica.
Sr. Presidente: vou terminar saudando o Governo e muito particularmente o Sr. Presidente do Conselho pela actualização dos vencimentos dos servidores do Estado.
Apesar de justíssimas as medidas tomadas é-me grato, e mesmo muito grato, agradecer, principalmente quando o agradecimento se dirige àquele que tem votado todos
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os segundos da sua actividade ao engrandecimento e fortalecimento da Mãe-Pátria. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: peço a palavra para apresentar uma proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Suares da Fonseca.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome da Comissão de Legislação e Redacção, enviar para a Mesa a seguinte proposta:
«Considerando que a experiência dos anos decorridos desde a última revisão constitucional mostra a conveniência de serem alteradas algumas disposições do estatuto político fundamental:
A Assembleia Nacional, nos termos do artigo 91.º, n.º 12.º, e do artigo 176.º, § 1.º, da Constituição Política, resolve antecipar a revisão da mesma Constituição e, para tanto, assumir poderes constituintes.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 12 de Fevereiro de 1959. - Mário de Figueiredo - José Soares da Fonseca - João do Amaral - Manuel Lopes de Almeida - Carlos Moreira - Paulo Rodrigues - Fernando Cid Proença».
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: a proposta que acaba de ser apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca visa a que a Câmara assuma, ao abrigo da Constituição, poderes constituintes.
Trata-se de uma proposta que tem o maior alcance, por tocar no estatuto fundamental da Nação. Por este motivo, adio a respectiva votação para a sessão de amanhã, devendo a Assembleia deliberar, neste caso, como VV. Ex.ªs sabem, por maioria de dois terços dos Deputados em exercício efectivo.
Amanhã, portanto, haverá sessão à hora regimental, tendo por ordem do dia a discussão e votação da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Artur Proença Duarte.
Belchior Cardoso da Costa.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Proposta de lei a que o Sr. Presidente fez referência no decorrer da sessão:
1. Nacionalidade, interesse e alcance político da matéria. - Nenhuma relação de carácter jurídico interessa tanto à organização política das sociedades como o vínculo da nacionalidade.
É através da nacionalidade que, em regra, se define uma das dimensões fundamentais da soberania estadual, e por isso a projecção de cada Estado anda tão estreitamente ligada às características essenciais do aglomerado nacional que lhe corresponde.
O valor da colectividade será, na verdade, tanto maior quanto mais ampla e qualificada for a base populacional permanente do País, criada através dos laços da cidadania.
E, a despeito de a sua soberania poder estender-se a grupos nacionais distintos, também o Estado será tanto mais forte quanto mais viva e real se mostrar no espírito das populações que o integram a consciência da unidade nacional. Salvo uma ou outra excepção, que só razões muito especiais conseguem justificar, é mais sólida e coesa a organização política dos povos que, independentemente da raça, da língua, da cor ou da religião dos seus membros, vivem desde há séculos solidàriamente unidos pelo mesmo sentimento pátrio do que tranquila a vida dos Estados em cujo território se aglomeram núcleos populacionais de nacionalidade diferenciada, que só conveniências políticas, de sua natureza efémeras, hajam agrupado debaixo de uma soberania comum.
Mas a nacionalidade não se limita a constituir uma simples coordenada definidora do raio de acção do poder que a colectividade confere aos órgãos detentores da soberania. É também um elemento determinante da própria estrutura da colectividade, visto ser através da nacionalidade que geralmente se identifica um dos elementos fundamentais da constituição do Estado.
O interesse que para a colectividade reveste o elemento de identificação pessoal e o traço de aglutinação social, que é a nacionalidade, pode assim globalmente medir-se por aquilo que na vida do Estado representa a existência da nação.
Sem prejuízo da contribuição devida às pessoas e aos capitais de proveniência estrangeira, é fundamentalmente com o esforço e a capacidade dos nacionais que cada Estado conta para a realização dos fins supremos que na ordem temporal competem às sociedades politicamente estruturadas. E são as conquistas ou realizações dos seus cidadãos, nos variados sectores da ciência, da técnica ou da cultura, que os Estados legìtimamente inscrevem no inventário dos serviços prestados à causa comum da civilização.
Podem assim os tempos correr de feição à maior aproximação ou interdependência das várias nações; pode o progresso da técnica tornar cada vez maior a possibilidade ou mais frequente a necessidade de o homem se deslocar de país para país, ou até de continente para continente; muitos serão os governos que facilitam a entrada, a circulação, a permanência ou até a fixação dos estrangeiros no solo pátrio. Mas nem por isso deixam os sistemas de manter ainda hoje profundamente vincada, sobretudo nos domínios do direito público, a distinção entre nacionais e estrangeiros.
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É aos nacionais que o Estado, fundado nos imperativos que os laços do sangue e a conveniência social autorizam a proclamar, exige a maior soma de sacrifícios em ordem ao bem comum. Uma simples consideração de justiça bastaria, portanto, para legitimar a posição especial que os vários, textos constitucionais continuam ;i garantir aos nacionais, se o próprio exercício dos direitos políticos não reclamasse uma série de predicados que, sem o vínculo da nacionalidade, difícil será reunir nos indivíduos.
2. Interesse prático do instituto na esfera das relações subordinadas ao direito privado. - Não se julgue, porém, que o interesse prático do instituto da nacionalidade permanece circunscrito ao domínio restrito doa direitos políticos ou dos direitos públicos que os vários sistemas exclusivamente conferem aos nacionais e, nalguns casos especiais, apenas aos nacionais de origem.
A nacionalidade tem ainda reflexos - e muito importantes - nas próprias relações do foro privado.
Basta recordar que o estado e a capacidade dos indivíduos, em lugar de serem determinados ao sabor das leis vigentes no território onde em cada momento se acham fixados, são por muitos sistemas jurídicos (a principiar pela legislação portuguesa) regalados de harmonia com a lei nacional. Entende-se assim que a condição jurídica das pessoas não deve variar consoante a latitude em que acidentalmente su encontrem, para ser constantemente determinada segundo os princípios fixados pelo Estado a que o cidadão pertence. É à lei nacional que compete, dentro desses sistemas, fixar os limites da capacidade civil - o estatuto pessoal - de cada indivíduo.
Este simples apontamento de legislação, pela constante, e profunda repercussão que as matérias do Estado e da capacidade civil têm no domínio das relações em que as pessoas são chamadas a intervir, bastaria para mostrar a importância prática que para cada indivíduo assume, no desenvolvimento do comércio privado, a determinação da nacionalidade dos pessoas com quem contrata.
E não fica, aliás, por aqui, o relevo do instituto no domínio do direito internacional privado. É que são vários os tipos de relações jurídicas cuja disciplina o direito internacional privado de alguns países remete para a lei nacional de ambas ou algumas das partes. E também nesses casos interessa conhecer previamente a nacionalidade dos interessados, como forma de determinar a disciplina de fundo concernente à relação.
3. Critérios determinativos da nacionalidade: sedo própria da sua fixação. - O alcance prático que a matéria da nacionalidade reveste assim, quer no sector do direito político, quer na esfera das relações subordinadas ao direito internacional privado, deixa fàcilmente entrever a importância que tem para a colectividade a fixação dos critérios que presidem à distinção entre nacionais e estrangeiros e, bem assim, a conveniência de completar e aperfeiçoar a deficiente regulamentação do Código Civil relativa à aquisição e perda da nacionalidade portuguesa.
Poderá, entretanto, ser objecto de alguma estranheza o facto de o instituto ser deslocado do Código Civil, que até agora tem definido os termos em que se adquire ou perde a nacionalidade portuguesa, depois de a matéria haver sido primeiramente regulada nos textos constitucionais de 1822, 1826 e 1838.
A verdade, porém, é que o tema da nacionalidade interessa fundamentalmente ao direito público, pela especial projecção que tem, tanto na constituição do Estado como na organização política da comunidade, a distinção entre nacionais e estrangeiros; e por isso su não justifica a sua inclusão num simples texto de direito privado, como é o Código Civil.
Tanto mais quanto é certo estar hoje bastante esbatida a ideia, muito viva no período áureo da codificação, de fazer do Código Civil o repositório dos princípios básicos de todo o ordenamento jurídico nacional.
É certo que também se não regressa à orientação seguida até à publicação da Carta Constitucional e que consistiu em dar assento à matéria no próprio texto da Constituição.
Essa localização justificar-se-ia, sem dúvida, em face dos efeitos da nacionalidade. Mas não são apenas os efeitos, são também os pressupostos da aquisição ou da perda da nacionalidade, que principalmente se pretende regular; e estes, muito embora interessem grandemente ao direito político, prendem-se, no geral, com elementos do direito privado, cuja minuciosa disciplina, nas conexões que tem com o tema da nacionalidade, não deve sobrecarregar o texto da Constituição nem convém subordinar, em vista das suas possíveis alterações, à rigidez própria dos diplomas de carácter constitucional.
Esta é a dupla razão pela qual, seguindo a orientação traçada por algumas legislações mais recentes, se destaca a matéria da aquisição e perda da nacionalidade para um diploma especial, ao qual só se não dá, como noutros países se fez, a designação de Código da Nacionalidade pela justa noção das proporções que as coisas revestem e pelo respeito que aos próprios vocábulos parece devido.
4. Princípios fundamentais relativos à fixação da nacionalidade: posição adoptada no projecto. - São variadíssimas, como todos sabem, as regras fixadas pelos vários países relativamente à fixação da nacionalidade; mas todas gravitam, no geral, em torno de dois critérios fundamentais.
O primeiro consiste em atribuir ao indivíduo, nasça onde nascer, a nacionalidade dos progenitores: é o critério chamado do ius sanguinis.
O segundo atribui ao indivíduo a nacionalidade do lugar do nascimento, nasça de quem nascer: é o critério do ius soli.
Na prática, porém, nenhum dos Estados civilizados adopta qualquer destes princípios em toda a sua rigidez.
Os vários sistemas estabelecidos traduzem antes uma combinação dos dois critérios, com preponderância, mais ou menos vincada, ora de um, ora de outro.
Como regra, pode dizer-se que se inclinam para o critério do ius sanguinis, na definição da nacionalidade, os países mais antigos, de forte densidade demográfica e de solo mais empobrecido, cujos recursos naturais não cobrem já convenientemente as necessidades da população. Adoptam, preferentemente, o princípio do ius soli os Estados novos, de reduzida população originária e com imensos recursos naturais ainda por explorar.
Os primeiros pretendem fundamentalmente manter vinculadas à mãe-pátria as suas fortes correntes migratórias, garantindo assim ao Estado «um potencial humano superior àquele que os seus recursos normalmente consentiriam» (cf. Dr. Taborda Ferreira, A Nacionalidade, pp. 81 e 82). Os restantes querem, acima de tudo, integrar nas novas nacionalidades as colónias de imigrantes que as necessidades da vida fixaram no seu território.
Afastando-se um pouco dessa linha geral de orientação, o Código Civil consagrava já um sistema de carácter misto, no qual se concedia alguma preferência ao critério do ius soli. Mas, com as fortes restrições que limitam esse critério, o sistema básico da lei civil
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ainda hoje pode ser aceite, por corresponder perfeitamente às exigências da colectividade nacional.
O predomínio concedido ao princípio do ius soli pode, em linhas muito gerais, exprimir-se deste modo: são portugueses todos os indivíduos nascidos em território português, até prova em contrário; são considerados estrangeiros todos os que nasçam fora do território nacional, até prova em contrário.
Na fixação dos termos em que pode ser destruída a presunção de nacionalidade alicerçada no lugar do nascimento começa a legislação portuguesa por atender uma restrição vivamente reclamada pela soberania dos diversos Estados e há muito assente nas regras da convivência internacional: são considerados portugueses os filhos de cidadãos portugueses nascidos em território estrangeiro desde que o pai nele se encontre ao serviço do Estado Português, tal como se ressalva a nacionalidade estrangeira daqueles que, nados embora em território nacional, provêm de súbdito estrangeiro que aqui se encontra ao serviço do respectivo Estado.
