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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132

ANO DE 1959 9 DE JULHO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 132, EM 8 DE JULHO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Morais Sarmento congratulou-te por ter sido estabelecido o 3º ciclo no Liceu de Chaves e pediu que na Escola Industrial da mesma cidade seja instituído o curto geral de comércio.
O Sr. Deputado Carlos Moreira secundou as palavras daquele Sr. Deputado.
O Sr Deputado Bartolomeu Gromicho ocupou-se do turismo e preconizou a actualização ao Decreto n.º 10 292.
O Sr. Deputado Fere» Claro referiu-se às escolas técnicas, agradecendo ao Governo, em especial, a que foi criada em Montemor-o-Novo.
O Sr. Deputado Henriques Jorge anunciou a breve construção de um barco para a carreira das ilhas adjacentes.
O Sr Deputado Pinto de Mesquita tratou da questão de exames no ensino secundário.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do projecto de alteração à Constituição Política da autoria do Sr. Deputado Carlos Moreira O artigo 2º foi rejeitado. O artigo, 3.º foi aprovado. Os artigos 4º e 5º foram rejeitados. O artigo 6.º foi aprovado conforme o texto de uma proposta do Sr Deputado Mano de Figueiredo Os artigos 7 º, 8º e 9.º não foram votados.
Seguiu-se a discussão do projecto do Sr. Deputado Duarte Silva Foi substituído por uma proposta de emenda ao artigo 184 º do Sr Deputado Sarmento Rodrigues e outros Srs. Deputados. A proposta de alteração ao artigo 1º da Constituição foi rejeitada.
Na discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Cortês Pinto a Assembleia aprovou uma proposta de substituição apresentada pelo Sr Deputado Sarmento Rodrigues e outros Srs. Deputados.
Foi concedido um bill de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para a elaboração dos textos definitivos das leis votadas.
O Sr. Presidente encenou a sessão às 20 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas.

Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Finto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves domes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortas Lobão.

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António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

Sr. Presidente:-Estão presentes 84 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 liaras e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta ao seguinte

Expediente

Telegramas

Do Sindicato do Pessoal dos Tabacos do Porto a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Urgel Horta em defesa dos trabalhadores daquela indústria.
Da Câmara Municipal de Poiares a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões relativa à construção do Templo de Nossa Senhora do Ar na serra do Carvalho.
Vários a apoiar a inclusão do nome de Deus na Constituição Política.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Morais Sarmento.

O Sr. Morais Sarmento: - Sr Presidente, publicou anteontem o Diário do Governo o decreto que estabelece o 3.º ciclo no Liceu Nacional de Chaves. Esta noticia encheu-nos de alegria, pois, sendo uma das nossas maiores aspirações desde há longos anos, hoje vemos quanto o Governo se interessa em satisfazer uma das maiores necessidades daquela região.
Estão, pois, de parabéns não só as famílias de Chaves, como todas as do Noroeste transmontano, as quais têm resolvida com grande facilidade e economia a continuação e conclusão do ensino liceal para os seus filhos.
Sendo este o único liceu nacional, segundo creio, que não possuía o 3.º ciclo, impunha-se a sua criação, dado o aumento da frequência e a distancia a que se encontra dos outros centros liceais do Pais. Era urgente a medida agora tomada, pois que até aqui muitos alunos, por falta de recursos, limitavam os seus estudos apenas ao 5.º ano, o qual pouca salda lhes dava.
Com este aumento e com a instalação da escola comercial e industrial no novo e amplo edifício presentemente em construção fica toda a região de Chaves e dos concelhos limítrofes com possibilidades de dar a necessária e completa instrução à juventude que frequente os dois estabelecimentos de ensino nesta cidade.
Para que este ensino seja mais completo carece-se apenas de que à escola industrial, com a frequência de cerca de quinhentos alunos, seja dado o curso geral de Comércio, ficando assim os seus alunos com mais habilitações, e, portanto, no futuro, com mais possibilidades de colocação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-No despertar dos grandes melhoramentos que se estão a realizar em Chaves, a criação deste curso seria mais um alto benefício que as gentes da minha terra ficariam a dever ao Governo da Nação e a juntar a tantos outros já recebidos.
Nesta altura não quero perder o ensejo de expressar o mais merecido reconhecimento ao Sr. Ministro das Finanças por ter tornado possível em ritmo mais acelerado a electrificação de Trás-os-Montes.
São devidos, pois, todos os agradecimentos ao solicito interesse que S. Ex.ª pôs na satisfação de uma das grandes necessidades da região.
Sr. Presidente: creio bem que interpretando os sentimentos dos pais de família do meu concelho e cumprindo o mandato para que me elegeram, ainda que modestamente os represente nesta Assembleia, venho aqui levantar a minha voz para exprimir ao Governo o maior reconhecimento pelo bem agora recebido. É, pois,

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com inteira satisfação que deste lagar dirijo os maiores agradecimentos a todos os que, de alguma forma, contribuíram para a criação do 3.º ciclo em Chaves, muito particularmente aos Srs. Ministros das Finanças e da Educação Nacional, que com tanto carinho e denodo se tom dedicado ao aperfeiçoamento do ensino e da educação no nosso país.
Faço votos para que SS. Exas., com as suas capacidades de inteligência e de coração, consigam o fim que se propuseram, dando a nossa juventude não só cultura, mas sobretudo educação, regida pelos princípios que tornaram grandes os nossos antepassados, e assim continuem a obra começada com esforço quase sobre-humano pelo Sr. Presidente do Conselho, a quem os Portugueses já tanto devem e en aqui presto a minha singela homenagem com uni sincero «Muito obrigado!».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Carlos Moreira: - Sr Presidente: não podia deixar de associar-me expressamente às palavras que acabam de ser proferidas pelo Sr. Deputado Morais Sarmento a propósito da criação do 3.º ciclo no Liceu de Chaves.
Não será preciso alongar-me, porque, tendo sido reitor daquele. Liceu e presidente da Câmara Municipal da mesma cidade, foi assunto que também constituía aspiração dessa época e que conseguimos ver realizada, sobretudo pela interferência desse ilustre português que foi o Chefe do Estado Sr. Marechal Carmona. Retiraram em seguida esta situação ao Liceu de Chaves e é-lhe agora restituída pela larga compreensão que o Sr. Ministro da Educação Nacional tem dos problemas a seu cargo.
Associando-me, pois, ao júbilo que ó manifestado pelo Sr. Deputado Morais Sarmento, acrescento as minhas homenagens ao ilustre Ministro da Educação Nacional, que sempre, com justiça e visão, encara os problemas de interesse local dentro da sua pasta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr Presidente. neste final da sessão legislativa não era minha intenção usar da palavra, mas vejo-me compelido a fazê-lo para não deixar sem utilização oportuna os elementos que requeri em sessão de 19 de Março último e que só na pretérita terça-feira me foram entregues.
Agradeço ao Ministério das Corporações e Previdência Social os elementos mencionados, que foram fornecidos pela Direcção-Geral do Trabalho e Corporações, a que torno extensivos os meus agradecimentos.
Sr. Presidente: em minha intervenção de 25 de Março de 1958, com base em informações provindas do Secretariado Nacional da Informação, pus em destaque vários problemas relacionados com a actividade turística no nosso pais.
Foi-me possível apontar com dados certos, relativos a 1957, o aumento substancial do afluxo de turistas provenientes de países da Europa e de outros continentes, ocupando o 1.º lugar a Espanha e seguindo-se-lhe pela ordem decrescente a França, os Estados Unidos da América, a Inglaterra, a Alemanha, o Brasil, num total de 251 385 visitantes, chegados por terra 64,5 por cento, por mar 6,2 por cento e pela via aérea 29,3 por cento.
Considerando o turismo como «exportação de serviços» e comparando o seu valor com o comércio da exportação de mercadorias, verifica-se que o turismo
internacional ocupou em 1956 o 5.º lugar entre os principais produtos de exportação e atingiu o montante de 592 000 contos, verba esta só ultrapassada pela cortiça em prancha (889 000 contos), fio e tecidos de algodão (808 000 contos), sardinha em conserva (774 000 contos) e cortiça manufacturada (713000 contos), e não igualada por outros produtos importantes, tais como a madeira (510 000 contos), o vinho do Porto (339 000 contos), e em posição inferior os resinosos, volfrâmio, vinhos comuns, pirites e outros minérios.
No pretérito ano de 1958 a afluência de turistas de vários países foi sensivelmente superior e mantendo a primazia a Espanha, com 55 848, a seguir os Estados Unidos, com 48 121, a França, com 45 951, a Inglaterra, com 23 570, e a Alemanha, com 14 900.
Este aumento sensível implicou acréscimo substancial nas receitas provenientes do movimento turístico internacional no nosso pais e a posição global em relação às exportações melhorou de forma acentuada.
Realmente, as entradas dos turistas no ano de 1958 ascenderam a 263 890, contra 251 385 em 1957.
As receitas computadas através do Banco de Portugal, que em 1956 tinham totalizado, afora as receitas invisíveis, 592 000 contos, subiram em 1957 para 696000 contos e atingiram em 1958 a opulenta cifra de 736 000 contos, o que representa no valor geral das exportações dos dois referidos anos - 6 100 000 contos e 6 002 000 contos, respectivamente - 11 e 12 por cento do valor total de mercadorias e o 2.º lugar na lista das espécies exportadas.
O turismo em Portugal, além dos rendimentos verificáveis pelo Banco de Portugal, deve ter proporcionado uma afluência global de divisas acima do milhão de contos, incluindo as presumíveis receitas invisíveis.
No ano decorrente, nos primeiros cinco meses, o movimento turístico internacional, proveniente de quarenta e um países de todos os continentes, acusa uma cifra respeitável, que se define pelo número 221 342, e só em Abril e Maio Portugal recebeu 61 111 e 89 377 visitantes, ou seja mais do triplo do movimento em iguais meses do ano anterior.
Aproveito o ensejo para agradecer aos funcionários do Secretariado Nacional da Informação os dados que acabo de mencionar.
Dada a importância que a indústria do turismo já assumiu entre nós, embora ainda pouco mais do que em fase pioneira, impõe-se a conclusão da rede hoteleira, com graves lacunas na chamada província. No Alentejo, isto é, nas cidades de Évora, Portalegre e Beja, o problema hoteleiro pouco avançou dos projectos em estudo e da execução demorada do Hotel Planície, que no presente ano ainda não pode funcionar. Em Beja há nada menos de três projectos embaraçados localmente por razões de vária ordem. Assim, continuam as três cidades capitais sem o apoio hoteleiro, com grave prejuízo para o seu desenvolvimento turístico.
Muito havia que referir sobre o problema rodoviário, em que existem ainda deficiências que nos colocam mal perante os que nos visitam por estrada. Só agora foi possível estar prestes a concurso a reparação do troço Estremoz-ribeira do Terá, na via Caia-Lisboa, ficando ainda por melhorar a zona ribeira do Tera-Arraiolos-Montemor, cerca de 50 km. Várias vezes tenho acentuado que essa via é o mais importante acesso a Lisboa, vindo de Espanha em automóvel.
Por último, Sr. Presidente, quero referir-me ao Decreto n.º 10 292, de 14 de Novembro de 1924, sobre os guias e intérpretes, o qual está desactualizado.
Nas informações recebidas, a Direcção-Geral do Trabalho e Corporações, anuncia que está em estudo, já adiantado, um diploma que virá regulamentar a actividade desses úteis e imprescindíveis auxiliares do turismo.

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No momento presente verifica-se que são apenas noventa e dois os inscritos no sindicato respectivo e que desses só em Lisboa prestam serviço cinquenta e nove de várias categorias, no Porto dezoito, em Coimbra sete e apenas oito em mais cinco localidades, a saber: Évora dois, Batalha um, Leiria três, Tomar um e Setúbal um.
Em Évora há realmente um, porquanto o segando reside em Lisboa e só ali vai aos domingos, que eu saiba.
O único que reside em Évora é ao mesmo tempo, e acima de tudo, funcionário da Repartição do Turismo, pelo que não pode acompanhar visitantes durante as horas da Repartição.
Quer dizer que, além de outro guia não sindicalizado e que é também funcionário da Comissão Municipal de Turismo, não há guias-intérpretes em número que, de longe, satisfaçam as exigências da enorme afluência de turistas que, de automóvel, de comboio ou de autocarro, demandam aquela maravilhosa cidade. Era, pois, necessário que se alterasse o citado Decreto n.º 10 292, especialmente no rigor do seu artigo 1.º, que estabelece sanções drásticas e injustas para os acompanhantes que não tenham licença de guias, actualmente sindicalizados.
É que a pena mínima é de prisão de quinze a trinta dias, não remível, e multa até 300$!
É sabido que em cidades menores, onde todos se conhecem, é descabido tal rigor de sanções. Bastaria que a lei autorizasse as comissões municipais de turismo a aceitarem a inscrição de voluntários que a título gratuito se prestassem a acompanhar turistas, com visível vantagem para a boa impressão que os visitantes colheriam da lhaneza e hospitalidade dos habitantes.

O Sr Costa Ramalho: - V Ex.ª dá-me licença?

O Orador: -Faz favor!

O Sr. Costa Ramalho:- Penso que V Ex.ª está a referir-se a possibilidade de utilizar estudantes como guias. Convirá, nesse caso, que eles estejam devidamente informados sobre a história e a arte locais, para não fazerem tristes figuras perante estrangeiros, que esperam de um estudante um pouco mais de cultura que de outro indivíduo qualquer.
E convirá também que sejam pessoas honestas e de recta intenção, para não divulgarem entre os estrangeiros - como em alguns casos do meu conhecimento - historietas fantasiosas e mal-intencionadas ...

O Orador: -É precisamente como V. Exª diz!
Na verdade, o turismo é uma rendosa indústria, que não pode confinar-se à frieza dos limites do interesse lucrativo, mas tem de ter na base a arte de bem-receber, que é, de facto, a mola propulsora e o íman irresistível para o seu natural e humano desenvolvimento.
Em muitas cidades e vilas há organismos culturais de carácter particular que procuram colaborar com as autoridades no campo turístico e da valorização dessas terras.
O Grupo Pró-Évora manteve em vários anos cursos de cicerones com a finalidade de angariar voluntários que acompanhassem os visitantes nacionais ou estrangeiros.
Anos houve, antes de 1936, em que esses cicerones eram os únicos acompanhantes possíveis.
Além desses cicerones poderiam também ser autorizados estudantes, que teriam o beneficio de aperfeiçoar os seus conhecimentos de línguas estranhas.
Oxalá que o anunciado decreto em estudo preveja e resolva estas dificuldades, que emergem da aplicação hirta e drástica do mencionado Decreto n.º 10292, de 1924.
Para terminar, consinta V. Ex.ª, Sr. Presidente, que aproveite o ensejo de estar no uso da palavra para felicitar Montemor-o-Novo pela conquista justa e necessária da sua escola comercial e industrial e para agradecer, como deputado do distrito de Évora, ao Sr. Ministro da Educação Nacional, o benefício que acaba de conceder àquela importante terra alentejana.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi, muito cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: - Sr Presidente: na sequência de uma política de expansão do nosso ensino técnico,
que nesta Camará encontrou eco muito favorável aquando a discussão do II Plano de Fomento, acaba de ser anunciada ao País a criação de mais três escolas industriais e comerciais e de uma outra técnica elementar.
Quatro novas escolas é, porém, ainda muito pouco para satisfação das necessidades do País em mão-de-obra especializada, para satisfação dos anseios, angustiantes até, em que algumas terras vivem quanto ao futuro dos seus filhos, mas elas representam, sem dúvida, para além do esforço financeiro, que só em construções e apetrechamento será da ordem dos 50 000 contos, um acrescer de preocupações para o Ministério da Educação Nacional, pois, apesar das diligências feitas, e em curso, para ser debelada a crise de professores -a quê tantas vezes se tem referido o ilustre titular da pasta-, ela continua aguda e não sei se em piores perspectivas.
É que, Sr. Presidente, a falta de professores, que começam por não se formar ao ritmo das necessidades, agravando-se assim, ano a ano, o problema, não está apenas -e a prova começa a ser tirada ante a ostensiva atitude burocrática de alguns-, não está apenas, dizia, numa questão de dinheiro. É certo que, no que respeita ao ensino técnico, todos os anos as escolas são sangradas dos seus melhores provisórios pelos liceus, porque nestes o serviço recebe muito melhor remuneração. É certo que, limitados os quadros de efectivos e os seus acessos, muitos licenciados, ante as perspectivas de uma vida de professor provisório sem pagamento de férias, preferem basear noutro lado aquele assento de vida por que todos ansiamos e em que facilmente, e com menores responsabilidades, auferem mais do que ensinando.
Haverá, pois, nesta crise da falta de professores, tão debatida, mas parece que não a fundo estudada, uma forte causa económica, mas eu diria, analisando preferências e ocorrências, que ela está sobretudo dependente de uma causa moral.
A profissão de professor continua a ser uma profissão de devoção. O professor tem de sentir em si o prazer de criar - o que implica sérias responsabilidades, porque a criação será de caracteres e de inteligências - e tem de sentir em si um sempre renovado entusiasmo, para no inicio de cada ano lectivo recomeçar uma, tarefa que ele nunca acabará e que, se lhe dá por vezes a sensação de rotineira, tem para os alunos, sempre, o encanto da novidade, que não pode deixar de ser viva, e assim o deve compreender sempre o professor.
Sem querer repetir frases feitas, embora tradutoras de uma realidade efectiva, não há dúvida de que nos tempos de hoje quase todos procuram conseguir o máximo de proventos com o mínimo de trabalho e de responsabilidades. Escolher a profissão de professor significa ter de se abdicar desse princípio cómodo, significa ter de se abandonar este fascínio das grandes cidades de Lisboa e Porto, onde não há vagas a preencher ...
Esperemos os resultados dos tentativas de captação que estão em curso, ou estão em mente, e que visam

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todas a simplificar o acesso ao quadro de efectivos, para então nos pronunciarmos em definitivo sobre a causa principal da crise de professores.
Não veio a despropósito, Sr. Presidente, este debruçar sobre o problema número um do ensino, no momento em que o Governo decretou a criação de mais quatro escolas técnicas. Tem o Governo de atender aos legítimos anseios e interesses dos povos, tem o Governo de prover ao futuro da Nação, mas neste caso da criação de novas escolas e novos liceus, que se sabe vir agravar a já muito grave falta de professores, não sei se não seria preferível, arrostando mesmo com o desagrado das terras, protelando mesmo o progresso da Nação, se não seria preferível despender todos os esforços apenas no sentido de se conseguirem professores.
O Governo tem entendido, porém, ser preferível uma atitude menos rígida e, sem deixar de fazer notar as dificuldades, tem procurado atender os pedidos de criação de escolas considerados mais instantes. Assim, receberam agora esse benefício Fafe, Montemor-o-Novo, Sintra e, de certo modo, Almada, onde o excesso de frequência obrigou ao desdobramento da escola existente.
Como Deputado pelo circulo de que Montemor-o-Novo faz parte, quero agradecer ao Governo, e em especial ao Sr. Ministro da Educação Nacional, o ter considerado, à frente de tantos outros, pela agudeza de que se revestia, o caso de Montemor.
Dessa Montemor que, recolhida no seu labor rural, no caminho que leva ao coração do Alentejo, tem em si como que um fermento de vida interior, donde surgiram vultos como esse enorme S. João de Deus, tão condoído daqueles a quem a razão minguava, ou pomo o poeta arcádico Curvo Semedo, que acamaradou com os grandes da sua época. Vida espiritual e cultural que já no reinado de D. Dinis era seu apanágio e a ela trouxe a maior parte da nobreza do reino e dos prelados, para, em reunião com aquele rei, que a história veio a conhecer como lavrador e trocador, deliberarem sobre o pedido a fazer ao Papa Honório IV para a fundação do que mais tarde haveria de ser a Universidade de Coimbra.
É em nome, pois, desta Montemor, cuja maior aspiração era, neste momento, exactamente a criação de uma escola técnica, que agradeço a possibilidade agora dada a seus filhos de adquirirem maior soma de cultura, na esperança de que o fermento latente levede de forma a poder a Nação, dentro em breve, contar com mais alguns inconfundíveis valores, saídos desse cadinho operoso que é o povo e para o qual se olha agora particularmente, ao alargar-se a rede do nosso ensino técnico profissional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi manto cumprimentado.

