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4 DE JANEIRO DE 1962 241

Para cumprir aquela missão viveu, foi a Beja e morreu. Perdeu o Exército um dos seus mais prestigiosos oficiais, perdeu a Pátria um dos seus mais devotados servidores.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Inclinemo-nos diante da sua memória. A sua lembrança é uma grande lição ao serviço da Pátria. Guardemos no peito essa- lembrança e o preito da nossa homenagem.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Pausa.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão uns minutos.
Eram 17 liaras e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai usar da palavra o Sr. Presidente do Conselho, como é seu direito constitucional.

O Sr. Presidente do Conselho: - Com as emoções das últimas semanas sobreveio-me um acidente que me tirou a voz ou, pelo menos, não me deixou a voz suficiente para uma leitura de certa extensão.
Não devendo ser adiada a comunicação que o Governo deve aos portugueses sobre a invasão e ocupação de Goa pela União Indiana, não me pareceu haver outra solução que não fosse comparecer aqui, entregar na Mesa a minha exposição e pedir ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional o obséquio de proceder à sua leitura.

O Sr. Presidente da Assembleia Nacional leu então a exposição do Sr. Presidente do Conselho, que ê do teor seguinte:

SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL
SENHORES DEPUTADOS:

Não costumo escrever para a História e sinto ter de fazê-lo hoje, mas a Nação tem pleno direito de saber como e porque se encontro despojada do Estado Português da índia. Goa, portuguesa há 450 anos e agora ocupada pela União Indiana, representa um dos maiores desastres da nossa história e golpe muito fundo na vida moral da Nação. Para esta, o Estado Português da índia, sem expressão sensível na economia ou na força política portuguesa, contava sobretudo como padrão de um dos maiores acontecimentos, da história do Mundo e da comunicação do Oriente com a vida ocidental. Deixá-lo à guarda de um pequeno pais que foi com sacrifícios ingentes o fautor das grandes descobertas devia ser ponto de honra de todas as nações civilizadas e das que beneficiaram da acção portuguesa no Mundo

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Que este conceito se tenha chocado com outro da simples ambição expansionista - é mais uma prova - e esta flagrante - nos nossos tempos da decadência da legalidade e da depreciação dos valores morais.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Esta explicação não é no entanto satisfatória para os portugueses, que podem ter esquecido não ser a União Indiana sensível a razões históricas, jurídicas ou simplesmente humanas, mas confiavam em influências que no jogo da política mundial pudessem opor-se com eficácia às ambições de que foi vítima Goa. Temos assim de descer mais fundo no exame da questão e explicar com algum pormenor como tudo foi possível.

I

O caso de Goa pode dizer-se que nasceu no momento em que a União Indiana se tornou independente. Apesar de o Império das índias se haver cindido em vários Estados, a união Indiana, que muito contrariadamente teve de conformar-se com a cisão, passou a considerar-se d si própria como verdadeira sucessora da Inglaterra e no fundo como o Estado que aglutinaria mais tarde ou mais cedo os outros Estados do Indostão. União Indiana, índia, Indostão, são termos que, confundindo a geografia e a ambição política, passaram a representar uma identidade na mente dos dirigentes de Nova Deli. Nesta 'orientação e tomando partido da confusão dos primeiros anos, a União Indiana fez um vasto trabalho de unificação por meio de acordos, de pressões e de conquistas, e detém a posse de outros territórios, como Caxemira, mesmo contra os repetidos votos e a condenação formal das Nações Unidas. O Primeiro-Ministro da União Indiana, Pândita Nehru, é o representante máximo desta ideia imperialista, contra a qual se esboroam todas as outras que também diz professar - pacifismo, não violência, boa vizinhança. Não o embaraçam as contradições nem do pensamento nem da acção, que aliás alguns benevolamente atribuem, às variações da opinião pública. Abusa do ilogismo ou pelo menos a sua lógica é diferente da nossa. Os anos de Londres podem ter-lhe facultado traços de cultura europeia, mas não tocaram a sua formação de origem. À. procura de alguma coisa que cimente, para garantia da mais que precária unidade política, o embrechado dos povos e raças que habitam a subcontinente, julga encontrá-la no substrato hindu. E por. mais estranho que pareça a quem escuta as suas prédicas, o Primeiro-Ministro da União Indiana é no fundo um racista e um antiocidental, pacifista em teoria e agressor na prática.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.

E não só na Ásia. A braços com a sobrepopulação e a miséria, tem também os seus planos de África, da África deserta, onde espera que o indiano pode vir a substituir o branco.
Quem não tiver bem presentes estes pontos dê referência não compreenderá a acção indiana que em anos não muito distantes se desenrolará naquelas partes do Mundo, nem entenderá o que se passou com Goa.
O Estado Português da índia foi sempre, como não podia deixar de ser, respeitado pelos ingleses, na soberania de Portugal.
A incorporação destes minúsculos territórios não interessava e estava vedada a uma nação como a Inglaterra, ali chegada dois séculos depois de nós, mas com os arrivistas do Poder as coisas não seriam assim; o maquinismo da unificação continuaria a funcionar e mesmo em prejuízo das soberanias estranhas ao Império Britânico.