Mas há outro aspecto, que transcende em larga medida a restrição exposta, onde mais fortemente se revela a limitação com que é aceite pelo sistema o critério do ius soli.
Continua, efectivamente, a reconhecer-se aos filhos de pai português nascidos no estrangeiro a faculdade de adquirirem, por opção, por si ou pelos seus legais representantes, a nacionalidade portuguesa, ao mesmo tempo que se concede aos filhos de estrangeiro nascidos em território nacional a faculdade de optarem, em análogas circunstâncias, pela cidadania do pai.
E não será difícil reconhecer nesse amplo poder concedido à vontade individual, fortemente limitativo do princípio da preferência pelo lugar do nascimento na fixação da cidadania, a influência nítida do critério oposto do ius sanguinis.
Há ainda, em matéria de opção de nacionalidade, uma importante alteração ao regime estabelecido no Código Civil, para a qual cumpre chamar a atenção.
De harmonia com o regime estabelecido no código (artigo 18.º, § 2.º), o indivíduo nascido em território português, de pai estrangeiro, poderia reclamar, logo que se emancipasse ou tivesse chegado à maioridade, da declaração feita pelo seu representante legal no sentido de o não considerar português. Nada se dizia, porém, na lei em relação à hipótese inversa da opção aquisitiva, donde fundadamente se concluía que a opção, quer expressa, quer tácita, pela nacionalidade portuguesa de filhos de pai português nascidos no estrangeiro era definitiva, isto é, insusceptível de reclamação por parte do interessado.
A verdade, porém, é que não se justifica semelhante diversidade de regime. Que. a opção renunciativa ou a opção aquisitiva sejam consideradas como definitivas no caso de a escolha ser efectuada pelo próprio interessado, quando maior ou emancipado, nada repugna aceitar. Mas se a opção, seja qual for a modalidade que reveste, houver sido exercida pelos representantes legais durante a menoridade do principal interessado, parece justo admitir a reclamação deste, depois de maior ou emancipado.
Esta a razão fundamental do disposto na alínea c) da base XVIII.
5. A opção de nacionalidade e a sua não subordinação a qualquer limite de natureza temporal. - Expostas em breves traços as linhas mestras do regime fixado por esta proposta, que coincidem fundamentalmente com as da orientação consagrada no Código Civil, mas que a completam em muitos pontos, é altura de tentar justificar, na especialidade, algumas das medidas assentes no presente diploma.
Um dos primeiros problemas que houve oportunidade de rever foi precisamente o de saber se deve ou não ser fixado um prazo para além do qual já não seja possível aos indivíduos que nasçam em determinado território de pai que nele é cidadão estrangeiro optar pela nacional idade do progenitor.
Segundo a lei francesa (artigo 45.º do Code de la Nationalité, de 19 de Outubro de 1945), o indivíduo nascido em França de pois estrangeiros, a quem seja atribuída a nacionalidade francesa, só pode declinar esta cidadania dentro dos seis meses que precedem a obtenção da maioridade. Regime análogo havia sido adoptado há muito na lei civil espanhola, que também limita a faculdade de opção ao ano seguinte a obtenção da maioridade ou da emancipação.
A solução tem a vantagem de limitar consideràvelmente o período de tempo dentro do qual se podem verificar, por simples vontade: do indivíduo, ns alterações do nacionalidade e evita ainda, pelo menos em grande parte, a situação, um tanto chocante, de um indivíduo poder livremente adquirir a nacionalidade de certo Estado depois de haver prestado serviço militar num outro.
Não é essa, porém, a orientação seguida pela legislação portuguesa, onde nunca chegou a ser atendida a sugestão de Dias Ferreira (Código Civil Português Anotado, 2.ª edição, vol. I, p. 31), para que fosse fixado em regulamento o prazo, a contar da maioridade ou da emancipação, dentro da qual deveria ser feito, a declaração prevista, nos n.ºs 2.º e 3.º do artigo 18.º do Código Civil (cf. parecer da Procuradoria-Geral da República publicado no Diário do Governo, 2.º série, de 30 de Novembro de 1957); nem é essa a doutrina perfilhada na proposta, que continua a reconhecer ao interessado a faculdade de optar a todo o tempo pela nacionalidade do progenitor.
Num país cujos nacionais se dispersam por todas as partidas do Mundo, seria doloroso fechar as portas da cidadania portuguesa aos filhos de pai português nascidos no estrangeiro que, após a maioridade, procurassem a terra dos seus maiores para aqui continuarem e acabarem os seus dias. Os perigos que a solução adoptada poderia envolver estão suficientemente conjurados através da faculdade concedida ao Estado na base XXXV. E, por outro lado, não repugna admitir que voluntàriamente percam a nacionalidade portuguesa todos aqueles que, nascidos embora em território nacional, declarem, mesmo depois da maioridade, querer seguir a nacionalidade estrangeira correspondente ao sangue donde provêm.
6. A repercussão do casamento na nacionalidade da mulher. - A matéria dos efeitos do casamento sobre a nacionalidade da mulher é daquelas que maiores divergências têm suscitado entre os autores. Por isso não surpreende que o problema encontre soluções muito diferentes nos vários sistemas legislativos. Estes podem, no entanto, reduzir-se, esquemàticamente, a três grupos fundamentais: há sistemas em que a mulher adquire, com o casamento, a nacionalidade do marido; noutros, a mulher segue ou não a nacionalidade do marido, consoante a legislação do Estado a que este pertence, a fim de evitar a apatridia ou a dupla nacionalidade da mulher; noutros, finalmente, a nacionalidade da mulher é independente da cidadania do marido.
Dentro de cada um dos grupos, os regimes adoptados variam ainda consideràvelmente, de país para país, nas questões que podem ser consideradas de pormenor.
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Segundo o regime fixado no Código Civil, a mulher estrangeira que casasse com cidadão português adquiriu a nacionalidade portuguesa (artigo 18.º, n.º 6.º), tal como perdia a nacionalidade anterior a mulher portuguesa que casasse com estrangeiro, salvo se, pelo facto do casamento, não adquirisse a nacionalidade do marido (artigo 22.º, n.º 4.º).
É uma orientação fortemente influenciada pela ideia da unidade nacional dos cônjuges, a qual tem, na verdade, vantagens de vária ordem, como a de os cônjuges estarem subordinados à mesma lei pessoal (nos sistemas jurídicos em que o estatuto pessoal é o da lei nacional) e de assim se eliminar uma fonte possível de graves conflitos de leis.
O presente diploma inclina-se, porém, para uma solução menos rígida do que a anterior.
Sem desconhecer as vantagens que oferece a unidade nacional dos cônjuges, o novo articulado adopta um regime bastante maleável, que, favorecendo embora a realização daquele objectivo, não deixa de tomar também na devida conta o legítimo e compreensível desejo que a mulher casada pode ter de continuar adstrita ao vínculo que a prendia à mãe-pátria.
Assim é que a mulher estrangeira que casa com cidadão português adquire, em princípio, a nacionalidade portuguesa; é-lhe, porém, lícito renunciar a essa aquisição desde que prove não perder, pelo simples facto do casamento com português, a nacionalidade que anteriormente possuía.
Da mesma sorte se reconhece a mulher portuguesa que casa com estrangeiro a faculdade de manter a nacionalidade originária, não só no caso de não adquirir, pelo facto do casamento, a nacionalidade do marido (excepção já prevista na legislação anterior), como ainda na hipótese de querer conservar a nacionalidade portuguesa.
Estas soluções padecem, sem dúvida, do ponderoso inconveniente de criarem nalguns casos uma dualidade de leis pessoais dentro da sociedade conjugal. Mas têm, em compensação, a vantagem de respeitar a vontade individual, num domínio que transcende os interesses da própria família.
E acrescenta-se, de resto, que a possível dualidade de leis pessoais dentro da mesma sociedade familiar já encontra precedente dentro do próprio Código Civil, na hipótese de a mulher portuguesa ser casada com português que entretanto se naturalizasse como cidadão de país estrangeiro.
7. Continuação. - Sendo nulo ou anulável o casamento com base no qual a mulher estrangeira adquiriu a nacionalidade portuguesa, a declaração de nulidade do matrimónio deveria, lògicamente, arrastar consigo a perda dessa cidadania: e essa é, de facto, a solução adoptada pela lei francesa em relação à estrangeira que casa com cidadão francês (artigo 42.º do Code de la Nacionalité).
A perda da nacionalidade adquirida com o casamento e o consequente tratamento como estrangeira pode representar, contudo, uma situação dura e injusta para a mulher, sobretudo se, tendo contraído o casamento de boa-fé, houver filhos do matrimónio que conservem a nacionalidade ou ela se houver integrado já, de facto, na comunidade portuguesa.
À falta de um índice que melhor exprima esta possível integração na colectividade nacional a que pertencia o marido, a proposta elegeu para o efeito a conservação do domicílio em Portugal, dando assim à interessada a faculdade de manter a cidadania portuguesa, não obstante a anulação do matrimónio, enquanto estiver domiciliada em território português.
8. Causas de perda da nacionalidade. - Também no capítulo de perda da nacionalidade se introduzem algumas modificações no direito vigente que importa assinalar.
Eliminam-se das causas de perda da nacionalidade algumas circunstâncias - v. g. a aceitação de condecoração de qualquer governo estrangeiro sem licença do Governo Português - que não têm, sobretudo com a intensificação das relações externas dos vários países nos dias de hoje, uma gravidade capaz de justificar a violência da sanção prevista no Código Civil.
Em contrapartida, procura-se garantir a aplicação efectiva dessa sanção para os casos que verdadeiramente justificam a perda da cidadania, como sejam aqueles em que o cidadão português aceita funções públicas de Estado estrangeiro ou presta serviço militar a uma potência estranha.
Advirta-se, entretanto, que a perda da nacionalidade com fundamento em semelhantes circunstâncias apenas se aplica, à luz do pensamento que a inspira, aos cidadãos que sejam somente portugueses, e não àqueles que, sendo portugueses, sejam simultâneamente considerados nacionais do Estado a quem prestam serviço militar ou a cujo funcionalismo público chegam a pertencer.
É certo que a inaplicabilidade da sanção aos cidadãos binacionais poderá dar lugar a situações chocantes, como aquela de poder um português-estrangeiro conservar a nacionalidade portuguesa depois de haver pegado em armas, como soldado do exército de outro Estado, contra as forças militares portuguesas. Mas é precisamente para colocar nas mãos do Governo a possibilidade legal de afastar situações desse género que a base XX concede ao Conselho de Ministros a faculdade de decretar a perda da nacionalidade portuguesa aos portugueses havidos também como nacionais de outro Estado que, do facto, se hajam comportado apenas como estrangeiros.
Na definição da causa principal de perda da nacionalidade adoptou-se, deliberamente, uma fórmula de sentido mais amplo do que a consagrada no direito em vigor.
Segundo o texto do Código Civil, perde a qualidade de cidadão português é que se naturaliza em país estrangeiro (artigo 22.º, n.º 1.º). A proposta alude antes ao que voluntàriamente adquira a nacionalidade estrangeira, para abranger, além da naturalização em país estrangeiro, outros casos em que o cidadão português voluntàriamente adquira ou readquira a cidadania estrangeira. Como exemplos típicos destoutros casos podem referir-se o da mulher estrangeira que, havendo adquirido pelo casamento com português a nacionalidade portuguesa, readquira mais tarde, após a dissolução do matrimónio e por efeito de declaração voluntária, a nacionalidade de origem e ainda o do estrangeiro, naturalizado português, que posteriormente readquira também, por meio de declaração de vontade adequada, a cidadania originária.
9. Considerações finais. - São numerosas as disposições que neste diploma se destinam a alterar ou a completar o direito vigente, nomeadamente em matéria da filiação e de efeitos da naturalização, e que ficam ainda por comentar. Muitas delas são, porém, disposições de menor relevo; outras correspondem a orientações já sustentadas pelos serviços competentes, como formas de integração necessária da legislação em vigor. Outras encontram a sua justificação no douto parecer da Câmara Corporativa, já ouvida sobre a matéria.