O Sr Henriques Jorge: -Sr. Presidente: o problema das comunicações marítimas com as ilhas adjacentes tem sido tratado nesta Camará por mais de uma vez e sempre com elevação de pensamento que me ó grato reconhecer e a que presto homenagem.
Não significa, porém, tal insistência, que o problema tenha sido descurado por quem de direito. De facto, não o foi. Desde os notáveis despachos sobro o assunto proferidos pelo então Ministro da Marinha, Sr. Almirante Américo Thomaz, até aos do actual Ministro, tudo se tem conjugado para que, apesar da situação difícil da Empresa Insulana de Navegação, só consiga a substituição rápida dos actuais paquetes Lima e Carvalho Araújo, que hoje mantém a ligação regular entre o continente e as ilhas.
É indiscutível que no campo dos transportes marítimos nunca se perderam de vista os interesses das ilhas que os navios se destinam a servir. E foi até para as ilhas adjacentes, e só para elas, que se abriu uma excepção ao principio da reserva de tráfego, entre portos portugueses, a lavor da bandeira nacional. Presentemente, qualquer navio estrangeiro pode transportar passageiros entre o continente e as ilhas, e desta faculdade vêm, desde há anos, aproveitando largamente os passageiros de ou para o Funchal.
Regozija-me poder anunciar, Sr. Presidente, que o II Plano de Fomento, em curso, prevê efectivamente a construção imediata do navio que há-de substituir o Lima.
Consta deste plano a quantia de 165 000 contos destinada à aquisição de um navio para a carreira das ilhas adjacentes, importância que, parcelada por uns anos, o Fundo de Renovação da Marinha Mercante facultará, em empréstimo amortizável a longo prazo, à Empresa Insulana de Navegação.
E, havendo dinheiro, seria a altura de começar a pensar nas características da unidade a construir, o que obrigaria a um estudo demorado. Depois seriam consultados os estaleiros, e tanto as propostas destes, como a sua análise levariam a novas demoras. Assim, largo tempo decorreria até que finalmente se pudesse adjudicar a construção, não falando- já no tempo que esta exigiria.
Pois, Sr. Presidente, não se esperou por disponibilidades de tesouraria para que fossem iniciados os estudos técnicos e económicos do novo navio. Estes trabalhos anteciparam-se e, além da análise pormenorizada das características mais convenientes ao tráfego a que a nova unidade se destina, capazes de garantir a sua melhor exploração económica, já se efectuaram as consultas aos estaleiros, já se receberam respostas e já se decidiu a quem o trabalho deverá ser adjudicado.
Mais ainda: como o empréstimo que a Empresa Insulana de Navegação receberá do Fundo de Renovação da Marinha Mercante é insuficiente para ela se poder abalançar à encomenda do navio, a Empresa aumentará o seu capital social, enfrentando para tanto as dificuldades próprias e as inerentes às de os accionistas de há muito tempo não verem o seu capital remunerado, pois desde 1948 não recebem dividendo.
Menciona-se esta circunstancia para realçar o número e o quilate das dificuldades do problema que os passageiros, os carregadores, a companhia armadora e o Governo, mais que ninguém, desejam ver resolvido.
O navio a construir terá uma velocidade de cruzeiro de 20 nós, instalações para cerca de 80 passageiros de 1.ª classe e 320 de turística e uma capacidade de carga de 2780 t, além de câmaras frigoríficas para transporte de carne. Beneficiará também de ar condicionado e será o primeiro navio português equipado com estabilizador de balanço.
Tudo há-de ter feliz desfecho, incluindo as dificuldades particulares inerentes à carreira, que não podem deixar de ter-se em linha de conta quando se pensa dar ao problema solução realista. Uma delas, em matéria de cargas, é a que resulta do profundo desequilíbrio entre as cargas de ida e do volta. Os navios podem demandar as ilhas completamente atestados, mas no retorno vêm frequentemente com reduzidíssima carga nos seus porões. A sua exploração económica é assim grandemente dificultada.
Por outro lado, a carreira, relativamente ao percurso, tem muitos portos de escala, o quo acarreta um agravamento importante nos encargos, dadas as despesas portuárias a que obriga.
Seria evidentemente ideal que se pudesse desde já proceder à substituição do Lima, sem que, para tanto, tivéssemos de aguardar até 1961 a chegada da nova unidade encomendada. Mas a dificuldade de se obter no

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mercado internacional - a preços razoáveis - o fretamento de navios de passageiros, o custo dos fretamentos e a importância a despender na adaptação de outros navios para que satisfaçam os fins em vista - tudo são obstáculos que surgem e tornam talvez impossível atingir-se este ideal. E assim, se outras circunstancias não surgirem, é de admitir que, entretanto, os antigos navios da carreira continuem a ser nela utilizados. Não têm, evidentemente, estes navios o conforto e as comodidades dos modernos, mas dai até dizer-se, como por vezes transparece, que carecem de condições de segurança, vai uma distância muito grande.
Portugal está ligado a convenções internacionais sobre a segurança da navegação, cuja observância é suscitada com o máximo rigor pelas autoridades marítimas. Nenhum navio que desobedeça às condições estabelecidas nas convenções pode navegar. As suas reclassificações periódicas são obrigatórias e sem elas os navios ficam inibidos de largar dos portos. Por consequência, os navios da carreira das ilhas adjacentes têm as suas classificações oficiais e satisfazem todos os requisitos internacionais de segurança.
O novo navio corresponde ao tipo mais apropriado ao serviço a que se destina e resultou de imposições técnicas que tiveram em conta as particularidades e circunstancias da carreira.
Esse navio, pelas suas características, não poderá ser construído em Portugal. Foi só por isso (apesar de o preço da construção ser mais alto no Pais) que a encomenda se fez a um estaleiro estrangeiro, mas tanto empenho se pôs em dar trabalho aos estaleiros nacionais que se obteve, em contrapartida, a construção em Portugal de outras unidades cuja tonelagem seja equivalente à do navio encomendado.
Assim, graças à maneira inteligentíssima como as negociações foram conduzidas pelo Sr. Ministro da Marinha, se chegou a uma solução que, neste momento de crise de construções, é bastante vantajosa para os estaleiros nacionais.
Estamos, por isso, todos de parabéns: a empresa, a população das ilhas adjacentes, os estaleiros e a mão-de-obra nacionais.
Não quis deixar de mencionar este facto, para que se preste ao Governo, na pessoa do Sr. Ministro da Marinha, a justiça que lhe é devida pelo zelo e pela inteligência com que acompanhou o problema, removendo as dificuldades apontadas e outras que não se apontaram, até chegar a uma solução brilhante, que a todos deve regozijar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Simeão Pinto de Mesquita: -Sr. Presidente permita-se-me baixe do alto nível de jurismo puro, e até de metafísica, em que temos respirado, para uma realidade bem própria desta época estival, a deste tempo dos exames: acumulação - e esta, não como tantas, bem pouco grata - da canícula com as cólicas, cólicas de que partilham, com os alunos, os pais e, na generalidade, as famílias.
Em regra, tal época não coincide com a do funcionamento desta Camará, e, assim, dai o não se aludir nesta Casa ao assunto com a frequência de que decerto é merecedor, na justa medida em que afecta a sensibilidade pública.
Como desta feita, porém, tal coincidência se dá, é oportuno dizer a propósito dos exames alguma coisa, ainda que só por lembrança - se diz em linguagem tabelioa - e para que o País sinta que esta Camará está,
como lhe cumpre, atenta ao magno problema da educação nacional; isto com a reserva, quanto a tal problema, de em dias menos cálidos se voltar à matéria.
Falemos de pontos de exame.
Do reformismo do Estado, a que, para largas vantagens do enriquecimento e prestigio nacional, vimos assistindo, há, por assim dizer, estruturas basilares, que por si mesmas se impõem, geralmente directa ou indirectamente impulsionadas pelo Sr. Presidente do Conselho. reforma fiscal, com as suas consequências de incremento económico e de obras públicas, até aos grandiosos Planos de Fomento; reformas e apetrechamento militares de que, portugueses, nos devemos sentir orgulhosos, perspectivas corporativas; sábia política internacional e ultramarina; regresso à paz religiosa ...
Outros pruridos de reformismo tem havido que no sen radicalismo, no avesso da nossa tradição nacional, me parecem assaz discutíveis, o da oralidade na justiça; o dos testes relativos às provas escritas nos exames.
Quanto ao regime dos testes, de inspiração anglo-saxónica, lembramos que Oliveira Martins, fazendo-lhe referência nas suas Cartas de Inglaterra, o prognosticava inteiramente contra-indicado para os Latinos, e particularmente para o fogoso temperamento português.
No entanto, foi-se de chofre para ele. Hoje, pela sabida reacção que provocou, atenuou-se-lhe felizmente o radicalismo essencial.
Não obstante, todos os anos, os pontos escolhidos têm dado lugar a surpresas e dúvidas pouco agradáveis, e que, sobretudo, criam na juventude -que tudo para ela é educação - estados de espirito de reserva quanto à lealdade fundamental, ou pelo menos ao escrúpulo, com que cada coisa na vida merece tratar-se.
Pela leitura de diários que têm versado o assunto vê-se ter sido este ano, no 3.º ciclo, proposto um ponto de geometria que, pelo menos, é muito discutível se tinha ou não possibilidade de solução, na certeza de que nunca deve admitir-se como solução susceptível de prever-se a de ter de concluir o aluno não haver solução.
Já há dois anos, salvo erro, outro ponto de matemática do 3.º ciclo teve de ser anulado.
Também - segundo informações fidedignas falo - no 2 º ciclo se propôs em desenho um ponto em que o cálculo e respectiva construção gráfica discrepavam, com a consequente vacilação nos examinandos sobre qual o rumo a preferir: o do enunciado ou o da figura.
Neste mesmo 2.º ciclo, em pontos de francês, havia um com referência a expressões sublinhadas que o não estavam e a espaços em branco inexistentes.
Para circunstâncias tais tem-se recorrido ao remédio de se atribuir maior valorização à cotação das provas.
Mas isto só demonstra á delicadeza e melindre da matéria, em que por certo é forte factor interveniente a exagerada complexibilidade dos programas. Recorde-se, só para exemplo, típico no seu ilimitado, o programa de ciências geográfico-naturais do 2.º ciclo, ciclo onde, aliás, se não estuda sistematicamente a história de Portugal.
S. Ex.ª o Ministro da Educação acaba de fornecer sobre o assunto calmante nota oficiosa. Ainda bem, para lenitivo de tão legítimos sustos. Em todo o caso, só numa vasta reforma de fundo pode melhorar b nosso problema da instrução secundária.
É essa grande obra que o Pais espera de S. Ex.ª pessoa em quem convergem tão excepcionais dotes de inteligência e de alta formação polifacetada de cultura cientifica e humanista.
É uma reforma de sentido sobremaneira formativo da juventude que esperamos de S. Ex.a, decerto com redução de exageros, de formação informativa, que geralmente redunda em deformativa das inteligências.
Tome o Sr. Ministro a peito o seu intervencionismo pessoal entre os subsídios dos técnicos especialistas, ge-

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realmente ciosos e absorventes em relação às matérias do seu sector.
Essa obra, especificamente pessoal, mais do que nunca é urgente. Tomando-a a peito, com as excepcionais qualidades que todos lhe reconhecemos, S. Exa. prestará às gerações futuras o melhor dos serviços.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Em continuação da discussão do projecto de revisão constitucional da autoria do Sr. Deputado Cai-los Moreira, passamos ao seu artigo 3.º, que vai ser lido na Mesa.

Foi lido. É o seguinte:

«ARTIGO 2.º

O § 2.º do artigo 8.º é substituído pelo seguinte:

§ 2.º Leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão de pensamento, de ensino, de reunião e de associação por forma a tão-somente impedir, preventiva ou repressivamente, a perversão da opinião publica e a salvaguardar a integridade moral dos cidadãos; a inobservância deste preceito fundamental implicará a responsabilidade prevista no n.º 4.º do artigo 115.º»

O Sr Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: pouco acrescentarei ao que disse eu e outros Srs. Deputados que trataram do assunto por ocasião da discussão na generalidade.
A modificação tem duas partes essenciais: na primeira pretende-se fazer uma limitação à intervenção do Estado no exercício da liberdade de expressão do pensamento, ensino, opinião e associação no sentido de tão-somente impedir, preventiva ou repressivamente, a perversão da Opinião pública e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos. Há como que uma restrição a essa liberdade de intervenção, não só preventiva, como repressiva, mas sobretudo preventiva. Na segunda parte estabelece-se uma sanção que não existe na actual redacção do artigo. Considera-se que a inobservância do preceito implica a responsabilidade atribuída aos Ministros ou Subsecretários de Estado ou agentes do Governo no que atente contra o gozo e exercício dos direitos políticos e individuais. Conforme estava no preceito não havia qualquer sanção. Agora pretende-se estabelecer, não como gravame para quem governa, mas como defesa de quem exerce os seus direitos, uma sanção natural à inobservância do preceito - a estabelecida no n.º 4.º do artigo 115.º
Repito: a alteração visa, portanto, aos dois fins: impedir tão-somente a perversão da opinião pública e estabelecer uma sanção para a inobservância do preceito.
Tenho dito.

O Sr Mário de Figueiredo: - Sr Presidente: ao contrário do que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Carlos Moreira, parece-me que a proposta de emenda em vez de restringir a aplicação da primeira parte do § 2.º do artigo 8.º a alarga.

Efectivamente o § 2.º diz:

Leis especiais regularão o exercício da Uberdade de expressão do pensamento, de ensino, de reunião e de associação, devendo, quanto à primeira, impedir, preventiva ou repressivamente, a perversão da opinião pública na sua função de força social e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos, a quem ficará assegurado o direito de fazer inserir gratuitamente a rectificação ou defesa na publicação periódica em que forem injuriados ou infamados, sem prejuízo de qualquer outra responsabilidade ou procedimento determinado na lei.

Portanto, no texto vigente a fórmula «impedir, preventiva ou repressivamente», só se aplica à liberdade de expressão do pensamento, enquanto que no projecto em discussão abrange as liberdades de ensino, reunião e associação.
Não me parece, assim, duvidoso que nesta parte se vai mais longe do que era admitido pelo texto da Constituição.
Quanto à restrição do «tão-somente», não me parece que ela tenha qualquer alcance, visto que tanto na fórmula da Constituição, como na do projecto, se admite a possibilidade de impedir, repressiva ou preventivamente, a perversão da opinião pública.
Por outro lado, elimina-se do § 2.º a parte final, relativa à salvaguarda da integridade moral dos cidadãos e aos processos de a tornar efectiva.
Portanto, não se restringe nada em relação à primeira porte do parágrafo, ao contrário, alarga-se; e em relação à segunda parte elimino-se uma garantia do bom nome e reputação dos cidadãos.
Afirmou-se que a garantia do exercício destas liberdades não tinha sanção e que o que se pretendeu na segunda parte do artigo do projecto foi estabelecê-la.
Mas isto não é exacto, porque o mesmo que se estabelece no projecto já está expressamente contido no n.º 4.º do artigo 115.º da Constituição, que diz:

São crimes de responsabilidade os actos... que atentarem contra o gozo e o exercício dos direitos políticos e individuais.

Tenho dito. .

O Sr Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr Presidente: - Faz favor!

O Sr Carlos Moreira: - Ë apenas para prestar um esclarecimento a propósito dos considerandos acabados de fazer pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Creio que não fui suficientemente explicito e talvez a culpa fosse minha. Procurarei ser agora mais explícito.
Quando falei em restrição de liberdade não falei das varias liberdades que se contam na disposição em cansa. Falei apenas em liberdade de expressão e na actuação preventiva ou repressiva. Quer dizer: entendo que não se deverá excluir o exercício da liberdade de associação e das demais da regra geral que atribui a leis especiais o encargo de regulamentar essas liberdades.
Quanto à segunda parte, é evidente que há uma expressão no artigo 115.º a que se alude nesta proposta e alteração, mas que não está expressamente ligada ao § 3.º do artigo 8.º, e pretende se torná-la bem expressa, de forma a visar a inobservância deste preceito. É uma referência expressa a uma sanção porá que não surjam dúvidas.
Repito: em primeiro lugar pretende-se atribuir a essa lei especial a função de regulamentar o exercício da

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liberdade de expressão de pensamento, mas restringindo-a às actividades ou manifestações que sejam nitidamente tendentes a perverter a opinião pública ou a ofender as garantias dos cidadãos; em segundo lugar aponta-se expressamente para uma sanção: a estatuída no n.º 4.º de artigo 115.º
Quanto à alusão à possibilidade de os particulares poderem fazer publicar as suas razões no órgão da imprensa em que tenham sido atingidos, prevê-se com a publicação da lei especial que regulamenta o exercício dessas liberdades e não se vê a necessidade de tornar esse direito passível de uma sanção constitucional. Parece-me matéria demasiado simples para dever fazer parte de um estatuto constitucional.
É o que se me oferece dizer em resposta às conside rações do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Tenho dito.

O Sr Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação do artigo 2 º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira, que visa a substituição do § 2.º do artigo 8.º da
Constituição.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Ponho agora a discussão o artigo 3.º do projecto de lei de revisão constitucional do Sr. Deputado Carlos Moreira, que visa a alteração do artigo 23.º da Constituição. Vai ler-se o artigo 3.º.

Foi lido. É o seguinte:

«ARTIGO 3º

O actual artigo 23.º passará a ser o seguinte:

Art. 23.º A imprensa exerce função de carácter público, por virtude da qual não poderá recusar, em assuntos de interesse nacional, a inserção de notas oficiosas que lhe sejam enviadas pelo Governo Lei especial definirá os direitos e os deveres, quer das empresas, quer dos profissionais do jornalismo, por forma a salvaguardar a independência e dignidade de umas e outros.»

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Aires Martins: - Respeito devido ao princípio de coerência justifica as atitudes. Efectivamente, a posição anunciada e as afirmações proferidas naquela tribuna determinariam condição de obrigatoriedade de presença, tornada efectiva pelo sentido de verticalidade e pela preocupação de rumo definido, sem dúvida constantes determinantes de imperativo de consciência. Outra forma seria negar o sentido de convicção que envolveu os propósitos afirmados e contrariar, simultaneamente, o principio de dignidade que se cultiva com todo o interesse. Na verdade, a circunstância de haver feito por duas vezes referências ao problema da imprensa e o facto de ter subscrito o projecto que inclui o artigo em discussão são razões de atitude que determinam esta intervenção no debate; a modéstia de argumentação tem, no entanto, apoio suficiente nas razões produzidas e nos conceitos enunciados naquela tribuna.
Todavia, julga-se conveniente definir as coordenadas do plano de enquadramento do raciocínio e referir circunstancias de desenvolvimentos:

Estabelece-se, primeiramente, que o problema não é posto em subordinação ao rigor do plano jurídico e apenas é considerado na proporção em que exerce influência na actividade nacional;
Depois, evoca-se o sentido favorável do parecer da Câmara Corporativa, que, fundamentalmente, julga conveniente a existência de lei ou leis de imprensa, apenas observando, em forma de razão que não se justifica, que bastaria o § 2.º do artigo 8.º; a inclusão é; porém, exacta no artigo 23.º;
Considera-se o exercício da imprensa não no sistema de liberdade absoluta, como, propositada ou intencionalmente, pode ser referido em relação às ideias manifestadas em circunstâncias anteriores, mas integrada na sua verdadeira função de contribuição útil, séria e leal, devidamente enquadrada no uso dos direitos e esclarecida no sentido das responsabilidades.