Das sugestões apresentadas pela Câmara ao apreciar o primitivo projecto de decreto-lei elaborado pelo Governo duas importa destacar. Uma é a necessidade
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de a definição do círculo dos nacionais ser feita em termos de nela ficarem directamente compreendidos os súbditos portugueses do ultramar cujo estatuto não seja o da plena cidadania. É solução que merece ser inteiramente aceite e para isso se alterou a redacção de alguns dos preceitos do projecto primitivo no sentido proposto pela Câmara. A outra é a de se dever facilitar a naturalização dos indivíduos pertencentes a «povos com maior ou menor grau de sangue nacional desde o tempo das conquistas e que se sentem presos a Portugal pelos laços da língua, que difìcilmente conseguem ir conservando, ou da religião, que os isola do meio ambiente, ou da civilização ocidental, que assimilaram».
A proposta perfilha também esta sugestão, mas através de uma redacção que afasta claramente a suposição de que se trata, nestes casos, não de uma verdadeira naturalização, mas de uma pura ratificação de nacionalidade.
Desde que estes indivíduos têm, no geral, unia nacionalidade diferente, antes da deliberação do Governo Português, a ratificação da nacionalidade teria normalmente o grave defeito de criar para o pretérito situações sempre inconvenientes de dupla cidadania e por isso a proposta a afasta em termos inequívocos.
Nestes termos se tem a subida honra de apresentar à Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:
Da nacionalidade portuguesa
CAPÍTULO I
Da atribuição da nacionalidade originária
SECÇÃO I
Da atribuição por mero efeito da lei
BASE I
1. São portugueses, desde que hajam nascido em território português:
a) Os filhos de pai português;
b) Os filhos de mãe portuguesa, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito;
c) Os filhos de pais apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnitos;
d) Os filhos de pai estrangeiro, salvo se este estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence;
e) Os filhos de mãe estrangeira, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, salvo se aquela estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence.
2. Presumem-se nascidos um Portugal, salvo prova em contrário, os recém-nascidos expostos em território português.
BASE II
São igualmente portugueses, conquanto nascidos em território estrangeiro, os filhos de pai ou mãe portugueses que nesse território se encontrem ao serviço do Estado Português.
BASE III
Para os efeitos do disposto nas bases I e II, são considerados como estando ao serviço do Estado a que pertencem aqueles que se encontrem fora do respectivo território em consequência de missão oficial do mesmo Estado.
SECÇÃO II
Da atribuição por efeito da vontade, declarada ou presumida
BASE IV
San considerados portugueses os filhos de pai português nascidos no estrangeiro, desde que satisfaçam a alguma das seguintes condições:
a) Declararem por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo menores, que querem ser portugueses;
b) Terem o nascimento inscrito no registo civil português através de declaração prestada pelos próprios, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo menores;
c) Estabelecerem domicílio voluntário em território português e assim o declararem perante a entidade competente.
BASE V
São tidos igualmente como portugueses, desde que se verifique alguma das condições previstas na base anterior, os filhos de mãe portuguesa nascidos em território estrangeira, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito.
SECÇÃO III
Da filiação em matéria de nacionalidade
BASE VI
Só a filiação estabelecida de conformidade com a lei portuguesa produz efeitos relativamente à atribuição a nacionalidade portuguesa.
BASE VII
No caso de a filiação ser legítima, só a nacionalidade do pai produzirá efeitos em relação à nacionalidade dos filhos, salvo-se aquele for apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
BASE VIII
A nacionalidade dos legitimados rege-se pelas disposições aplicáveis nos filhos legítimos.
BASE IX
1. Se o filho ilegítimo for simultaneamente perfilhado por ambos os pais, apenas o reconhecimento paterno terá efeitos na fixação da nacionalidade do perfilhado, excepto se o pai for apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
2. Se o filho ilegítimo for sucessivamente perfilhado por ambos os pais, apenas o primeiro reconhecimento será considerado para efeitos de fixação da nacionalidade do perfilhado, salva a hipótese de o perfilhado ser apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
3. A perfilhação só terá efeitos em relação à nacionalidade do reconhecido quando estabelecida durante a sua menoridade.
CAPITULO II
Da aquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Da aquisição da nacionalidade pelo casamento
BASE X
A mulher estrangeira que casa com português adquire a nacionalidade portuguesa, excepto se até à celebra-
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cão do casamento declarar que a não quer adquirir e provar que não perde a nacionalidade anterior.
BASE XI
A nulidade ou anulação do casamento não prejudica-a nacionalidade adquirida, nos termos da base anterior, desde que a mulher o haja contraído de boa fé e enquanto tiver domicílio estabelecido em Portugal.
SECÇÃO II
Da aquisição da nacionalidade por naturalização
BASE XII
O Governo poderá conceder a nacionalidade portuguesa, mediante naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente as seguintes condições:
a) Serem maiores ou havidos como tais, tanto pela lei portuguesa como pela lei nacional do seu estado de origem;
b) Terem a capacidade necessária para granjear salário suficiente pelo seu trabalho ou outros meios de subsistência;
c) Terem bom comportamento moral e civil;
d) Terem cumprido as leis de recrutamento militar do país de origem, no caso de não serem apátridas ou de nacionalidade desconhecida;
e) Possuírem conhecimentos suficientes, segundo a sua condição, da língua portuguesa;
f) Residirem há três anos, pelo menos, em território português.
BASE XIII
As condições a que se referem as alíneas e) e f) da base anterior não serão exigíveis aos descendentes de sangue português que vierem estabelecer domicílio em território nacional e poderão ser dispensadas em relação ao estrangeiro casado com portuguesa ou que tenha prestado ou seja chamado a prestar algum serviço relevante ao Estado Português.
BASE XIV
A naturalização será concedida por decreto do Ministro do Interior, a requerimento do interessado e mediante processo de inquérito organizado e instruído nos termos que em regulamento vierem a ser fixados.
BASE XV
O processo de naturalização e os documentos destinados à sua instrução não estão sujeitos às disposições da lei do selo.
BASE XVI
Como título de aquisição da nacionalidade, será passada ao interessado a carta de naturalização, que levará apostos e inutilizados os pelos fiscais previstos na legislação em vigor.
BASE XVII
1. Quando o considerar justo e oportuno, o Governo poderá também conceder a nacionalidade portuguesa a pessoas pertencentes a comunidades que a si próprias se atribuem ascendência portuguesa e manifestem vontade de se integrar na ordem social e política nacional.
2. Esta concessão será feita nos termos da base XIV e para a obter exigir-se-ão apenas as condições enumeradas na base XII que o Governo considerar indispensáveis em cada caso.
CAPITULO III
Da perda e da reaquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Da perda da nacionalidade
BASE XVIII
Perde a nacionalidade portuguesa:
a) O que voluntariamente adquira nacionalidade estrangeira;
b) O que, sem licença do Governo, aceite funções públicas ou preste serviço militar a Estado estrangeiro, se, não sendo também súbdito desse Estado, não abandonar essas funções ou serviço dentro do prazo que lhe for designado pelo Governo;
c) A mulher portuguesa que case com estrangeiro, salvo se não adquirir, por esse facto, a nacionalidade do marido ou se declarar até à celebração do casamento que pretende manter a nacionalidade portuguesa;
d) O que, havendo nascido em território português e sendo também nacional de outro Estado por motivo da filiação, declare, por si, quando maior ou emancipado, ou pelo seu legal representante, enquanto menor, que não quer ser português;
e) Aquele a quem na menoridade haja sido atribuída a nacionalidade portuguesa, nos termos da secção II do capítulo i, ou a tenha adquirido por efeito de declaração do seu representante legal, se declarar, quando maior ou emancipado, que não quer ser português e provar que tem outra nacionalidade.
BASE XIX
Compete ao Conselho de Ministros decidir, ponderadas as circunstâncias particulares de cada caso, sobre a perda ou a manutenção da nacionalidade:
a) Se a aquisição da nacionalidade estrangeira for determinada por naturalização directa ou indirectamente imposta a residentes no respectivo Estado;
b) Se os factos a que se refere a alínea b) da base anterior só forem conhecidos depois de haverem cessado o exercício das funções ou a prestação do serviço militar ou o Governo não chegar a designar prazo para o seu abandono.
BASE XX
Por deliberação do Conselho de Ministros, pode o Governo decretar a perda da nacionalidade portuguesa:
a) Aos portugueses havidos também como nacionais de outro Estado que, principalmente após a maioridade ou emancipação, se comportem, de facto, apenas como estrangeiros;
b) Aos portugueses definitivamente condenados por crime doloso contra a segurança externa do Estado ou que ilicitamente exercerem a favor de potência estrangeira ou de seus agentes actividades contrárias aos interesses da Nação Portuguesa.
BASE XXI
No caso previsto na alínea n) da base anterior, a perda da nacionalidade poderá tornar-se extensiva à mulher e aos filhos menores do plurinacional se todos forem também havidos como nacionais do outro Estado; a medida não será, porém, aplicável aos filhos se o não for simultaneamente à mulher.
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SECÇÃO II
Da reaquisição da nacionalidade
BASE XXII
Readquire a nacionalidade portuguesa:
a) O que, depois de se haver naturalizado em país estrangeiro, estabelecer domicílio no território nacional e declarar que pretende readquiri-la;
b) O que, após haver perdido a nacionalidade por decisão do Governo, obtiver graça especial de reaquisição;
c) A mulher que houver perdido a nacionalidade devido ao casamento celebrado com estrangeiro, no caso de o casamento ser dissolvido, declarado nulo ou anulado, se estabelecer domicílio em Portugal e declarar que pretende readquiri-la;
d) O que, havendo perdido a nacionalidade em consequência de declaração feita na menoridade pelo seu. legal representante, tiver domicílio em Portugal e declarar, quando maior ou emancipado, que pretende readquiri-la.
BASE XXIII
A concessão da graça especial de reaquisição da nacionalidade portuguesa compete ao Conselho de Ministros e poderá ser requerida pelo interessado, por intermédio do Ministério do Interior.
CAPITULO IV
Dos efeitos da atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Dos efeitos da atribuição da nacionalidade
BASE XXIV
1. Salvo disposição em contrário, a atribuição da nacionalidade originária portuguesa produz efeitos desde o nascimento do interessado, ainda que as condições de que dependa só posteriormente se tenham verificado.
2. Neste caso, porém, a atribuição da nacionalidade não prejudica a validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com fundamento em nacionalidade diversa.
SECÇÃO II
Dos efeitos da aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade
BASE XXV
Os efeitos das alterações de nacionalidade dependentes de actos ou factos obrigatoriamente sujeitos a registo só se produzem a partir da data do registo.
BASE XXVI
A carta de naturalização só produzirá efeitos se o seu registo for requerido dentro da prazo de seis meses, a contar da data do decreto de concessão.
BASE XXVII
1. Os efeitos das alterações de nacionalidade dependentes de actos ou factos não obrigatoriamente sujeitos a registo produzem-se desde a data da verificação dos actos ou factos que as determinem.
2. Exceptua-se do disposto no número anterior a perda da nacionalidade fundada na aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira, a qual apenas produz efeitos para com terceiros, no domínio das relações de direito privado, desde que seja levada ao registo e a partir da data em que este se realize.
BASE XXVIII
O indivíduo que adquirir ou readquirir a nacionalidade portuguesa goza de todos os direitos inerentes à qualidade de português, salvo as restrições mencionadas na base seguinte e as expressamente previstas em Leis especiais.
BASE XXIX
1. Para o exercício de funções públicas ou de direcção e fiscalização de sociedades ou outras entidades dependentes do Estado Português, a aquisição da nacionalidade portuguesa só produz efeitos decorridos dez anos após a sua data, salvo se outro prazo for fixado em lei especial.
2. Se a aquisição se verificar, porém, durante a menoridade, a duração da inabilidade será de cinco anos, a contar da maioridade ou emancipação do interessado.
BASE XXX
A inabilidade prevista na base anterior é aplicável durante o prazo de três anos aos que readquiram a nacionalidade portuguesa. Tal inabilidade não se produzirá se a perda da nacionalidade portuguesa, se houver verificado, na menoridade do interessado, por declaração do seu representante legal.
BASE XXXI
A mulher casada com indivíduo que adquira a nacionalidade portuguesa pode também adquiri-la se declara r que pretende ser portuguesa.
BASE XXXII
1. Os filhos menores de pai legítimo ou ilegítimo ou de mãe ilegítima que adquira por naturalização a nacionalidade portuguesa poderão também adquiri-la se, por intermédio do pai ou da mãe, conforme os casos, declararem que pretendem ser portugueses.
2. Nas mesmas condições podem adquirir a nacionalidade portuguesa os filhos de mãe legítima, se forem apátridas ou de nacionalidade desconhecida.
BASE XXXIII
Os filhos menores de pai legítimo ou ilegítimo ou de mãe ilegítima, que perder a nacionalidade portuguesa poderão a ela renunciar se adquirirem a nova nacionalidade do pai e da mãe, conforme os casos, e por intermédio deles declararem que não querem ser portugueses.
BASE XXXIV
São aplicáveis à filiação, para os efeitos das bases anteriores, as disposições da secção III do capítulo I.
CAPITULO V
Da oposição à atribuição, aquisição ou reaquisição da nacionalidade portuguesa
BASE XXXV
O Governo poderá opor-se à atribuição da nacionalidade portuguesa aos indivíduos que se encontrem nas condições previstas nas bases IV e V que sejam também nacionais de outro Estado por qualquer dos seguintes fundamentos:
a) Terem praticado em favor de Estado estrangeiro actos contrários e segurança exterior do Estado Português;
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b) Terem cometido crime a que, nos termos da lei portuguesa, corresponda pena maior;
c) Terem exercido funções públicas de Estado estrangeiro ou haverem nele prestado serviço militar;
d) Terem mais de duas gerações de ascendentes imediatos nascidos no estrangeiro e não provarem conhecer suficientemente u língua portuguesa.
BASE XXXVI
O Governo poderá opor-se à aquisição da nacionalidade portuguesa não só pelos fundamentos constantes das alíneas a), b) e e) da base anterior, mas ainda pelas razões seguintes:
a) Se, no caso de a aquisição provir de casamento, a mulher tiver sido expulsa do país antes da celebração desse acto;
b) Se, no caso dê reclamação da declaração feita, na menoridade do interessado, pelo representante legal, o reclamante houver manifestado expressamente, depois da maioridade, a vontade de seguir a nacionalidade estrangeira.
BASE XXXVII
O Governo poderá opor-se à reaquisição da nacionalidade portuguesa pelos fundamentos expressos nas alíneas a), b) e e) da base XXXV.
BASE XXXVIII
O direito a oposição será exercido pelo Ministro dn Justiça, no praxo de seis meses, a contar da data do facto de que dependa a atribuição ou aquisição da nacional idade, e depois de ouvidos os Ministérios que possam contribuir para a justa decisão do caso.
CAPITULO VI
Do registo central da nacionalidade
BASE XXXIX
Do registo central da nacionalidade, a cargo da Conservatória dos Registos Centrais, constarão os declarações de que depende a atribuição da nacionalidade português bem como a sua aquisição, perda ou reaquisição.
BASE XL
É obrigatório o registo:
a) Das declarações necessárias para atribuição da nacionalidade;
b) Das declarações para a aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade;
e) Das declarações para que pelo casamento a mulher não perua a nacionalidade ou não adquira a do marido;
d) Da naturalização de estrangeiros.
BASE XLI
Para fins de identificação, serão inscritas no registo:
a) A aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da mulher estrangeira que casa com português;
b) A perda da nacionalidade em que incorre u mulher portuguesa que casa com estrangeiro;
c) A perda da nacionalidade por aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira.
BASE XLI
A perda da nacionalidade nas condições previstas na alínea b) da base XVIII ou em consequência de decisão do Governo e, bem assim, a reaquisição por graça especial serão registadas oficiosamente.
BASE XLIII
1. O registo dos actos a que se refere a base XL será Lavrado a requerimento dos interessados.
2. O registo dos netos a que se refere a base XLI será feito oficiosamente ou a requerimento dos interessados.
BASE XLIV
As declarações previstas nas alíneas a), b) e c) da base XL, exceptuada a que se refere ao estabelecimento de domicílio em Portugal, poderão ser feitas perante os agentes consulares portugueses, e neste caso serão registadas oficiosamente em face dos necessários documentos comprovativos.
BASE XLV
fins do registo a que se refere a base anterior, os agentes consulares portugueses deverão enviar, no prazo de quinze dias e por intermédio do Ministério dos Negócios-Estrangeiros, os documentos necessários a Conservatória dos Registos Centrais.
BASE XLVI
São gratuitos os registos das declarações para a atribuição da nacionalidade portuguesa e os registos oficiosos, bem como os documentos necessários para uns e outros.
BASE XLVII
O registo de que importe atribuição, aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade será sempre averbado no assento de nascimento do interessado.
CAPITULO VII
Da prova da nacionalidade
BASE XLVIII
A nacionalidade portuguesa de indivíduos nascidos em território português prova-se pelas menções constantes do assento de nascimento.
BASE XLIX
A nacionalidade portuguesa de indivíduos nascidos 110 estrangeiro prova-se, consoante os casos, pelo registo das declarações de que depende a sua atribuição ou pelas menções constantes do assento de nascimento realizado nos termos previstos na alínea b) da base IV.
BASE L
A aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade provam-se, nos casos de registo obrigatório, pelos respectivos registos ou pelos consequentes averbamentos lavrados atingirem do assento de nascimento.
BASE XLIX
A aquisição e a perda da nacionalidade que resultem de actos cujo registo não seja obrigatório provam-se pelo registo ou pelos documentos comprovativos dos netos de que dependem. Para fins de identificação, é aplicável, porém, à prova destes actos, o disposto na base anterior.
BASE L
Para efeito de inscrição ou matrícula consular, a prova da nacionalidade poderá ser feito nos termos previstos na respectiva legislação.
BASE LIII
Em caso de dúvida sobre a nacionalidade portuguesa do impetrante, os agentes consulares só deverão proceder à respectiva matrícula ou inscrição mediante prévia consulta à Conservatória dos Registos Centrais.
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BASE LIV
1 Independentemente da existência do registo, poderão ser passados, a requerimento do interessado, certificados da nacionalidade portuguesa.
2. A força probatória do certificado poderá, porém, ser ilidida por qualquer meio sempre que nau exista registo da nacionalidade do respectivo titular.
CAPÍTULO VIII
Do contencioso da nacionalidade
BASE LV
1. Exceptuado o caso da naturalizarão e os previstos nas bases XIX e XX, é da competência do Ministro da Justiça decidir sobre ns questões relativas à legalidade da atribuição, aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade e, bem assim, esclarecer as dúvidas que nessa matéria se suscitem.
2. Das decisões do Ministro cabe recurso, nos termos da lei geral, para o Supremo Tribunal Administrativo.
BASE LVI
Para averiguação da matéria de facto nas questões relativas à atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade portuguesa funcionará junto da Conservatória dos Registos Centrais o contencioso da nacionalidade.
CAPÍTULO IX
Dos conflitos de leis sobe a nacionalidade
BASE LVII
Se um indivíduo tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for a portuguesa, prevalecerá sempre esta, salvo o disposto na base seguinte.
BASE LVIII
O português havido também como nacional de outro Estado não poderá, enquanto tiver no território desse Estado, invocar a nacionalidade portuguesa perante as autoridades locais, nem reclamar a protecção diplomática ou consular portuguesa.
BASE LIX
No caso de conflito positivo de duas ou mais nacionalidades estrangeiras, prevalecerá a nacionalidade do Estado em cujo território o plurinacional tiver domicílio.
CAPÍTULO X
Disposições diversas
BASE LX
A mulher portuguesa que renuncie à nacionalidade do marido estrangeiro, nos casos em que a respectiva lei admita a renúncia e dentro do prazo, subsequente à celebração do casamento, para o efeito estipulado, não perderá a nacionalidade portuguesa.
BASE LXI
A inscrição ou matrícula realizada aos consulados portugueses, nos termos do respectivo regulamento, não constitui, de per si, título atributivo da nacionalidade portuguesa.
BASE LXII
Em todos os casos de aquisição de nacionalidade e, bem assim, nos de atribuição dependente de facto posterior ao nascimento o interessado deverá registar os actos do estado civil a ele respeitantes que, segundo a lei portuguesa, devam obrigatoriamente constar do registo civil.
BASE LXIII
O preceituado neste diploma não prejudica o disposto nas regras especiais do regime de indigenato em vigor nas províncias ultramarinas da Guiné, de Angola e de Moçambique; nos termos do Decreto-Lei n.º 39 666, de 20 de Maio de 1954.
Ministério da Justiça, 28 de Janeiro de 1959. - O Ministro da Justiça, João de Matos Antunes Varela.
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CÂMARA CORPORATIVA
VII LEGISLATURA
PARECER N.º 6/VII
Projecto de decreto-lei n.º 500
Da nacionalidade portuguesa
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de decreto-lei relativo à nacionalidade portuguesa, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral, Justiça e Relações internacionais), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Joaquim Moreira da Silva Cunha e José Caeiro da Mata, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. O projecto de decreto-lei n.º 500, acerca da nacionalidade portuguesa, apresenta-se antecedido de um expressivo relatório. Neste se põe em relevo, logo de início (n.º 1), o alcance político da matéria sobre que versa o projecto e se aponta em seguida o interesse que o instituto da nacionalidade assume no campo das relações de direito privado (n.º 2).
Exprimem-se assim considerações fundamentais sobre a importância da matéria a que o Governo pretende dar novo ordenamento, mais amplo e minucioso do que o vigente.
Antes, porém, de emitir sobre o projecto a sua crítica, entende a Câmara Corporativa ser conveniente referir, embora a traços largos, alguns elementos do
quadro político e jurídico em que se situa o instituto da nacionalidade.
2. Cumpre notar desde início que a palavra «nacionalidade» tem, pelo menos, dois significados diversos: um predominantemente social e político e o outro especificamente jurídico, para compreensão dos quais se torna necessário tomar em conta a distinção entre nação e estado.
Segundo Hauriou, devem considerar-se como nações os grupos sociais que tomaram consciência da sua unidade moral e dos seus interesses comuns e estão prontos a formar comunidades estaduais (Précis Elémentaire de Droit Constitutionel, 2.ª edição, p. 6). Esta vontade de viver em comum que serve de vínculo à nação repousa, porém, em elementos objectivos, nem todos necessàriamente presentes, tais como a comunidade de língua, de raça, de religião ou de história, elementos cuja importância é relativa de caso para caso.
De acordo com o princípio das nacionalidades que, depois da Revolução Francesa, tem orientado as remodelações territoriais da Europa, destruindo velhos estados, restaurando ou criando outros e alterando as fronteiras de alguns, a cada nação deve corresponder um estado. Nos limites da civilização ocidental sucede hoje assim na generalidade dos casos, com maior ou menor rigor, sem embargo de continuar havendo estados que englobam povos de mais de uma nação e nações a que não corresponde um estado.
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Diversamente, seguindo o mesmo autor, um estado é uma organização política dotada de um aparelho administrativo em funcionamento permanente, que se destina a preencher e disciplinar em regime de direito as necessidades sociais dos seus cidadãos, seja qual for a origem destes.
Este vínculo entre cada cidadão e o seu estado constitui a nacionalidade daquele. Trata-se, pois, de um laço de natureza jurídica, e é neste segundo significado que, ao estudar-se o projecto de decreto-lei, o termo «nacionalidade» tem de ser entendido.