Outra coisa não é admitida no artigo em discussão do projecto apresentado; apenas se propõe que seja constitucionalmente estabelecida a publicação de lei especial que defina os direitos e os deveres, quer das empresas, quer dos profissionais do jornalismo.
Embora signifique tendência generalizada a preocupação interessada pela análise dos princípios e pelo exame de doutrinas, há que reconhecer, entretanto, que é consentida falta grave em relação & tarefa de formação do carácter e de valorização dos indivíduos, objectivos dignos e merecedores, sem dúvida, de esforço gigantesco, de atenção constante, de preocupação de atitude e de perfeição do exemplo.
Tanto exige a integração dos homens no desempenho das suas funções em pleno e exacto conhecimento dos seus deveres e em perfeita identificação das suas atribuições e das responsabilidades que aceitam. Neste aspecto, e para além daquele que corresponde' ao exercício da actividade considerada, a publicação da lei sugerida constitui uma medida de beneficio tão proveitoso no plano nacional que justifica, perfeitamente, a .sua consideração como preceito constitucional.
A questão foi tratada com simplicidade; entretanto, julga-se intuitiva a conclusão, espontânea e imediata, que considera lógico o projecto sugerido e necessária a definição dos princípios de domínio do exercício da imprensa. „
Tenho dito.

O Sr Presidente: - Continua em discussão.
O Sr Carlos Moreira: -Sr Presidente e Srs. Deputados : creio que este artigo está intimamente relacionado e é consequência natural e lógica do disposto no artigo 22.º
De facto, integra-se no mesmo titulo que trata da opinião pública. O artigo 22.º trata da opinião pública como elemento fundamental da política e administração do Pais, incumbindo ao Estado defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum.
O artigo 23.º trata propriamente da imprensa, que pode e deve ser considerada um dos principais elementos, se não o principal, de informação da opinião pública. Parece, pois, que tudo o que conduza à independência dessa actividade, considerada nos vários elementos que a componham -empresas e profissionais do jornalismo-, deve estar enquadrado neste artigo 23.º Foi nessa ordem de ideias que se apresentou o artigo 3.º do projecto em discussão, fazendo uma pequena supressão e um indispensável acrescentamento.
A supressão foi apenas das palavras «de dimensões comuns».

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Parece-me, Sr. Presidente, que é matéria de texto constitucional dizer-se quais as dimensões das notas oficiosas ...

O Sr Paulo Cancella de Abreu: - E o que são dimensões comuns?

O Orador: - Exactamente Tínhamos antes de definir o que eram dimensões comuns. Não sabemos como se medem. Más de qualquer maneira deixemos as dimensões, confessando a justiça das razões a que faz alusão o Sr. Deputado Cancella de Abreu.
O acrescentamento traduz-se no seguinte:
Leu.
Aponta-se, portanto, para uma solução em que se estabeleçam as condições de independência da função da imprensa, pois julgo que boje, mais do que nunca, é escusado acrescentar qualquer palavra acerca do valor da imprensa. E é claro, Sr. Presidente, que qualquer instituição quanto mais segura estiver dos seus deveres e direitos melhor será.
Se a nossa Constituição não fosse programática ...
Mas trata-se de uma Constituição programática e, por isso, é natural que se indique um rumo, que será regulamentado depois por lei especial.
Fazer essa lei pertence à Assembleia ou ao Executivo.
Por agora, no texto constitucional devemos, segundo julgo, limitar-nos a apontar uma directriz. E penso que não haverá ninguém que não reconheça que a imprensa necessita de estar salvaguardada, dada a sua natureza de interesse público.
Embora não goste da Liberdade, com L grande, sou, no entanto, partidário das liberdades.
Entendo que dando-se liberdades, claro está que deve estabelecer-se a correspondente responsabilidade.
Julgo, pois, que o projecto traz algo de novo na directriz apontada e que a sua aprovação deve ter grande projecção lá fora, se atendermos às reacções da opinião pública, que há muito reclama uma maior liberdade de expressão a que corresponda uma maior responsabilidade do uso desse direito.
Concluo, pois, que a alteração proposta só vem dar maiores possibilidades de êxito à imprensa, que, repito, constitui um dos órgãos fundamentais da opinião pública.
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente não quero deixar de começar por declarar que também julgo útil e indispensável que sejam asseguradas aos profissionais do jornalismo e às empresas jornalísticas independência e dignidade.
Entendo que, na verdade, só assim é possível à imprensa desempenhar as funções de carácter público que lhe são reconhecidas pela Constituição.
Portanto, quanto a esse ponto da independência e dignidade, não há nenhuma discussão. O problema ó apenas o de saber se realmente com a disposição em debate se adianta alguma coisa em relação ao que já estava contido na Constituição e ao que foi votado por ocasião da discussão do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima.
Parece-me que se não adianta nada.
Em primeiro lugar, é inexacto dizer-se, depois do que foi votado do projecto do Sr. Deputado Carlos .Lima, que o regime dos direitos e deveres das empresas jornalísticas e dos profissionais da imprensa é da competência do Executivo.
Se se quer aludir à lei de imprensa, depois da votação daquele projecto, a votação das bases gerais desse regime é da competência exclusiva da Assembleia Nacional.
Se se quer aludir mesmo ao regime dos direitos e deveres que não pertence à lei de imprensa, mas à legislação geral, a fórmula continua a ser infeliz, porque não deve constar de lei especial o regime que pertence à lei geral.
Por outro lado, se se quer falar da lei especial, de lei de imprensa, a disposição é perfeitamente inútil, porque essa já está prevista no § 2.º do artigo 8.º Ai se diz que «leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão do pensamento...»
Entre estas está a lei de imprensa.
De sorte que não vejo realmente vantagem, e só inconveniente, em que seja votada a disposição do projecto em discussão.
Tenho dito.

O Sr. Carlos Moreira: -Vou ser breve. De mais a mais não alimento a veleidade de poder convencer com o valor das minhas razões ao insistir nelas. Não gosto de ser insistente. Vou procurar apenas esclarecer.
O titulo 6.º, como há pouco referi, tem duas disposições que, embora ligadas, têm. matéria própria cada uma delas. A primeira trata da opinião pública. Diz o que é a opinião pública e atribui ao Estado determinados deveres para a defender. A segunda fala de uma das formas de orientar a opinião pública-a imprensa. Logo, duas disposições relacionadas, mas autónomas, independentes uma da outra.
Na segunda, que é a que está em discussão, segundo a redacção actual, afirma-se que a imprensa exerce uma função de carácter público e em virtude dessa função não pode recusar, em assuntos de interesse nacional, a inserção de notas, etc.
E nada mais. Diz-se: há leis diversas de ordem geral em que a matéria se versa. Isso não se nega. Mas o que se pretende é apontar a necessidade de um estatuto fundamental, de uma lei encarregada de conter os princípios de defesa dos órgãos da imprensa, isto é, de empresas e de profissionais do jornalismo, apontar uma directriz doutrinária, acrescentando que essa lei especial ou estatuto definirá os direitos e deveres dessas empresas e destes profissionais do jornalismo por forma a salvaguardar a independência e dignidade de umas e outros. Ao afirmar-se que a lei deve salvaguardai- a independência e dignidade de umas e outros não tem razão de ser o argumento a contrato sensu para se poder dizer que os órgãos a quem está confiada presentemente a defesa desses direitos não salvaguardarão a independência dessas instituições. Não se trata aqui de uma conclusão de ordem lógica, mas antes de uma afirmação positiva. Quer dizer: aos dois órgãos fundamentais da imprensa -empresas e profissionais do jornalismo- deve ser assegurada a independência necessária a cada um deles e também em relação ao mútuo entendimento entre unias e outros.
Aqui residem indiscutivelmente vantagens quanto às empresas e aos profissionais do jornalismo. E não perde o interesse comum em que se defina claramente a órbita e condições de acção e decisão de umas e outros, numa interdependência necessária como deve desejar-se que se estabeleça entre os vários elementos que têm a seu cargo a realização do mesmo fim. A imprensa tem um fim de ordem nacional a realizar e realiza-o através das empresas e dos profissionais do jornalismo.
Repito. Não me convence, salvo o devido respeito, o argumento de que já se trata do assunto em várias leis gerais relativas à imprensa. Pretender-se que haja um estatuto fundamental em que fiquem bem afirmados, e sem susceptibilidade de ofensa mútua, os direitos das empresas e dos profissionais do jornalismo julgo ser aspuação justa e perfeitamente atinente à defesa da sã opinião pública e do bem comum.

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Não sei se me expliquei convenientemente. Julgo que são fortes as razoes. Talvez que o defensor seja fraco.

Não apoiados.

Acrescentarei ainda: não esqueçamos, Srs. Deputados, que fazemos porte de uma Gamara política, que, como tal, não pode desinteressar-se das repercussões políticas das suas atitudes.
Tenho dito.

O Sr José Saraiva: - Quando, muito preocupado com outra linha de problemas, estive nessa tribuna e ocupei algum tempo a esta Camará, tive o ensejo de incidentalmente me referir à proposta do Sr. Deputado Carlos Moreira, especialmente ao seu artigo 3.º, dizendo que me parecia que nesse projecto se ia ao encontro de uma necessidade unanimemente reconhecida e em torno da qual se não levantariam divergências, muito embora não ignorasse o que a tal respeito dizia o parecer da Gamara Corporativa. Trata-se de um problema de enorme interesse e ao mesmo tempo de extrema simplicidade.
O que é que diz o artigo 3.º do projecto?
Primeiro, que do actual artigo 23.º da Constituição se devem eliminar as palavras «de dimensões comuns». É esta a primeira questão.
A Assembleia tem de se decidir se, sim ou não, tais palavras ali devem ficar.
Que vantagem há em que na Constituição se diga que as notas oficiosas tem de ser de dimensões comuns ? Para que é que a Constituição há-de estabelecer um preceito que na prática corrente se demonstrou já que não pode ser aplicado? E o que são dimensões comuns? Quando o director do jornal e o Governo não estivessem de acordo quanto a dimensão, quem viria decidir se ela era comum ou singular? É manifesto que a extensão das notas oficiosas depende da complexidade e importância dos assuntos: como se poderia acertar numa (dimensão comum»?
Parece-me que não pode haver dúvida alguma de que a Constituição não pode servir de fita métrica para este efeito.
Neste ponto estamos, com certeza, todos de acordo.
Não há dimensões comuns, mas sim dimensões necessárias. E, assim, é preferível que se eliminem palavras que só podem originar inúteis discussões.

O Sr. Ramiro Valadão: - Parece que «dimensões comuns» quer dizer «dimensões de bom senso».

O Orador: - A explicação de V. Exa. é muito interessante e revela proceder não apenas de um parlamentar ilustre, mas também de um distintíssimo jornalista.
Mas com que palmo mede V. Exa. o bom senso?
As medidas legais tom de ser exequíveis e, como a imprensa não tem possibilidade de discutir o tamanho das notas oficiosas, para quê fixar-se na Constituição essa vaga referencia ao assunto?
E passemos ao segundo ponto.
O Sr. Deputado Carlos Moreira entende que deve haver uma lei especial para regular os direitos e os deveres dos empresas e dos profissionais de imprensa. Devo já dizer que concordo com o Sr. Prof. Mário de Figueiredo em que nesta parte a redacção do artigo 3.º do projecto de lei não é porventura a mais feliz: não se trata de uma lei especial, mas de um verdadeiro estatuto, e, portanto, de uma lei geral.
Creio, porém, que a expressão não estará empregada no seu sentido técnico; quando se diz que em lei especial se definirão certos direitos e certos deveres, o que se quer dizer é que a lei há-de especialmente ter esse objectivo. É, pelo menos, neste sentido que entendo a
Que pensar desta parte do projecto?
Os problemas simplificam se quando, à maneira cartesiana, os dividimos em partes. As questões que neste caso se levantam são duas. primeira: deve ou não deve haver uma lei de imprensa?; segunda: deve ou não deve a Constituição fazer referência a essa lei de imprensa?
Quanto a dever ou não dever existir uma lei de imprensa, creio, é ponto sobre o qual todos estaremos de acordo. O Sr. Prof. Mário de Figueiredo, cuja opinião muito venero, não faz a tal respeito qualquer objecção. E deve haver uma lei de imprensa, além de todas as razões, porque a lei de imprensa é hoje uma aspiração de todos os que na imprensa trabalham, e quando as aspirações são legítimas, como é o caso, têm todo o direito de ser ouvidas e, sobretudo dentro desta Assembleia, não podem ficar ignoradas.
Os que não são profissionais da imprensa e que não são também profissionais de direito não conhecem as complicações e dificuldades que surgem a cada passo, mas nós, os que temos de trabalhar com problemas emergentes das actividades de imprensa, sabemos bem o que está acontecendo. Quero, a propósito, fazer uma revelação que demonstra bem o atraso em que sob este aspecto nos encontramos.
A definição de imprensa que, creio, está no Decreto n.º 12 008, reproduz uma disposição dos princípios do século, a qual, por sua vez, vem de um diploma dos fins do século passado e é de tal teor que o Supremo Tribunal de Justiça teve de estabelecer jurisprudência no sentido de os delitos constantes de documentos escritos à máquina se deverem considerar como constituindo abusos de liberdade de imprensa: é que o nosso conceito de imprensa é tão antigo que parece vir do tempo em que ainda não havia máquinas de escrever ... E até uma cópia tirada a papel químico é imprensa, porque tal conceito parte da ideia da reprodução do escrito por meios mecânicos.
Isto diz bem do atraso em que nos encontramos e demonstra bem a necessidade que há da actualização de toda a matéria que lhe respeita. Mas esta não é a questão, mais séria.
É que presentemente acontece, e isto já estava enunciado no texto constitucional, que a imprensa exerce uma função de carácter público. No século passado não era assim. A imprensa era uma actividade nitidamente particular. Os órgãos da imprensa tinham pequena expansão e eram quase que só lidos pelas populações das cidades onde se publicavam. Os leitores eram restritos, tanto pelas altas taxas do analfabetismo, como até pelas condições sociais gerais. Pode dizer-se que entre um milhão de habitantes não seriam mais de dez mil as pessoas que os liam.
Hoje, um jornal é uma forma de interferir directa e imediatamente na construção de um estado de opinião.
É uma função de carácter público; é mesmo uma das mais importantes e decisivas funções de carácter público, de escala nacional e de enorme projecção sobre os populações.
O facto de o antigo direito privado se ter transformado em tão importante função pública tem consequências decisivas no tocante à natureza da intervenção do Estado.
Diante da actividade privada, o Estado limitava-se a intervir para reprimir abusos ou excessos Era essa a função da censura, através da qual se não procurava orientar a função pública da imprensa em ordem a realização do interesse nacional, mas tão-somente impedir o excesso no exercício de um direito individual. Chamo a atenção para o facto de que o próprio conceito de censura é uma consequência do conceito que o Estado liberal fazia da imprensa. Mas as ideias a tal respeito mudaram, o que importa a mudança das instituições.

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Trata-se de ama função de relevância nacional, que é preciso estruturar profundamente, que é indispensável definir nas obrigações e nos deveres que contém. À ideia de censura substitui-se a ideia de estatuto. Acresce, e todos o sabem, que actualmente a publicação de um grande jornal obriga ao investimento de importantes meios materiais; dai o aparecimento de grandes empresas jornalísticas, em que o controle, a direcção, a condução, pertencem a homens que legitimamente exercem esses poderes, porque representam o capital que está na base das empresas, mas que no fundo não são jornalistas e que assim, em nome da liberdade da imprensa, ficam em condições de impedir toda a liberdade de expressão dos que realmente fazem a imprensa. Isto veio criar aos jornalistas propriamente ditos uma situação difícil e propor todo um longo conjunto de problemas que nenhum texto legal procura disciplinar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pode, assim, acontecer que a liberdade de consciência dos jornalistas, que ganham o pão em empresas comandadas por quem não é jornalista, acabe por desaparecer, precisamente pela inexistência de um estatuto que defina direitos e deveres das empresas e dos profissionais.
Este um problema, um problema grave num Estado como o nosso, em que os interesses do espirito têm prioridade sobre quaisquer outros interesses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sendo assim, estamos certamente todos de acordo quanto a necessidade de um estatuto de imprensa. É preciso, num domínio novo de actividades, fazer a lei nova que esse domínio supõe.
Há cem anos, um estatuto de imprensa não podia existir. Hoje, dado o caminho que desde então se percorreu, um estatuto de imprensa é absolutamente indispensável.
Mas a este respeito não preciso de insistir, porque estamos todos de acordo em que assim tem de ser. A dúvida é outra. E o Sr. Prof. Mário de Figueiredo, claramente, como sempre, apontou justamente para o ponto vulnerável do objectivo. Trata-se de saber não se deve ou não existir uma lei de imprensa, mas se a Constituição deve afirmar a obrigatoriedade da sua publicação. Eu penso que sim.
Primeiro, não me parece completamente exacto que, apesar da alínea g) do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, seja da exclusiva competência da Assembleia a promulgação dessa lei, e justamente porque, dado este carácter que estou a assinalar ao estatuto de imprensa, se lhe retirou completamente o carácter de lei especial. Trata-se não de matéria de limitação de direitos nem de regulamentação do exercício de liberdades ou garantias individuais, mas de uma definição de normas num campo novo, onde a iniciativa tanto pode ser do Governo como da Assembleia. O que é preciso é estruturar uma função pública, e não simplesmente regular um direito individual; estamos portanto nitidamente fora do âmbito do § 2.º do artigo 8.º e, consequentemente, fora das matérias que passarão a pertencer & competência exclusiva da Assembleia.
Afastada tal dificuldade, haverá razoes que aconselhem uma referência constitucional à lei de imprensa? É esse o último ponto a analisar.
Há trinta anos que sentimos a necessidade de regular a matéria de imprensa e não a regulámos ainda. Trata-se de um campo jurídico novo, eriçado de dificuldades, cuja solução vamos adiando de ano para ano. Vemos claramente a importância do problema, a necessidade de reelaborar conceitos; mas não se adianta uni passo. Pergunto: se assim é, se se trata de um problema desta candência, de um interesse que todos reconhecemos, o enunciado pela própria Constituição da obrigação de um estatuto não representará uma força constritiva, uma impulsão para que mais depressa esse estatuto venha a ser promulgado? Que inconveniente há em que no texto constitucional se afirme uma necessidade legislativa e jurídica que de todos é reconhecida?
Se assim é, se efectivamente todos estamos de acordo em que tem de haver um estatuto de imprensa, que repugnância nos poderá tolher de incluir na Constituição a referência a esse estatuto ? Não vejo nenhuma. E não escondo que não posso ficar surdo àquelas palavras do Sr. Deputado Carlos Moreira de que, porque esta é uma Camará política, não se pode desinteressar das repercussões políticas das suas atitudes. Eis porque votarei no projecto de S. Exa.
Tenho dito.

O Sr Ramiro Valadão: - Creio que não estamos ainda a discutir a lei de imprensa, muito embora o Sr. Dr. José Saraiva tenha levantado aqui vários problemas referentes & mesma imprensa.
Mas, repito, como não estamos a discutir essa lei, para mim creio que é suficiente- que na Constituição se fixe que a imprensa exerce uma função de carácter público e se exprima, como aliás ainda há pouco disse o Sr. Presidente do Conselho, que é indispensável renovar a lei de imprensa.
Mas há ainda um problema a que me quero referir: é o de que nem na Constituição, nem no projecto em discussão, figura que a imprensa seja o único instrumento de informação com carácter publico. Não figura, nem podia figurar, porque temos a rádio e a televisão. E, portanto, é um estatuto para todas essas actividades que se pretende. E isso não me parece que caiba na Constituição.
Tenho dito.

O Sr Mário de Figueiredo:- Sr. Presidente, a critica a fórmula «notas oficiosas de dimensões comuns» é perfeitamente aceitável.
O que é que são essas dimensões comuns? Quem é o juiz da determinação do que deve entender-se por «dimensões comuns»?
Desde que se trata de notas oficiosas, não pode deixar de entender-se que é o Governo. Aceito que a fórmula possa figurar no texto da Constituição e aceito que possa ser dele retirada.
Não quero, no entanto, deixar de dizer que a razão porque ai se pôs a frase «notas de dimensões comuns» foi a seguinte: a de se admitir a possibilidade de serem pagas as notas que ultrapassassem o encargo que parecia razoável fazer suportar por uma empresa jornalística. ,
Esta é uma informação que presto à Camará e que, de alguma maneira, justifica a referência, no texto da Constituição, a anotas de dimensões comuns»!
Quanto ao resto, à alusão ao «estatuto da imprensa», devo dizer que o indiferente que se chame à lei que regula a liberdade de expressão do pensamento lei de imprensa ou estatuto da imprensa. É indiferente, repito, o chamar-se-lhe uma coisa ou chamar-se-lhe outra.
Há um ponto de extrema delicadeza sobre o qual não podemos pronunciar-nos agora e de que é muito difícil ter uma ideia ajustada e clara. O ponto é este: pode ou não pode a empresa jornalística coarctar aos profissionais de imprensa a liberdade de afirmarem o sen próprio pensa-

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mento? Pode ou não pode a empresa jornalística que se constituía em vista de uma determinada formação da opinião pública impedir que no seu jornal sejam publicados artigos que contrariem o pensamento da empresa ou o pensamento do director do jornal? Não avanço mais. Ponho as questões só para fazer notar que elas têm o maior interesse, mas são também da maior delicadeza. Se se trata de um jornal católico, pode realmente o profissional da imprensa que quer atacar a igreja católica impedir, que o director se oponha a que a ataque no seu jornal? Os exemplos podiam multiplicar-se. Mas não é isto que realmente está em discussão, como afirmou o Sr. Deputado Ramiro Valadão. Estes problemas são para se discutirem e para se lhes buscar a solução que parecer razoável e- parecer assegurar melhor a posição do profissional da imprensa. A solução não pode ser-lhes dada na Constituição; só poderá dar-se-lhes -e não sei em que termos - na lei ordinária.
A questão que agora se discute é esta: deve ou não haver uma lei de imprensa ou um estatuto da imprensa?
Todos estamos de acordo em que deve. O que eu afirmo é que, para isso, não é necessário que se vote o artigo em discussão, porque isso já resulta do § 2.º do artigo 8.º Votá-lo é, pois, inútil. Creio que, além disso, é inconveniente.
Tenho dito.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr Presidente: ninguém melhor do que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo neste debate fez a defesa da proposta que está em discussão. Digo que ninguém melhor fez essa defesa porque S. Exa., apesar de trazer à consideração da Camará algumas questões, conclui que não é isso que está em discussão. Não tratamos agora da gravidade dos problemas nem de resolver as relações entre as empresas jornalísticas e os profissionais do jornalismo. Isso é para a lei ou estatuto que se prevê. Por agora é necessário afirmar a necessidade de salvaguarda da independência de umas e de outros.
Portanto estou de acordo com S. Exa. em que as tais questões que podem surgir são problemas completamente arredados. O que não está arredado é que seja desnecessário ou prejudicial apontar a solução que se impõe.
Diz S. Exa. que isso já está compreendido no § 2.º do artigo 8.º da Constituição. Salvo o devido respeito, devo dizer que esse parágrafo fala em lei especial para regular o exercício da liberdade de expressão do pensamento, da liberdade de ensino, da liberdade de reunião e de associação. É um principio genérico que se aplica ao exercício de várias liberdades: de expressão do pensamento, de ensino, de reunião e de associação.
A disposição que estamos a discutir é expressamente restringida à liberdade de imprensa. Os folhetos que circulam publicamente, com aceitação das pessoas que os lêem, os livros, as conferências, as palestras, tudo isso é uma forma de expressão do pensamento. Mas a proposta diz única e exclusivamente respeito à imprensa.
Parece-me que são duas coisas diferentes; e a circunstância de no §'2.º do artigo 8.º haver uma disposição que trata do assunto no aspecto genérico não invalida, e talvez imponha, uma disposição directa relativa cá imprensa.
Entendo que a Assembleia não pode fechar os ouvidos quanto a esta assunto do Indiscutível importância e de repercussão incontestável na opinião pública.
Disse.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre este artigo 3.º, vai votar-se.
Submetido à votação, f m aprovado.

O Sr. Presidente: - Passamos à discussão do artigo 4.º, que vai ler-se:

Foi lido. É o seguinte:

«ARTIGO 4.º

O corpo do artigo 27.º será substituído pelo seguinte:

Art. 27.º Salvo em casos excepcionais a prever em lei, é expressamente proibido acumular empregos do Estado ou das entidades enumeradas no artigo 25.º, e, bem assim, empregos daquele com os destas e os destas entre si».

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Carlos Moreira: - Mais uma vez prometo, Sr. Presidente, e creio que não tenho faltado, ser breve nas minhas considerações. Aliás, já na ocasião da discussão na generalidade tive oportunidade de tratar largamente, embora talvez não profundamente, o assunto. Não precisa ele, portanto, de outras considerações além daquelas que já foram feitas. O que se pretende com esta substituição do actual corpo do artigo 27.º, à parte uma melhor redacção?
A substituição da expressão: «não é permitido acumularem, salvo nas condições previstas na lei», por esta outra: «salvo em casos a prever em lei, é expressamente proibido ...». Embora se traduza no mesmo sentido, a verdade é que a não permissão de acumular é um pouco menos que a proibição terminante de acumular. Mas concedamos que as expressões no sen sentido comum podem equivaler-se. O problema fundamental a considerar-se é o do saber quais os cargos que não deve ser permitido acumular. Visto que na generalidade já se aduziram várias razões, na especialidade quero apenas acrescentar o seguinte: na actual redacção diz-se que a acumulação dos empregos do Estado ou das autarquias locais ou a acumulação de uns e outros não é permitida. Pretende-se agora alargar a moralidade do preceito e a sua justiça a outras entidades e entende-se que a melhor fórmula seria fazer referência às actividades indicadas no artigo 25 º
As acumulações constituem um problema de administração, embora em alguns casos sejam consideradas com critério de extremismo. A verdade, porém, é que representam uma injustiça, não permitindo que outros possam utilizar a possibilidade de emprego, em virtude de haver alguns que os absorvem. Não vou individualizar, mas já aqui se tem feito referencia ao problema.
O Estado, que tanto tem zelado de há muitos anos a esta parte pela moralidade da administração pública, deve fazer tudo para que aqueles que tom direito ao trabalho, que ó também a prática do um dever, possam ter o seu emprego. Daí que o preceito deve sei alargado as entidades a que se refere o artigo 25.º
Não vou agora responder as observações pouco lógicas- salvo- o devido respeito - e pouco realistas da Camará Corporativa, porque esse assunto já passou. O que não resta dúvida é que este preceito é um dos mais importantes do texto constitucional. No sector das acumulações dentro dos organismos corporativos há reclamações, há queixas, algumas porventura infundadas, mas outras com sérias razões, que são do conhecimento de cada um de VV. Exa. Eu conheço-os através de várias informações que tenho pedido aos departamentos do Estado.
Nestas condições, proibir as acumulações, deixando a possibilidade de fixar os casos excepcionais, não por despachos, o que não envolve menos consideração pelos que exercem o Poder Executivo, mas até por defesa da

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sua própria missão, mas sim por lei, eis um dever que incumbe ao Estado, em nome da moral e da justiça social.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Contínua em discussão.

O Sr Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: a intenção do artigo 4.º do projecto de lei n.º 23, da autoria do nosso ilustre colega Carlos Moreira e outros Srs. Deputados, propondo uma modificação de forma e de fundo para o artigo 27.º da Constituição Política, é o mais louvável possível.
Cuido que enfrentar estas questões é uma exigência da própria ética do regime, uma premente necessidade política e uma imposição de consciência para quantos, tendo aderido a um salutar conjunto de princípios, se sentem obrigados a velar pelo seu exemplar cumprimento.
Louvo e aplaudo, pois, sinceramente a intenção desta alteração ao texto constitucional e o ideal visado, que, nesta nossa época de crise moral, bem carece de ser defendido e afervorado.
Nesta nossa época de crise moral, dizia eu, Sr. Presidente, e creio que atinjo por ai o cerne de uma questão aguda, aguda e generalizada no mundo livre, já que do outro não vale a pena falar.
Crise moral que é geral, extensa e profunda, mas tenho boas razoes para supor que, apesar de tudo quanto se diz, murmura ou sabe, é ainda bem menor e mais restrita na nossa terra. Basta ler alguma da vasta, prolixa e elucidativa literatura que, a este respeito, por todos os países vai aparecendo com carácter mais ou menos cientifico, sociológico ou mesmo político.
Não partilho, porém, da ideia de que «mal de muitos gozo é». Se aceito os factos como característicos de uma época e consequência de uma certa civilização vazia de espirito ou de alma cristã, se não posso considerá-los como mal exclusivo deste ou daquele pais e verifico atingirem maior extensão nos regimes parlamentares e convencionais, nem por isso posso deixar de ter como necessário combatê-los com a possível eficiência na nossa terra e no nosso meio. E talvez seja mais fácil do que em outras terras e climas sociais.
O que mais perturba presentemente a questão entre nós é a coincidência ou concomitância com uma profunda transformação económico-social do nosso pais, merco do progresso económico que vem a processar-se e dos afloramentos capitalistas - fora de estação, como já aqui disse- a que vai dando lugar; com uma intensa, capilaridade social, nem sempre acompanhada de uma educação adequada; com uma crescente formação de núcleos de operários industriais em zonas restritas, em consequência da viciosa política de concentração regional das nossas indústrias, e, por fim, com uma tendência marcada para a massificação.
Em tais circunstancias, o exemplo ó essencial - o exemplo de modéstia, de serenidade, de limitação. A imodéstia ofende, escandaliza, corrompe.
É essa exemplaridade, condição, aliás, do verdadeiro escol, que temos de exigir dos dirigentes no campo económico, social ou político, que temos de exigir ou, se for necessário, impor.
Não podemos permitir que o mau exemplo de alguns faça medir todos pela mesma rasoira, o que seria mau, mas principalmente que dissolva as massas operárias, preparando a substituição subversiva das. chamadas classes dirigentes.
Não vou alongar-me mais, de novo, nesta matéria, tanto mais que em breve terei necessidade de a tratar mais larga e profundamente.

Por agora assentemos apenas em que tudo quanto se possa fazer, em qualquer campo ou aspecto, para combater a intemperança de uns, o descomedimento de outros e o descaramento de alguns tem de ser tido como indispensável e urgente em face da doutrina do regime, da nossa formação e da defesa dos direitos de todos.
E, posto isto, vejamos se a proposta, pelo seu alcance, pelas suas consequências, atinge de modo eficiente, prático e justo os objectivos que visa e se a forma preconizada será a mais consentânea com as exigências e realidades da nossa vida política e administrativa e ainda com o processo constitucional.
As diferenças entre a redacção do actual artigo 27.º e a proposta no projecto de lei são de duas naturezas.
Por um lado, estabelece como orientação para a lei especial que venha a regular esta matéria uma definição mais restrita das condições em que as acumulações devem ser consentidas.
Por outro, além de incluir no texto constitucional, em situação análoga à dos funcionários públicos e das autarquias locais, os empregos dos organismos corporativos, de coordenação económica e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa -já consideradas pelos Decretos-Leis n.º 26 115 e 26 757-submete também ao mesmo regime os empregos das empresas que explorem serviços de interesso público, que até agora não estavam, para este efeito, sujeitos a condições análogas às do funcionalismo público.
Quer dizer quanto a esta segunda questão, as alterações visam a incluir no texto constitucional aquilo que até hoje era matéria de leis especiais e a alargar o âmbito do regime vigente pela submissão às mesmas condições dos empregos em empresas que explorem actividades de interesse público.
São estas duas questões que, sobretudo, devem ser apreciadas.
A inclusão das empresas que explorem serviços de interesse público entre as abrangidas pelo artigo 27.º não me parece justificada, quer pelo carácter de generalidade com que se apresenta, quer pelo facto de situar estas em posição diferente das demais empresas.
A expressão «serviços de interesse público», que, aliás, é a do artigo 25.º da Constituição, não se me afigura ter uma especificidade que, quanto a esta matéria, a torne aconselhável. De interesse público são tanto empresas caracterizadamente privadas como mistas e ainda outras que gravitam ou dependem directamente do Estado.
O relator do parecer da Camará Corporativa toca esta questão, apontando para a situação diferente que, em face desta disposição, resultaria para as condições de emprego em duas empresas igualmente privadas, só pelo facto de uma explorar um serviço de interesse público, e chega a deixar entender que mais justificado pareceria começar as incompatibilidades pelas empresas especificamente privadas.
Objecta-se, por outro lado, que as regras a aplicar às empresas privadas por sua natureza e função não podem, em boa doutrina, ter o mesmo rigor das que devem vigorar quanto às empresas que, tanto na sua constituição como nos seus fins, explorem serviços de interesse público.
Salvo o devido respeito pelas opiniões em contrário, o raciocínio, tanto num caso como noutro, parece desenvolver-se em plano diferente daquele que a medida visava.
Há aqui, de facto, duas questões diversas: uma que consiste em saber se determinadas empresas, embora de diferentes naturezas, podem assimilar-se ou devem considerar-se em situação análoga à dos organismos corporativos, de coordenação económica, das autarquias locais, da administração pública ou das pessoas colectivas de

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utilidade pública administrativa só pelo facto de explorarem serviços de interesse público; outra a de decidir se as limitações para efeito de acumulação de funções a estabelecer aos funcionários ou agentes públicos devem circunscrever-se a dado conjunto de actividades ou a todas e quaisquer actividades.
Sobre a primeira interrogação só a circunstancia de se encontrarem as empresas que explorem serviços de interesse público incluídas também no artigo 25.º, para efeitos -aliás, bem diferentes e perfeitamente justificáveis - do artigo 24.º, pode ser invocada em favor de qualquer tese que defenda a similitude, pois por tudo o mais (natureza, constituição, funcionamento, etc.) não poderá encontrar-se base que permita estabelecer analogia válida.
Quer dizer: o facto de certas empresas privadas ou mistas explorarem serviços de interesse público não constitui motivo para que se considerem em regime idêntico ao dos serviços estaduais, paraestaduais ou corporativos e submetam às mesmas condições no que se refere nomeadamente a empregos, regime que, aliás, se não aplicaria, incompreensivelmente, a empresas mistas ou em que o Estado seja accionista, desde que não explorassem serviços de interesse público, enquanto vinculava empresas caracterizadamente privadas, desde que estivessem naquelas condições.
Questão diversa é a de decidir sobre se a extensão das incompatibilidades e acumulações para os agentes ou funcionários públicos deve circunscrever-se às actividades especificadamente definidas como administração pública, organismos de coordenação económica, autarquias locais, etc., ou alargar-se a maios número de actividades até atingir as caracterizadamente privadas. Ou, de outro modo: se o regime de incompatibilidades e acumulações deve estabelecer-se em razão da qualidade de agente ou funcionário público ou da natureza da actividade.
For sob a decisão nesta matéria supõem-se objectivos e necessidades diversas, tais como o exercício de uma só função, o prestigio do agente ou funcionário público, a natureza das funções, etc.
No estado actual das coisas, creio que a orientação válida deverá ser a de tender sucessivamente para a exclusividade das funções, a partir das funções públicas, alargando progressivamente o domínio das incompatibilidades, até atingir toda e qualquer actividade.
Dentro desta ordem de ideias, poderia ter-se como justificado, dentro de certos limites, alargar as incompatibilidades de exercício de funções públicas para além das funções em autarquias locais, organismos corporativos, de coordenação económica, pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e empresas que explorem serviços de interesse público, mas não seria já compreensível estabelecer incompatibilidades de exercício de funções entre empresas destas, pelo menos nos escalões não directivos.
Tudo depende, pois, dos princípios de que se partir.
Ai estará a raiz da divergência entre o relator da Câmara Corporativa e o projecto de lei no que respeita a justificação de abranger ou não empresas só pelo facto de explorarem serviços de interesse público.
Por mim, deliberadamente, não me parece razoável nem aconselhável a inclusão destas entidades, pois, segundo um aspecto (a exclusividade da função pública), seria mais correcto incluir então todas as empresas mistas ou privadas, e, sob outro angulo (a incompatibilidade de função entre empresas privadas),- não julgo admissível abranger empresas privadas só pelo facto de explorarem serviços de interesse público.
A inclusão no texto constitucional de matérias que, em grande parte, eram até agora objecto de regulamentação em leis especiais não se me afigura conveniente nem aconselhável. Contra esta orientação militam tanto a tradição da nossa Constituição, a natureza da matéria, a variação rápida a que está sujeita, em época de profunda transformação das estruturas económico-sociais, como a circunstância de nem abranger todos os campos que devem ser considerados, nem comportar as indispensáveis diferenças de grau, que só uma lei, aliás complexa, poderá estabelecer.
É sabido, até pela experiência vivida nestas duas últimas décadas, que as estruturas económico-sociais se transformam com certa rapidez, sob o influxo do progresso económico, e que o grau de subdesenvolvimento, de que ainda sofremos, nos obriga a tudo fazer para tornar mais célere o nosso desenvolvimento, donde, consequentemente, deverem esperar-se mais rápidas e profundas transformações estruturais.
Sendo assim, não me parece conveniente que se pormenorizem no texto constitucional estas matérias, mas tão-somente se estabeleçam os princípios doutrinários que devem moldar as indispensáveis leis reguladoras, na certeza de que em curtos lapsos de tempo terão de ser acrescentadas, revistas e modificadas.
Depois, creio não ser despiciendo, no nosso caso e consideradas as realidades da nossa administração pública, o facto de as leis sobre incompatibilidades e acumulações deverem distinguir entre funções directivas e não directivas, para atingir duramente aquelas e regular estas consoante as possibilidades de remuneração dos empregos mais modestos
Defendo o principio de que só se pode considerar como atingido um estado de justo equilíbrio e satisfatória evolução quando cada um puder viver, compatívelmente com a sua condição social e funcional, de uma só ocupação, do exercício de uma só função pública ou privada.
É esta uma doutrina, geralmente proclamada e aceite por toda a parte, que Sala/ar defendeu entre nós já no seu discurso da Sala do Risco, mas que todos sabemos não poder ser férrea e geralmente praticada enquanto se não atingir certo grau de desenvolvimento económico e também de compreensão social.
No nosso caso e na actualidade não creio tal doutrina exequível com generalidade ou, pelo menos, como podendo ser imposta para uma larga medida de empregos modestos, para certos ramos médios, nomeadamente do ensino e da medicina, etc.
Tenho-a, porém, como urgente e imperiosa para os lugares cimeiros da vida pública e das empresas privadas, tanto em razão da moralidade pública, de uma limitação a desmandos incompatíveis com a modéstia do nosso viver, como ainda em função da defesa indispensável contra certos sistemas de pressão e domínio económico.
Creio ser aqui e neste plano que devemos, sobretudo, agir, e agir diferentemente dos outros planos e aspectos.
Por estes motivos, parece-me inconveniente e desajustado às realidades da nossa vida incluir no texto constitucional uma disposição com uma redacção como a proposta, a cujo propósito renovo, porém, a minha inteira concordância.
Em resumo:
A tradição do nosso texto constitucional, bem como a existência do outras disposições que permaneceriam com o sentido actual, e ainda a natureza da matéria sujeita a modificações paralelas à transformação das estruturas económico-sociais, em rápida evolução, não aconselham a que se transponha pára a Constituição uma definição como a proposta para o artigo 27.º
O problema existe, é urgente, carece de solução rápida, mas deve procurar-se encontrá-la por meio de leis especiais, que deverão ir desde o regime de incompatibilidades e acumulações até à repressão de certas formas de pressão e domínio económico.