3. Assente este ponto de partida, convém qualificar a natureza do vínculo da nacionalidade.
De direito público ou de direito privado?
Segundo a noção comum, pode considerar-se como direito público o que regula as relações entre o indivíduo e o Estado como entidade soberana e como privado o direito que rege as relações dos indivíduos entre si.
Aceitando este critério, não poderá negar-se que a relação da nacionalidade tem feição própria do direito público, pois, na verdade, a nacionalidade é o laço que prende o indivíduo ao Estado, o vínculo permanente entre certo indivíduo e determinado Estado, a expressão da soberania do Estado no domínio pessoal. Ela fundamenta o gozo dos direitos políticos, designadamente o direito à protecção em país estrangeiro e a obrigação de prestação do serviço militar.
Todavia, nunca se fez unanimidade entre os tratadistas acerca deste ponto. Em várias constituições políticas posteriores à Revolução Francesa incluíram-se normas reguladoras da nacionalidade dos súbditos dos respectivos estados, o que inculca a natureza pública para o instituto da nacionalidade; mas o facto de esta matéria ter sido versada no Code Civil Français, o primeiro grande código moderno, conduziu muitos autores a considerarem-na como parte integrante do direito privado.
E não há dúvida de que são numerosos e importantíssimos os aspectos de direito privado no instituto da nacionalidade. De facto, ela é condição do gozo de certos direitos privados e determina a lei competente para certas relações jurídicas de carácter privado. Em suma contribui para determinar o estatuto do indivíduo e é, certamente, o mais importante dos elementos integrantes do estado das pessoas.
Perante tal complexidade, que dos efeitos bem parece remontar à própria natureza, torna-se natural concluir que a nacionalidade deve considerar-se como um instituto misto, de índole pública e privada simultâneamente.
Tal o simples sumário de um vasto problema que aqui só ligeiramente se pretende abordar.
4. Também em Portugal se manifestaram, bem à vista, tendências conducentes a alimentar as duas correntes sobre o carácter da nacionalidade.
A Constituição de 1822 dedicou à nacionalidade dos cidadãos portugueses os artigos 21.º a 23.º Por sua vez, a Carta Constitucional tratou-a nos artigos 7.º e 8.º E, finalmente, a Constituição de 1838 dedicou ao mesmo assunto os artigos 6.º e 7.º
Da regulamentação assim feita, em textos de índole essencialmente política, passou-se ao pólo oposto, quando o Código Civil Português, publicado em 1867, inseriu na sua parte I «Da capacidade civil» o livro único, cujos títulos I e II têm, respectivamente, as epígrafes: «De como se adquire a qualidade de cidadão português» e «De como se perde a qualidade de cidadão português» (artigos 18.º a 23.º).
Estas têm sido as regras disciplinadoras da matéria da nacionalidade no direito português desde há cerca de um século, cuja estabilidade foi principalmente tocada pelo Decreto n.º 19 126, de 16 de Dezembro de 1930, que, além de outras, alterou a redução dos artigos 18.º a 21.º do mesmo código.
Aborda-se no n.º 3 do relatório o problema da localização da lei reguladora da nacionalidade. E, recordando-se que esta matéria, foi primeiramente regida pelos textos constitucionais introduzidos pela Revolução Liberal no País e veio depois a ser tratada no Código Civil, procura-se justificar que o seu assento deva passar a fazer-se em lei especial própria.
É a primeira questão prática a discutir.
Reconhecida a vantagem de renovar a ordenação jurídica da matéria da nacionalidade, não poderia já defender-se com segurança, mesmo em plano puramente teórico, a ideia de a reintroduzir nos textos constitucionais. Como se diz no relatório, estes têm em regra uma rigidez que torna difícil fazer-lhes alterações muitas vezes necessárias e, na matéria da nacionalidade, embora esta seja de natureza essencialmente política, são numerosas e importantes as incidências no domínio do direito privado. Ora este, sujeito à eventualidade de alterações porventura frequentes, postula a necessidade de regulamentação em diplomas de índole mais flexível, como são as leis ordinárias.
Por isso, na ocasião em que se prepara um novo Código Civil Português, parecia natural manter no corpo de leis em projecto a regulamentação atinente à nacionalidade, embora sob a forma nova que se revelasse aconselhável. Era a solução respeitadora do sistema actual, que nunca entre nós foi discutido.
Todavia, diz ainda o relatório do projecto, visto o tema da nacionalidade interessar fundamentalmente ao direito público, pela especial projecção que, tanto na constituição do Estado como na organização política da comunidade, tem a distinção entre nacionais e estrangeiros, não se justifica o seu tratamento num diploma essencialmente de direito privado, como deve ser um código civil.
Em face das características assim apontadas, surge naturalmente como solução intermédia a de tratar a matéria da nacionalidade sob os seus aspectos, quer de direito público, quer de direito privado, num diploma único, que não poderia integrar-se num código civil, por causa da sua natureza complexa.
Esta foi a solução adoptada pelo direito francês no Code de la nationalité française, promulgado em 19 de Outubro de 1945, e é aquela que se afigura mais razoável e equilibrada.
Pelos motivos, teóricos e práticos, que ficaram expostos, também a Câmara Corporativa com ela se conforma.
5. Como questão de ordem geral, indica ainda o relatório (n.º 4) qual a posição tomada no projecto a respeito dos princípios fundamentais adoptados em relação à fixação da nacionalidade, a qual se exprime por uma combinação entre os dois critérios basilares orientadores da matéria: o do jus sanguinis e o do jus soli. Afirmando que todas as legislações se apoiam em algum deles, mas admitem sempre atenuações a um por influência do outro, nota que o Código Civil consagra já um sistema misto, o qual dá certa preferência ao jus soli e, por ainda satisfazer fundamentalmente as exigências da colectividade nacional, embora com fortes restrições, continua a ser aceito.
A combinação de critérios adoptada pelo projecto em discussão revela-se nas disposições concretas do seu articulado. Por isso, só pode fazer-se-lhe crítica útil à medida que cada uma delas for analisada, isto é, na especialidade.
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6. Desdobra-se o projecto em discussão em dez capítulos, alguns deles subdivididos em secções. A matéria vem aí tratada com lógica, harmonia, amplidão e profundidade.
Aos poucos artigos que lhe dedica o Código Civil corresponde agora uma riqueza de pormenores disciplinada com melhor arrumação, redacção mais precisa e preenchimento de lacunas importantes.
Em face de todas as circunstâncias expostas e não se lhe suscitando contra o projectado diploma qualquer objecção de princípio, a Câmara aprova-o na generalidade.
II
Exame na especialidade
7. No capítulo I do projecto, «Da atribuição da nacionalidade originária», a secção I tem a epígrafe «Da atribuição por mero efeito da lei» e contém apenas três artigos.
No artigo 1.º, n.º I, enumeram-se em cinco alíneas os que são considerados cidadãos portugueses com fundamento no facto de terem nascido em território português. É a disposição em que o jus soli impera em absoluto. Duas objecções lhe opõe a Câmara. A primeira é a de que, havendo no ultramar súbditos portugueses cujo estatuto não é o da plena cidadania, é inconveniente o emprego da expressão «cidadãos portugueses», que faz ocultar, por contraste, a situação dos nacionais não beneficiados com os direitos inerentes à cidadania. O remédio para o caso consiste em suprimir a expressão, começando o artigo por dizer simplesmente: «São portugueses ...».
É a segunda que a menção várias vezes repetida de «legítimos» e «ilegítimos» é inútil, observação esta extensiva a várias disposições do projecto. Deve dar-se ao texto do artigo 1.º redacção mais condensada, até com a vantagem de tornar mais explícita a sua amplitude.
O n.º 2 do artigo considera nascidos em Portugal, até prova em contrário, os recém-nascidos expostos era território português. Preenche-se assim uma lacuna em termos que, mediante a possibilidade de ilidir a presunção, impedem que, no caso visado, se imponha coactivamente a nacionalidade portuguesa.
Por sua vez, o artigo 2.º baseia-se inteiramente no jus sanguinis ao ressalvar a nacionalidade portuguesa para os filhos nascidos em território estrangeiro de pai português que nesse território se encontre ao serviço o Estado Português. É a regra em vigor (Código Civil, artigo 18.º, n.º 5.º), que não precisa de ser justificada e deve também ser aplicável ao caso dos filhos de mãe portuguesa que porventura venha a encontrar-se em território estrangeiro no mesmo serviço.
8. Estabelece o artigo 3.º uma importante regra de interpretação ao determinar que para os efeitos dos artigos 1.º e 2.º só os agentes diplomáticos e consulares de carreira são considerados como estando ao serviço do Estado a que pertencem.
A falta de disposição restritiva no vigente regime, não pode deixar de se entender ser a residência em território estrangeiro «ao serviço da Nação Portuguesa» (Código Civil, artigo 18.º, n.º 5.º) mera circunstância de facto que para este efeito aproveita a qualquer agente oficial do Estado Português, seja qual for a sua função. Em contrário, a disposição em projecto vem introduzir nesta matéria uma limitação muito rigorosa.
É duvidosa a justiça desta restrição. Sem esquecer que a atribuição da nacionalidade portuguesa aos filhos dos representantes do Estado Português que não sejam agentes diplomáticos ou consulares de carreira pode sempre ficar garantida mediante o emprego de alguns dos processos previstos no artigo 4.º, parece ser razoável conceder àqueles que se encontram no território estrangeiro no desempenho de missão oficial independente do exercício das funções de uma carreira o mesmo tratamento dado aos agentes diplomáticos ou consulares.
9. Na secção II do mesmo capítulo, «Da atribuição por efeito da vontade, declarada ou presumida», indicam-se as condições em que se consideram cidadãos portugueses os nascidos no estrangeiro quando filhos legítimos ou ilegítimos de pai português (artigo 4.º) ou de mãe portuguesa (artigo 5.º).
Como nota o relatório do diploma (n.º 4), consagra-se assim o princípio firmado no Código Civil (artigo 18.º, n.ºs 2.º e 3.º), segundo o qual a declaração de opção pela nacionalidade portuguesa com fundamento na nacionalidade portuguesa do progenitor pode fazer-se sem subordinação a prazo e, portanto, a todo o tempo.
Solução diferente da do Code de la nationalité française (artigo 45.º), a sua manutenção implica, na verdade, os inconvenientes apontados. Mas o carácter universalista da expansão do povo português, que o relatório vinca, e a circunstância de a maior parte dos problemas desta índole se originarem no Brasil, nação irmã onde a linha divisória entre as duas nacionalidades não tem multas vezes repercussão na prática, conduz a apoiar a solução adoptada: e com tanto mais garantia de segurança para o Estado Português que, mediante a faculdade expressa no artigo 34.º, o Governo tem a possibilidade de impedir o funcionamento da regra geral nos casos em que considerar a sua aplicação capaz de produzir efeitos verdadeiramente inconvenientes.
10. Trata a secção III da filiação em matéria de nacionalidade.
Aos seus quatro artigos (6.º a 9.º) nada há a opor.
Há apenas a notar que o artigo 8.º aplica à matéria em causa o princípio geral sobre a equiparação dos filhos legitimados aos legítimos (Decreto n.º 2 de 25 de Dezembro de 1910, artigo 2.º) e que, além do lapso que na parte final do n.º 2 do artigo 9.º diz «perfilhado» por «perfilhante», o n.º 3 deste mesmo artigo só dá efeitos à perfilhação em matéria de nacionalidade quando ela for feita durante a menoridade do perfilhado. A liberdade da atitude deste em tal matéria, quando maior, fica assim inteiramente ressalvada.
11. É epígrafe do capítulo II «Da aquisição da nacionalidade», e divide-se ele em duas secções, sendo a primeira. «Da aquisição da nacionalidade pelo casamento» (artigos 10.º e 11.º).