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Mas o que por sobre tudo me choca, e por si só levaria a rejeitar a proposta, é que na prática-dado o nosso actual condicionalismo, que não é nem fácil nem mesmo possível alterar rapidamente-, apesar de o seu objectivo ser bem diverso, viria a atingir especialmente as funções modestas e médias, sem ferir, como é mister, com toda a dureza e generalidade, as funções superiores e directivas.
É neste aspecto que o problema tem acuidade, e os melindres que o relator refere só os posso ter na medida em que se afectam muitos que desfrutam posições de predomínio e se fazem passar como únicos experientes, dotados de capacidade, insubstituíveis.
Terão certamente mais experiência - o que não quer dizer competência e dedicação - na medida em que nem deixam que outros adquiram a sua experiência, nem sequer que se revelem, para que lhes não façam sombra.
Não se receie. Há para aí muita gente que precisa de ser chamada a dar as suas provas, e gente capaz, moral e tecnicamente, já não vai escasseando na nossa terra.
Em conclusão: creio não ser de aceitar a alteração proposta, embora o seu sentido seja de aplaudir.
Tenho dito.

O Sr. José Saraiva: - Sr Presidente: foi intencionalmente que pedi a palavra antes de o Sr. Deputado Carlos Moreira usar dela porque, realmente, o artigo 4.º suscita-me dúvidas que impedem a minha aceitação se as não vir esclarecidas e gostaria, portanto, que S. Exa. ao usar da palavra as esclarecesse. Tais dúvidas estão, aliás, postas nas suas linhas gerais pela brilhante intervenção do Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Com a minha preocupação de resumir tudo a razões comezinhas e correntes, louvo realmente esta intenção de reduzir as acumulações. E já agora direi que a louvo não tanto pelo mal das acumulações em si mesmo, que não me parece tão grave como se pretende, como sobretudo pela repercussão que elas têm numa opinião pública que está sendo como um sol demasiado inclinado. VV. Exa. sabem que o Sol, à medida que se vai distanciando do meio-dia, vai prolongando as sombras e a certa altura até as coisas insignificantes podem projectar sombras enormes. É esse o caso das acumulações, que não são tantas que sejam em si um mal absoluto, mas estão a impressionar a opinião pública como se realmente o fossem.
Diz-se no projecto que, «salvo em casos excepcionais a prever na lei, é expressamente proibido acumular», etc.
Ora, há dois tipos de acumulações: a do homem humilde, que à remuneração modesta do sen pequeno emprego em que ganha parcamente o seu pão consegue aditar, por via de ocupações igualmente modestas, merco de um trabalho insano, uma remuneração que continua a ser modesta, e as grandes acumulações, que são as únicas que efectivamente devem ser impedidas, no género daquela que há pouco me referia um distinto parlamentar e querido amigo: a de alguém que apreciava uma acumulação nestes termos: «Mas você julga que lá me pagam alguma coisa por aí além? Olhe que não chega para comprar um prédio por ano ...»
Não faço comentários, dizendo apenas que me parece que a proibição de acumulações deve servir para impedir casos como este, e não para aqueles outros a que já me referi. Mas será provável que sejam os homens mais modestos que venham a conseguir leis especiais que possam prever os seus casos; ou, pelo contrário, essas leis não virão precisamente feri-los, salvaguardando no entanto o que interessaria reprimir? Seria assim uma justiça feita ao contrário. E sabemos bem que se correria esse risco. Eis por que me parece que o preceito em discussão não conduz a uma solução de justiça, o que evidentemente me impede de lhe dar a minha concordância.
Tenho dito.

O Sr Carlos Moreira: - Ouvi com a maior atenção as considerações do Sr. Deputado José Saraiva.
A proposta que consta do projecto de lei mereceu os louvores de S. Exa., o que quer dizer que, na essência, o artigo está certo, mas que é preciso prever as hipóteses concretas mencionadas agora por S. Exa. Ora, não é matéria constitucional estarmos a definir aqui, por alíneas, as variadíssimas situações que podem colocar-se perante os nossos olhos com relação a acumulações. Não estava no meu espírito, nem no dos outros Srs. Deputados que subscreveram o projecto em discussão, abranger nessa proibição expressa de acumulações aquelas que não são acumulações propriamente ditas, mas antes compensações de pequenos salários e de pequenos rendimentos, pois esta é uma medida social que, em lugar de ser proibida, deve, pelo contrário, ser favorecida.
Porém, não é possível num preceito constitucional fazer a destrinça de uma e outra coisa, mas só nas leis que venham a regular o assunto, e então não haverá o perigo de confundir as compensações com as grandes acumulações, sobretudo daqueles dirigentes mais altos a que se referiu o Sr. Deputado Camilo de Mendonça. E, se temos de fixar que se proíbam as acumulações de certa altura para cima, com o que me parece todos estamos de acordo, a fórmula a inserir aqui não me parece que possa ser diversa da que se propõe.
A ideia é, evidentemente, a de proibir as acumulações a partir de cima, isto é, aquelas que se podem chamar propriamente acumulações, e não as outras a que, julgo que acertadamente, chamei compensações; o que há, pois, a fazer aqui é estabelecer um princípio geral, apontando-se a necessidade imperiosa de pôr um entrave às acumulações consideradas como exageradas; e depois a lei verá o que há-de regulamentar de forma a ser justa.
Creio ter respondido como é possível à ideia que presidiu à apresentação desta disposição. Se VV. Exa. tiverem alguma dúvida, estou inteiramente ao dispor para prestar os devidos esclarecimentos.
Tenho dito.

O Sr João do Amaral: - Há uma dúvida suscitada pela intervenção do Sr. Deputado Carlos Moreira sobre as empresas que exercem serviços de interesse público e as empresas privadas.

O Sr. Carlos Moreira: - De uma maneira geral, ao afirmarmos empresas de interesse público não sei bem se haverá muitas que o não sejam, em que o volume da empresa que é de certo plano não tenha interesse público. As empresas privadas estão limitadas a uma actividade privada, limitada, pequena. Toda a empresa, ainda que privada, tem carácter público se dela resulta influência na vida económica e geral do País. Há diversidade entre as pequenas e as grandes empresas, que, embora privadas, não podem deixar de considerar-se públicas pela projecção que terão na vida colectiva.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão

O Sr. Carlos Lima: - Há pouco tinha pedido a palavra, mas depois dos esclarecimentos dados à Câmara pelo Sr. Deputado Carlos Moreira passou a ser redundante aquilo que me propunha dizer.
No entanto, sempre acrescentarei que compreendo perfeitamente as dificuldades que podem suscitar-se quanto a problemas de pormenor relacionados com a proposta em discussão.
Tenho, porém, para mim como certo que o espírito que penetra o princípio enunciado na proposta é sumamente louvável.
Sendo assim, e como se me afigura que tal princípio está concebido com a elasticidade e maleabilidade neces-

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sárias para permitir encontrar, através da legislação que o vier a desenvolver, as soluções de pormenor mais ajustadas a cada situação, em termos de serem afastadas as dificuldades que aqui foram apontadas, entendo não terem estas virtualidade para paralisar a pretensão de que seja consagrado na Constituição. E como tenho muito respeito pelo espirito que o envolve votarei a proposta. Tenho dito.

O Sr Presidente: - Continua em discussão.

O Sr José Saraiva: - Era apenas para dizer que realmente as razoes aduzidas não convencem. A disposição ou seria tão elástica ou maleável como diz o Sr. Deputado Carlos Lima, e então deixaria de ser eficaz, ou tem um conteúdo concreto, e poderá acarretar injustiças.
O principio do artigo é o da proibição- da acumulação. A excepção prevista é o da sua autorização em lei especial. Como se havia de regulamentar uma norma jurídica proibitiva de forma a permitir a maioria das acumulações (que são as dos pequenos servidores) e a proibir só uma pequena parte? Reconheço que esta objecção pode parecer um pouco especiosa, mas não o é. O que no artigo se diz é que normalmente as acumulações são impossíveis e que a lei pode excepcionalmente permiti-las. E V. Exa. diz: isso não acarreta uma injustiça, porque a lei viria permitir ó maior número, que suo as mais modestas, e proibir apenas a minoria formada pelas grandes acumulações. Transformaríamos a quase totalidade na excepção e aplicar-se-ia a regra a um pequeno grupo. Como método de legislar parece-me inaceitável.
Tenho dito.

O Sr Carlos Moreira: - Nós não vamos fazer nada de novo, quanto à primeira parte, a não ser na força da expressão. For consequência, a argumentação de V. Exa. apenas colhe num sentido: o de não ser porventura indispensável a substituição da expressão referida, o que não invalida, aliás, o apontamento final no sentido de que deve ser fixada em lei a autorização para acumular. De resto, a lei não vai fixar cada caso de per si, mas grupos de casos similares.

O Sr José Saraiva: - Experimento um certo sentimento de inutilidade em face deste preceito, que fica reduzido a uma vaga indicação, visto que o artigo 27.º já contém um princípio genérico. V. Exa. sabe que os princípios legais, sem excepção dos constitucionais, são susceptíveis de interpretação como critérios gerais informadores do regime jurídico, como comandos impostos ao legislador. A ideia da imoralidade da acumulação, tal como já está consignada, é um indicativo suficiente no sentido de que deverá ser aplicada a todas as situações em que a proibição se justifique. É um princípio constitucional, ao qual se hão-de subordinar todas as leis especiais.
Àquele sentimento de inutilidade não é alheio o facto de estar pendente nesta Camará um projecto de lei que tive a honra de subscrever com vários outros ilustres Deputados. Aí é que me parece que, sem perigo dos enunciados demasiado elásticos e gerais, se poderão estabelecer normas eminentemente moralizadoras e em si mesmas suficientemente precisas para se conseguirem os objectivos pretendidos.
Não consegui, portanto, deixar-me convencer por V. Exa., mas faço votos por que tenha convencido os outros Srs. Deputados.

O Sr Carlos Moreira: - Devo dizer que a proposta não invalida nem prejudica e, muito ao contrário, está na mesma lógica de pensamento do projecto de lei que foi apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça e que V. Exa. subscreveu.

O Sr Carlos Lima: - O projecto de lei que aqui foi referido tem um campo de acção diferente do da proposta em discussão. Não me parece, por isso, oportuna a sua invocação.
Também não me convenceram as razoes do Sr. Deputado José Saraiva, porque, como acentuou o Sr. Deputado Carlos Moreira, as leis que referiu é que serão excepcionais. Acontece, porém, que como leis conterão normas gerais e abstractas, pelo que nada impedirá que venham a abranger muitos casos concretos sem que isso prejudique, é claro, o sen carácter excepcional.

O Sr Paulo Cancella de Abreu: - Parece-me que o artigo 27.º, tal como consta da Constituição ou como é proposto pelo Sr. Deputado Carlos Moreira e outros, não deve ser encarado unicamente sob o aspecto de acumulação de vencimentos, mas também, e mesmo essencialmente, como impeditivo de acumulação de cargos incompatíveis. Incompatíveis por, praticamente, não poderem ser exercidos simultaneamente, por motivos de sobrecarga de serviços, ou por uns e outros deverem ser exercidos nos mesmos dias e durante as mesmas horas do dia, fixados oficialmente.
Isto sem embargo do disposto no § único, que manda definir em lei especial o regime de incompatibilidades resultantes propriamente da natureza dos cargos ou profissões.
Pelo que diz respeito a acumulação de vencimentos, o exagero do que dela possa resultar ou a sua exiguidade, quando se trate de cargos modestamente retribuídos, são assuntos a regularizar pela Administração, embora tendo também em atenção o disposto naquele artigo 27.º
Em qualquer caso, dou o meu voto à alteração proposta, por ser mais rigorosa e extensiva.
Tenho dito.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção as considerações feitas. A algumas devo um esclarecimento, a outras devo acrescentar as minhas razões, já que novas questões surgiram durante o debate.
Pretende o Sr. Deputado Cancella de Abreu que o Estado dê o exemplo, mas eu não vejo em que aspecto a redacção proposta modifique ou obrigue a modificar o regime vigente, salvo quanto às empresas que explorem serviços de interesse público. Repito o que há pouco disse- a alteração do artigo 27.º da Constituição, tal como é proposta, além de transpor para o texto constitucional questões que estavam reguladas por diversas leis, sem lhe modificar o sentido, inova apenas no que respeita às empresas que explorem serviços de interesse público.
As duas questões a discutir suo, pois, quer a vantagem ou inconveniente de transpor para o artigo 27 º da Constituição matérias que até agora constam de algumas leis, quer a conveniência ou justificação de alargar o âmbito das entidades já abrangidas, pela inclusão também das empresas que explorem serviços de interesse público.
Já aqui foi referido o projecto de lei n º 27, que, com outros Srs. Deputados, tive a. honra de apresentar oportunamente. Não há incompatibilidade entre esse
projecto e a alteração projectada para o artigo 27.º da Constituição, mas também não há convergência entre um e outro.
O projecto de lei n.º 27 parte de uma consideração muito diversa para atingir o mesmo problema, para o atingir naquilo que pareceu ser o cerne da questão.

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De facto, sendo muito difícil, nas actuais condições da nossa, vida, assegurar a todos a possibilidade de viverem exclusivamente de uma função, particularmente nas categorias mais modestas, a única solução realista que a meu aviso nus resta é a fie alvejai especial e directamente os casos e situações que podem legitimamente merecer reparo ou criar mesmo motivo de ofensa. A única solução realista parece ser a de visar os lugares superiores e directivos, regulando estreitamente quanto a estes as incompatibilidades e limites de remuneração por acumulação de funções e deixar uma certo liberdade nas acumulações de funções modestas, acumulações que, fora do caso do funcionário público ou administrativo, são de muito difícil regulamentação e, ainda maior, de fiscalização
E esta a orientação de que parte e visa o projecto de lei n º 27.
Mas queria ainda frisar que a redacção proposta para o artigo 27.º da Constituição não me parece harmónica com o artigo 40 º Com efeito, o artigo 40 º diz o seguinte:
Leu.
Como se vê não distingue entre empresas que explorem serviços de interesse público e as demais. Abrange a totalidade das empresas privadas numa e noutra situação, tendo, portanto, uma amplitude maior e um espírito diferente do acrescentamento pretendido para o artigo 27.º Ficaria assim a haver uma certa desarmonia entre os dois artigos da Constituição, o que não julgo conveniente. Parece, de resto, que para regulamentar estas matérias por íeis especiais não é necessário incluir no artigo 27.º, como se pretende, as empresas que explorem serviços de interesse público, porquanto o artigo 40.º já orienta nesse sentido, não distinguindo entre essas e as outras empresas privadas como talvez fosse mais adequado, pelo menos em face do entendimento dado a «empresas que explorem serviços de interesse público».
Tinha depreendido das considerações feitas, durante a discussão na generalidade, pelo Sr. Deputado Carlos Moreira que se pretendia separai nítida e claramente entre empresas privadas que não explorem serviços de interesse público e as que explorem, sujeitando estas a um regime análogo ao dos serviços públicos e paraestaduais e libertando completamente de qualquer interferência as empresas, sob este aspecto, privadas Tinha concluído daí que o número de casos a atingir era restrito, dado que então para definir empresas que explorem serviços de interesse público se deveriam conjugar factores e critérios que as distinguissem inequivocamente das empresas nitidamente privadas.
Feias considerações ora feitas pelo Sr. Deputado Carlos Moreira depreendo, porém, que a intenção é diversa e se pretende atingir a generalidade das empresas, pois de interesse público, segundo certo entendimento, suo a grande maioria das empresas privadas
Desta dificuldade em definir claramente as entidades abrangidas pela disposição induzo, pois, mais razões para não considerar conveniente a adopção desta redacção, dado não ser precisa, nem poder facilmente ser precisa, quanto ao objecto.
Estou, de resto, convencido de que os autores do projecto, se não tivessem remetido para o artigo 25.º, não teriam utilizado esta expressão, mas sim outra que nitidamente definisse os objectivos que visavam com a disposição
Mas, para lá de tudo, choca-me, Sr Presidente, que pequenas empresas, só por explorarem serviços de interesse público, embora pela natureza e funcionamento sejam nitidamente privadas, sejam abrangidas por uma disposição que não engloba grandes empresas, umas vezes mistas, outras vezes concessionárias do Estado,
que por sua natureza e funcionamento têm muito maior similitude com serviços públicos ou administrativos, e, ainda, que empregados modestos daquelas empresas fiquem privados de poderem prestar quaisquer serviços complementares da sua especialidade em empresas análogas enquanto não venha a havei incompatibilidade nem seja acumulação proibida o exercício de funções directivas ou consultivas em grandes empresas mistas, concessionárias ou arrendatárias, só pelo facto de não explorarem serviços de interesse público.
Choca-me ainda a desarmonia que viria a estabelecer--se entre o artigo 27 º como se propõe e o 40 º como consta do texto constitucional
Cuido por tudo isto que não deve ser aprovada a n Iteração proposta para o artigo 27 º e creio que nas condições actuais da nossa vida a solução realista consiste em visar com maior amplitude o problema das incompatibilidades, - acumulações e remunerações das posições cimeiros e deixar uma certa amplitude para as funções mais modestas, ou seja seguir o caminho que se aplicou no projecto de lei n º 27

O Sr Paulo Cancella de Abreu: - E a incompatibilidade da função P

O Orador: - Já está definida para muitos casos no Decreto-Lei n º 26 115 e em outros diplomas, e nada obsta a que noutras leis especiais se definam mais as, que se considerem necessárias
De resto creio que é precisamente o momento de considerar essa questão quando está a proceder-se ao estudo da revisão daquele estatuto
Eram estas, Sr Presidente, as minhas razões.
Tenho dito.

O Sr Carlos Moreira: - Quero apenas esclarecer o seguinte que há aqui dois regimes diferentes um previsto neste projecto, incluindo as empresas que explorem serviços de interesse público, o outro aquele a que se refere o artigo 40 º da Constituição, e que diz respeito as empresas privadas
O regime que se pretende estabelecer com o projecto de lei Visa precisamente às acumulações em empresas que explorem serviços de interesse público, ao passo que no artigo 40 º se proíbem, ou, melhor, se dificultam, as acumulações em empresas privadas.
V. Exa. disse que é difícil distinguir entre uma coisa e outra, mas a lei fez-se exactamente para tornar fáceis as definições,
Interessa ou não proibir as acumulações, incluindo as dos serviços de interesse público ? Aqui nada se propõe em contrário do que já está estabelecido São, pois, dois assuntos diferentes e, como tal, tratados diferentemente.

O Sr Camilo de Mendonça: - O esclarecimento que pretendia dar é o seguinte quando sustento ficar a haver certa desarmonia entre os artigo» 40 º e 27.º da Constituição, se fosse aprovada a alteração proposta, pretendo evidenciar o facto de o artigo 40 º abranger, quanto a este aspecto, não só todas as empresas cuja inclusão se pretende fazer no artigo 27.º, mas todas as demais, e ainda a orientação diversa que se estabeleceria, não só pela cisão do conteúdo do artigo 40.º com inserção de uma parte do artigo 27.º, como também pela circunstância de o artigo 40 º remeter claramente para leis regulamentares essas questões, que agora se procura, em parte, definir no próprio texto constitucional.

O Sr Presidente: - Continua em discussão.