No primeiro destes artigos, o preceito em vigor, segundo o qual é portuguesa a mulher estrangeira que casa com cidadão português (Código Civil, artigo 18.º, n.º 6), passa a permitir uma importante excepção: a regra não se aplicará se até à celebração do casamento a mulher declarar que não quer adquirir a nacionalidade portuguesa e provar que não perde a nacionalidade anterior.
Ao problema da repercussão do casamento na nacionalidade da mulher se refere com largueza o relatório do projecto (n.º 6), indicando as divergências sobre ele que a doutrina tem admitido e os sistemas-base em que as várias legislações se têm fixado, embora com variações de pormenor.
Acerca do princípio em vigor no caso português, faz-se notar que ele deriva da ideia de os cônjuges deve-
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rem ter a mesma lei pessoal, o que evita prováveis e graves conflitos de leis e é mais um vínculo de robustecimento da unidade da família; mas justifica-se a proposta atenuação do mesmo princípio com a ideia de, por este modo, se respeitar a vontade individual nitidamente expressa num domínio que, por ser estritamente pessoal, transcende os interesses da própria família e que, por se basear normalmente no nobre sentimento do amor pátrio, é digno de todo o respeito.
Mesmo sem perfilhar esta doutrina, deve reconhecer-se que a circunstância de a modificação projectada só permitir a conservação da nacionalidade de origem à mulher quando ela provar que não perde pelo casamento essa nacionalidade traz consigo a vantagem, decerto mais importante na prática, de evitar que ela fique sem nacionalidade.
Aliás, é semelhante a situação que, em caso paralelo, a lei em vigor cria à mulher portuguesa que casa com cidadão estrangeiro. (Código Civil, artigo 22.º, n.º 4.º).
A alteração proposta afigura-se, portanto, de louvar.
12. No artigo 11.º afirma-se a regra de que a nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo casamento de mulher estrangeira com português, se ela o tiver contraído de boa fé e enquanto tiver domicílio em Portugal.
A solução contrária é a consagrada no Code de la nationalité française (artigo 42.º) e tem sequazes no nosso país (Dr. L. da Cunha Gonçalves, Tratado ..., vol. I, p. 525); mas com orientação contrária opinou o Prof. Fernando A. Pires de Lima (O Casamento Putativo no Direito Civil Português, p. 252). A disposição em projecto resolve a questão no segundo sentido, e os motivos que o relatório invoca em justificação (n.º 7) - a possibilidade de do casamento haver filhos que conservem a nacionalidade portuguesa e o facto de a mulher se ter integrado realmente na comunidade portuguesa - são inteiramente procedentes. E tanto mais que a solução adoptada fica dependente da atitude da própria interessada e esta se revelará por um índice objectivo - a manutenção do seu domicílio em Portugal. Convém, no entanto, exprimir esta atitude por forma inequívoca, através de uma opção de nacionalidade.
13. Trata a secção II do capítulo II da aquisição da nacionalidade por naturalização (artigos 12.º a 16.º). Aí se renovam os princípios substantivos acerca da naturalização de estrangeiros, matéria esta que, depois de ter sido regulada pelos Decretos de 2 de Dezembro de 1910 e de 28 de Março de 1911, consta hoje do artigo 19.º do Código Civil, segundo a redacção do Decreto n.º 19 126, de 10 de Dezembro de 1930.
Pouco há a observar sobre o assunto.
Dizendo que o Governo «poderá» conceder a nacionalidade portuguesa mediante naturalização, o artigo 12.º vinca que a obtenção desta não constitui um direito subjectivo de todos aqueles que se encontrem nas condições previstas na lei. É apenas uma expectativa de direito, cuja concretização depende de uma faculdade discricionária a usar pelo Governo. E, em atenção a importância política que as naturalizações podem revestir, não pode criticar-se esta solução.
A atenuação das exigências permitida pelo artigo 13.º justifica-se òbviamente.
14. Refere-se o preceito do artigo 12.º à naturalização de qualquer cidadão de país estrangeiro, sem distinção alguma, que para adquirir a nacionalidade portuguesa reúne as condições ali impostas.
Mas esta Câmara tem conhecimento da existência de pretendentes à nacionalidade portuguesa de índole bem diversa. São muitos dos que pertencem a povos com maior ou menor grau de sangue nacional desde o tempo das conquistas e que se sentem presos a Portugal pelos laços da língua, que dificilmente conseguem ir conservando, ou da religião, que os isola do meio ambiente, ou da civilização ocidental, que assimilaram. São, em todo o caso, grupos humanos cheios de fervor português e que a Portugal se sentem vinculados por uma comunidade de sentimento e de vontade digna de admiração e credora de carinho.
Não pode pensar-se que o Governo proceda à naturalização, por assim dizer em massa, dos componentes de qualquer grupo destas populações, tantos e tão graves seriam os problemas que tal medida poderia suscitar. Mas é de desejar que a lei lhe dê meios para, segundo as circunstâncias de cada caso a considerar, poder introduzir no grémio da Nação muitos daqueles que, talvez impedidos para sempre de pisar o território nacional, todavia se sentem irmanados com a população portuguesa mediante laços espirituais, que só por falta de vínculo jurídico se não podem considerar como amor pátrio verdadeiro.
E isto pode prevê-lo a futura lei em disposição adequada.
15. O capítulo III do projecto intitula-se «Da perda e da reaquisição da nacionalidade» e também se divide em duas secções, das quais a primeira tem por epígrafe «Da perda da nacionalidade» (artigos 17.º a 20.º).
Comenta os respectivos preceitos o relatório do projecto (n.º 8), indicando o espírito que orientou as disposições. Por virtude destas eliminou-se das causas de perda da nacionalidade a aceitação de condecoração de qualquer governo estrangeiro sem licença do Governo Português (Código Civil, artigo 22.º, n.º 2.º), sanção transcrita do artigo 8.º da Carta Constitucional e que, em face da hodierna intensidade das relações internacionais, é totalmente desproporcionada com o facto que visa impedir e parece não ter paralelo em qualquer outra legislação.
A este respeito pode ainda dizer-se que, além de obsoleta, aquela disposição é hoje pràticamente inoperante. É por isso que, podendo certamente aplicar-se a muitos portugueses, só provocou até hoje uma decisão conhecida, e essa judicial. É a sentença de 9 de Dezembro de 1881, confirmada por acórdão da Relação dos Açores, que julgou ser a sanção cominada naqueles dois preceitos «grave pena que não deve ser imposta senão por sentença condenatória ...» (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 17.º, p. 489).
Justifica-se, portanto, inteiramente, a omissão daquele facto entre as causas da perda da nacionalidade.
Analisando agora as disposições projectadas, podem fazer-se-lhes algumas observações.
No artigo 17.º, alínea a), a fórmula empregada é, como se diz no relatório, mais ampla do que a fórmula vigente, que apenas se refere a naturalização, e permite abranger casos de aquisição de nacionalidade estrangeira como os apontados, aos quais o conceito de naturalização, não pode aplicar-se. A fórmula nova é, pois, mais adequada.
Ao fundamento da perda da nacionalidade expresso na alínea b) - a aceitação de funções públicas ou a prestação de serviço militar a Estado estrangeiro sem licença do Governo, se essas funções ou o serviço não forem abandonados dentro do prazo fixado - faz o relatório a importante restrição de que, no pensamento inspirador da lei, estes motivos apenas são aplicáveis aos cidadãos que sejam sòmente portugueses, e não aos
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que, sendo portugueses, sejam também nacionais de outro Estado a quem prestem o serviço ou a cujo funcionalismo cheguem a pertencer.
Tal é, na verdade, a doutrina razoável sobre este ponto, já que, não podendo negar-se a ninguém o dever ou o direito de prestar serviço a um Estado a cuja esfera jurídica se pertença por força do vínculo da nacionalidade, não faria sentido que tais situações se considerassem só por si como reveladoras da vontade de não querer conservar a nacionalidade portuguesa.
Mas se não há dúvidas sobre esta doutrina e ela é justa, importa, para eliminação de incertezas e segurança dos interessados, exprimi-la no próprio texto da lei.
As disposições das alíneas c), d) e e) do artigo 17.º não suscitam objecções. Sobre o significado da terceira dá o relatório do projecto (n.º 4) explicações inteiramente de aplaudir.
16. Para não dar a alguns casos de perda da nacionalidade a rigidez absoluta que resultaria da aplicação da lei feita ipso facto, dispõe o artigo 18.º que compete ao Conselho de Ministros decidir ponderadamente as circunstâncias particulares de cada caso sobre a perda da nacionalidade quanto a três situações concretas sobre as quais não se suscita qualquer dúvida. Todavia, para vincar bem a distinção entre elas e as previstas no artigo anterior por forma a acentuar que no artigo 18.º se concede ao Governo uma faculdade discricionária, convém retocar ligeiramente a disposição.
No artigo 19.º (que no n.º 8 do relatório do projecto é, por lapso, referido como artigo 22.º) dá-se ao Governo a faculdade de decretar a perda da nacionalidade ainda em dois casos, sobre o primeiro dos quais o artigo 20.º contém uma disposição complementar. São preceitos que não exigem justificação, especial.
17. Na secção II do capítulo III trata-se da reaquisição da nacionalidade (artigos 21.º e 22.º).
No artigo 21.º indicam-se em quatro alíneas, os pressupostos de facto que conduzem à reaquisição da nacionalidade, todos baseados sobre declaração da vontade dos interessados em regressar à esfera jurídica portuguesa. Do caso previsto na alínea b) -o de obtenção de graça especial de reaquisição - trata mais explicitamente o artigo- 22-.º, indicando que a respectiva concessão compete ao Conselho de Ministros e pode ser requerida através do> Ministério do Interior. São disposições que constituem um sistema coerente com os princípios- que dominam o (projecto e aos quais nada há a opor.
Deve, porém, suprimir-se na alínea c) do artigo 21.º a referência ao casamento anulado, visto a situação daí resultante já estar prevista no artigo 11.º
18. Também o capítulo IV, «Dos efeitos da atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade», se divide em duas secções. E a secção I, «Dos efeitos da atribuição da nacionalidade», contém-se toda no artigo 23.º
Consagra-se nesta disposição o princípio geral de que os efeitos da atribuição da nacionalidade portuguesa se produzem desde o nascimento do interessado, isto é, com retroacção a esse momento, quando as condições de que depende a atribuição só venham a verificar-se posteriormente. Para este caso, porém, ressalva-se a validade das relações jurídicas estabelecidas anteriormente com base em nacionalidade diversa.
Tanto a regra como a sua limitação merecem inteira concordância: a primeira por ser evidente a vantagem de não cindir no tempo o estatuto pessoal de cada indivíduo; e a segunda por poder ter reflexo no domínio dos direitos de terceiros.
19. A secção II deste capítulo IV intitula-se «Dos efeitos da aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade» (artigos 24.º a 33.º).
Exprimem-se nas primeiras sete destas disposições as consequências jurídicas dos factos referidos naquela epígrafe, que deles directamente dimanam e a lei quis firmar em forma expressa. Sobre esta matéria há a fazer uma observação apenas.
No artigo 28.º, n.º 1, impede-se temporariamente aos que adquirem a nacionalidade portuguesa o exercício de funções públicas ou de direcção e de fiscalização em sociedades ou outras entidades dependentes do Estado Português, por contrato, ou por ele subsidiadas.
Não suscita oposição o objecto deste preceito e a sua forma é a mesma do artigo 20.º do Código Civil, conforme a sua actual redacção.
Tal forma, porém, não é bastante clara. Por outro Judo, é certo que, mesmo nas sociedades que têm posição especial em relação ao Estado, podem os estrangeiros exercer, em certa medida, funções de direcção e fiscalização. E como não faria sentido que a capitis diminuto dos naturalizados fosse mais extensa do que II dos estrangeiros, é curial estabelecer apenas que durante o período de dez .anos estes não sejam hábeis para exercer as funções que não possam ser desempenhadas por estrangeiros.
20. Trata o capítulo V da oposição à atribuição, aquisição ou reaquisição da nacionalidade portuguesa (artigos 34.º a 36.º).
Nada há a observar sobre a razão de ser destas dispoções, cujo sentido de defesa dos interesses da colectividade nacional é patente e através delas se mostra acautelado. Mas, não obstante os termos da epígrafe abrangerem a reaquisição, nota-se que os preceitos dos três artigos do capítulo só permitem ao Governo opor-se à atribuição e aquisição da nacionalidade. E, contudo, no caso da reaquisição, podem suscitar-se problemas análogos aos previstos para os outros dois casos.
No projecto há, assim, uma lacuna, fácil de preencher com uma disposição nova que preveja a oposição do Governo no caso da reaquisição pelos únicos fundamentos a ela adaptáveis: os indicados nas alíneas a), b) e c) do artigo 34.º
21. O capítulo VI intitula-se «Do registo central da nacionalidade» (artigos 37.º a 45.º).
É um conjunto de regras tendentes a dar aos actos probatórios do estatuto pessoal em matéria da nacionalidade a certeza que lhes é indispensável para poderem produzir os seus efeitos.
Nada há a objectar ao sistema.
22. No capítulo VII, «Da prova da nacionalidade» (artigos 46.º e 47.º), .regula-se minuciosamente a importante matéria que consta da sua epígrafe.
Os respectivos preceitos estão, na generalidade, de harmonia com os princípios do projecto e o desenvolvimento do seu articulado.
23. O capítulo VIII, «Do contencioso da nacionalidade», contém apenas duas disposições (artigos 53.º e 54.º).
A primeira corresponde u letra do artigo 137.º de Lei n.º 2049, e sobre o seu alcance e significado já esta Câmara se pronunciou ao apreciar a proposta do Governo que veio a converter-se naquela lei. (Pareceres da Câmara Corporativa, V Legislatura, pp. 520 e seguin-
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tes). Exige, porém, um pequeno retoque destinado a excluir da sua letra as questões emergentes de actos que o projecto atribui à competência do Conselho de Ministros.
Será certamente de toda a utilidade o funcionamento junto da Conservatória dos Registos Centrais do contencioso da nacionalidade que o artigo 54.º manda organizar.
24. Intitula-se o capítulo IX «Dos conflitos de leis em matéria da nacionalidade» (artigos 55.º a 57.º).
Nas duas primeiras destas disposições adaptam-se ao direito interno princípios geralmente admitidos no corpo doutrinário do direito internacional privado. E na última firma-se uma regra de incontestável utilidade prática em caso de conflito de leis.
Nada a opor.
25. O último capítulo, o décimo, é o que contém as «Disposições diversas» (artigos 58.º e 59.º).
A primeira delas tem o fim de evitar uma dúvida e a segunda contém uma prescrição de ordem prática. Ambas estas normas se integram no sistema projectado e sobre o seu sentido ou alcance não há observações a fazer.
Nota-se, porém, a falta de uma disposição destinada a acautelar o estatuto jurídico especial de que gozam numerosas populações do território português, a cujo abrigo desenvolvem a sua vida colectiva própria. É o chamado regime de indigenato, em vigor nas províncias ultramarinas da Guiné, de Angola e de Moçambique, que convém isentar de qualquer incidência do diploma em projecto. E isso se obtém com uma nova disposição a colocar no seu final.
26. Além das alterações sugeridas nos números anteriores, outras há que se encontram incorporadas no texto a propor. São todas de simples redacção e tendentes a aumentar a clareza ou a permitir mais fácil interpretação das disposições do projecto em estudo. For isso não se lhes fez referência especial.
III
Conclusões
Em virtude do exposto, a Câmara Corporativa aprova na especialidade o projecto de decreto-lei n.º 500, sugerindo, no entanto, que no seu articulado se façam as alterações de que resulta dever o seu texto ficar com a redacção seguinte:
Da nacionalidade portuguesa
CAPITULO I
Da atribuição da nacionalidade originária
SECÇÃO I
Da atribuição por mero efeito da lei
ARTIGO 1.º
1. São portugueses, desde que hajam nascido em território português:
a) Os filhos de pai português;
b) Os filhos de mãe portuguesa se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito;
c) Os filhos de pais apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnitos;
d) Os filhos de pai estrangeiro, salvo se este estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence;
e) Os filhos de mãe estrangeira se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, salvo se aquela estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence.
2. Presumem-se nascidos em Portugal, salvo prova em contrário, os recém-nascidos expostos em território português.
ARTIGO 2.º
São igualmente portugueses, conquanto nascidos em território estrangeiro, os filhos de pai ou mãe portugueses que nesse território se encontrem ao serviço do Estado Português.
ARTIGO 3.º
Para os efeitos do disposto nos artigos 1.º e 2.º, são considerados como estando ao serviço do Estado a que pertencem aqueles que se encontrem fora do respectivo território em consequência de missão oficial do mesmo Estado.
SECÇÃO II
Da atribuição por efeito da vontade, declarada ou presumida
ARTIGO 4.º
São considerados portugueses os filhos de pai português nascidos no estrangeiro, desde que satisfaçam a alguma das seguintes condições:
a) Declararem, por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo menores, que querem ser portugueses;
b) Terem o nascimento inscrito no registo civil português através de declaração prestada pelos próprios, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo menores;
c) Estabelecerem domicílio voluntário em território português e assim o declararem perante a entidade competente.
ARTIGO 5.º
São tidos igualmente como portugueses, desde que se verifique alguma das condições previstas no artigo anterior, os filhos de mãe portuguesa nascidos em território estrangeiro se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito.
SECÇÃO III
Da filiação em matéria de nacionalidade
ARTIGO 6.º
ó a filiação estabelecida de conformidade com a lei portuguesa produz efeitos relativamente a atribuição da nacionalidade portuguesa.
ARTIGO 7.º
No caso de a filiação ser legítima, só a nacionalidade do pai produzirá efeitos em relação à nacionalidade dos filhos, salvo se aquele for apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
ARTIGO 8.º
A nacionalidade dos legitimados rege-se pelas disposições aplicáveis aos filhos legítimos.
ARTIGO 9.º
1. Se o filho ilegítimo for simultaneamente perfilhado por ambos os pais, apenas o reconhecimento paterno terá efeitos na fixação da nacionalidade do perfilhado, excepto se o pai for apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
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2. Se o filho ilegítimo for sucessivamente perfilhado por ambos os pais, apenas o primeiro reconhecimento será considerado para efeitos de fixação da nacionalidade do perfilhado, salva a hipótese de o perfilhante ser apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
3. A perfilhação só terá efeitos em relação à nacionalidade do reconhecido quando estabelecida durante a sua menoridade.
CAPITULO II
Da aquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Da aquisição da nacionalidade pelo casamento
ARTIGO 10.º
A mulher estrangeira que casa com português adquire a nacionalidade portuguesa, excepto se até à celebração do casamento declarar que a não quer adquirir e provar que não perde a nacionalidade anterior.
ARTIGO 11.º
A nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida nos termos do artigo anterior, desde que a mulher o haja contraído de boa fé e enquanto tiver domicílio estabelecido em Portugal, salvo se no prazo de seis meses optar pela nacionalidade da origem.
SECÇÃO II
Da aquisição da nacionalidade por naturalização
ARTIGO 12.º
O Governo poderá conceder a nacionalidade portuguesa mediante naturalização aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente as seguintes condições:
a) Serem maiores ou havidos como tais, tanto pela lei portuguesa como pela lei nacional do seu Estado de origem;
b) Terem a capacidade necessária para granjear salário suficiente pelo seu trabalho ou outros meios de subsistência;
c) Terem bom comportamento moral e civil;
d) Terem cumprido as leis do recrutamento militar do país de origem, no caso de não serem apátridas ou de nacionalidade desconhecida;
e) Possuírem conhecimentos suficientes, segundo a sua condição, da língua portuguesa;
f) Residirem há três anos, pelo menos, em território português.
ARTIGO 13.º
As condições a que se referem as alíneas e) e f) do artigo anterior não serão exigíveis aos descendentes de sangue português que vierem estabelecer domicílio em território nacional e poderão ser dispensadas em relação ao estrangeiro casado com portuguesa ou que tenha prestado ou seja chamado a prestar algum serviço relevante ao Estado Português.
ARTIGO 14.º
A naturalização será concedida por decreto do Ministro do interior, a requerimento do interessado e mediante processo de inquérito organizado e instruído nos termos que em regulamento vierem a ser fixados.
ARTIGO 15.º
O processo de naturalização e os documentos destinados à sua instrução não estão sujeitos às disposições da lei do selo.
ARTIGO 16.º
Como título de aquisição da nacionalidade, será passada ao interessado a carta de naturalização, que levará apostos e inutilizados os selos fiscais previstos na legislação em vigor.
ARTIGO 17.º
Quando o considerar justo e oportuno, o Governo poderá também reconhecer a nacionalidade portuguesa a pessoas pertencentes a comunidades que a si próprias se atribuem ascendência portuguesa e manifestem vontade de se integrar na ordem social e política nacional.
Este reconhecimento será feito nos termos do artigo 14.º, e para o obter exigir-se-ão apenas as condições enumeradas no artigo 12.º que o Governo considerar indispensáveis em cada caso.
CAPÍTULO III
Da perda e da reaquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Da perda da nacionalidade
ARTIGO 18.º
Perde a nacionalidade portuguesa:
a) O que voluntàriamente adquira nacionalidade estrangeira;
b) O que sem licença do Governo aceite funções públicas ou preste serviço militar a Estado estrangeiro, se, não sendo também súbdito desse Estado, não abandonar essas funções ou serviço dentro do prazo que lhe for designado pelo Governo;
c) A mulher portuguesa que case com estrangeiro, salvo se não adquirir, por esse facto, a nacionalidade do marido ou se declarar até à celebração do casamento que pretende manter a nacionalidade portuguesa, ou ainda se o casamento vier a ser declarado nulo ou anulado;
d) O que, havendo nascido em território português e sendo também nacional de outro Estado por motivo da filiação, declare, por si, quando maior ou emancipado, ou pelo seu legal representante, enquanto menor, que não quer ser português;
e) Aquele a quem na menoridade haja sido atribuída a nacionalidade portuguesa, nos termos da secção II do capítulo I, ou a tenha adquirido por efeito de declaração do seu representante legal, só declarar, quando maior ou emancipado, que não quer ser português e provar que tem outra nacionalidade.
ARTIGO 19.º
Compete ao Conselho de Ministros decidir, ponderadas as circunstâncias particulares de cada caso, sobre a perda ou a manutenção da nacionalidade:
a) Se a aquisição da nacionalidade estrangeira for determinada por naturalização directa ou indirectamente imposta a residentes no respectivo Estado;
b) Se os factos a que se refere a alínea b) do artigo anterior só forem conhecidos depois de haverem cessado o exercício das funções ou a prestação do serviço militar ou o Governo não chegar a designar prazo para o seu abandono.
ARTIGO 20.º
Por deliberação do Conselho de Ministros, pode o Governo decretar a perda da nacionalidade portuguesa:
a) Aos portugueses havidos também como nacionais de outro Estado que, principalmente após a maioridade ou emancipação, se comportem, de facto, apenas como estrangeiros;
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b) Aos portugueses definitivamente condenados por crime doloso contra a segurança externa do Estado ou que ilicitamente exercerem a favor de potência estrangeira ou de seus agentes actividades contrárias aos interesses da Nação Portuguesa.
ARTIGO 21.º
No caso previsto na alínea a) do artigo anterior, a perda da nacionalidade poderá tornar-se extensiva à mulher o aos filhos menores do plurinacional se todos forem também havidos como nacionais do outro Estado; a medida não será, porém, aplicável aos filhos se o não for simultaneamente à mulher.