Pausa

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O Sr Presidente: - Como mais ninguém deseja usar da palavra, vai votar-se o artigo 4 º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira
Submetido à votação, foi rejeitado

O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão o artigo 5 º, que vai ser lido.
Foi lido. Ë o seguinte

«ARTIGO 5.º

O n.º 3.º do actual artigo 31 º será:

3.º Conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis coxa a justa remuneração dos outros factores da produção, pelo desenvolvimento da técnica, dos serviços e do crédito, impedindo, porém, que este» se desviem das finalidades sociais e humanas para cuja satisfação existem»

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: informo V. Exa. e a Camará de que a alteração proposta se limita ao acrescentamento de uma directriz de ordem programática ou doutrinária.
Esse acrescentamento consta do seguinte:
Leu.
Tal acrescentamento justifica-se pela necessidade de opor uma segura e eficaz limitação aos excessos, e foi nesta ordem de ideias que se fez esta proposta.
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr Presidente: não me parece que a disposição em discussão deva aceitar-se, não propriamente pelo conteúdo, mas porque ela coutem doutrina que já está consignada na Constituição.
Não se percebe a que vem o «porém» depois do «impedindo». Dir-se-ia que o que agora se acrescenta é uma adversativa relativamente ao que já existia, ao que está contido na primeira parte do artigo. E não é; quando muito pode ser uma explicativa. O pensamento que nela se contém já está expresso no artigo vigente. Julgo, portanto, perfeitamente inútil que seja votada esta disposição do projecto. Além de inútil, considero-a prejudicial, precisamente porque dá a impressão de que a última parte está em conflito com a primeira, quando ela é apenas o desenvolvimento do que está contido na primeira parte. Não deve, por isso, ser aprovada.
Tenho dito.

O Sr. Carlos Moreira: - Perante o que acabamos de ouvir ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo julgo indispensável uma explicação! E evidente que este parágrafo tem um significado que deve relacionar-se com a imposição que se faz ao Estado, e essa imposição é a seguinte- o Estado deve conseguir o menor preço e o maior salário compatível com as justas remunerações dos outros factores da produção. Por que meios?
Indico-os a seguir.
Nestes meios está implícita uma ideia de uso e abuso
O Estado deve utilizar a técnica, os serviços e o crédito, mas utilizá-los em certa medida, de modo que não vá desviá-los das finalidades sociais para cuja satisfação existem. Logo, a adversativa é apenas limitativa, isto é, significa que o Estado deve limitar a utilização daqueles meios.
Tenho dito.

O Sr Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente : - Como mais nenhum dos Srs. Deputados pede a palavra, vai passar-se à votação.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 6º

Foi lido É o seguinte

«ARTIGO 6º

A seguir ao n º 3.º do artigo 31.º será incluído um número novo, a saber.

4 º Tomar as providências necessárias e eficientes para impedir os lucros exagerados e anómalos do capital, restituindo este ao seu sentido humano e cristão».

O Sr. Presidente : - Está na Mesa uma proposta subscrita pelos Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Soares da Fonseca, Carlos Moreira e outros, que vai ser lida

Foi lida. S a seguinte
«Proposta de substituição

Propomos que no artigo 6.º do projecto de lei n.º 23 (alteração à Constituição Política) o número novo a adicionar ao artigo 31 º da Constituição tenha a seguinte redacção:

Impedir os lucros exagerados do capital, não permitindo que este se desvie da sua finalidade humana e cristã

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 7 de Julho de 1959. - Os Deputados Mário de Figueiredo - José Soares da Fonseca - Camilo Lemos de Mendonça - Carlos Moreira - Manuel Tarujo de Almeida - Fernando Cid Proença».

O Sr Carlos Moreira: - Sr Presidente: pedi a palavra apenas para dizer que anuí n essa proposta por entender que ela traduziria melhor o pensamento que exprimi no projecto

O Sr Presidente : - Agradeço a explicação de V. Exa. porque tinha dúvidas sobre se uma das assinaturas que subscrevem esta proposta era a de V Exa.
Vai votar-se a proposta de substituição ao artigo 6.º do projecto em discussão.

Submetida a votação, foi aprovada

O Sr Presidente: - Vai ler-se o artigo 7.º do projecto de lei do Sr Deputado Carlos Moleira.

Foi lido. Ë o seguinte

«ARTIGO 7º

O actual n.º 4.º do artigo 31 º passará a ser o seu n.º 5º».

O Sr. Presidente : - Suponho que a matéria de que trata este artigo é uma questão de arranjo que pertence à Comissão de Legislação e Redacção. Passamos, por isso, à discussão do artigo 8 º

O Sr. Carlos Moreira : - Sr. Presidente : os artigos 8.º e 9.º estão prejudicados em consequência de votações anteriores.

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O Sr Presidente: - Também tinha aqui essa indicação, mas, como é questão de muita delicadeza, foi-me muito grato verificar que o autor do projecto reconheceu que estavam prejudicados estes artigos.
Passamos- então à discussão do artigo 10.º

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr Presidente. suponho que agora a discussão deveria fazer-se conjuntamente sobre- o artigo 10.º, o artigo 11.º e o projecto de lei n.º 24, apresentado pelo Sr. Deputado Duarte Silva.

O Sr. Presidente: - Agradeço a sugestão de V. Exa. Vão, portanto, ler-se os artigos 10.º e 11.º do projecto do Sr Deputado Carlos Moreira, o projecto do Sr. Deputado Duarte Silva e uma proposta de emenda relativa ao artigo 10 º do projecto do Sr. Deputado Carlos Moreira e ao n.º II do projecto do Sr Deputado Duarte Silva.
Foram lidas. São os seguintes

«Artigo 10.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira

O artigo 134 º é substituído pelo seguinte:

Art. 134 º Os territórios ultramarinos indicados nos n.º 2 º a 5 º do artigo l º denominam-se genericamente «províncias» e estão em perfeita igualdade e paridade com os demais territórios nacionais»

«Artigo 11.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira

O artigo 135 º passa a ser:

Art. 135º As províncias ultramarinas mantêm íntima solidariedade entre si e com o continente e terão a mesma estrutura deste, salvas as diferenças impostas pela sua situação geográfica, natureza das suas populações e características próprias de cada uma delas».

«Projecto de lei do Sr. Deputado Duarte Silva

I

O artigo 1.º passa a ser redigido nos seguintes termos:

Artigo 1.º O território de Portugal é o que actualmente lhe pertence e compreende:
1.º Na Europa: o continente;
2.º No Atlântico Norte: os arquipélagos dos Açores, da Madeira e de Cabo Verde;
3.º Na África Ocidental: Grume, S. Tomé e Príncipe e suas dependências, incluindo S. João Baptista de Ajuda, e Angola, incluindo Cabinda;
4.º Na África Oriental. Moçambique;
5 º Na Ásia- Estado da índia e Macau e respectivas dependências;
6.º Na Oceânia: Timor e suas dependências.
§ único. A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território.

II

No artigo 134 º elimina-se a expressão sindicados nos n.º 2.º a 5.º do artigo 1.º».

III

O § único do artigo 148 º passa a ser assim redigido.

§ único. Sem prejuízo do disposto na parte final do artigo 134.º, em cada uma das províncias ultramarinos será mantida a unidade política, pela existência de uma só capital e do governo da província».

«Proposta de emenda

Propomos que o artigo 10.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Alberto Lopes Moreira e outros e o n.º n do projecto de lei do Sr Deputado Adriano Duarte Silva sejam substituídos por.

O artigo 134.º é substituído pelo seguinte:

Art. 134.º A lei definirá o regime geral de governo dos territórios a que deva caber a denominação genérica de províncias, os quais terão organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social. A organização político-administrativa deverá tender para a integração no regime, geral de administração dos outros territórios nacionais.

Sala das Sessões, 8 de Julho de 1959. - Os Deputados:
Manuel Maria Sarmento Rodrigues - Artur Águedo
de Oliveira - Castilho de Noronha - Martinho da
Costa Lopes - Francisco José Vasques Tenreiro -
Jorge Jardim - Avelino Teixeira da Mota»

O Sr Presidente: - Vão ser lidos também os artigos 1.º, 134.º e 135.º e § único do artigo 148.º da Constituição.
Foram lidos. São os seguintes.

«ARTIGO 1.º

O território de Portugal é o que actualmente lhe pertence e compreende.
1.º Na Europa: o continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores;
2.º Na África Ocidental arquipélago de Cabo Verde, Quine, S. Tomé e Príncipe e suas dependências, S. João Baptista de Ajuda, Cabinda e Angola;
3.º Na África Oriental- Moçambique;
4.º Na Ásia: Estado da índia e Macau e respectivas dependências;
5.º Na Oceânia- Timor e suas dependências § único. A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território».

«ARTIGO 134.º

Os territórios ultramarinos de Portugal, indicados nos u º* 2 º a 5.º do artigo 1.º, denominam-se genericamente «províncias» e têm organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social».

«ARTIGO 135.º

As províncias ultramarinas, como parte integrante do Estado Português, são solidárias entre si e com a metrópole».

«ARTIGO 148.º
..........................................................................
§ único. Em cada uma das províncias ultramarinas será mantida a unidade política, pela existência de uma só capital e do governo da província».

O Sr Presidente : - Estão em discussão.

O Sr Sarmento Rodrigues : - Sr. Presidente : no projecto de lei para alteração dos artigos 134.º e 135.º da Constituição apresentado pelo ilustre colega Dr. Carlos Alberto Lopes Moreira reconhece-se o desejo de alcançar

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(...)o significado para unidade nacional e de(...) o aperfeiçoar a Constituição.
(...) ta de emenda que, juntamente com os cole(...)amar, tive a honra de subscrever é apenas o mento do seu pensamento, a expressão mais lata dos seus desejos, o instrumento que melhor permitirá atingir os mesmos elevados fins.
Não quero deixar perder esta oportunidade, em que apresento uma proposta de alteração a uma sua iniciativa, para significar ao distinto colega quanto admiro as suas qualidades e prezo a sua estima. De há longos anos vêm esta admiração s esta estima. Desde os tempos de Bragança, sempre aumentadas e renovadas, ora em Moçambique, onde o vi actuar com nobreza e isenção, já aqui nesta Assembleia, onde todos conhecem o seu vigor e actividade, Carlos Moreira foi sempre um espírito que não cede à violência não hesita, por indecisão, na pregação dos seus ideais; nem se cansa na defesa dos superiores interesses da Nação. Um espírito cuja paixão e entusiasmo postos na defesa dos princípios superam as próprias conveniências ou comodidades pessoais.
São estas simples e sinceras palavras, a que não pode ser estranha uma velha amizade, que eu neste momento não desejaria calar.
A nossa proposta, dos Deputados Ao ultramar, envolve também, desenvolvendo-a, a intenção contida no projecto de lei do ilustre colega Dr. Adriano Duarte Silva, isto s, a de, que uma província ultramarina possa ser integrada no regime geral de administração dos territórios metropolitanos.
Por esse motivo, a proposta que neste momento justifico não vai contra quaisquer ideias de outros projectos, nem mesmo contra o parecer da Câmara Corporativa, porque a todos atende e até mesmo os amplia.
Sr Presidente por várias razões, não pude intervir nos debates que nesta Câmara decorreram sobre as diferentes propostas apresentadas Por outro lado, pareceu-me, não só pelo que ouvi nesta Câmara antes deste período constituinte, como até pelo que na presente sessão se tem dito, que não se tratava de fazer uma reforma da Constituição, mas apenas de lhe introduzir algumas alterações que as circunstâncias aconselhavam E nessas condições não pensámos, os Deputados do ultramar, em fazer um estudo desenvolvido do texto constitucional.
A própria ausência de referências ao ultramar na proposta dimanada do Governo nos levou a pensai que não era encarada qualquer alteração substancial neste sector.
Não fora assim e muito haveria que dizer sobre a actualização da Constituição. Não seriam apenas umas simples alterações a parágrafos ou artigos, mas uma obra de fundo, de estrutura geral, que haveria que empreender.
Quero desde já esclarecer que quando digo sobra de fundo não quero significar que os fundamentos da Constituição, pelo que respeita ao ultramar, mereçam reparos Nada disso. Considero-os exactos nos princípios basilares Mas só os princípios, porque no que diz respeito- à forma entendo Por exemplo, não haveria necessidade de manter um título separado para o ultramar, nem talvez mesmo fosse indispensável classificar de ultramarinas umas províncias que estão um pouco mais longe do que outras; nem ter lei orgânica, nem estatutos, pois talvez fosse possível fazer inserir certas peculiaridades características as dos vários territórios em leis comuns a toda a Nação, tais como o Código Administrativo e diplomas semelhantes, não se vê talvez necessidade de manter expressões legais, como «indígena», quando a extensão dos duzentos dos cidadães os pode também abranger. E, como estas, muitas mais simplificações se poderiam fazer.
E tudo isto para quê? Para ir preparando os textos fundamentais para o dia em que a unidade seja o que humanamente se pode chamar absoluta e perfeita. Virá longe o dia? Não sei. Mas devemos por todas as formas para ele caminhar. E preparar as leis convenientes é uma boa forma de abir e de desbravar esse caminho.
Mas não desejo ficar em abstracções ou matérias vagas, gosto de concretizar. Afirmei em tempos, numa cerimónia na cidade do Porto, mais ou menos o seguinte «Um dia virá em que não haverá Ministério do Ultramar, nem legislações separados, e tudo se passará paia Angola ou para Timor como agora se passa para o Minho ou o Alentejo» (As palavras exactas foram muito amavelmente citadas no discurso do ilustre colega Sócrates da Costa, que eu tive o gosto de ler no Diário daí Sessões).
É o que continuo a desejar Ir para tal sistema de repente será um erro ou até um desastre Mas não se deve perder uma oportunidade de dar cada dia um passo nesse sentido.
Desde que surgiu o Condado Portucalense até aos dias de hoje, que longa caminhada, através das terras, das gentes e das consciências não tem feito esta noção ! Sempre a mesma, acrescentada com novas províncias, primeiro no continente europeu, depois nas ilhas do mar e nas terras continentais mais distantes; sempre renovada, com o seu fulcro deslocando-se à medida do seu crescimento Estaremos hoje estabilizados? Parece que sim Sem falar no futuro da Comunidade Luso-Brasileira - que eu desejaria ver cada vez mais consolidada - , a Nação Portuguesa deve ter atingido a sua forma geográfica definitiva, esperando apenas a sua constante valorização económica e humana.
De entre todos os territórios, a velha metrópole devei á desempenhar aquela missão benéfica, orientadora e coordenadora que a sua longa experiência, a abundância dos elementos qualificados e uma tradição - missionária das mais nobres largamente Lhe permitem.
Ora hoje não há distancias que nos separem Reparemos que se leva mais tempo de Lisboa a Bragança do que de Lisboa a Luanda ; que basta pegar num telefone e temos h fala um governador da índia, da Guiné ou de Moçambique. Por este lado, pelas distâncias não me parece que haja necessidade de separações orgânicas Mas há outras razões para certas diferenças de orgânica, para a chamada especialização Os problemas económicos e humanos apresentam por vezes características especiais. As comunidades de raças ou religiões diferenciadas e até de nacionalidades, como a chinesa, de Macau, ainda constituem elementos com os quais se tem de contar. E se quanto a raças será possível, continuando no mesmo sistema assimilador, cristão e português, destrui todos os preconceitos e fazer esquecei as diferenças somáticas, já se não poderá dizer o mesmo para as religiões superiores, para a prática das quais existe interna liberdade. O Estado intervém, e apenas com o seu apoio, na propagação da fé católica entre portugueses em estado ainda atrasado, com o nobre intuito de os encaminhai para a religião da grande maioria dos Portugueses, isto é, para melhor os aproximar da unidade nacional; mas mesmo neste campo não impede a propagação de outros cultos.
Por outro lado, o crescimento da população de algumas províncias e o desabrochar intenso dos seus valores económicos recomendam que haja um cuidado, uma atenção especial, com os seus problemas; cuidado e

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atenção que seria difícil inseri-los no comum da Administração Central
Por estas razões existe o Ministério do Ultramar e os seus órgãos especializados; e existem sistemas de governo e estatutos especiais. Tudo paia melhor se atender aos grandes, aos prementes problemas das províncias ultramarinas
Esta especialização não significa mais do que uma descentralização, paia melhor se poder actuar Descentralização que tem no aspecto financeiro o carácter de autonomia Autónoma que não é senão o cuidado de não desviar de cada província os seus rendimentos Autonomia esta que não está bem dentro dos princípios unitários, mas que foi estabelecida em homenagem ao sentimento de nobre isenção da velha metrópole. Autonomia que não impede que a metrópole atenda, quando isso tem sido preciso, com os recursos do seu tesouro, às necessidades de algumas províncias que a adversidade atingiu
Poderemos passar além da situação em que nos encontramos Julgo que sim.
Se não compreenderia bem que se entregasse todo o trabalho de obras públicas, de fomento ou de economia aos Ministérios respectivos - apesar de toda a admiração e respeito que tenho por esses serviços -, pois não seria de repente que se apretrechariam e se disporiam para atender o tremendo acréscimo do esforço que lhes seria exigido, também me parece viável continuar na senda aberta com a integração dos serviços de meteorologia, dos serviços aéreos e dos serviços de polícia de vigilância, pela forma eficaz como se fez. Suponho que seja a maneira mais segura de caminhar Para todas ou para qualquer das províncias, com vista a uma mais próxima integração no regime geral de administração dos outros territórios nacionais, quer sejam do continente europeu ou das ilhas adjacentes
São fases e passos que o Governo iria dando, no ritmo que melhor entendesse, mas sem cessar.
Ora, tudo isto o permite a redacção oferecida ao exame da Camará na proposta de alterações dos Deputados do ultramar.
Sr Presidente: julgo útil repetir a sua leitura para melhor se poder apreciar o seu conteúdo
«A lei definirá o legume geral de governo dos territórios a que deva caber a denominação genérica de «províncias», os quais terão organização política e administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social. A organização político e administrativa deverá tender para a integração do regime geral de administração dos outros territórios nacionais»
Atende, portanto, o texto proposto as principais aspirações contidas no projecto Carlos Moreira e também evita a discussão do projecto Duarte Silva.
A nossa proposta envolve ainda - e isto é muito importante e convém que fique entendido- que a lei poderá a todo o tempo alterar todos ou qualquer dos estatutos político-administrativos das províncias ultramarinas e a designação de «províncias» e integrá-las no regime de administração dos outros territórios nacionais.
Gostaria que, se votássemos esta proposta, se entendesse que ela envolve também os conceitos que acabei de expor, visto que eles certamente ficarão exarados no Diário das Sessões
Sr. Presidente antes de terminar, não quero deixar de repetir que estamos a intervir e a propor alterações à Constituição porque se apresentaram propostas sobre matérias que nos não podiam deixar indiferentes, embora a nossa intenção fosse de reservar para melhor oportunidade a nossa intervenção
E quero também acrescentar que, na mesma ordem de ideias, propusemos a alteração à proposta do Governo sobre o colégio eleitoral para a eleição do Chefe do Estado, no qual será facultada uma mais desenvolvida participação do ultramar, e também fizemos a declaração de voto paru aumento de Deputados para o ultramar.
É que o sentido unitário em que caminhamos, mesmo com as aspirações, embora longínquas, que acabei de exprimir, só pode ter inteiro significado com a participação cada vez maior e mais activa das províncias de além-mar na Administração Central da Nação Estas duas ideias não podem desenvolver-se - centralização e intervenção - separadamente, porque temos de as conduzir a par, pois só assim se cimentará, em bases sólidas de fraternidade, a verdadeira unidade da Nação Portuguesa.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

O Sr. Sócrates da Costa: - Sr Presidente a hora vai adiantada, e seria da minha parte uma pretensão estulta estar a desenvolver argumentos que fossem além daquilo que disse o ilustre Deputado Sarmento Rodrigues
Em todo o caso, fui um dos subscritores do projecto em que se propunha a alteração dos artigos 134 º e 135 º da Constituição por entendermos que na Constituição não estava claramente expresso o princípio que agora foi invocado pelo Sr Deputado Sarmento Rodrigues Nem sequei na Constituição estava expresso aquilo que no Congresso da União Nacional foi resolvido.
Leu.
Todavia, já era uma compensação bastante que a Câmara Corporativa tivesse dito que aquilo que se propunha no projecto em discussão já está no direito vigente
Não desejo agora demonstrar mais nada, limitando-me a votá-la
Tenho dito

O Sr Carlos Moreira: - Releve-me, Sr Presidente, que diga duas palavras para confirmar aquelas que o Si Deputado Sócrates da Costa proferiu
Si Presidente, quando a amizade é expressa publicamente, não basta o profundo reconhecimento íntimo; sente-se a necessidade de a agradecer publicamente.
Relevem-me, pois, Sr Presidente e Si s. Deputados, que tome breves momentos à Câmara para consignar o meu agradecimento as palavras do ilustre Deputado Saimento Rodrigues, que são bem o resultado e a expressão de uma velha e nunca desmentida amizade.
Tenho dito

O Sr Soares da Fonseca: - Sr Presidente: duas palavras, que procurarei sejam breves.
O conjunto de alterações preconizadas pelo Sr. Deputado Duarte Silva, no seu projecto agora em discussão j tem ou tinha uma finalidade única, permitir que, na Lei Orgânica do Ultramar, Cabo Verde proximamente, e em eventual futura oportunidade qualquer outra província ultramarina, possa ter regime administrativo semelhante ao das ilhas adjacentes
Para isso propôs a alteração da redacção do artigo l º da Constituição sem inclusão de números no artigo 134º; sugeriu a eliminação da referência aos n.ºs 2º a 5º do artigo l º; e no artigo 148 º procurou ressalvar expressamente o preceituado no artigo 134 º
O parecer da Câmara Corporativa julgou que haveria processo mais simples de atingir plenamente a finalidade visada
O autor do projecto veio depois aceitar ou conformar-se inteiramente com esse douto parecer, conforme

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declaração expressa feita durante o debate na generalidade
Logicamente, deveria aquele Sr Deputado requerer agora autorização para retirar do seu projecto as alterações ao artigo l º s ao artigo 148 º e propor a substituição da sua redacção inicial paia o artigo 134 º pela redacção sugerida pela Câmara Corporativa.
Não o fez e nem o podia fazer na altura própria, que é esta, por ter tido de se ausentar para o seu benquisto arquipélago de Cabo Verde
Mas devemos respeitar o seu pensamento, tornando-o exequível
Quanto aos artigos l º e 148.º, uma vez que este Sr. Deputado está ausente e não pode, portanto, como necessariamente faria, promover a retirada dos citados artigos, só há uma forma processual de lhe respeitar a vontade essa forma é rejeitar nesta parte o seu projecto, pois se viu não ser necessário alterar nestas matérias a Constituição e não haveria conveniência mesmo em as alterar.
Nesta ordem de ideias, as propostas de alteração agora em discussão devem ser rejeitadas
Em relação ao artigo 134.º, que satisfaz todo o seu intento, suponho que também fica plenamente realizado com a proposta de alteração subscrita pelo Sr Deputado Sarmento Rodrigues e outros Srs. Deputados Poderia discutir-se agora se é preferível a redacção proposta pelo Sr Deputado Carlos Moreira Suponho que a finalidade que se pretende atingir - e que deve ser a de tender cada vez mais para a identidade - se- atinge plenamente com a votação da nova redacção proposta para o artigo 134 º, em que se respeita a necessidade que, porventura, as condições do tempo e do lugar ainda imponham
Tenho dito.

O Sr Presidente: - Continua em discussão.

Pausa

O Sr Presidente: - Como mais nenhum Sr Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação Vai votar-se em primeiro lugar a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Sarmento Rodrigues e outros Srs. Deputados tendente à substituição do artigo 10 º do projecto do Sr. Deputado Carlos Moreira e do artigo 2 º do projecto do Sr. Deputado Duarte Silva Vou mandar ler novamente esta proposta.

Foi lida

O Sr Presidente: - Submeto, pois, à votação da Câmara esta proposta.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr Presidente: - Creio que esta votação prejudica o artigo 11 º do projecto do Sr Deputado Carlos Moreira, cuja matéria suponho incluída na proposta que acaba de ser votada.
Temos, assim, concluída a discussão e votação do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira.
Passamos agora à discussão do projecto de lei do Sr Deputado Duarte Silva O artigo l º, que já foi lido, já esteve em discussão e vai, portanto, votai-se.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr Presidente: - O artigo 2 º já foi substituído, e passamos, portanto, ao artigo 3 º, que está igualmente prejudicado pela votação já feita.
Passamos agora à discussão do projecto de lei n º 25, ida autoria do Sr. Deputado Cortês Pinto e outros Srs. Deputados Tem um artigo único, que vai ler-se, bem como o correspondente artigo da Constituição Política.

Foram lidos São os seguintes

«Artigo único do projecto de lei do Sr. Deputado Cortês Pinto

No actual artigo 12.º propõe-se a substituição da palavra raça pela palavra etnia»

«ARTIGO 12 º

O Estado assegura a constituição e defesa da família, como fonte de conservação e desenvolvimento da raça, como base primária da educação, da disciplina e harmonia social e como fundamento da ordem política e administrativa, pela sua agregação e representação na freguesia e no municípios.

O Sr Presidente: - Sobre este artigo há na Mesa duas propostas de substituição, que vão ler-se.

Foram lidas São as seguintes

«Proposta

Não obstante o parecer-me que a palavra etnia tem condições de preferência para substituir a palavra raça, justamente por já existir nas raízes de algumas palavras consagradas nas ciências etnológicas, e por ter sido introduzida na linguagem científica internacional, lenho a honra de propor, em conformidade com o que já anunciei na minha intervenção sobre o assunto, para o caso de a Assembleia preferir uma expressão mais comum do que o termo técnico etnia, que a palavra raça do texto do artigo 12.º da Constituição Político, seja substituída pela expressão Comunidade Portuguesa

Lisboa, 29 de Junho de 1959 - Os Deputados. Américo Cortês Pinto - Fernando Cid Oliveira Proença - C avios Alberto Lopes Moreira - Manuel Nunes Fernandes - Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa»

«Proposta de emenda

Propomos que o artigo único do projecto de lei do Si Deputado Américo Cortês Pinto e outros passe a ter a seguinte redacção.

Artigo único

No actual artigo 12 º propõe-se a substituição da palavra raça pelas palavras povo português.

Sala das Sessões, 6 de Julho de 1959. - Os Deputados Manuel Mana Sarmento Rodrigues - Jorge Jardim, - Castilho de Noronha - Martinho da Costa Lopes - A Teixeira da Mota - Alberto da Rocha Cardoso de Matos-Francisco José de Vasques Tenreiro- Artur Águedo de Oliveira - Agostinho Gonçalves Gomes».

O Sr Presidente: - Estão em discussão.

O Sr Cortês Pinto: -Sr Presidente e Srs. Deputados, ao ter a honra de apresentar o projecto de lei n.º 25 não julguei necessário aduzir razões que o explicassem, de tal modo parecia evidente a todos os subscritores o profundo sentido político que nele se achava expresso.
Perante a estranha exiguidade analítica com que a douta Câmara Corporativa analisou o projecto, verifiquei que afinal se tornava necessário fazer a justi-

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ficação do que parecia evidente não só aos subscritoras, mas a quantos sobre o assunto tivemos ocasião de ouvir.
Mostrámos abundantemente que o parecer da Câmara Corporativa assentava em hipóteses meramente subjectivas e sem fundamento e em poucas bases objectivas, e essas mesmo eiradas Analisei os inconvenientes múltiplos do emprego da palavra a raça B no artigo 12.º da Constituição, salientando, acima de todos os outros pontos de vista, a relevância do seu significado político num pau que no próprio seio da Assembleia Nacional conta, para honra da Nação, representantes de grupos antropobiológicos de raças caracteristicamente diferenciadas, mas que se acham tão- integradas na etnia portuguesa, e consequentemente europeia, como os metropolitanos, que o artigo 12 º particulariza de facto, embora sem intenção, na letra do seu texto
Na realidade, repito, a Nação Portuguesa é essencialmente, e mais do que nenhuma outra, uma nação gloriosamente ecuménica, formada por uma unidade de etnia em que participam grupos rácicos diferentes da Europa, África, Ásia e Oceânia; e numa época em que tão insidiosamente umas vezes e outras tão provocante e falsamente se faz uma campanha contra o pretenso colonialismo de Portugal, torna-se perigoso dar aos inimigos do Ocidente uma arma desta natureza, servindo-lha na própria Constituição Política da Nação, ao afirmar-se que ao Estado, composto de raças tão diferentes, compete assegurar o desenvolvimento de uma delas.
E inexplicável que tal se faça, quando de facto não é essa a intenção da lei.
Depois de ter demonstrado que o argumento mais objectivo do parecer que desaprovou o projecto assentava na citação de um texto que dizia exactamente o contrário do que o parecer precipitadamente deduzira, e de ter desfiado, inutilizando-os um a um, os argumentos baseados em intenções gratuitamente atribuídas à razão de ser do projecto, parece que nada mais haveria a dizer para demonstrai a manidade dos motivos da sua não aprovação.
Resta-me, porém, considerar a observação feita de que se devem evitar muitas alterações à Constituição. Ora, na verdade, o que importa não é o quantitativo, mas sim a qualidade Não é se são muitas, mas se são necessárias Em que se deve assentar é em que a Constituição deve ser aperfeiçoada sempre que se lhe notem imperfeições, e manter-se constantemente actualizada
Entende-se tão necessária a sua adaptabilidade às condições, do tempo e da fortuna que por isso se consignou a periodicidade das suas revisões. A que vem então opor-se um argumento de simples sujeição à imutabilidade, contra o princípio da mutabilidade, quando foi este que determinou como necessária a revisão periodicamente estabelecida? Devem as emendas restringir-se a assuntos de comprovada importância? Sem dúvida Porém, já demonstrámos o alto valor daquela que propusemos E julgo perigoso fechar os olhos ao clarão do fogo que lavra ao redor das nossas províncias ultramarinas, ateado pelo falso conceito de «raça», e tomou vulto maior no conclave racista de Bandung e na Conferência de 1957 de Moscovo, oferecendo-lhe ainda por cima, na nossa lei constitucional, argumentos capazes de ainda mais alimentar o incêndio E argumentos que paradoxalmente se opõem a exacta afirmação de que em Portugal não existem diferenciações políticas de raças, nem colónias, mas sim províncias igualmente integradas num Estado unitário.
Para obviar a estes inconvenientes apresentei à consideração de V. Exa. o projecto de lei n.º 25. Apreciemos agora, a propósito da proposta de alteração
r mim também apresentada juntamente com outros Srs. Deputados, o valor da palavra que há-de substituir a palavra a raça»
Propus inicialmente a palavra «etnia», que me parece preferível, por ser mais especializada, mais técnica e mais universal, por estar já introduzida na linguagem cientificamente internacional Omito agora todas as razões já expostas Depois disso, porém, embora sem negar a preferência do vocábulo, mas em conformidade com o que já anunciara na minha intervenção, propus que esta palavra fosse substituída pela expressão a comunidade portuguesa»
É que o objectivo do projecto de lei n º 25 não era o de impor a palavra «etnia», mas sim o de substituir a palavra «raça», por fortes motivos de política nacional.
Demonstrei por esta forma que, se havia quem se não ^preocupasse com razões de logolateria, esse alguém era o autor da proposta, para o qual, contrariamente ao que julgou a doutrina da Câmara Corporativa, era nesse momento indiferente o valor artístico da palavra substituente, embora se preocupasse, isso sim, com o seu valor expressivo e exacto Isso mesmo ficaria desde logo expresso na minha intervenção ao anunciar que, me reservaria para substituir a palavra proposta se ela não merecesse as simpatias desta Assembleia.
Como VV. Exas. vêem, embora me não preocupasse o aspecto de simpatia mas o de exactidão, não deixava por isso de respeitar a sensibilidade dos que fossem levados a inclinar-se pró ou contra determinado termo mais Se já demonstrei que não foi por preferência eufónica ou literária que propus primeiro a palavra e etnia», cumpre-me agora explicar que também não foi de ânimo leve, mas por desejo de exactidão no definir das ideias e de perfeição na escolha do seu valor sugestivo, que, tanto eu como os subscritores da proposta de substituição, optámos pela palavra «comunidade».
Peço a VV. Exas. que acompanhem a exposição das minhas considerações, pois o debate das ideias tem a sua razão de ser justamente na circunstância de se tornar possível reflectir sobre a opinião já formada, ou sobre a simples inclinação do nosso espírito, examinando-a à luz de novos aspectos que a discussão possa esclarecer
Acabei por achar preferível a expressão comunidade portuguesa» porque nesta expressão existe mais vincadamente do que nas palavras «grei» ou «povo» a impossibilidade de interpretações restritivas ou por qualquer forma diferentes. Ora, desde que substituímos uma palavra por inconvenientes de ordem interpretativa, teremos de ser cuidadosos em não a trocar por outra que possa prestar-se a discussões de igual modo pertinentes.
Depois de apresentada a proposta de alteração tomei conhecimento pelo próprio apresentante, o nosso muito ilustre colega nesta Assembleia comodoro Sarmento Rodrigues, de que ia ser apresentada uma outra propondo a palavra «povo» De há longos anos que venho seguindo a vida política deste ilustre estadista e Deputado, cuja brilhante inteligência admiro tão convictamente como prezo no mais alto grau a exemplaridade do seu carácter.

Vozes : - Muito bem!

O Orador : - Porém, amious Plato sed magis arnica veritas ...

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Se indiquei na minha proposta a expressão «comunidade portuguesa» não foi porque a palavra «povo» não tivesse surgido também no meu pensamento, a par de «grei», «comunidade» e outras mais. Porém, exactamente pela necessidade de perfeição exigida pela lei constitucional, fizemos incidir a nossa atenção sobre os elementos chamados em ciência linguística elementos significativos e psicológicos do valor das palavras
Basta consultar os dicionários ou tratados, não falando já das obras literárias não especializadas, para ver que, tanto cá como nas literaturas estrangeiras, a palavra «povo» merece o reparo feito pelo Prof. Lapparent, já por mim citado, de ser «um termo demasiadamente pouco preciso».
A razão que nos levou à preferência da expressão escolhida sobre a palavra «povo» foi o defeito da polissemia deste termo, ou seja da pluralidade de ideias e acepções que nele se incluem e diminuem o poder definidor que devia tornar indiscutível o significado e acepção do vocábulo escolhido
O primeiro, em boi a não o mais importante, destes aspectos polissémicos é o que provém da particularização, não só histórica, mas ainda actual em sociologia, que a palavra estabelece na sociedade globalmente considerada, implicando um conceito de divisão de classes na estruturação do corpo social
A própria organização dos estados definia diversas classes sociais que atravessaram as organizações medievas e persistiram até ao século passado, dividindo a sociedade em ciei o, nobreza e povo, designando-se por esta última palavra a classe socialmente inferior
Ë certo que os tempos mudaram e as classes também. A plutocracia substituiu a aristocracia na evolução democrática das sociedades As posições intelectuais ascendem, como em todos os tempos, aos níveis superiores das classes sociais Mas ainda hoje, apesar do sentido generalizador que se lhe pretende dar, a palavra é constantemente invocado, até mesmo pelos intelectuais que se orgulham de lhe pertencer, como designadora de uma classe social com possibilidades mais limitadas e para as quais, justamente por isso, se reclamam particulares atenções E é a forca da ideologia e linguagem democrática, tão querida na literatura política internacional da actualidade, que persiste em manter a palavra com este sentido particularista, dando-lhe muitas vezes um significado de matiz político
Não é este, repetimos, o aspecto mais relevante sob o ponto de vista que. fundamentalmente nos interessa. Bastaria, entretanto, paia pôr o termo em posição secundária, se outra palavra surgisse com um significado mais especificamente definidor, como na realidade acontece
Se o aspecto que. acabamos de analisar pode ser considerado de menor vulto, já o mesmo não acontece quando se impõe de uma forma superior o carácter restritivo, que tantas vezes diminui o significado genérico desta palavra no sentido geográfico. A cada passo a utilizamos para designar pequenos grupos regionais o povo da Madeira, o povo do Minho e, até mais limitadamente, o povo de qualquer lugarejo ou povoação
Tais acepções não excluem, antes se acumulam com o seu valor de. generalidade Ë certo Chamo, porém, a atenção para este conceito cumulativo de generalização e particularização para sublinhar que ele confere à palavra este carácter dúbio e impreciso que a desaconselha, e que esta tendência para circunscrever a palavra num âmbito antropogeográfico mais limitado oferece já mais importantes contra-indicações, particularmente em face d« uma geografia política tão desagregada como a nossa.
De facto, ao falar-se no povo português, a sugestão mais próxima é a da parte da população circunscrita a metrópole e ilhas adjacentes e aos seus descendentes nas províncias de além-mar Nesta extensão, porém, influem já circunstancias de ordem racial e ainda, de certa maneira, históricas É que elas não contêm povos de grupos étnicos diferentes, anteriores ao seu descobrimento Eram ilhas desertas, que se encontram ocupadas pelos descendentes do povo que primeiro as descobriu e ocupou
Aqui se aliam de algum modo e sub-reptíciamente na mesma palavra aspectos comuns ao vocábulo «povo» e ao termo «raça», de que pretendemos fugir.
Não faltam os que, sobretudo no estrangeiro, ao falar-se no povo português são levados por força subconsciente desta noção histórica, aliada a restrição geográfica relativa de que nos ocupámos, a pensar naquele povo de descobridores já existente antes dos descobrimentos e que partiu do Portugal primitivo, ainda restituo ao continente, para descobrir e estabelecer fraternal contacto com povos diferentes dos mundos de além-mar. Mais uma vez o factor histórico intervém no valor da palavra. Não faltarão exemplos na nossa literatura histórica dos descobrimentos e conquistas do emprego da palavra «povo» no sentido restritivo que diferencia os povos das descobertas, opondo-os, embora em sentido meramente descritivo, ao povo português E isto, Srs. Deputados, é já um caso a meu ver muito seno A nossa literatura histórica e corrente está cheia destas diferenciações, que ao fim e ao cabo estabelecem, mais ou menos sub-reptíciamente, uma certa identidade entre o significado da palavra «povo» e o da palavra «raça» E aí estamos nós a modificar um termo da Constituição para o substituir por outro que é susceptível, mais ou menos flagrantemente, de iguais reparos.
É por esta razão que, embora a palavra possa autorizar-se em muitos casos, até em linguagem etnológica, carece no caso em discussão daquele valor que a ponha a salvo dos senões de ordem psicológica filològicamente classificados entre os elementos ideológicos da glotologia
Concedo que se possa defender a acepção que se propõe Mas o mal consiste justamente na necessidade de defesa A palavra escolhida deve prescindir de defesa, por ser insusceptível de provocar confusões, embora haja de explicar-se quando se propõe.
E isto o que acontece com a expressão «comunidade portuguesa», que nos sugere justamente a unidade na diversidade E são justamente estas duas ideias o que se pretende significar. Estas duas ideias que não estão implícitas na palavra «povo», que sugere uma unidade de elementos menos diferenciados.
Sim A palavra «povo», embora defensável, é na verdade imprecisa, vaga, ao mesmo tempo que mais limitada para sugerir, dentro de uma nação tão dispersa como a Nação Portuguesa, aquela associação de povos que- se reúnem para formar uma comunidade plorirracial
Preferi a expressão «comunidade portuguesa» paia fusar mais explicitamente a consideração do Estado por todos os povos do Império, deixando subentendida, mas bem expressa, a presença de todos eles no espírito do artigo 12 º da Constituição
Foi com este mesmo espírito que o Presidente do Conselho falou na «conveniência inter-racial», que o actual Ministro do Ultramar se referiu a uma associação de raças» e que o estadista Prof. Paulo Cunha, empregando o próprio teimo proposto, falou na «comunidade plurirracial».
Depois disto, em nome da verdade e da coerência, haveremos de pôr em concordância as afirmações dos nossos estadistas com a letra da nossa Constituição e de obedecer a premente necessidade política de subs-

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tituir a palavra «raça» para afirmar que ao Estado Português cumpre assegurar o desenvolvimento, não de uma, mas do espírito português de todas elas, isto é, o desenvolvimento da comunidade portuguesa
Entretanto, repito, o projecto de lei n.º 25 tinha como principal objectivo o excluir a palavra «raça» E creio poder felicitar-me por tal objectivo ser amplamente alcançado.
Que a palavra substituidora seja esta ou aquela é já uma particularidade de ordem secundária O projecto de lei foi ditado pelos interesses da Nação e não quereria eu que se pensasse que me obstinava em fazer vingar um triunfo meramente pessoal.
Os Srs. Deputados ultramarinos são naturalmente os mais interessados no problema Preferem eles a imprecisão do termo «povo» à especificação do termo «comunidade»? Pois bem! Assim seja.
Mas não deixaria eu, em qualquer caso, de demonstrar as razões da minha preferência, mostrando que nunca tomei uma posição de ânimo leve, mas sim devido a razões profundamente meditadas. E se mantenho a minha proposta é porque, apesar de tudo. é ela que melhor responde Às intenções da emenda que tive a honra de propor
Tenho dito.

O Sr Vasques Tenreiro: - Sr Presidente por a hora ir adiantada, limito-me a algumas e breves considerações acerca do problema em debate.
Projectou-se a substituição da palavra «raça» por «etnia», primeiro, e, finalmente, propõem-se as expressões «comunidade portuguesa» ou «povo português». Sem dúvida que a primeira parece possuir conteúdo sociológico definido, enquanto que a expressão a povo português» é de grande latitude. Em rigor, a palavra «comunidade» exprime uma organização no espaço de homens, que estabelecem entre si relações de interdependência, funcionais, quer do ponto de vista biológico como económico ; trata-se, como dizem os sociólogos, de uma espécie de simbiose, pois que todas as partes mantém relações orgânicas com as outras; a sua finalidade é, ao fim e ao cabo, uma maior eficiência na luta pela existência. Repare-se que comunidade distingue-se de sociedade, pois, enquanto a sociedade resulta do contacto ou da comunicação, do conflito numa segunda fase e da assimilação final, a comunidade resulta da competição e leva a uma acomodação. Estes factos devem, em meu entender, ser meditados.
É certo que a finalidade é uma maior eficiência na luta pela existência ... Dai resulta, por extensão, que a comunidade pode estabelecer-se entre povos diferenciados pela raça e pela cultura (o que não oferece confusões), mas também entre nações diversificadas; e quem diz entre nações diz também entre estados, ou seja entre unidades politicamente organizadas de forma diferenciada. Que dizer da comunidade britânica? Da comunidade-luso-brasileira? De uma comunidade europeia? Os economistas, melhor do que eu, sabem bem o significado, politicamente perturbador, de muitas destas comunidades...
A comunidade não visa à integração total, faz-se sempre na base de um interesse económico, social e até na base do sentimento ... É assim, e essencialmente, um compromisso ou um contrato de tipo especial. Em meu entender, a palavra não traduz, de momento, a intimidade jurídica e política que une as províncias portuguesas. Para nós, há um só Portugal, que se retalha em províncias pelo Mundo, e não territórios ou parcelas que o condicionalismo geográfico considerasse separados no todo. Atente-se ao que se diz no artigo 1.º da Constituição. Um só Portugal, dividido em províncias, visando a integração de todas as parcelas dispersas, é o que constitui a armadura política, económica e social no tempo presente A palavra «comunidade», vista assim a luz da sociologia e da política -e é a essa luz que tem de ser vista- é aberrante. Nem uma só vez na Constituição se define comunidade; em contrapartida, fala-se em território (uno), em províncias, «parte integrante», etc. É possível - porque não admiti-lo?- que seja necessário vir a definir um dia uma comunidade portuguesa de base política e social; porém, o problema há-de ser ditado por circunstâncias futuras e tão complexas que não importa agora analisar.
Ora, é precisamente pelo rico conteúdo político da palavra «comunidade», que poderia levar-nos a novas complicações e a soluções prematuras e não meditadas, que eu prefiro, de momento, a simplicidade da expressão «povo português». De sentido amplo, concordo, mas claramente aceite por todos os portugueses E se povo é o conjunto de habitantes de um pais sujeitos às mesmas leis (definição simples mas clara de um dicionarista), parece-me que a expressão convém. Responde aos princípios constitucionais vigentes: um só pais e uma só natureza política e jurídica; serve, portanto, o sentimento de integração, pela assimilação (e não pela acomodação), que sempre presidiu aos destinos de Portugal.
Se a Assembleia votar a substituição da palavra «raça» do artigo 12.º, seja qual for a solução adoptada -«comunidade portuguesa» ou «povo português»,- fica-se a dever ao Dr. Cortês Pinto e aos ilustres colegas que o apoiaram o justo mérito de haver trazido uma correcção a todos os títulos pertinente.
Tenho dito.

O Sr Cortês Pinto: - Quero apenas fazer alguns apontamentos ligeiros sobre certas razões apontadas pelo ilustre Deputado Vasques Tenreiro.
S. Exa. apontou a circunstancia de na Constituição não se definir a palavra «comunidade», e eu pergunto se lá se define a palavra «povo». Certamente que S. Exa. terá de me responder que não. Nestas circunstancias, se não se define nem uma nem outra, o argumento carece de qualquer validade
Nas minhas considerações citei, o mais perfunctòriamente possível, o nome de Lapparent, professor da Faculdade de Ciências de Paris O Sr. Deputado Vasques Tenreiro afirma que ele está ultrapassado. Gostava que S. Exa. me dissesse em quê e desde quando. É que a obra donde colhi a sua frase tão expressiva, acerca da imprecisão da palavra «povo» é relativamente recente De resto, se ele foi ultrapassado em alguma coisa, o que interessaria saber é se ele o foi no caso pertinente. Ora nisto certamente que não podia ter sido. Eu citei um autor num trabalho especializado S. Exa. preferiu os dicionários, mas eu citei-os também. Estes, desde que não sejam os muito restritos, para uso de escolares, mas tenham um certo desenvolvimento, também dizem que a palavra «povo» é bastante imprecisa, e, sendo assim, a critica feita por S. Exa. às palavras «comunidade portuguesa» parece-me em verdade muito menos convincente do que os defeitos graves que apontei à palavra «povo».
É certo que a palavra «comunidade» pode dor a ideia de diferenciações. Estamos de acordo. Eu próprio apontei isso como uma virtude da palavra, porque é essa unidade na diversidade que exprime no caso particular de Portugal a união de povos tão diferentes, tanto das suas dispersas possessões ultramarinas coroo do continente e ilhas. Ela exprime aquilo que particulariza e caracteriza essa unidade, que é exactamente a diferenciação dentro da unidade. Que haja comunidades de outra natureza, não digo que não. Mas que a expressão «comunidade portuguesa» não diz senão uma coisa não há dúvida nenhuma.

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Portanto, eram estas as respostas que en queria, dar às objecções do Sr. Deputado Vasques Tenreiro. Julgo que respondi a todas.
Tenho dito.

O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr Presidente: poderia dispensar-me de fazer a defesa da proposta de o Iteração que tive a honra de subscrever juntamente com os colegas do ultramar, pois as brilhantes considerações do ilustre Deputado Dr. Vasques Tenreiro foram suficientes para demonstrar a propriedade e conveniência da expressão «povo português» que propusemos.
A questão da substituição da palavra «raça» no artigo 12.º pode parecer uma questão de somenos, mas não é. Admitia, é certo, que se não tocasse no artigo, visto que a palavra «raça» que ali está não pode significar a cor da pele ou grupo social. Pensar o contrário seria negar toda a nossa tradição política, toda a realidade nacional. Nem mesmo antes da expansão havia uma raça única. O povo português original era já um mosaico de sangues e raças. E depois, com o alargamento de fronteiras geográficas e humanas, ainda menos.
Portanto, a palavra «raça» não estava com sentido de selecção, fosse de que grupo fosse. De qualquer grupo. Daqui não podemos sair. Os racismos impressionam-nos desagradavelmente e da mesma maneira, partam do lado de que partirem: dos loiros ou dos morenos, dos altos ou dos baixos. Não poderiam nunca ser consentidos dentro da nossa nação.
«Raça», portanto, não significa racismos.
Nesse ponto algumas das considerações da Câmara Corporativa merecem a minha concordância.
Mas, desde que um ilustre Deputado levantou a questão, acho que não poderia deixar de se lhe dar andamento. Não podem ser deixadas quaisquer dúvidas. É indispensável fazer as rectificações necessárias. E nesta altura não podemos aceitar a condenação que a Câmara Corporativa fez do projecto de lei do ilustre colega Dr. Américo Cortês Pinto.
Estamos firmemente ao lado do distinto Deputado para rejeitar a palavra craca». Consideramos indispensável a sua eliminação. t
Mas há a sua substituição.
Os Deputados do ultramar não aceitam qualquer das soluções propostas. Como a «etnia» e a «grei» estão já condenadas pelo próprio autor, resta agora a «comunidade portuguesa».
Somos partidários da fórmula «povo português», porque nos parece a mais simples, a mais compreensível, a mais justa. Ela comporta todos os significados, todas as possíveis situações que porventura a palavra «raça» continha. Com efeito, até o sentido que o ilustre autor da proposta quer emprestar à expressão «comunidade» se contém em «povo português». Mas não é esse, certamente, o sentido em que foi escrita a palavra «raça». O sentido de comunidade, isto é, de ajuntamento, de associação, está dado no fim do artigo: «pela sua agregação e representação na freguesia e no município».
Ali, sim, está a agregação, o agrupamento, a comunidade. Mas da oração que contém a palavra «raça» o que se pode entender é a conservação dos indivíduos, da população, do povo; enfim, não há nela o menor significado de sistema orgânico.
Mas «comunidade», além de imperfeito, poderia ter inconvenientes.
Comunidades há muitas e diversas. Há a comunidade luso-brasileira, uma associação cuja intimidade está por definir na lei, mas que esperamos seja grande; há a comunidade britânica, associação de estados independentes, cuja intimidade política é muito ténue; há a comunidade do carvão e do aço-tudo meramente económico ; há entre nós as comunidades ismaelita de Moçambique, chinesa de Macau e siriana da Guiné, e as comunidades cristã, maometana, hindu e parse de Damão, por exemplo; ou as comunidades agrícolas de Goa, e todas estas últimas são comunidades portuguesas.
Qual delas iria a lei referir?
O projecto do ilustre Deputado Cortês Pinto, mesmo que interpretasse o sentido da lei -o que não sucede-, seria impreciso e sujeito a confusões.
Eis porque os Deputados que assinaram a proposta de alteração, prestando homenagem às intenções e à bem notória erudição do ilustre Deputado Cortês Finto, o apoiaram inteiramente na rejeição da palavra «raça» e lamentam que não quisesse aceitar o oferecimento que lhe foi feito de os honrar com a sua assinatura na proposta que apresentaram para a adopção das palavras «povo português».
Pela minha parte desejo acrescentar que em qualquer caso considero um seu triunfo a eliminação de uma expressão que se poderia prestar a interpretações pejorativas. Quero render-lhe esse tributo, ao mesmo tempo que recordo com admiração e reconhecimento quanto me foi útil, na minha visita oficial às províncias do Oriente, a companhia dos seus livros, nos quais colhi preciosos ensinamentos sobre a expansão da cultura portuguesa, tendo nos meus discursos feito algumas vezes referências às suas doutas informações.
Sr. Presidente: vai a hora tão adiantada que me parece conveniente não alargar mais as minhas considerações, que, de resto, se me afiguram desnecessárias para a defesa da proposta dos Deputados do ultramar.
Tenho dito.

O Sr. Cortês Pinto: - Sr Presidente- pedi a palavra apenas para agradecer as palavras tão generosas que me acabam de ser dirigidas pelo Sr. Deputado Sarmento Rodrigues e para afirmar, mais uma vez, que a palavra «povo» é mais susceptível de interpretação restritiva do que a expressão «comunidade portuguesa». Na própria exposição de S. Exa. eu estava a ver isso quando o ouvia apontar os nomes de várias comunidades religiosas indianas, sempre acompanhados das palavras necessárias para lhes darem o significado restritivo particularizador, destinado a evitar o sentido amplo natural à expressão. Porque é preciso notar que o que propus foi que se substituísse a palavra «raça», não por «comunidade», mas sim por «comunidade portuguesa». E continuo a afirmar que esta expressão é mais definidora e por isso preferível à de «povo português».
Tenho dito.

O Sr Costa Ramalho: - Sr. Presidente: ouvindo a análise filológica do nosso prezado colega Dr. Cortês Pinto, lembrei-me de que a minha profissão era a de filólogo e alguma coisa podia dizer sobre as palavras em causa. Prometo, todavia, não usar linguagem técnica e não falar mais de cinco minutos.
Das palavras propostas, «etnia» não serve, porque é um termo técnico de reduzido curso, palavra inteiramente nova, artificial, forjada sobre ethnos, que se não livra da pecha de significar, entre outras coisas, também «raça».
Quanto a «grei», que assenta sobre o latim grex, gregis, significa, tal como acontece na origem, «rebanho», em sentido real e em sentido figurado.
Neste último designa o rebanho dos fiéis em relação ao seu pastor, os súbditos em relação ao soberano, no significado que tem na famosa divisa de D. João II: Polla ley e polla grey
L uma palavra que, em anos recentes, ganhou um conteúdo de exaltação patriótica e nacionalista, que, se

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9 DE JULHO DE 1959 1201

dela faz termo do vocabulário de eloquência política, não a torna própria do estilo sóbrio da Constituição.
Os sentidos de «comunidade» e «povo», com seus méritos respectivos, já foram elucidados pelos ilustres membros desta Câmara Srs. Dr. Cortês Pinto para o primeiro e comodoro Sarmento Rodrigues para o segundo.
Penso que não foi posto em relevo o paralelo de «comunidade» com commonwealth, em inglês. Todavia, é ocasião de salientar que, embora a comunidade portuguesa, se esta designação for preferida, não tenha nada que ver com o British Commonwealth, o termo commonwealth surgiu em Inglaterra para substituir o empire dos tempos heróicos da rainha Vitória, há pouco mais de cinquenta anos ...
Para evitar o odioso de empire foi esta palavra substituída por commonwealth, de maneira parecida com a que nos leva agora a substituir o perigoso termo de «raça» por «comunidade» ou «povo».
A proposta do Sr. Dr. Cortês Pinto parece-me, assim, além de pertinente, altamente oportuna, e só temos de felicitá-lo por isso.
Para concluir: entre «comunidade» e «povo», eu preferiria «povo», mas entre esta palavra, demasiado vaga e incaracterística, e a designação de «comunidade portuguesa», prefiro esta última.
Tenho dito.

O Sr. Soares da Fonseca: - Não vou fazei a apologia da palavra «raça», empregada na Constituição; e não a faço porque julgo que não há necessidade de defender o seu emprego na actual redacção do artigo 12.º Sempre direi, em todo o caso, que esse emprego nada tem de ofensivo para os nossos conceitos filosóficos. Dá-se com esta palavra o mesmo que se dá com muitas outras - não tem um sentido único, mas vários. Um deles, e, sem dúvida, aquele em que é aqui empregada, é o que se pretende traduzir agora por nova expressão. Mas, uma vez que o problema se levanta, nada repugna substituir aquela palavra.
O Sr. Deputado Cortês Pinto sugeriu inicialmente que se deveria substituí-la pela palavra «etnia». Mas este termo tem dois defeitos: é bastante inusitado e inserir-se-ia com ele no texto constitucional uma palavra com ar de preciosismo.
Depois, foram apresentadas as expressões «comunidade portuguesa» e «povo português». Qualquer delas me parece satisfazer o fim em vista, embora as minhas simpatias vão para a designação «comunidade portuguesa» em vez de «povo português», por me parecer de sentido mais profundo. Mas, repito, parece-me que qualquer delas será aceitável.

O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: o problema é mais do que um problema de filologia e é demasiado grave para a política ultramarina portuguesa.
Tem-se verificado, na vida dos povos civilizadores em África, que a substituição de dizeres sugerida pela designação «comunidade» se traduz sempre por uma diminuição do vinculo nacional.
Foi assim no caso dos territórios britânicos e, muito recentemente, quando a França, ao separar praticamente do vinculo nacional os seus territórios, foi usar a mesma expressão: «comunidade francesa». Não tenhamos dúvidas de que para aqueles que vivem no ultramar essa expressão tem um significado muito diferente daquele que lhe queiramos dar, e até um significado preocupante.

O Sr Costa Ramalho: - Eu queria apenas dar uma explicação: quando falei de império, referia-me ao empire inglês, mas não ao nosso. Estamos numa situação muito diferente.

O Sr Sarmento Rodrigues: - Sr Presidente: requeiro a prioridade para a votação da proposta apresentada pelos Srs. Deputados do ultramar.

O Sr Presidente: - Vou primeiro submeter à votação da Assembleia o requerimento do Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr Presidente: - Vou submeter à votação da Câmara a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Sarmento Rodrigues e pelos Srs. Deputados do ultramar, que fala em «povo português» em vez da palavra «etnia».

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr Presidente: - Haveria ainda que discutir o projecto de lei do Sr. Deputado Augusto Cerqueira Gomes, mas ele foi prejudicado pela votação feita quando da discussão da proposta de lei do Governo.
Temos assim concluída a discussão e votação da proposta e dos projectos de lei de revisão constitucional.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs Deputados: ocorria-me neste momento a velha oração académica que ainda recitei na Universidade de Coimbra: post tantos tantos que labores venit tandem dies ..
Efectivamente, foi longa esta jornada parlamentar, que começou em Outubro. Foi longa, mas foi imposta pela necessidade de discutir e votar, entre outros assuntos, o II Plano de Fomento, a Lei de Meios, as Contas Gerais do Estado, o plano director de urbanização da região de Lisboa, a revisão constitucional.
Em todos estes importantes diplomas a Assembleia Nacional manifestou a sua capacidade legislativa. Na discussão da revisão constitucional foi particularmente saliente a inquietação da Câmara em relação aos pontos vitais da revisão. Quer isto dizer que os problemas políticos continuam a dominar o espirito dos que se julgam com responsabilidades políticas no País. Este me parece o corolário a extrair. Mas o desenvolvimento deste ponto levar-me-ia muito longe. E eu não tenho o direito de prolongar mais esta sessão extraordinária. Quero fechar os nossos trabalhos com a afirmação do que mais esta experiência me não abalou na convicção de que uma representação da Nação é indispensável nos estados modernos, sob pena de se cair num absolutismo de governo. O que é indispensável é que essa representação nacional se inspire constantemente nos interesses da Nação e vença a tendência natural para a formação de pequenos grupos partidários, ávidos do Poder. Julgo que a Câmara tem sabido limitar-se - o que há de mais difícil numa assembleia política-, sem todavia faltar ao seu dever para com o País. Congratulo-me com isso.
Pois, Srs. Deputados, esta longa convivência nesta Casa apertou ainda mais os laços de estima e consideração entre todos e tornou ainda mais agradável um ambiente em que as posições em frente dos problemas podem ser antinómicas, mas o respeito, a estima e a consideração pelas pessoas permanecem inalteráveis.
Por mim, se me sinto um pouco fatigado desta longa viagem, é com saudade que me despeço, neste momento, de companheiros que fizeram tudo o que lhes era possível para tornar essa viagem agradável.
O cansaço natural dos trabalhos não diminui antes aviva em mim o desprazer com que vou quebrar a nossa convivência até Novembro, desejando-lhes no interregno toda a sorte de prosperidades.
Como a Câmara vai encerrar os seus trabalhos, é necessário dar a última redacção ao texto constitucional que foi votado, bem como a outros também votados,

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1202 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132

mas que não estão redigidos. Penso interpretar os sentimentos da Assembleia concedendo mais uma vez à nossa Comissão de Legislação e Redacção o bill de confiança para que possa efectivamente dar a esses textos a última redacção. Está encerrada esta sessão extraordinária.

Eram 20 horas e 45 minutos.

Srs Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Barbosa Abranches de Soveral
António Calheiros Lopes.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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