SECÇÃO II
Da reaquisição da nacionalidade
ARTIGO 22.º
Readquire a nacionalidade portuguesa:
a) O que, depois de se haver naturalizado em pau estrangeiro, estabelecer domicílio no território nacional e declarar que pretende readquiri-la;
b) O que, após haver perdido a nacionalidade por decisão do Governo, obtiver graça especial de reaquisição;
c) A mulher que houver perdido a nacionalidade devido ao casamento celebrado com estrangeiro, no caso de o casamento ser dissolvido, se estabelecer domicílio em Portugal e declarar que pretende readquiri-la;
d) O que, havendo perdido a nacionalidade em consequência de declaração feita, na menoridade, pelo seu legal representante, tiver domicílio em Portugal e declarar, quando maior ou emancipado, que pretende readquiri-la.
ARTIGO 23.º
A concessão da graça especial de reaquisição da nacionalidade portuguesa compete ao Conselho de Ministros e poderá ser requerida pelo interessado, por intermédio do Ministério do Interior.
CAPITULO IV
Dos efeitos da atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Dos efeitos da atribuição da nacionalidade
ARTIGO 24.º
Salvo disposição em contrário, a atribuição da nacionalidade originária portuguesa produz efeitos desde o nascimento do interessado, ainda que as condições de que dependa só posteriormente se tenham verificado. Neste caso, porém, a atribuição da nacionalidade não prejudica a validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com fundamento em nacionalidade diversa.
SECÇÃO II
Dos efeitos da aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade
ARTIGO 25.º
Os efeitos dos alterações de nacionalidade dependentes de actos ou factos obrigatòriamente sujeitos a registo só se produzem a partir da data do registo.
ARTIGO 26.º
A carta do naturalização só produzirá efeitos se o seu registo for requerido dentro do prazo de seis meses, a contar da data do decreto de concessão.
ARTIGO 27.º
1. Os efeitos das alterações de nacionalidade dependentes de actos ou factos não obrigatòriamente sujeitos a registo produzem-se desde a data da verificação dos actos ou factos que as determinem.
2. Exceptua-se do disposto no número anterior o perda da nacionalidade fundada na aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira, a qual apenas produz efeitos para com terceiros, no domínio das relações de direito privado, desde que seja levada ao registo e a partir da data em que este se realize.
ARTIGO 28.º
O indivíduo que adquirir ou readquirir a nacionalidade portuguesa goza de todos os direitos inerentes à qualidade de português, salvo as restrições mencionadas no artigo seguinte e as expressamente previstas em leis especiais.
ARTIGO 29.º
1. Para o exercício de funções públicas ou de direcção e fiscalização de sociedades ou outras entidades dependentes do Estado Português, a aquisição da nacionalidade portuguesa só produz efeitos decorridos dez anos após a sua data, salvo se outro prazo for fixado em lei especial.
2. Se a aquisição se verificar, porém, durante a menoridade, a duração da inabilidade será de cinco anos, a contar da maioridade ou emancipação do interessado.
ARTIGO 30.º
A inabilidade prevista no artigo anterior é aplicável durante o prazo de três unos ao» que readquiram a nacionalidade portuguesa. Tal inabilidade não se produzirá se a perda da nacionalidade portuguesa se houver verificado, na menoridade do interessado, por declaração do seu representante legal.
ARTIGO 31.º
A mulher casada com indivíduo que adquira a nacionalidade portuguesa pode também adquiri-la se declarar que pretende ser portuguesa.
ARTIGO 32.º
1. Os filhos menores de pai legítimo ou ilegítimo ou de mãe ilegítima que adquira por naturalização a nacionalidade portuguesa poderão também adquiri-la se, por intermédio do pai ou da mãe, conforme os casos, declararem que pretendem ser portugueses.
2. Nas mesmas condições podem adquirir a nacionalidade portuguesa os filhos de mãe legítima se forem apátridas ou de nacionalidade desconhecida.
ARTIGO 33.º
Os filhos menores de pai legítimo ou ilegítimo ou de mãe ilegítima que perder a nacionalidade portuguesa poderão a ela renunciar se adquirirem a nova nacionalidade do pai ou da mãe, conforme os casos, e por intermédio deles declararem que não querem ser portugueses.
ARTIGO 34.º
São aplicáveis à filiação, para os efeitos dos artigos anteriores, as disposições da secção III do capítulo I.
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CAPITULO V
Da oposição à atribuição, aquisição on reaquisição da nacionalidade portuguesa
ARTIGO 35.º
O Governo poderá opor-se à atribuição da nacionalidade portuguesa aos indivíduos que se encontrem nas condições previstas nos artigos 4.º e 5.º que sejam também nacionais de outro Estado por qualquer dos seguintes fundamentos:
a) Terem praticado em favor de Estado estrangeiro actos contrários à segurança exterior do Estado Português;
b) Terem cometido crime a que, nos termos da lei portuguesa, corresponda pena maior;
c) Terem, exercido funções públicas de Estado estrangeiro ou haverem nele prestado serviço militar;
d) Terem mais de duas gerações de ascendentes imediatos nascidos no estrangeiro e não provarem conhecer suficientemente a língua portuguesa.
ARTIGO 36.º
O Governo poderá opor-se à aquisição da nacionalidade portuguesa não só pelos fundamentos constantes das alíneas a), b) e c) do artigo anterior, mas ainda pelas razões seguintes:
a) Se, no caso de a aquisição provir de casamento, a mulher tiver sido expulsa do país antes da celebração desse acto;
b) Se, no caso de reclamação da declaração feita, na menoridade do interessado, pelo representante legal, o reclamante houver manifestado expressamente, depois da maioridade, a vontade de seguir a nacionalidade estrangeira.
ARTIGO 37.º
O Governo poderá opor-se à reaquisição da nacionalidade portuguesa pelos fundamentos expressos nas alíneas a), b) e c) do artigo 35.º
ARTIGO 38.º
O direito a oposição será exercido pelo Ministro da Justiça, no prazo de seis meses, a contar da data do facto de que dependa a atribuição ou aquisição da nacionalidade o depois de ouvidos os Ministérios que possam contribuir para a justa decisão do caso.
CAPITULO VI
Do registo central da nacionalidade
ARTIGO 39.º
Do registo central da nacionalidade, a cargo da Conservatória dos Registos Centrais, constarão as declarações de que depende a atribuição da nacionalidade portuguesa, bem como a sua aquisição, perda ou reaquisição.
ARTIGO 40.º
É obrigatório o registo:
a) Das declarações necessárias para atribuição da nacionalidade;
b) Das declarações para a aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade;
c) Das declarações para que pelo casamento a mulher não perca a nacionalidade ou não adquira a do marido;
d) Da naturalização de estrangeiros.
ARTIGO 41.º
Para fins de identificação, serão inscritas no registo:
a) A aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da mulher estrangeira que casa com português;
b) A perda da nacionalidade em que incorre a mulher portuguesa que casa com estrangeiro;
c) A perda da nacionalidade por aquisição voluntária do nacionalidade estrangeira.
ARTIGO 42.º
A perda da nacionalidade nas condições previstas na alínea b) do artigo 18.º ou em consequência de decisão do Governo e, bem assim, a reaquisição por graça especial serão registadas oficiosamente.
ARTIGO 43.º
1. O registo dos actos a que se refere o artigo 40.º será lavrado a requerimento dos interessados.
2. O registo dos actos a que se refere o artigo 41.º será feito oficiosamente ou a requerimento dos interessados.
ARTIGO 44.º
As declarações previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 40.º, exceptuada a que se refere ao estabelecimento de domicílio em Portugal, poderão ser feitas perante os agentes consulares portugueses, e neste caso serão registadas oficiosamente em face dos necessários documentos comprovativos.
ARTIGO 45.º
Para fins do registo a que se refere o artigo anterior, os agentes consulares portugueses deverão enviar, no prazo de quinze dias e por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, os documentos necessários à Conservatória dos Registos Centrais.
ARTIGO 46.º
São gratuitos os registos das declarações para a atribuição da nacionalidade portuguesa e os registos oficiosos, bem como os documentos necessários para uns e outros.
ARTIGO 47.º
O registo de acto que importe atribuição, aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade será sempre averbado ao assento de nascimento do interessado.
CAPITULO VII
Da prova da nacionalidade
ARTIGO 48.º
A nacionalidade portuguesa de indivíduos nascidos em território português prova-se pelas menções constantes do assento de nascimento.
ARTIGO 49.º
A nacionalidade portuguesa de indivíduos nascidos no estrangeiro prova-se, consoante os casos, pelo registo das declarações de que depende a sua atribuição ou pelas menções constantes do assento de nascimento realizado nos termos previstos na alínea b) do artigo 4.º
ARTIGO 50.º
A aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade provam-se, nos casos de registo obrigatório, pelos respectivos registos ou pelos consequentes averbamentos lavrados à margem do assento de nascimento.
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ARTIGO 51.º
A aquisição e a perda da nacionalidade que resultem de actos cujo registo não seja obrigatório provam-se pelo registo ou pelos documentos comprovativos dos actos de que dependem. Para fins de identificação, é aplicável, porém, à prova destes actos o disposto no artigo anterior.
ARTIGO 52.º
Para efeito de inscrição ou matrícula consular, a prova da nacionalidade poderá ser feita noa termos previstos na respectiva legislação.
ARTIGO 53.º
Em caso de dúvida sobre a nacionalidade portuguesa do impetrante, os agentes consulares só deverão proceder à respectiva matrícula ou inscrição mediante prévia consulta à Conservatória dos Registos Centrais.
ARTIGO 54.º
1. Independentemente da existência do registo, poderão ser passados, a requerimento do interessado, certificados da nacionalidade portuguesa.
2. A força probatória do certificado poderá, porém, ser ilidida por qualquer meio sempre que não exista registo da nacionalidade do respectivo titular.
CAPITULO VIII
Do contencioso da nacionalidade
ARTIGO 55.º
1. Exceptuado o caso da naturalização e os previstos nos artigos 19.º e 20.º, é da competência do Ministro da Justiça decidir sobre as questões relativas à legalidade da atribuição, aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade e, bem assim, esclarecer as dúvidas que nessa matéria se suscitem.
2. Das decisões do Ministro cabe recurso, nos termos da lei geral, para o Supremo Tribunal Administrativo.
ARTIGO 56.º
Para averiguação da matéria de facto nas questões relativas à atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade portuguesa, funcionará junto da Conservatória dos Registos Centrais o contencioso da nacionalidade.
CAPITULO IX
Dos conflitos de leis sobre a nacionalidade
ARTIGO 57.º
Se um indivíduo tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for a portuguesa, prevalecerá sempre esta, salvo o disposto no artigo seguinte.
ARTIGO 58.º
O português havido também como nacional de outro Estado não poderá, enquanto viver no território desse Estado, invocar a nacionalidade portuguesa perante as autoridades locais nem reclamar a protecção diplomática ou consular portuguesa.
ARTIGO 59.º
No caso de conflito positivo de duas ou mais nacionalidades estrangeiras, prevalecerá a nacionalidade do Estado em cujo território o plurinacional tiver domicílio.
CAPITULO X
Disposições diversas
ARTIGO 60.º
A inscrição ou matrícula realizada nos consulados portugueses, nos termos do respectivo regulamento, não constitui, de per si, título atributivo da nacionalidade portuguesa.
ARTIGO 61.º
Em todos os casos de aquisição de nacionalidade, e, bem assim, nos de atribuição dependente de facto posterior ao nascimento, o interessado deverá registar os actos do estado civil a ele respeitantes que, segundo a lei portuguesa, devam obrigatòriamente constar do registo civil.
ARTIGO 62.º
O preceituado neste diploma não prejudica o disposto nas regras especiais do regime de indigenato em vigor nas províncias ultramarinas da Guiné, de Angola e de Moçambique, nos termos do Decreto-Lei n.º 39 666, de 20 do Maio de 1954.
Palácio de S. Bento, 8 de Janeiro de 1959
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
João Mota Pereira de Campos.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Adelino da Palma Carlos.
Augusta de Castro.
António Pinto de Meireles Barriga.
Manuel António Fernandes.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
José Augusto Vaz Pinto, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA