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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 45
ANO DE 1962 15 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
N.º 45, EM 14 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O ST. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 42 e 43 do Diário dos Sessões, com as rectificações apresentadas ao n.º 43.
Deu-se conta do expediente.
Foi recebido na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas acerca da Conta da Junta do Credito Público referente ao ano de 1960, o qual vai ser publicado no Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Pinheiro da Silva falou do movimento terrorista do Norte de Angola, iniciado há um ano.
O Sr. Deputado Moreira Longo fez considerações sobre alguns problemas de- Moçambique.
O Sr. Deputado Rocha Cardoso referiu-se ao Plano de Fomento Pecuário e à forma como o Algarve vai contribuir para o desenvolvimento do mesmo.
O Sr. Deputado Veiga de Macedo afirmou a necessidade de revisão urgente do contrato colectivo de trabalho dos motoristas.
O Sr. Deputado Martins da Cruz requereu vários elementos a fornecer pelo Ministério da Educação Nacional.
O Sr. Deputado Abranches de Soveral também apresentou um requerimento a pedir uma informação ao Ministério das Corporações.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade das propostas de lei relativas ao Estatuto da Saúde e Assistência e à reforma da previdência social.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Délio Santarém, Sousa Birne e Oliveira Pimentel.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas o 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram, 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
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António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazola.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro. .
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Lê Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 112 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, e ponho-os em reclamação, os n.º 42 e 43 do Diário das Sessões, correspondentes às sessões de 8 e 9 de Marco. Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 43: na p. 992, col 2.ª, 1. 36, onde se lê: «às das bases em discussão», leia-se: «às duas bases em discussão»; na p. 992, col. 2.ª, 1. 38 e 39, onde se lê: «e sob o n.º 4.º e concedida nos termos», deverá ler-se: «e sob o n.º 4.º da base IX e concebida nos termos»; na p. 992, col. 2.º, 1. 57, onde se lê: «da base em discussão», deverá ler-se: «da base IX em discussão»; na p. 992, col. 2.º, 1. 63, 64 e 65, onde se lê: «O conteúdo destas propostas de alteração dispensa, segundo se crê, quaisquer explicações, pois integram-se naturalmente no texto da base em apreciação», deverá ler-se: «O conteúdo destas propostas dispensa quaisquer explicações, pois integra-se naturalmente no novo texto subscrito pela Comissão»; na p. 992, col. 2.º, 1. l e 2, onde se lê: «Devo declarar que não foi sem algum esforço que defendi as propostas de alteração sempre que elas», deverá ler-se: «Devo, porém, declarar que não foi sem algum esforço que defendi as propostas de alteração apresentadas sempre que elas».
O Sr. Presidente: -No n.º 43 do Diário dou Sessões devem ser suprimidas as 1. 47, 48 e 49, col. 2.ª, da p. 997.
Como mais nenhum Sr. Deputado deseja reclamar sobre o Diário das Sessões, considero aprovados os referidos números com as rectificações apresentadas.
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Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposições
Várias, de Vizela, acerca da intervenção do Sr. Deputado Costa Guimarães relativa à criação da zona de turismo de Guimarães.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas da Assembleia acerca da Conta da Junta do Crédito Público referente ao ano de 1960.
Vai ser publicado no Diário das Sessões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro da Silva.
O Sr. Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: data de há doze meses o fastígio do profundo e bem urdido movimento terrorista do Norte de Angola. Não vemos, porém, diminuída a dor que acrisoladamente sentimos pelas suas vitimas, tão inocentes quanto desprevenidas. Punge-nos o coração a enormidade, da injustiça que nos foi feita. Mas, por todo este lapso de tempo, também outros sentimentos nos não abandonaram, mantendo-se tão vivos como na primeira hora, e são o reconhecimento, a estima e a admiração por quantos, pela sua serenidade, valentia, generosidade e espírito cívico e patriótico, impediram o alastramento, a áreas mais vastas, do genocídio e seus efeitos.
Como Deputado da Nação, como português, devo, neste dia e aqui, prestar homenagem aos bravos de Angola e a quanto representam. Outra qualidade, assaz honrosa, me impõe o mesmo dever: a de ser filho de obscuro colono, que, como tantos outros de igual condição e avançados em anos de vida, pegou em armas, durante longos dias e noites, não para defender grossos bens :- que não possuía -, mas para assegurar a soberania nacional ali onde gastara cerca de 50 anos de labor intenso e fecundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem! .
O Orador: -Perdoe-se-me esta nota sentimental, que me é ditada pelo amor e gratidão que devo a quem sempre me ensinou a amar as coisas portuguesas e, na emergência em causa, me deu uma bela lição de puro patriotismo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o momento não é de descrever os lances horrorosos e pavorosos do terrorismo, nem de apontar as causas que estão na origem do movimento; seja bastante referir que os civis portugueses de Angola, homens e mulheres, brancos e de cor, frente ao perigo de expulsão do território desbravado e aproveitado pelo seu trabalho e engenho, se comportaram de fornia a colocarem-se à altura das tradições nacionais. Provaram que o Regime que preside aos destinos pátrios os não desvirilizou, antes lhes emprestou a coragem para prosseguir na rota traçada - a única detentora da condição de, a um tempo, honrar, prestigiar e continuar a Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Sabemos que não se enganaram.
Sr. Presidente: tenho para mim que os dias 14, 15 e 16 de Março de 1961, sendo de grande dor, são outrossim de certeza e esperança: de certeza, porque, nas tristes ocorrências que os situam na história, os colonos de Angola disseram-nos que justificada e orgulhosamente podemos asseverar que o português de hoje é o mesmo dos tempos áureos das Descobertas e da Restauração; ...
O Sr. Pinto Carneiro: - Muito bem!
O Orador: - ... de esperança, porque o valor revelado por colonos e outros em tão cruciantes e insólitas circunstâncias nos dá jus a contar com a continuidade de Portugal íntegro em territórios e populações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ocorre-me lembrar a fundada razão de Salazar quando, em entrevista concedida a António Ferro - nacionalista de saudosa memória -, nos primórdios do Estado Novo, afirmou a sua fé - essa mesma vivíssima fé que o levou há meses a sobraçar a pasta da Defesa Nacional - no futuro e ressurgimento do ultramar, contanto que os metropolitanos para lá se dirigissem «como quem não sai da sua terra, como quem não vai para o estrangeiro ...».
E é bom notar que, passada a maré alta do terrorismo, numerosos civis, brancos e de cor, nascidos na metrópole, em Cabo Verde ou em Angola, irmanados por interesses e sentimentos comuns, como manda a tradição, continuam enquadrados no corpo de voluntários, a expor a vida, a secundar os esforços das nossas gloriosas forças armadas, em defesa da terra, dos direitos e dos valores portugueses. O espírito que animou as abnegadas milícias de Luanda e os valentes defensores das povoações sertanejas sitiadas não morreu nem anemiou, antes se robusteceu com a consciênia de que todos os portugueses de lei, onde quer que se encontrem, o sentem e vivem.
Sr. Presidente: é esta uma hora de recolhimento. De preces pelos mortos. Mas também de louvor e agradecimento aos que, cônscios de que é sobretudo com actos que o nacionalismo se objectiva e fortifica, nos prodigalizaram uma magnífica lição de patriotismo estuante de vida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Saibamos nós, aqui na retaguarda, impedir que quem quer que seja os atraiçoe e apunhale pelas costas!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: não desejaria ver encerrado este período legislativo sem novamente usar da palavra para fazer algumas considerações acerca de certos problemas que julgo constituírem situação preocupaste para Moçambique e de cuja solução penso depender em grande parte o desenvolvimento e progresso daquela província.
Antes, porém, quero deixar aqui uma palavra de agradecimento justo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, pela consideração que se tem dignado dispensar aos Depu-
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tados em representação de Moçambique nesta Câmara, gesto que muito temos apreciado e que cala bem fundo no nosso sentir.
Esta palavra é também extensiva aos restantes Srs. Deputados, especialmente da metrópole, pelo alto interesse com que têm escutado as nossas intervenções, alguns tendo até já, e muito brilhantemente, apresentado aqui trabalhos de valor para Moçambique, o que é digno de registo s bem demonstrativo do grande entusiasmo e mais alto interesse que a todos suscita a realização de uma obra que terá de tender sempre e cada vez mais a um mais vivo s efectivo fortalecimento da unidade nacional que a todos incumbe e pertence.
O Sr. Manuel João Correia: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: com a preocupação, que sempre me caracterizou, de ser conciso, e porque na verdade o momento é de obras, e não de palavras, serei pouco extenso, sem, contudo, deixar para amanhã o que entendo dever dizer hoje.
E assim, colocando-me ao seu redor, direi que os problemas que nos afligem são de certa complexidade e de vária ordem, alguns merecendo certa prioridade, mas todos carecendo de urgente solução.
Não vou pretender, neste resumo, focar todos os que se situam em primeiro plano, mas deles salientarei dois que me parece no momento terem maior acuidade.
Referindo-me ao primeiro, creio ter certo interesse a seguinte panorâmica:
Moçambique tem uma superfície de 785 000 km2.
A sua população é de 6 500 000 habitantes, dos quais apenas pouco mais de 120 000 são civilizados.
Este quadro, que é na verdade bastante desolador, esclarece bem os nossos espíritos e dá-nos um relevo bem claro representativo da difícil posição em que nos encontramos perante o problema demográfico de Moçambique, e tanto mais difícil quanto é certo que a sua solução não se consegue de um momento para o outro, mas antes levará alguns anos a conseguir e a consolidar.
Vem este magno problema merecendo já a maior atenção e carinho do Ministério do Ultramar, que na sua tão inteligente e oportuna publicação do Decreto n.º 43 800, de 6 de Setembro de 1961, criou as juntas provinciais de povoamento, dando, assim, os primeiros largos passos para a concretização de uma obra de alto valor, sob todos os aspectos, tão desejada desde há muito, e que, na verdade, irá contribuir gigantescamente para a ocupação das várias áreas vazias que em todo o interior da província constituem verdadeiros pontos mortos nos vários sectores da vida económica de Moçambique.
Com a publicação da lei referida abriram-se já as portas da emigração para o ultramar, mas torna-se necessário completar agora a ideia dó legislador, fechando-se as portas das correntes migratórias para o exterior.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Aquela medida representa uma grande facilidade para quem pretenda fixar-se naquela nossa província, parecendo-me, no entanto, que terá de completar-se a acção inteligente a ser desempenhada pelas juntas de povoamento na execução dos trabalhos específicos em relação aos elementos a recrutar, sua selecção e sua especial formação, que se deve considerar imprescindível para um bom desempenho que no colono cabe também desenvolver no campo psicológico das massas nativas.
Não basta, como poderá parecer, à primeira vista, apenas colocar muita gente no ultramar. Tal acção, como elemento único, seria de resultados imprevisíveis e com certeza funestos, como a experiência no-lo tem já demonstrado.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - É preciso, como condição prévia, criar condições de vida às famílias que queiram emigrar e fixar-se ali. Sem um auxílio técnico e financeiro capaz, a par de uma orientação necessária ao começo de uma nova vida completam ente diferente e num clima nem sempre favorável, correr-se-ia o risco de um fracasso. E não podemos, sobretudo na época presente, em que todo o Mundo nos espreita, correr semelhante risco, que teria os seus reflexos tanto no interior como no exterior do País!
Vozes: - Muito bem, muito bem l
O Orador: - Penso, portanto, na minha modesta opinião, que é às juntas de povoamento que está reservada tão delicada e árdua tarefa e que da escolha dos elementos que hão-de constituir o seu cérebro dependerá essencialmente o bom êxito de tão bela obra na sua dupla missão de povoamento e da fertilização moral e social das populações moçambicanas.
Vamos, assim, dentro do programa já esquematizado, aumentar a nossa acção de molde a permitir uma mais rasgada obra social, a par de um povoamento bem estruturado.
Através dela, portanto, pela razão e pela verdadeira compreensão das realidades, que serão a nossa mais poderosa arma, combateremos as miragens que nasceram de ideologias secretamente incutidas nas massas nativas, no sentido de lhes criar aspirações que nem são justas nem possíveis no campo da prática.
Surge, pois, aumentar cada vez mais e com a maior celeridade o nível de vida que lhes satisfaça aspirações justas e que lhes possibilite um melhor conhecimento das vantagens do contacto plurirracial.
Temos de caminhar rapidamente ao encontro destes sérios problemas que se estão a formar, para que, com visão e necessária serenidade, os possamos já atacar e resolver, antes que nos surjam bastante avolumados e nos obriguem a soluções de emergência, nem sempre de resultados satisfatórios.
Devemos, pois, transferir imediatamente para o campo das realizações, sem perda de tempo, todo o conteúdo da preciosa legislação relativa a emigração e fixação de famílias portuguesas nos nossos territórios de além-mar, com o que o Ministro do Ultramar tanto enriqueceu a Nação, na ânsia de um maior e mais rápido progresso.
Vozes: - Muito bem l
O Orador: - Sr. Presidente: permito-me agora, neste capítulo, fazer ligeiras considerações sobre falta de financiamento, principal motivo por que os sectores agrícola e industrial não têm obtido o desenvolvimento que tanto se deseja e tanto pesa na economia de Moçambique.
A falta de financiamento não é, infelizmente, apenas um problema de Moçambique, mas também se nota e afecta até alguns sectores da economia metropolitana.
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Porém, esse mal tem maior incidência em todo o ultramar, e em Moçambique tem criado situações de verdadeiro desânimo, bem prejudicial ao progresso que se antevê e desejamos venha a constituir em breve prazo uma realidade palpável.
Não quero ainda aqui neste parágrafo referir-me a créditos a conceder à iniciativa privada, mas ao recurso ao crédito externo ao próprio País enquadrado no plano da economia nacional, não só para que se possa concretizar a vasta obra de renovação que nos propomos, de modo a caminharmos paralelamente com a rápida evolução que o mundo económico e financeiro de hoje nos mostra, mas também pela necessidade e pelo desejo de um maior progresso e bem-estar da comunidade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sabemos que os nossos orçamentos não permitem, senão a longo prazo, a realização de obras de fomento que são consideradas indispensáveis para um arranque de progresso que se impõe em todos os cantos da província; verifica-se a necessidade inadiável de ampliar a exploração de indústrias extractivas já existentes e de imediatamente pôr em funcionamento brigadas de prospecções mineiras em áreas ainda hoje desconhecidas e que podem na realidade ter valor extraordinário para Moçambique, sobretudo no Norte da província, onde muito há que fazer.
Uma revisão ao regime de minas no ultramar, como acertadamente preconizou há tempos o Deputado Nunes Barata, é tarefa que tem de ser levada a cabo -urgentemente. Prospecções mineiras e completos estudos do subsolo, que já há muito ali deviam ter sido feitos em escala elevada, suo trabalhos de maior equidade e que a economia da Nação aconselha, pois temos de confessar que pouco sabemos ainda sobre os recursos económicos que neste aspecto Moçambique nos pode dar.
Vozes: - Muito bem ?
O Orador: - Como processar um arranque que se traduza rapidamente em alta rentabilidade, sem ser através de um grande incremento das actividades extractivas?
É aqui que cabe, por inteira justiça, afirmar que grandes têm sido já os esforços que o Governo tem despendido nalguns pontos de Moçambique para largos projectos de aproveitamento de vastas áreas, como, por exemplo, os estudos na bacia do rio Zambeze, que se elevam a 100 000 000$. Os trabalhos em curso de uma empresa portuguesa que muito honra o País, a Hidrotécnica Portuguesa, L.da, que compreende uma equipa de engenheiros e vários técnicos de reconhecido mérito e cujos trabalhos merecem a maior divulgação pelo alto valor que constituem, tem em vista a inventariação dos recursos agrícolas e pecuários, hidráulicos, mineiros è humanos e o reconhecimento do grau de aproveitamento actual dos recursos existentes.
O Plano de Fomento carece, na verdade, como foi preconizado pelo Deputado Fernandes Frade, de uma revisão que os tempos actuais reclamam.
É frequente ouvir dizer, até a autoridades com certas responsabilidades, que esta ou aquela obra considerada inadiável terá de aguardar a sua vez por falta de disponibilidades orçamentais; que determinada estrada, às vezes constituindo a espinha dorsal de certas regiões que constituem riquíssimos hinterlands, não pode ser melhorada por falta de verba!
Ora, numa altura em que as nossas necessidades reclamam tão rápido progresso e os ventos soprados do exterior nos forçam a caminhar a passos gigantescos para ocuparmos o lugar a que temos jus, podemos estar dependentes de obras de fomento que só a longo prazo poderão trazer os seus benefícios ?
Não podemos negar, e isso seria antipatriótico, que muito se tem feito nestes últimos anos em Moçambique, num grande esforço que muito sacrifício têm custado à metrópole, mas também não podemos ocultar, porque isso seria engarmo-nos a nós próprios, que estamos ultrapassados, que estamos atrasados muitos anos em relação aos territórios limítrofes e que, não apenas por esse facto, mas porque no-lo exige a nossa própria sobrevivência; temos de sair deste impasse numa arrancada sem par, digna da nossa nacionalidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sós, sem auxílio financeiro, venha ele donde vier, nacional se for possível, não poderemos alcançar em poucos anos o que não foi possível fazer em muitos e a cuja tarefa todos nos temos de devotar de alma e coração.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estamos esperançados numa mais ampla acção do Governo para que se proceda com urgência à inventariação de todos os recursos existentes que visem a uma larga programação de desenvolvimento, sobretudo nas regiões nortenhas da província, onde o desenvolvimento e progresso são de tal modo lentos que causam esmorecimentos na ocupação europeia que ali se encontra.
vozes: - Muito bem!
O Orador: - É necessário que essa acção se faça sentir sem perda de tempo, porque aquelas regiões de Vila Cabral e Cabo Delgado constituem, pelo seu atraso e pela sua delicada situação geográfica, um ponto vulnerável da província de Moçambique.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: continuando neste mesmo capítulo de financiamento, coloco-me agora na ala que constitui a iniciativa privada, à qual todos nós devemos a maior homenagem pelo esforço que em toda a parte, e mormente nos nossos territórios de África, tem despendido numa actividade e sacrifícios dignos dos maiores louvores e sem cuja presença não seria possível o surto de progresso que, não obstante, se regista em toda a parte. E esse progresso, em Moçambique, tem-se acentuado mais no Centro e no Sul da província, por razões de ordem natural, e especialmente por facilidades de crédito ali concedidas, em prejuízo das regiões do Norte.
Não obstante esse progresso, digno da nossa muita admiração, não podemos deixar de confessar que temos de progredir mais e melhor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O sector agrícola, por exemplo, que domina, sem dúvida, a economia de Moçambique, pois mais de 90 por cento do valor total das exportações di-
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sem respeito a produtos agrícolas, está deficitário por falta de créditos que possibilitem o seu desenvolvimento.
Não apenas no grande, como no médio e pequeno agricultor e industrial, a falta de auxílio financeiro está a tornar-lhes a vida .difícil e atingirá situação mais grave se rapidamente não lhe lançarmos a mão protectora de um crédito a todos os títulos redentor.
Esse obreiro a que Moçambique deve os primeiros alvores de ocupação, essa massa, de gente de rija têmpera com que se constroem verdadeiros impérios, quer colaborar activamente na obra nacional, quer rasgar novos horizontes em prol de um progresso maior que ateste cada vez mais a nossa presença em África, mas não poderá constituir-se parte activa se não for ajudado em técnica e em crédito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - É portanto ao Governo da Nação que incumbe a política de um chamamento de organizações e de créditos que ali vão preencher tão grande lacuna.
Sobretudo agora, que, pelos motivos que nos são familiares, se nota por todo o ultramar um grande retraimento de capitais, tanto nacionais como estrangeiros, considero de alto valor nacional, até, uma acção a desenvolver na metrópole em prol da maior atracção desses capitais.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Parece-me, pois, prudente que tudo quanto se venha a fazer no sentido de melhorar situações, tudo quanto se pretenda remodelar por não estar inteiramente certo, se deve fazer com a maior cautela e com a necessária calma e amadurecimento, para não afugentar, mas, antes pelo contrário, atrair esse elemento valoroso que é a iniciativa particular, que em todos os tempos e em todo o nosso país tem levantado uma verdadeira obra nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - A construção de fábricas em Moçambique para a industrialização das matérias-primas ali obtidas na medida que a economia do País aconselhar seria para já decisiva acção que muito iria impulsionar o sector industrial, com todos os seus naturais reflexos, sobretudo no aspecto político-económico. No Norte da província, sobretudo, seria de grande projecção por exemplo a industrialização do algodão que ali se colhe e traria simultaneamente para o produtor um grande benefício na compra dos artigos de vestuário.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Já se tem aventado a hipótese de alguns dos industriais têxteis transferirem para Angola e Moçambique as suas unidades fabris. Não sei até que ponto esta operação seria economicamente aconselhável, mas o que posso afirmar é que, por exemplo, para Moçambique, seria medida de larga visão e de grande efeito psicológico.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Todos tomos que prestar a nossa colaboração, seja em que medida for, pois toda ela é valiosa para o desenvolvimento rápido, que ali queremos imprimir. E não tenho dúvidas em afirmar que mesmo dentro da nossa própria casa, a casa portuguesa, que se orgulha de ser constituída por verdadeiros patriotas, verdadeiros esteios da economia da Nação, esses elementos de inconfundível valor patriótico sejam os primeiros a gritar bem alto a sua presença.
A situação é clara e não dá azo a dúvidas. Não nos devemos enganar a nós próprios, porque tal erro comprometeria a nossa própria salvação. E não esqueçamos que a prosperidade do capital metropolitano está no progresso do ultramar!
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - É portanto, ao capital metropolitano que incumbe abrir novos horizontes, dando um novo passo para uma cadeia de vastos empreendimentos nos nossos territórios de África, especialmente em Angola e Moçambique, para uma estruturação invulnerável que se oponha à cobiça dos inimigos, que, ao invés de nos ajudarem num sentido construtivo, nos atacam derrotistamente para os fins inconfessáveis que sempre tiveram em vista e que nós bem conhecemos.
A encruzilhada que nestes conturbados tempos se nos depara não se compadece com demoras na resolução dos grandes problemas. Temos que agir prontamente, temos que caminhar a passos largos e apressados, embora com a necessária cautela para que não corramos o risco de nos atropelarmos a nós próprios; e para progredir mais e melhor carece Moçambique de mais ampla autonomia administrativa e financeira, que permita ao seu mais alto governante uma maior ficção, a que a evolução dos tempos nos obriga.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: não desejaria fazer aqui ponto final nestas minhas despretenciosas palavras, que outra finalidade não têm que não seja a de colaborar o melhor que for possível em prol da grande obra de ressurgimento nacional que se está processando.
Porém, tendo prometido brevidade nas minhas palavras, vou terminar, dirigindo desta mais alta Câmara Legislativa, em meu nome pessoal e no dê toda a população moçambicana, duas palavras que todos nós devemos ao homem que de alma e coração se tem devotado aos problemas ultramarinos e em cuja pasta, pela sua extrema dedicação, alto saber e forte dinamismo, tem marcado já, a letras bem vinculadas, o seu ilustre nome. O Sr. Dr. Adriano Moreira, a quem toda a população ainda há bem pouco tempo e deveras emocionada prestou a maior homenagem que se tem registado em Moçambique ...
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - ... e em quem todos pomos as nossas maiores esperanças para um Moçambique maior, soube escolher para o mais elevado cargo daquela província um notável homem público, militar distinto que à Nação tem devotado toda a sua vida e tem governado Moçambique com alto sentido patriótico e merece a geral simpatia e apoio de todos, ...
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - ... o Sr. Almirante Sarmento Rodrigues, que, ao leme daquela grande nau que é a pro-
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víncia de Moçambique, a está conduzindo com pulso firme e segura orientação a futuro melhor, que bem poderemos considerar porto de salvamento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rocha Cardoso: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: para um acto de merecida justiça de agradecimento, roguei a V. Ex.ª a palavra. E não se julgue, pelo que vou dizer em acto de louvor, que a minha atitude assumida nesta Assembleia, sempre prestigiada pela Presidência de V. Ex.ª, se modificou por vir apreciar e encarecer serviços de determinado sector público, quando ontem tive que mostrar aqui o meu voto discordante a certa proposta de lei, respeitante a esses mesmos serviços. Mas ontem senti, em nome dos interesses algarvios, que aqui tão apagadamente represento ...
O Sr. Armando Cândido: - Não apoiado!
O Orador: - ... que essa minha atitude estava conforme com os seus anseios de sempre, vincados pela firmeza e constância do trabalho árduo de sucessivas gerações familiares, cimentados nos altos princípios cristãos do amor a terra, que se trabalha na certeza de um direito de propriedade privada, sempre bem definido e certo na lei portuguesa, numa constante legal de séculos de história, a que a minha geração deu todo o seu entusiasmo, valor e vida para o assegurar, apoiando o movimento nacional do 28 de Maio.
E sem dúvida o meu Algarve mais ainda o assegurou, aparecendo nos primórdios desse mesmo movimento pela acção da sua juventude militar, conduzida por ilustres oficiais, que desde então e até hoje têm mostrado ser dos mais fiéis nacionalistas, pois sempre têm estado e continuarão, como todos os algarvios dignos desse nome, junto de Salazar nas horas difíceis para o Regime, que sempre têm sido também as difíceis da Pátria.
Quase todos os algarvios conquistaram, em duro trabalho, um bocadinho do seu torrão provincial, que tão orgulhosa e familiarmente têm vindo a transmitir aos seus filhos; e, por sermos ali muitos em relação à pouca extensão territorial, raro é o que possui mais de uma pequena parcela.
Por isso sentimos que juntá-las seria cometer uma injustificada e desumana expropriação, desapossando totalmente alguns em benefício de um só ou de poucos, pois a troca ali é impossível, por a cada um caber, como já disse, apenas uma parcela.
O Sr. Quirino Mealha: - Muito bem!
O Orador: - Senti que a minha atitude de oposição assumida aqui teve a concordância algarvia, como hoje sinto, em nome do Algarve, o desejo de afirmar que a Junta de Colonização Interna, pelo que já ali fez, vai assegurar, na parte que lhe respeita, o êxito total do Plano de Fomento Pecuário, em tão boa hora lançado pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura e merecidamente já aprovado pelo Governo.
Senti, Sr. Presidente, a necessidade deste preâmbulo nesta minha modestíssima intervenção ...
Vozes:- - Não apoiado!
O Orador: -... para esclarecer velhas e firmes amizades nacionalistas de Coimbra, que desde então se enraizaram mais na admiração por quem tem sabido servir na acção, como soube contribuir para a formação. E entre aqueles que na formação dos princípios o acaso dos anus juntou nas mesmas carteiras de ontem em Coimbra e de hoje na Assembleia só podem existir divergências ocasionais, mas nunca nos princípios fundamentais, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... pois estes em ambos continuam firmes, animados na mesma fé, na mesma esperança de um Portugal maior e melhor para todos os portugueses, do Minho ao Algarve, dos Açores às províncias ultramarinas, e até da Sagres do Algarve à Goa que nunca deixará de ser portuguesa, em todos os corações dos verdadeiros nacionalistas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Perdoe, Sr. Presidente, este desabafo de alma algarvia, a quem V. Ex.ª soube depois insuflar, com seus sábios conceitos catedráticos, a sã e valorosa amizade portuguesa.
O homem do campo algarvio sabe explorar a terra, cultiva-a com verdadeiro carinho português. Vem desde os seus princípios árabes aproveitando a água e com ela faz os seus primores agrícolas, tão apreciados como afamados mundialmente.
Os turistas que nos visitam, encantados pelas belezas do nosso litoral, do nosso sol, das flores das nossas árvores e da quentura das águas do nosso mar, prendem-se ao sabor culinário dos nossos produtos agrícolas, dos nossos frutos, únicos na terra portugesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - E nós vamos sempre procurando colher mais, colher melhor.
Os frutos das nossas árvores têm na balança comercial da Nação um forte poder de divisas estrangeiras. Todos eles exportáveis, são dos melhores em qualquer parte do Mundo, não receando confronto com os de outros países. São os melhores, são do Algarve, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - ... já marca internacionalmente conhecida entre as exportáveis mercadorias portugesas. Mas ao cultivar a terra, para dela tirar os seus produtos agrícolas, o algarvio conta com o auxílio dos seus gados, dos seus bovinos. E a eles, desde sempre, dedica-lhes o maior interesse. Trata-os como se eles fizessem parte integrante do seu solo, pois sem o seu auxílio, pelo trabalho, pelos estrumes, pelo seu alto valor económico,, a terra não corresponderia nunca às suas esperançosas colheitas.
E tenho a impressão de que a Nação desconhece o verdadeiro valor pecuário do Algarve e julga-nos neste sector económico nacional muito pequenos, por ser pequena a nossa faixa territorial. Mas grande engano!
E, por isso, sinto a necessidade de uma elucidação, que talvez vos surpreenda na sua comparação com extensas províncias portuguesas.
E para que todos possam acreditar, com segurança, no valor pecuário algarvio e aquilatar do seu valor económico, comparando-o com o dos maiores distritos do
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continente, indicarei o Boletim Pecuário n.º l respeitante ao 28.º ano. E aí todos poderão ver que, em relação ao arrolamento de gados de 1955, o distrito de Faro é o de maior número de cabeças de gado bovino, entre os extensos distritos continentais de Setúbal, Portalegre, Évora e Beja.
Nesse ano contava-se assim, em cada um deles, o número de bovinos: Beja, 24 440; Évora, 23 002; Portalegre, 25 901; Setúbal, 27 531, e Faro, 28 123, tendo assim este mais 3674 cabeças do que Beja, mais 5121 do que Évora e mais 2222 do que Portalegre.
Por isso, talvez com estranheza, se não espanto de muitos, se vê que o pequeno Algarve tem um maior número de cabeças de gado bovino do que qualquer dos grandes distritos que formam a enorme província do Alentejo, sem dúvida a maior de Portugal continental .
Portanto, podeis compreender agora quanto alegrou os algarvios o conhecimento público do Plano de Fomento Pecuário, já aprovado pelo Governo e em boa e esperançosa hora económica nacional lançado pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura e começado já a executar-se, em certa medida, na minha província, pela criação da Estação de Fomento Pecuário do Algarve, há tantos e tantos anos esperada pela lavoura algarvia.
Vai assim o Algarve poder contribuir para o desaparecimento do que todos considerávamos uma verdadeira vergonha nacional: as largas e tão custosas importações de carnes. Toda a lavoura portuguesa se sentia envergonhada, ofendida mesmo, quando se anunciavam as grandes importações de carnes, facto que para ela representava não se acreditar nos seus esforços, no valor do seu trabalho, na sua capacidade criadora, para debelar uma insuficiência alimentar da Nação; ela, que tinha sabido tão bem dar-lhe o trigo para o pão nosso de cada dia quando para tão honrosa campanha fora chamada por Linhares de Lima.
De quanto pode representar para a Nação, para a sua economia, para a sua balança comercial, este novo apelo que lhe é feito pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura, através do seu Plano de Fomento Pecuário, disse-o ele, aquando da sua visita, em 22 do passado mês, à Escola Superior de Medicina Veterinária.
Ficámos então sabendo que a Nação importou, de 1955 a 1961, 40 000 t de carne, que nos custaram divisas no valor de 600 000 contos, e que em tais anos tivemos também de importar 43 000 t de peles e couros, no valor de 778 000 contos, o que dá um dispêndio de divisas de l 378 000 contos. E porque nesse mesmo lapso de tempo - seis anos - tivemos de importar l 290 000 contos de lãs, verificamos o dispêndio de 2 668 000 contos, peso a contribuir grandemente para o desequilíbrio da nossa balança de pagamentos.
E se nos lembrarmos de que grande parte desses largos biliões de escudos foram para países do mundo comunista, que, além de nada nos comprarem, se aprazem na O. N. U. em nos insultar e em elogiar os ladrões dos territórios de Portugal, ...
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O Orador: - ... temos de louvar o emprego dos comparativamente insignificantes 255 000 contos, que vão ser despendidos com o Plano de Fomento Pecuário, o qual nos dá a segura esperança, anunciada pelo Sr. Secretário da Agricultura, de era 1967-1968 podermos manter 600 000 cabeças de gado, mais de metade das existentes actualmente, pela criação de uma área de 400 000 ha de produção de forragens, e abater então, anualmente, 180 000 reses, correspondentes a um peso de 40 000 t de carne. Assim, dentro de cinco a seis anos a Nação terá o mesmo peso de carne que teve de importar durante cinco anos e que importar menos peles e couros e menos lã.
Poderão os descrentes de sempre achar fantasiosos estes números e sonhadas esperanças as anunciadas conclusões futuras.
Não o entenderá assim a lavoura portuguesa, aquela lavoura sempre mal compreendida, mas sempre pronta e firme a trabalhar para a Nação. E, tal como já aconteceu, com a campanha do trigo, a lavoura provará, mais uma vez que a Nação pode contar com o seu trabalho, com o seu interesse para a resolução dos grandes problemas nacionais.
E que, se lhe derem os meios necessários, ela saberá ir de rumo a um melhor futuro da economia portuguesa, desfazendo e destruindo maus e injustos conceitos que dela se têm feito.
Nesse anseio arde a lavoura algarvia, e por isso agradece ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura a criação da Estação de Fomento Pecuário do Algarve, a instalar no Descampadinho, junto à povoação de Odiáxere, no concelho de Lagos.
Nesse prédio, de 65 ha, poderão ser feitos os estudos de forragens de sequeiro e até de regadio, pois a eles chegam as águas da barragem do Alvor.
A raça algarvia de bovinos, que de há muitos anos vem sendo estudada, amparada e melhorada por ilustres técnicos veterinários, entre os quais nos honramos em citar o Dr. Arménio Eduardo França e Silva, que tão grandes serviços prestou à pecuária algarvia durante os anos que ali exerceu as funções de intendente de pecuária no distrito de Faro e é hoje o director-geral dos Serviços Pecuários, e o futuro director da Estação de Fomento Pecuário do Algarve, o actual e ilustre intendente em Faro, Dr. Manuel Elias Trigo Pereira, a quem os lavradores algarvios tanto já devem ao seu saber, ao seu incansável e permanente trabalho, distinguindo-se de entre o bom funcionalismo do Estado no Algarve, como dos seus maiores obreiros, não atendendo nem a horas, nem a dias, num constante e permanente labor, fazendo sempre a semana portuguesa, em que inclui o domingo, e nunca a inglesa, que exclui este e quase todo o dia de sábado.
O Algarve tem, assim, que acreditar no bom futuro do Plano de Fomento Pecuário, tanto mais que já vem de há alguns anos a esta parte sendo bem orientado e mostrando visíveis resultados práticos no melhoramento da raça bovina algarvia, hoje acreditada como das melhores raças de bovinos nacionais para carne.
Já há muitos anos que o Algarve abastece o mercado de carnes nacional com reses de qualidade, enviando sobretudo para o Porto os seus melhores bovinos.
Para ali foi enviado, não há muito, pelo posto agrário de Tavira, um grupo de reses, cruzamento de bovino algarvio com raça charolesa, que os técnicos afirmam ser das melhores carnes aparecidas naquele mercado.
Só o concelho de Lagos envia anualmente para o mercado do Porto mais de 5000 vitelos. E graças ao Algarve aquela cidade maior do trabalho nacional pode ter o verdadeiro mercado da melhor carne nacional, pois, dado que sabe pagar o que é bom, tem o direito de comer melhor.
Todos elogiam as boas carnes que se comem na cidade do Porto, mas poucos sabem que para isso muito contribui a província do Algarve.
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Quem o havia de dizer!
Lembra-nos isto o ditado popular: «Numa porta está o ramo e na outra se vende o vinho». Mas não é só no que respeita aos bovinos que o Algarve vem de lia muito em franca prosperidade; é também no aproveitamento dos bons ovinos.
Alguém que superiormente criou uma vez na sua acção governativa os lavradores-guias e julgou depois que a sua ideia não teve aplicação prática pode agora regozijar-se ao afirmarmos que o Algarve amparou e cultivou a sua boa iniciativa para o desenvolvimento do agro pecuário.
O verdadeiro tipo de lavrador-guia algarvio, o engenheiro e nosso ilustre colega nesta Assembleia Sr. Sebastião Garcia Ramires, tem, auxiliado pelos técnicos da Intendência de Pecuária do Algarve, espalhado pela província as melhores raças criadoras de carne e lã, o «churro algarvio», o «merino precoce» e, mais modernamente, os cruzamentos, ainda em regime de estudo, das raças indicadas com outras inglesas e alemãs.
Pode a Junta de Colonização Interna contar com o Algarve no desenvolvimento forrageiro necessário ao Plano de Fomento Pecuário, como os seus funcionários naturais do Algarve a têm sabido servir nas suas bem sucedidas experiências levadas a afeito nas Herdades de Lameirães e Revilheira, dos concelhos, de Moura e Reguengos.
E asseguramos-lhe que o Algarve, com as suas duas zonas de barragens do Alvor e de Silves, está ao seu dispor para trabalhar, valorizando aqueles grandes benefícios que os governos de Salazar deram aos algarvios.
Para tanto, saiba a Junta auxiliar os corpos directivos daquelas barragens, ouvindo-os no sentido de bem administrarem aquelas obras, para prestígio dos grandes empreendimentos hidroagrícolas do Estado Novo, já que os serviços agrícolas especialmente responsáveis não o têm feito, apesar dos próprios cuidados pessoais do Sr. Presidente do Conselho.
Daqui garantimos ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura que o Algarve vai saber corresponder ao seu Plano de Fomento Pecuário; a bem, como sempre, da economia nacional e como testemunho de gratidão pelos homens do Governo, que, acreditando no trabalho dos seus filhos, lhes dão os meios necessários para servir as obras de Salazar, que tanto e sempre suo valores de Portugal.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: estou informado de que as negociações para a revisão do contrato colectivo de trabalho dos motoristas continuam a arrastar-se, sem que, até agora, se tenha chegado a completo entendimento entre os dirigentes patronais e sindicais dos organismos representativos de tão importante actividade económica e profissional, como é a dos transportes automóveis.
O atraso que está a registar-se na resolução desta questão pode acarretar alguns inconvenientes de ordem social e provocou já, por certo, grandes prejuízos aos motoristas portugueses. Não duvido de que as razões apresentadas pelos dirigentes do Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis sejam ditadas pela preocupação de acautelar os interesses que lhes estão confiados. Mas compreendo também a posição delicada dos dirigentes sindicais, e sinto a difícil situação em que se encontram milhares de profissionais em serviço nos transportes automóveis, que vêm aguardando, com confiança e o melhor espírito de disciplina, a assinatura, em termos aceitáveis, da nova convenção colectiva de trabalho.
Todos sabem como é árdua e arriscada a profissão de motorista, e ninguém ignora que a própria resolução de alguns problemas relacionados com os acidentes de viação depende, em grande parte, do prévio estabelecimento das condições mínimas de defesa do exercício de tal actividade e, assim, dos direitos daqueles, que dela fazem modo de vida.
Torna-se particularmente necessário rever os actuais salários, que se mostram desactualizados a ponto de muitas entidades patronais, no melhor espírito de compreensão social, estarem já a remunerar condignamente os seus servidores. Neste aspecto, é sobretudo chocante a situação dos motoristas de táxis, cuja
retribuição de trabalho carece de ser melhorada de forma substancial.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Amaral Neto: - Não sei se isso constará das considerações seguintes de V. Ex.ª, mas creio que nunca será de mais fazer notar quanto parecem ser exorbitantes os lucros obtidos com exploração de táxis com motor a gasóleo.
O Orador: - Esse facto não consta especificadamente das minhas considerações. Mas, pelo seu conteúdo real e por ter sido apresentado pelo Sr. Deputado Amaral Neto, vem ele valorizar a minha própria exposição. Por isso, agradeço a intervenção de V. Ex.ª, com a qual concordo inteiramente.
E não será razoável dizer-se que a indústria não pode suportar os encargos que resultem de medidas que, neste sentido, venham a ser acordadas ou tomadas. Também não poderá temer-se que a actualização salarial pretendida tenha qualquer repercussão de carácter inflacionista, até porque o Ministério competente, sempre atento ao problema, tem sabido imprimir aos reajustamentos das remunerações de trabalho a prudente cadência aconselhada pelas circunstâncias e pelos diversos interesses em presença.
Julgo, por isso, necessário e oportuno fazer daqui um apelo aos dirigentes do Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis paxá que envidem anais este esforço destinado a dar efectivação a profundos anseios dos motoristas portugueses.
Não me dirijo propriamente ao Ministério das Corporações e Previdência Social, porque tenho razões para confiai- nos dirigentes do referido Grémio e por saber que só depois de esgotados todos os recursos o Governo se decide, pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, a fixar normativamente os remunerações mínimas do trabalho. Reconheça-se ainda que seria bem estranho que os organismos interessados neste assunto mão dessem, uma vez mais, testemunho vivo da doutrina que outorga à organização corporativa o desempenho de uma missão de solidariedade e de justiça.
Por tudo isto, anima-me a esperança de que o problema seja resolvido com urgência e em toda a amplitude, pela via natural do acordo corporativo, ou, se vier a ser preciso, pela adequada intervenção do Governo, através do estabelecimento, por despacho ou portaria e
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nos termos da legislação vigente, das condições de trabalho e de remuneração dos profissionais ao serviço da indústria de transportes automóveis.
Convencido como estou de que aos motoristas assiste razão, julgo que esta deve ser-lhes reconhecida, desde já e integralmente, tanto mais que sempre têm sabido defender, com dignidade, os seus direitos e aguardar, com respeitosa serenidade, a satisfação das suas legítimas aspirações.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz: -Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Nos termos dos preceitos constitucionais e regimentais, requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos, com a possível urgência, os seguintes elementos:
a) Número de professores diplomados pelo Instituto Nacional de Educação Física que prestam serviço nos liceus e escolas do ensino técnico do continente e ilhas adjacentes, indicando-se a população escolar a que aqueles professores ministram a educação física e o número de horas semanais a esta destinadas;
b) Indicação dos vencimentos dos referidos diplomados nas diferentes categorias que constituam o seu quadro e qual a natureza da sua nomeação;
c) Número de professores diplomados pelo Instituto Nacional de Educação Física que nas colectividades desportivas asseguram a educação física dos praticantes do desporto que nas diferentes modalidades disputam provas oficiais;
d) Se, na falta de professores diplomados pelo Instituto Nacional de Educação Física, o Ministério da Educação Nacional tem autorizado que naquelas colectividades a referida educação física seja ministrada por outros técnicos de educação física, e, neste caso, quais as habilitações a estes exigidas e se o Ministério da Educação Nacional considera como professores idóneos de educação física os treinadores ou preparadores técnico tácticos da respectiva modalidade e, neste caso ainda, quais as habilitações específicas da educação física destes;
e) Se os delegados da Direcção-Geral dos Desportos nos distritos do continente detêm funções de orientação e fiscalização técnica na educação física dos praticantes do desporto nas diferentes modalidades u se são diplomados pelo Instituto Nacional de Educação Física;
f) Número de diplomados pelo Instituto Nacional de Educação Física nos últimos dez anos e número de alunos que actualmente o frequentam em cada um dos anos do curso respectivo;
g) Relação dos professores do Instituto Nacional de Educação Física com indicação dos respectivos títulos profissionais ao nível do magistério universitário, quando os possuam;
h) Cópias de quaisquer estudos já elaborados com vista à integração do Instituto Nacional de Educação Física na Universidade de Lisboa;
i)Relação de diplomados pelo Instituto Nacional de Educação Física que tenham beneficiado de bolsas de estudo do Instituto de Alta Cultura ou de qualquer outro organismo oficial para se especializarem junto de escolas estrangeiras de educação física;
j) Montante total da despesa efectuada com o funcionamento do Instituto Nacional de Educação Física nos anos de 1958, 1959 e 1960.»
O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, pelas repartições competentes do Ministério das Corporações, me sejam comunicadas as ponderosas razões que forçam a que o contrato colectivo de trabalho celebrado entre o Grémio dos Importadores, Agentes e Vendedores de Automóveis e Acessórios do Norte, por um lado, e os Sindicatos Nacionais dos Empregados de Escritório e mais sindicatos afins dos distritos do Porto, Viseu, Coimbra, Braga, Aveiro, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real e Bragança, por outro lado, ainda não tenha entrado em pleno vigor.
Este contrato foi homologado, pelo ao tempo Ministro ilustre das Corporações, Dr. Veiga de Macedo, por despacho de 26 de Novembro de 1960 - vai já quase ano e meio volvido.
Tenho informações seguras de que por aquele Grémio dos Importadores foi comunicada aos seus agremiados a data em que o contrato entrava em vigor e que há muito passou.
Também fidedignamente me consta que numerosas entidades patronais de Aveiro, Coimbra, Guarda e Porto estão a dar já plena execução ao contrato firmado; e, por falta de informações, não posso dizer o que sucede em Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Bragança.
O que sei porém, é que em Viseu não foi cumprido até hoje.
Segundo informações oficiosas prestadas aos interessados, que estranham esta anomalia e discrepância, o contrato - a despeito dos termos claras da cláusula 2.ª - não se pode considerar em vigor, por não ter vindo ainda publicado no Boletim do Instituto Nacional, do Trabalho e Previdência.
E, na verdade, ele ainda ali não foi publicado, apesar de já o terem sido outros contratos homologados muito posteriormente, como, por exemplo, os contratos homologados em 4, 16, 22 e 29 de Abril de 1961, cuja publicação consta a pp. 399, 481, 491, 501 e 510 do Boletim de 15 e 30 de Abril de 1961.
Não cremos, porém, que possa ser esta fútil razão a causa determinante de muitos centos de trabalhadores verem protelada a melhoria efectiva dos seus interesses e cerceado o seu pão. Realmente os contratos de trabalho são assunto demasiadamente importante para que a sua vigência se possa deixar dependente do arbítrio dos editores de um Boletim ou da falta de espaço nas colunas de qualquer publicação periódica.
Isto quer dizer que não me parecem fundadas as desculpas dadas para o protelamento de situação tão irregular; e como me interessa tratar deste assunto que directamente afecta uma numerosa e laboriosa classe do distrito de Viseu, requeiro que, pelo Ministério refe-
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rido, me seja prestada, com a urgência possível, a informação das verdadeiras razões que impõem a permanência de situação tão anómala por tão dilatado período.»
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão na generalidade as propostas de lei relativas ao Estatuto da Saúde e Assistência e à reforma da previdência social.
Tem a palavra o Sr. Deputado Délio Santarém.
O Sr. Délio Santarém: - Sr. Presidente: ao subir pela primeira vez a esta tribuna aproveito a circunstância de obter de V. Ex.ª licença de trazer aqui sobre o novo Estatuto da Saúde e Assistência ligeiros apontamentos, cuja pobreza contrasta flagrantemente com a brilhantíssima lição pronunciada pelo nosso ilustre camarada e antigo Ministro das Corporações Dr. Veiga de Macedo, para desejar antes das minhas palavras renovar as afirmações de admiração, simpatia e muito respeito que já tive o grato prazer de dirigir a V. Ex.ª nesta Assembleia no momento da minha estreia.
Sr. Presidente: uma guerra - esse mal tão indesejável, até mesmo pelos próprios que a declaram, verdadeira fatalidade como qualquer cataclismo cósmico - obriga sempre o homem, individual e colectivamente, a um esforço muito maior que o exigido em tempo de paz.
Desse esforço excepcional resultam malefícios incalculáveis, mas também o benefício de um surto espantoso, sobretudo no campo das ciências e da técnica.
De entre as malefícios julgo oportuno destacar, nesta emergência em que se prepara a passagem do testemunho do Estatuto de Assistência Social para o Estatuto de Saúde e Assistência, as profundas perturbações psicossomáticas e morais e os seus reflexos na ordem económica e social. E de entre os benefícios parece-me que vem também a propósito referir os múltiplos e eficientes meios de profilaxia, de cura e de recuperação.
Aqueles malefícios e estes benefícios foram notáveis no pós-guerra de 1918 e, podemos dizer, fantásticos quanto à guerra de 1940. Realmente, a característica estática de 1918, limitando as frentes das batalhas de forma a pouco ultrapassarem os corpos dos exércitos em presença, transformou-se em vertiginosamente dinâmica nesta última guerra, a que se chamou mundial, de maneira que a «terra de ninguém» passou a ser uma linha imaginária entre continentes e as populações civis começaram a sofrer os mesmos riscos que as massas militares. Os meios de destruição atingiam já tais distâncias e possuíam tão grande poder de morte e de terror que os aglomerados populacionais sofreram horrivelmente na sua esfera física, psíquica e moral.
Mas, ao lado de todas estas desoladoras consequências, a aplicação na paz, ou pseudopaz, de uma superactividade acidental criadora e realizadora - que podemos exemplificar com o simbolismo do produto da massa pelo quadrado da velocidade da luz - alterou profundamente a face da Terra.
Assim, muitos conceitos que sempre se consideraram imutáveis foram profundamente abalados e muitos outros passaram a ser classificados de anacrónicos logo que, terminada a última guerra, começou a sentir-se e a espalhar-se o rescaldo ainda fumegante de tal cataclismo, e, por outro lado, como consoladora compensação, colhiam-se os frutos apetitosos da referida superactividade criadora e realizadora.
Ora o Estatuto de Assistência Social em vigor resultou já dessa convulsão. Todavia, se recolhidamente fizermos um exame retrospectivo das actividades e dos acontecimentos surgidos entre 1940 e os nossos dias teremos de concluir que as alterações mais profundas se deram posteriormente ao aparecimento do referido estatuto. Sobejamente se justifica, pois, a sua actualização, ou seja a elaboração da presente proposta de lei. Por outro lado, também não se acharão descabidas as modestíssimas considerações que até este momento tenho vindo a desfiar perante a generosa atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e de VV. Ex.ª, Srs. Deputados.
Esta actualização proporciona-me o grato ensejo de felicitar o Sr. Ministro da Saúde e Assistência, Dr. Henrique Martins de Carvalho, pela oportunidade do seu magnífico trabalho, já devidamente apreciado pela Câmara Corporativa. Documento notável é esse novo estatuto assinado por S. Ex.ª, que, desta forma, mais uma prova nos deu do seu talento, da sua capacidade de trabalho, da sua dedicação ao bem comum, enfim, das suas virtudes de verdadeiro estadista.
De facto, neste novo estatuto, se há princípios que se mantêm, também se rasgam largos horizontes para muitos problemas actuais.
A proposta de lei que ora estamos a discutir na sua generalidade diz essencialmente respeito ao homem e através dele à família e à sociedade.
Ora o homem é ainda aquele desconhecido que celebrizou Garrei ao colocá-lo, cientificamente, fora do âmbito finito da sabedoria do próprio homem.
Corpo e alma. Obra-prima do Criador. Matéria que encerra no seu seio uma infinidade de segredos, alma misteriosa que se identifica com o sublime e atinge a eternidade.
Corpo e alma é o recém-nascido onde a irreverência científica de Freud viu no seu primeiro esforço de sobrevivência uma ancestralidade libidinosa.
Corpo e alma é o chefe de família, no qual ao sofrimento físico e moral que a todo o momento lhe dá um mal irreparável, fatal, se junta o receio pelo seu destino eterno, bem como a saudade e a insegurança dos seus familiares.
Corpo e alma é o alienado perdido no tempo e perdido no espaço.
Corpo e alma é o mendigo moribundo caído na rua onde nunca conseguiu encontrar a saída do infortúnio.
Mas corpo e alma é também o médico que vai suportar com o seu saber, o seu heroísmo e muitíssimo com a sua abnegação as colunas deste monumental edifício cujo anteprojecto estamos a apreciar e a discutir.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - E corpo e alma é ainda toda a classe paramédica, que sente e vive a mesma ética e idêntica deontologia. Pois é esta matéria-prima, impossível de conhecer em absoluta consciência e já tão difícil de trabalhar mesmo no campo restrito da simples unidade biológica, que carrega de sombras, direi até de pessimismo, os nossos melhores propósitos nesta hora em que a medicina colectiva e a medicina organizada se desenvolvem e alastram pela força do natural condicionalismo económico e social da actualidade.
Pessimismo agravado pela convicção de que à falibilidade da biologia corresponde idêntica instabilidade da sociologia, filha primogénita daquela que, para
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mais ainda, muito briosa se mostra do seu poder de transmissão cromossomática. E de tal forma que o Prof. Marnoco e Sousa não esqueceu uma referência a vários autores que chegaram ao delírio de descobrirem no corpo social todos os elementos anatómicos e histológicos que constituem o corpo individual, se não com o brilho descritivo de Testut, sem dúvida com toda a hábil competência de gemais mestres de Direito.
Ao planear-se o sistema destinado a zelar pela saúde de todos os portugueses há que partir - como premissa primária, por ser causa e efeito - desta realidade fundamental que é a coexistência de doentes, ou possíveis doentes, por um lado e de médicos por outro. É em volta deste motivo que se tem de desenvolver toda a partitura, quer se dê uma importância igual ou variável à profilaxia, à cura e à recuperação a que se refere o n.º 2 da base II.
Infelizmente nunca há-de constituir problema a falta de doentes, mas outro tanto não se pode garantir quanto aos médicos.
Nunca se registou no nosso país um fenómeno pletórico entre os médicos, o que não se deve confundir com a luta pela sobrevivência resultante de uma grave insuficiência de meios materiais para o desenvolvimento das carreiras médicas.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Verifica-se, pelo contrário, uma alarmante falta de profissionais - falta que se mostra com nítida tendência para se agravar em virtude de se observar um acentuado acréscimo demográfico e se registar um progressivo e preocupante desinteresse da juventude pela carreira médica.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Este desinteresse, facilmente confirmado pela leitura das estatísticas relativas à frequência nas três Universidades, não é devido ao menor aparecimento de vocações, mas à evidente e desencorajante dificuldade de se atingir até aquela mínima compensação de um trabalho formativo verdadeiramente exaustivo. Realmente, só nas proximidades dos 30 anos vislumbra na linha nevoeirenta do horizonte os contornos esbatidos da terra dos seus sonhos o moço já encanecido pelo estudo e pelo sacrifício.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - E não se avalie essa compensação pelo exame de meia dúzia de predestinados ou privilegiados, mas sim pela maioria, que é quase a totalidade. E deste estádio resultou e resulta - porque a fome é muito má conselheira, como insistentemente adverte Fulton Sheen - um desprestígio da classe que não só reduz o número de candidatos à profissão, mas, o que é mais grave, apaga a confiança, direi mesmo a fé, do doente naquele que, além de técnico, era o confidente, o conselheiro, o amigo, e que, por isso, curava todas as angústias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se infira, porém, do exposto que estou com uma visão unilateral, egocentrista por deformação profissional, imprópria desta Assembleia. Cons-
cienciosamente julgo que os verdadeiros usufrutuários daquilo que aqui mostro desejar restabelecer mais do que os médicos são os próprios doentes ...
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: -... para os quais realmente quero orientar a bússola das minhas considerações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É urgente e absolutamente indispensável cuidar do ambiente social da medicina portuguesa, também vítima da acção degenerativa dos novos conceitos surgidos no pós-guerra de 1945 e que tanto abalaram o famoso alicerce hipocrático.
E antes de tudo o mais porque a eficiência do novo estatuto se há-de registar na razão directa do mérito dos médicos ao seu serviço.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Acresce ainda pensar que o médico não atinge o seu verdadeiro objectivo - que é curar - só com o uso do seu saber e dos meios técnicos colocados ao seu alcance.
Vozes:-Muito bem !
O Orador: - Há ainda a considerar uma outra qualidade que se for desprezada algo resultará em prejuízo para os doentes. Essa qualidade não se adquire rio curso geral da Medicina nem no labor para a especialização. É uma virtude particular da vocação que se desenvolve, reduz ou apaga consoante o ambiente em que o clínico promove a sua actividade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A medicina arte, a medicina empírica, não pode ceder todo o passo à medicina ciência, de investigação objectiva e de técnica requintada, pois se a ciência e a técnica julgam poder dispensar todos os outros meios, a verdade é que nem sempre os doentes - e com razão dos factos - se mostram coincidentes com essa convicção.
Por isto se compreende que muitas vezes o mais sábio e com a técnica mais apurada não é considerado um bom médico no sentido absoluto do termo.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-A guerra alterou a face do Mundo e veio burocratizar e mecanizar a prestação dos serviços médicos, mas esse imperativo da nossa época tem de se processar sem o desprezo por aquele poder subjectivo, intrínseco, particular de cada médico, nem pela humanidade do doente.
O primeiro grande passo dado em frente para se restaurar a dignidade da medicina portuguesa e, consequentemente, para se dar a melhor eficiência ao serviço da saúde e de assistência verificou-se em Agosto de 1958 com a criação do respectivo Ministério. Muitos e sinceros louvores são devidos à concretização de tão velha ansiedade e só um reparo salta ao meu pensamento nesta altura em que tenho de me imiscuir nos delicados problemas da administração pública. Quero referir-me a desoladora incompatibilidade que
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se constata entre as possibilidades orçamentais que o Estado lhe reservou e as aflitivas exigências da assistência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com efeito, apesar do muito notável esforço das câmaras, das Misericórdias, das comissões municipais e paroquiais de assistência e de tantas, tantas iniciativas particulares de caridade, o Estado está muito longe de ter uma função supletiva, por viu do respectivo Ministério, correspondente ao mínimo das necessidades actuais.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Função complementar insuficiente posta em evidência na base xxv, em que se condenam as comissões municipais de assistência - rés inocentes de «uma vida quase apagada». Luz de candeia para a qual o Estado fornecia um mal medido dedal de azeite como, paradoxalmente, é bem claro o seguinte exemplo: nestes últimos sete anos a comissão municipal de assistência de Santo Tirso arrecadou de receitas 1753 contos. Para esta suína contribuíram a Câmara com 1344 contos; alguns particulares, Governo Civil u Junta Distrital com 247 coutos, e a Direcção-Geral da Assistência apenas com 171 contos.
Ora, se a acção complementar do Estado, por intermédio do Ministério da Saúde e Assistência, se processar nos mesmos termos quando transitarem para as Misericórdias os encargos das comissões de assistência, «a luz apagada» da candeia continuará a deixar nas trevas do infortúnio o cortejo fantasmagórico dos desempregados, dos incapacitados, dos órfãos e dos famintos, e poderei dizer de alguns loucos perigosos, que muitas vezes não conseguem internamento.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas esta insuficiência apresenta-se logo patente quando no n.º 2 da base II se dá preferência às actividades preventivas em confronto com as meramente curativas. É que, sem discordar dessa hierarquia, julgo que tanto ns necessidades preventivas como os curativos têm de ser integralmente atendidas e que só as dificuldades financeiras levaram prudentemente a estabelecer uma ordem de preferência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A mesma insuficiência deve ter feito esquecer as dificuldades práticas de tornar exequível a alínea a) da mesma base II. Na verdade, a acção complementar do artigo 1.º da base XXXII defende de tal forma o Estado à sombra de uma tão frondosa árvore geneológica que em última análise mais um fardo vai pesar nas costas dos municípios, cuja verticalidade devia ser mais respeitada e até mais robustecida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Insuficiência financeira patente no n.º 9 da exposição que antecede a proposta de lei e que, em referência aos insuportáveis encargos das câmaras no capítulo da assistência, diz o seguinte:
O estatuto não traz nada de novo para a solução do problema, que só a poderá encontrar, na medida do possível, na reforma financeira em estudo.
E as câmaras cujas freguesias estão muito próximas dos grandes centros, hospitalares são, ainda por cima, vítimas dos constantes atropelos às regras dos internamentos, que assim canalizam, com títulos sofismados de urgência, para esses hospitais uma infinidade de doentes que deviam dirigir-se para o hospital da sede do concelho e de cujo desvio resulta maior peso nos encargos municipais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E, pois, necessário incluir em diploma próprio um artigo tendente a evitar tais abusos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Insuficiência clamorosamente manifesta na aflitiva situação em que se encontrara cerca de 10 000 funcionários da assistência - correspondentes a 50 000 portugueses - que, apesar de durante anos descontarem para uma caixa de previdência e de já ter sido publicado, há três anos, o Decreto-Lei n.º 42210 relativo às suas aposentações, continuam absolutamente desprotegidos no final das suas carreiras, vivendo assim uma situação anómala, injusta e verdadeiramente apavorante.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estas referências às precárias possibilidades financeiras em nada reduzem o brilho do exaustivo e bilhante trabalho do Sr. Ministro da Saúde e Assistência, antes - e é este o meu justo propósito - realçam o seu esforço para rusgar um horizonte carregado de nuvens muito espessas, que, pela força do ódio de ambiciosos países, insistentemente se avolumam, dificultando a rota para o seu ideal, que é aquele que o amor ao próximo sempre o inspira.
Estas mesmas nuvens de dificuldades sente-as, em primeiro lugar, o Sr. Ministro das Finanças, a cuja sabedoria e altíssima competência desejo também prestar aqui justíssima homenagem.
Sem embargo dos obstáculos que se esboçam no n.º 7 da exposição que antecede a proposta de lei, a base XXX merece a maior relevância. O estabelecimento da carreira de saúde e da carreira hospitalar vem ao encontro de ideias já expressas em relatório elaborado pela Ordem dos Médicos, mas a execução de tal programa reveste-se ainda de muitas dificuldades.
O problema é, realmente, complicado, não só no foro das exigências económicas que cria, mas também pelo que implica com o carácter do médico, pouco adaptável, em regra, ao espartilho do funcionalismo. Economicamente difícil porque não é possível continuar-se a exigir dos médicos, com os argumentos do pulso livre e da profissão sacerdócio, um trabalho penoso e simbolicamente remunerado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -A justíssima consideração que o Sr. Ministro da Saúde tem pela Ordem dos Médicos, cujos sábios pareceres procura frequentemente conhecer, dá-me a consoladora convicção de que os princípios fundamentais que devem regular as carreiras médicas não serão postergados ou esquecidos nas leis especiais a que se refere o n.º l da base XXX.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - De forma pouco concreta se fazem referências nas bases III, V, VI, XXVIII e XXXIII a outra modalidade importante do exercício da medicina designada por medicina organizada.
Uma das consequências mais notáveis da última guerra, no campo social, foi a grande atenção geral que ela provocou em ordem aos problemas do seguro social, o que, por sua vez, teve importante influência na chamada medicina organizada.
Em Portugal, o seguro social e a consequente prestação de serviços deram origem a uma prodigalidade de comentários; a uma série de controvérsias e discrepâncias e a uma abundância de aplausos, de retaliações e descrenças que, pelo menos, não deixaram cair em mãos alheias a primazia do nosso indomável temperamento meridional.
Aos nossos estadistas criou um problema sobre as fronteiras das respectivas atribuições; aos médicos e aos beneficiários um receio tenebroso no âmbito da ética e da humanidade; aos economistas e sociólogos uma série interminável de dificuldades comandadas pela pobreza e pela desigualdade do meio.
Mas, em última análise, louvores são devidos a todos os esforços tendentes à melhoria do nível social. A todos os Srs. Ministros das Corporações, desde o notabilíssimo estadista Dr. Pedra Teotónio Pereira até no actual e digníssimo titular da pasta das Corporações, Dr. Gonçalves de Proença, que com tanto entusiasmo se entrega aos mais delicados problemas sociais, as minhas sinceras e vivas felicitações. Seria grave injustiça se aqui não fizesse merecida referência especial ao nosso ilustre e querido camarada Deputado Dr. Veiga de Macedo, antigo Ministro, a quem os trabalhadores portugueses devem muitíssimo dos grandes benefícios que actualmente usufruem e que muito se pode orgulhar por subscrever o valiosíssimo trabalho que é a reforma da previdência social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência abrangiam já em 1961 uma população de l 572 417 beneficiários e deram, no mesmo ano, 4 400 520 consultas. Estes números são bem elucidativos sobre a importância da organização.
No entanto, o caminho há muito iniciado não está ainda totalmente percorrido, como já advertiu, em notabilíssimo discurso pronunciador nesta Assembleia Nacional em 27 de Abril do ano passado, o ilustro Deputado Dr. Melo e Castro.
Na, verdade, ainda não foi possível dar integral satisfação aos desejos do Sumo Pontífice expressos na Mater et Magistra, particularmente em relação no trabalhador rural, e muitas dificuldades terão ainda de ser vencidas até se conseguir atingir tal objectivo. Todavia, são já bastante animadoras certas disposições contidas na Reforma da Previdência Social, agora também em apreciação nesta Assembleia.
Sr. Presidente: um verdadeiro hino à caridade encantou o meu espírito quando me entregava à leitura do n.º 9 do sábio parecer da Câmara Corporativa.
Reconheço que o egoísmo e a ânsia de viver a vida temporal sobressaem no nosso conjunto social influenciado por telefactores; reconheço que compete à Igreja garantir a sobrevivência da terceira virtude teologal; e reconheço ainda que o Estado não pode, nem deve, menosprezar o valioso auxílio que essa santa virtude lhe tem de prestar.
No entanto, cônscio estou de que a verdadeira caridade - aquela que é virtude- nunca se extinguira, porque é graça divina, vontade do Senhor, do Senhor de tudo, porque de tudo e de todos Ele foi o Criador. Ela, porém, nunca se albergará nos corações daqueles que procuram o prazer por qualquer preço, mas unicamente na alma dos que rejeitam esse prazer por ser acção e reacção e só aguardam a alegria eterna como prémio das suas virtudes.
Aquela que vem de más fontes é água inquinada e nunca apagará a verdadeira sede de amor ao próximo.
O Sr. Costa Guimarães: - Muito bem!
O Orador: - A caridade não morrerá, e eu, que aqui represento uma região que se pode oferecer como paradigma desta realidade indestrutível, devo pedir ao Governo que, em relação a tanto bem-fazer, a sua acção não seja apenas simbólica, mas, realmente, supletiva, para sua maior honra e pura dignidade do nosso Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Birne: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora sem aptidões, será sempre com prazer que subirei a esta tribuna, para apreciação de causas que directamente visem imposição de princípios que signifiquem progresso ou bem estar; mais ainda quando esses princípios interessem em linha recta bem-estar de classes trabalhadoras, o que é o mesmo que dizer evolução ascensional de subida dos que precisam de subir.
Reconheça, quem será responsabilizado por não fazê-lo, urgência no debruçar-se, com interesse e realidade objectiva, sobre os problemas que equacionam satisfação do justas aspirações e equilíbrio económico, próprio e de familiares, dos que nobremente vivem apenas - e é muito - do esforço do seu trabalho.
Acelere-se a marcha no estabelecer com prodigalidade medidas sociais, no remover de dificuldades que se oponham à elevação de nível dos que estão nos degraus inferiores; trilhe-se o caminho sem desfalecimento, por mais árduo que o caminho seja, por maior que seja a abnegação, o sacrifício até, que tal requeira de todos os que podem.
Está em causa a lei da reforma da previdência social.
É a previdência fórmula social de primeira grandeza, que deve, na sua- expressão completa, garantir aos que dependem, directa e exclusiva ou quase exclusivamente, do trabalho, através de todas as vicissitudes, no desemprego, na saúde, na doença, na invalidez e na velhice, com regularidade, as condições de uma vida que vale a pena viver, embora modesta, mas digna.
E a sua evolução só deve terminar e só deve dar tranquilidade, a todos aqueles a quem pertence comandar e a todos aqueles que podem e com ela é vital que se preocupem, quando atingida a expressão completa.
É intuitivo que a grande perfeição da previdência é basicamente um problema de possibilidade do respectivo financiamento. E quer o financiamento seja exclusivamente imposto às classes interessadas, com larga superioridade de contribuição, como é natural, das entidades patronais, mas com necessária comparticipação também, e na medida do possível, dos beneficiários; quer ainda o financiamento seja supletado por contribuição dependendo directa ou indirectamente do Tesouro nacional, o que é certo é que, em última análise,
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a plenitude de um financiamento satisfatório é sempre consequente de que esteja em condições de o assegurar o equilíbrio económico do País.
E certo que se impõe que se tire todo o partido possível do supérfluo dos favorecidos, mas não se minimize aquele princípio importante, quando se pretenda que o problema da previdência, ou outro problema social, atinja o nível de distribuição equitativa que chegue para todos e, portanto, satisfaça plenamente.
O problema é, na verdade, basicamente, um problema sempre dependente do índice da produtividade do indivíduo, do agregado e, portanto, do nível do processamento económico dos dois sectores de actividade, essencialmente fomentadores da riqueza do País: industrial e agrícola.
O sector industrial é aquele que assegura já vitalidade real e aquele em cuja progressiva expansão assenta, de momento, a melhor esperança nacional.
Na medida em que se consolida, agrega crescentes conjuntos de famílias operárias, que, logo que agregadas, melhoram sempre de vida. A previdência nunca hesitou, desde o início, em fazê-lo responder ao apelo social.
Torna-se assim forçoso que por todos seja, cada vez mais, compreendida a firme preocupação do Estado, através do Ministério da Economia, de quanto é vital para o futuro bem-estar da população nacional a expansão e o perfeito condicionamento técnico das actividades industriais.
Haja imaginação, iniciativa e coragem para impulsionar diversidade e número de unidades industriais com apetrechamento e perfeição técnicos que interessem à procura de mercados externos.
Ao abrir de portas da livre concorrência, constante provavelmente inevitável do clima actual, que o produto nacional esteja preparado, em qualidade e em preço para viver!
O nosso apego ao trabalho e a natural modéstia de viver e de aspirações de todos os que trabalham são factores de relevo, para que, em igualdade de condições tecnológicas, a indústria nacional possa aguentar o embate de uma luta económica.
O sector agrícola, por enquanto o mais vasto, porque dele dependem ainda cerca de 54 por cento da população operária do País, é também infelizmente aquele que, por enquanto, apresenta vincado aspecto de crise económica.
Os trabalhadores que o servem são de uma maneira geral os que estão pior: irregularidade de trabalho, consequente do próprio carácter sazonal, e salários médios baixos, essencialmente nas zonas populosas do Centro e do Norte.
O estado débil da actividade tem sido respeitado, pela legislação, que a tem excluído da imposição de medidas, de condicionamento de trabalho, e pela organização da previdência, que só muito ao de leve lhe atribui encargos.
A consequência, porém, mais infeliz de todo o conjunto é que as classes agrícolas se debatem numa insuficiência de meios e de protecção que é premente eliminar ou, pelo menos, atenuar.
Não admira que esta insuficiência provoque êxodo dos campos e emigração em tal quantidade que a actividade entrou já no círculo vicioso, de vítima das próprias condições.
O vértice de embaraço tem insistido em constituir montanha, que é necessário continuar a ter a coragem e a persistência de escalar, embora tenazmente, degrau a degrau.
Este primeiro período da VIII Legislatura foi assinalado por forte vitalidade agrária a que se não estava habituado. O Ministério da Economia, através do Secretariado da Agricultura, anunciou a execução de largo fomento pecuário.
Parece movimentar-se por fim aquele forte escalonamento que todos têm obrigação de apoiar, mesmo que porventura se ponham de pé princípios sem história, se desses princípios resulta subida média.
E preferível antes evolucionar em paz que alimentar atmosferas deletérias. Entram esperanças com o início da execução das leis da reforma agrária.
Mas continue-se a marcha!
A envergadura de campo de actividade máxima do País impõe ainda à agricultura seriação independente e paralela de medidas de rejuvenescimento que mais directamente dependem de iniciativa e técnica:
Declare-se guerra à enxada, debruçando-se, com vontade de vencer e, quando preciso, espírito associativo, sobre progressiva infiltração mecânica nos trabalhos agrários por máquinas grandes ou máquinas pequenas, tal qual existem ou adaptadas, postas ao serviço da lavoura pela indústria nacional e mundial.
Estruture-se oficialmente uma política de preços de produtos agrícolas, que tonifique rapidamente o interesse de produzir, e condicione-se a actuação das actividades comerciais intermediárias, de forma a impossibilitar criminosas especulações.
Pensem os Srs. Proprietários, que o não fizeram, na resolução dos seus próprios problemas, fugindo a rotinas e adoptando culturas que melhor se adaptem a qualidade e área dos seus terrenos, aconselhando-se, sempre que o julguem, com os técnicos agrários.
Despertem-se iniciativas no recurso a industrialização dos produtos agrícolas.
Não caberá competir ao Governo fazer tudo; o progresso dependerá sempre, em muito, da vontade e da iniciativa individual.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: peço desculpa da derivação sucinta que se fez, citando aspectos dos dois maiores sectores de actividade do País.
E fez-se para medida de possibilidades, uma vez que delas depende mais directamente o processamento da evolução da previdênica das respectivas classes trabalhadoras.
A previdência pode dizer-se que foi iniciada no País há 27 anos, com a publicação da Lei n.º 1884, criadora das caixas sindicais de previdência e das caixas de reforma e previdência.
A Revolução Nacional, que em todos os aspectos teve infelizmente de iniciar arranque do zero, do zero arrancou também a dignidade do trabalho e a previ- dência.
Nós começámos a nossa vida profissional no tempo em que a orgânica social era nula e assistimos, entre operários, aos efeitos benéficos da sua constante progressividade.
A evolução está por enquanto longe de atingir culminância; mas a obra já realizada tem o direito de merecer gratidão e louvor dos classes trabalhadoras.
No fim de 1959 o número de sócios beneficiários de cerca de 65 caixas sindicais e de reforma e previdência, 555 Casas do Povo e 28 Casas dos Pescadoras era aproximadamente de l 170 000 (há cerca de 130 000 mais em 1961, conforme referiu ontem o Sr. Deputado Veiga
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de Macedo) e o dos respectivas familiares era da 1 150 000; em 1961 ha cerca de 130 000 mais, ou seja um total de 2 300 000 pessoas (260 000 a mais em 1961) ao abrigo de protecção de seguro social, embora com graus de eventualidades e prestações diferentes.
Sendo de 2 600 000 o número total de trabalhadores seguráveis e de 3 300 000 o dos respectivos familiares, ou seja um total populacional segurável de 5 900 000, conclui-se que deste total populacional segurável havia ainda a descoberto em 1959 de qualquer protecção social 60 por cento do total (57 por cento em 1961), ou sejam 3 600 000 pessoas (3 340 000 em 1961).
Gomo todos sabem, a maior quota de desprotecção cabe ao sector agrícola. Este sector, o maior de todos, abrange entre trabalhadores e familiares aproximadamente 3 150 000 pessoas e representa, como já se referiu, 54 por cento de toda a população trabalhadora.
Neste sector apenas 18 por cento (ou sejam 570 000 pessoas) têm protecção social, e mesmo essa, como se sabe, em regime bastante precário; os restantes 82 por cento (ou sejam 2 580 000 pessoas) estão ainda a descoberto de qualquer seguro social.
Nos outros sectores de actividade a posição é melhor. Assim, se se considerar que o número de 55 000 sócios beneficiários das Casas dos Pescadores representa aproximadamente toda a classe piscatória, estes outros sectores indústria, comércio e serviços e pesca, que representam cerca de 46 por cento de actividades do País, abrangem, entre trabalhadores e familiares, um total aproximado de 2 700 000 pessoas.
Destes encontram-se cobertos por seguros sociais 65 por cento (74 por cento em 1961), ou sejam cerca de 1750000 pessoas (em 1961 cerca de 2000000), estando, portanto, ainda a descoberto 35 por cento (26 por cento em 1961), ou sejam, cerca de 950 000 trabalhadores e familiares (em 1961 cerca de 750000).
Conclui-se assim que os seguros sociais, embora ainda longe da universalidade de campo de aplicação, têm-se infiltrado francamente bem nos meios da indústria, comércio e serviços e pesca, e francamente mal no meio agrícola, consequência apenas da forte barreira oposta pela dificuldade de autofinanciamento.
Repare-se a seguir qual a posição da previdência social pelo que diz respeito a receitas e à eventualidades e respectivas prestações concedidas.
No conjunto, o volume total de receitas ao serviço da previdência em 1959 foi de l 787 000 contos, assim distribuído pelos respectivos sectores:
contos
Indústria, comércio ......... l 705 000
Agricultura ............ 42 000
Pesca ............... 40 000
Os números representativos das receitas e a consideração da quantidade de beneficiários de cada uma das actividade dão-nos imediatamente a medida de insuficiência relativa e, portanto, da insignificante possibilidade de prestações do sector agrícola, mesmo àquela pequena percentagem de cerca de 18 por cento de segurados da sua total população trabalhadora. Com efeito, enquanto no sector da indústria a receita representa por trabalhador segurado 1972$, essa receita é no sector pesca de 727$ e no sector agrícola só de 168$.
Reconhecendo que mesmo no sector industrial o financiamento tem estado ainda aquém de permitir o grau e nível de prestações a que é legítimo aspirar-se, confirma-se a infância em que o problema da previdência se debate no sector agrícola.
Para sequência de estruturação, cabe referir quais as prestações em espécie e em dinheiro que a previdência vem garantindo aos seus beneficiários nos vários sectores.
Para não tomar muito tempo, porque são do conhecimento geral e ainda porque a elas se referiu ontem com tanta autoridade e clareza o Sr. Deputado Veiga de Macedo, não excederemos os limites de uma enumeração resumida.
No sector da indústria, comércio e serviços, o esquema é já considerável, aos trabalhadores e familiares estando assegurados assistência médica e medicamentosa, embora parte em regime de comparticipação; comparticipação em regime hospitalar para certos casos de cirurgia geral; subsídios de doença de 60 por cento do salário, com limitação de tempo a 270 dias; pensão de invalidez e reforma, esta a partir dos 65 a 70 anos, conforme os casos; subsídio de morte e o abono de família, constituindo este último uma das prestações mais apreciadas das classes trabalhadoras pelo seu carácter natural imediato; na maternidade: assistência médica e medicamentosa durante o parto; subsídios de parto e aleitação das crianças até aos 8 meses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste sector, o volume de benefícios concedidos em 1959 representa um total de l 099 900 contos, o que equivale a uma média virtual por trabalhador segurado de 1273$.
No sector da agricultura, a previdência, que é exercida através de 55 Casas do Povo (número existente em 1959, 627 em 1961), garante apenas: assistência médica, tratamentos e intervenções de pequena cirurgia; assistência medicamentosa não generalizada; limitados subsídios de doença, de 40 e 30 por cento, respectivamente, só nos primeiros 30 e 60 dias imediatos, e pequeno subsídio de morte.
Para além deste esquema, mas em regime puramente assistencial, podem ser concedidos mais alguns benefícios, se os condições económicas da instituição o permitirem e do interessado o justificarem.
No sector, o volume de benefícios concedidos em 1959 representa apenas um total de 22 918 contos, o que equivale a uma média virtual por trabalhador segurado de 92$.
No sector da pesca, a previdência exerce-se através de 28 Casas dos Pescadores (número de 1959) e têm sido normalmente concedidos: assistência médica; subsídios de natalidade, de doença e de morte; pensões de invalidez e reforma, e abonos de família.
No sector da pesca, o volume de benefícios concedidos em 1959 representa um total de 22 472 contos, o que significa a média virtual por trabalhador segurado de 408$, portanto cerca de um terço da mesma média do sector industrial, mas quatro vezes superior à do sector agrícola.
Tal é o aspecto, nas suas linhas gerais, em que se desenrola a previdência no nosso país, na altura em que é posta à discussão na Assembleia Nacional a nova proposta de lei da reforma da previdência social.
A proposta de lei visa essencialmente o aspecto de remodelação da estrutura orgânica da previdência, de forma a dominar mais harmònicamente o desenvolvimento que já hoje tem e a abrir-lhe novas possibilidades de generalização, e também o aspecto de remodelação do regime financeiro, permitindo possibilidade de melhor eficiência e nível de benefícios, dentro do volume de contribuições actualmente arrecadado.
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Integra-se o articulado da lei no campo do artigo 92.º da Constituição e, portanto, restringe-se à definição de bases gerais de regime jurídico.
Não deixa de se notar que o articulado daria mais satisfação imediata aos que sentem com interesse a necessidade premente da evolução social, se concretizasse especificamente o remedeio, pelo menos, das lacunas principais.
Tem no entanto de concordar-se que o alargamento de âmbito, eventualidades e prestações, está condicionado a aspectos de evolução e financiamento que terão de ser sucessivamente definidos, só na altura própria, ao chegar-lhes a oportunidade. Basta assim que as bases legais agora definidas assegurem essa possibilidade.
A persistente actuação da organização da previdência está creditada perante o País, quanto ao futuro, pelo que já realizou no passado.
Seja, no entanto, permitido fazer-se singela análise de alguns dos aspectos que são, por enquanto, barreira, interrogação e lacuna dos seguros sociais.
E inicia-se pelo financiamento, sempre o vértice principal de embaraço da ampliação do quadro de segurados e do aperfeiçoamento do esquema de eventualidades e prestações.
O financiamento do ramo de indústria, comércio e serviços, o único que é autónomo e que é, de entre os dos três ramos, o mais desafogado, é suportado pelas entidades patronais (15 por cento dos salários) e pelos beneficiários (5,5 por cento dos salários).
O financiamento deste ramo é assim assegurado por uma percentagem total de 20,5 por cento do volume de salários da respectiva população trabalhadora.
A título de padrão comparativo refere-se que, de um conjunto de nove países, cinco europeus (entre eles a nossa vizinha Espanha) e três sul-americanos (um dos quais o Brasil), e corrigida a Espanha para similares condições de âmbito previdência, é Portugal o de mais baixa taxa de salários contributiva.
O conjunto dos nove países retira-se de um quadro que vem indicado no parecer da Câmara Corporativa, e do seu exame resulta também que a taxa contributiva média dos mesmos nove países é de 31,2 por cento.
Desta forma, não é impossível prever, nem parecerá muito de estranhar, que, embora com o melhorar de posição que a estruturação financeira da nova lei permitirá, venha a ser necessário o recurso a maior ónus contributivo, para que se cumpra a evolução previdencial que a lei prevê e a justiça social requer.
Quanto ao financiamento do ramo da agricultura, refere-se o seguinte:
Está assente a tendência, e a actual proposta de lei abre as melhores perspectivas a tal cooperação, de a evolução orgânica da previdência centralizar nas Casas do Povo âmbitos sociais mais gerais, assegurando-se através delas prestações e eventualidades, e designadamente a acção médico-social, das classes trabalhadoras, independentemente da actividade a que se dedicam.
Oferece esta modalidade, ao mesmo tempo que uma acção estimulante do desenvolvimento das mesmas Casas do Povo, vantagens sociais e económicas, que vêm em auxílio da resolução da previdência da agricultura, e, em primeira análise, impulsionar, necessariamente, desde logo, a instituição das mesmas Casas do Povo, uma vez que as 627 existentes estão, em número, a grande distância de realizar a cobertura do País, com 1734 freguesias, salvo erro.
Mas por melhores vantagens que a tal sistema se reconheçam, o certo é que mantém a característica de muito precário o actual volume de financiamento da previdência do ramo da agricultura.
São altamente escassos os 42 000 contos da receita de 1959, e nem sequer, mesmo assim, representam contribuição autónoma da actividade.
São obtidos parcialmente por pequenas contribuições das classes interessadas, provindo de taxas sobre rendimentos colectáveis de 183 000 produtores agrícolas, taxas que em certas regiões não são superiores a 1/2 por cento e noutras se referem como variáveis de l a 7 por cento, e provindo também das quotas simbólicas de 1$ a 3$ dos sócios efectivos o ciários.
A parte complementar é exercida pelo Fundo Comum das Casas do Povo, fundo que, por sua vez, é proveniente de taxas aplicadas sobre determinados géneros agrícolas, de contribuição anual do Fundo de Desemprego e ainda da dotação do Estado de 20 contos por cada Casa do Povo que se institui, contribuição que é, alias, reconhecida como modesta em demasia, por não ter outro auxílio sequente.
É este o nível da receita e, no entanto, quem quiser fazer ligeiras contas chegará com facilidade a número anual de ordem superior a l 000 000 de contos porá se poder assegurar previdência condigna a l 239 000 trabalhadores agrícolas seguráveis (segurados e não segurados).
E se é certo que distância e dificuldades para a vencer são grandes, de ponderar é que a insuficiência de meios e a consequente insuficiência do nível de vida das classes trabalhadoras agrícolas - insuficiência que todos temos obrigação de penetrar, de sentir e de ajudar a eliminar - colocam o problema em tal premência que, embora gradualmente, impõe que se resolva em veloz cadência. Isto em nome de sagrados princípios de justiça social e de dignidade, prestígio e segurança nacional!
Não pode escapar na apreciação do problema o respeito por todas as dificuldades em que se debatem as entidades patronais sob cuja orientação e acção se desenrola toda a vasta actividade da agricultura da Nação e, portanto, a situação financeira de todos aqueles trabalhadores que servem e movimentam a actividade, quer essas entidades patronais sejam grandes, médios ou pequenos proprietários!
Mas todos esses são, com certeza, no entanto, os próprios a debruçar-se com inteira propriedade para as dificuldades dos que trabalham a seu lado e a dar plena colaboração a todas as medidas de que seja possível lançar-se mão para o alteamento do seu nível económico e da sua dignidade.
E em altura confirmada de vitalidade reformadora da estrutura agraria - parece não ser demasiado cedo também para pensar-se na dignidade de relações, promulgando o regime do contrato de trabalho pura os assalariados da agricultura, à semelhança do que existe há já tantos anos para o trabalhador das indústrias.
O condicionamento de tal regime, base da dignificação do trabalhador agrícola, tal qual foi base de dignificação do trabalhador industrial, tornaria imediatamente mais compreensível, ao mesmo trabalhador, imposição de participação no financiamento da sua própria previdência, que lhe compete também suportar.
Na trepa de sacrifícios, inaconselhável de ladear, não deve ser impossível admitir também atribuição directa a entidades patronais, embora por enquanto mais modesta que a do sector industrial, de uma percentagem sobre salários.
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E na continuação da ladeira, o desenvolver do financiamento parece só poder competir a uma acção supletiva nacional, por meio de taxas especiais para esse fim, sobre contribuições ou rendimentos colectáveis, lucros de empresas, remunerações profissionais elevadas, taxas de forte razão progressiva directa com o volume dos bens ou proventos individuais.
Não será difícil compreender nos que mais podem, mesmo tributados em muito mais alto grau, que é esta a tendência universal, e é imperativo relevante de reparação da insuficiência de viver dos que menos podem.
Estão os complexos aspectos de financiamento inevitavelmente relacionados com a ampliação de âmbito e desenvolvimento de esquema que importa à Nação possibilitar e à organização da previdência promover, até que se assegure justa protecção social à totalidade das suas classes operárias, da ordem dos 2 600 000 operários e 3 300 000 dos seus familiares.
E, embora cadentemente, não se permita que delongue o cumprimento do programa de preencher lacunas existentes, de mui s premente anseio umas que outras, mas que todas devem estar em vista, antes que se dê por terminada a tarefa social:
A generalização ao sector da agricultura do abono de família e do restante esquema de eventualidades e prestações já existente noutros sectores de actividade; o internamento hospitalar ou sanatorial qualquer que seja a doença; maior amplitude em montante e em tempo do subsídio de doença em todos os casos que assim o requerem, em especial na tuberculose; redução dos 65 anos de idade de pensionista em determinadas profissões, essencialmente dos mineiros: são tudo eventualidades que a organização da previdência abrange, prevê e que se considera essencial vir a cumprir, e o esquema complementa-se ainda com o seguro de sobrevivência e o seguro de desemprego involuntário, este último untes de tudo um problema de reorganização, que no parecer de generalidade da lei se esclarece com propriedade e conveniência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: reservou-se para perto do fim breve referência ao seguro social das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho.
O parecer da Câmara Corporativa vincula, na generalidade, a integração do risco das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho no regime de eventualidades da previdência social.
Desconhecendo na altura o articulado da nova proposta de lei, tivemos em 17 de Janeiro modesta intervenção nesta Assembleia sobre o problema das pneumoconioses, que se considera requerer urgente atenção.
Não desejamos de forma nenhuma, pela elevada consideração por VV. Ex.ª, repetir-nos.
É imprescindível, no entanto, resumir aqui, por necessidade imposta pela oportunidade, quais as razões essenciais que se afiguram conducentes à existência de uma entidade única seguradora destas doenças profissionais. São elas:
l.ª Características da doença, de contracção lenta, progressiva e cumulativa, requerendo que o operário, depois de passado o seu exame médico e radiográfico inicial e admitido ao trabalho, quer mineiro, quer de outra actividade com risco de pneumoconiose, seja periodicamente controlado, também radiograficamente, isto independentemente de qual a empresa em que transitoriamente trabalhar. Deve além disso existir, para cada operário, o processo radiográfico completo, desde o início da profissão, isto também independentemente de qual a empresa em que trabalha.
2.ª O operário deve estar garantido no seu direito de liberdade de mudança do local de trabalho e de entidade patronal, e não. estar sujeito ao risco de divergência de critério ou procedimento das empresas donde sai e que o consideraram em condições de trabalho e das empresas onde pretende entrar e o trabalho lhe é recusado, porque as suas condições físicas não satisfazem.
3.ª Dificuldade - e quantas vezes impossibilidade - de atribuição específica de responsabilidades às diversas empresas em que o operário trabalhou, totais ou proporcionalmente parciais, por dificuldades básicas de constituição e análise de provas, facto que estabelece clima - além de delongas prejudiciais aos interessados no julgamento de processos - que pode conduzir - e tem conduzido - a decisões injustas.
São estes aspectos que se não apresentam com a grandeza de citação clássica mas com a oportunidade de apreciação directa, os que ocorrem com evidência, a apontar a necessidade da existência de uma única entidade seguradora.
É como na nossa intervenção de 17 de Janeiro referimos esta condição de unidade - que de per si basta - e o conjunto de características especiais em causa, que requer isenção de interesses e liberalidade de critérios puramente humanitários, conduzem directamente à necessidade de que o seguro das pneumoconioses se faça por fórmula social.
Traz a socialização também automaticamente a vantagem de eliminar aquele terrível aspecto, que em Janeiro também referimos, e que tem sido de vulgar ocorrência, do operário doente que nem é assistido pela previdência social nem pela entidade seguradora antes que o seu caso de doença profissional seja definido em tribunal.
É o que se nos oferece dizer quanto a pneumoconioses. Apreciação que é sincera e pretende ser apenas construtiva no encontrar de solução que satisfaça; é, além disso, crítica de sistema que se reconhece não satisfazer, mas não é, de forma nenhuma, nem podia ser, crítica de entidades.
Considerando o assunto no seu plano geral do seguro social dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, ou seja da sua integração na previdência social, reportamo-nos ao estudo elaborado pelo Centro de Estudos Sociais e Corporativos, estudo que foi objecto de louvor do então Ministro das Corporações, Sr. Dr. Veiga de Macedo.
Entre outras, resumem-se as seguintes vantagens, ali enumeradas, vantagens que são de indiscutível propriedade:
1.ª Eliminação de lucros, portanto possibilidade de maior satisfação de necessidades sociais prementes, dentro do mesmo nível contributivo.
2.ª Possibilidade de resolução directa e, portanto, imediata ou rápida, de muitos mais casos de compensações, o que trará, também, como consequência, a considerável diminuição de volume de processos em tribunal .
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3.º Este último aspecto contribuirá, certamente, para o aceleramento na decisão dos processos que forem presentes, tantos têm sido os casos apresentados pelos doentes profissionais em tribunal que, quando resolvidos, o foram já em benefício só das viúvas!
Um outro aspecto que parece relevante é o da uniformidade da primeira assistência médica ao indivíduo, sobretudo quando se trate de doença, quer natural, quer profissional.
De carácter inteiramente sintomático é o facto de que o risco do trabalho tem já na grande maioria dos países evoluídos cobertura assegurada através de entidade ou instituição pública, portanto em fórmulas de seguro social.
Assim acontece na quase totalidade dos países da Europa; assim acontece em muitos países da América do Sul e noutras partes do Mundo.
Refere o estudo atrás mencionado um conjunto de 31 países, dos quais apenas 3 não realizam o seguro do risco de trabalho por qualquer forma social. São eles Cuba, Panamá e Portugal.
Basta o imperativo da quase universal aplicação, ou tendência, da cobertura social do risco do trabalho para apontar com clareza e firmeza o caminho do nosso país.
Partilhamos sinceramente esta determinante, vincando especialmente que se aplique, com toda a prioridade e urgência, às doenças profissionais, dado o grave aspecto social e económico que o estado actual em que o problema dessas doenças se encontra está a evidenciar pelo País fora entre a população trabalhadora interessada e as respectivas empresas patronais.
Não parece que exista hoje, da porte do Governo, a quem compete a iniciativa, centrada no Ministério das Corporações e Previdência Social, dúvida no reconhecimento deste enunciado e hesitação na sua oportunidade. Cumpre-nos fazer votos para que saia desta Assembleia igual e nítida concordância de parecer.
Pertenceria, assim, a seguir à instituição competente, acelerar a execução deste seguro social, uma vez que na execução nem sequer está em causa a dificuldade do financiamento, porque pela cobertura monetária de responsabilidade ou seguro do risco respondem já as entidades patronais.
São de reconhecer alguns aspectos complexos que requerem atenção e estudo e a importância das medidas de prevenção adoptadas pelas empresas na defesa do pessoal contra os riscos de saúde aconselha fortemente a consideração de adoptar-se - pelo menos para as pneumoconiosoes - a inovação no nosso país de taxas variáveis e fixadas anualmente para cada empresa, em face de resultados de incidência de casos do ano anterior.
E terminamos as nossas palavras dando p nosso pleno acordo na generalidade à proposta de lei da reforma da previdência social, reservando-nos, se for caso de tal, para qualquer alteração, no articulado da especialidade, na altura oportuna.
Dentro da velocidade da hora presente e da nossa falta de tempo não pôde ser outra a nossa contribuição no debate. Ao menos que ela não prejudique o valor e a oportunidade da lei.
Tenho dito.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Oliveira Pimentel: - Sr. Presidente: com a proposta de lei em discussão, que tem por objecto o Estatuto da Saúde e Assistência, procura-se dar estrutura nos respectivos serviços, os quais, mercê do incremento e importância que auferiram nos últimos anos, passaram a dispor de lugar próprio em novo departamento da administração pública - o Ministério da Saúde e Assistência, criado em Agosto de 1958. Estabelecidas as condições de base para a realização de uma política de saúde e assistência, dado o desenvolvimento operado nos ramos das ciências e da técnica, surge a necessidade de aperfeiçoar, completar ou criar os órgãos adequados à realização dessa política.
A matéria é vasta e de elevada transcendência e a sua importância afere-se pela natureza dos interesses que estão em causa e se pretendem defender, pois, conforme- se consigna na base II da proposta, « a organização e a prestação dos serviços de saúde e assistência devem ter sempre presentes a natureza unitária da pessoa humana e a necessidade de agir com respeito pelas virtudes naturais».
É o homem sujeito de direitos inalienáveis, expressão dos mais altos valores, medida de todas as coisas - como se salienta no parecer da Câmara Corporativa -, que assume o primeiro lugar nos fins que se procura assegurar com essa política de saúde e assistência.
De entre os vários pontos focados pela proposta de lei em discussão, chamou especialmente a minha atenção o problema da assistência às populações rurais, o qual no nosso País assume importância de grande relevo, sabendo-se que à volta de 45 por cento da população vive em meio rural, tomando-se como critério de distinção entre população urbana e rural o facto de viver em núcleos populacionais com mais ou menos de 5000 habitantes.
Deste modo, abrangendo a população rural quase metade da totalidade da população metropolitana, e achando-se a mesma dispersa por áreas consideráveis carecidas de meios indispensáveis a um sistema de vida satisfatório, na maior parte dos casos sem apoio eficaz orientado na assistência e prevenção na doença e na satisfação de outras necessidades, como sejam a assistência a família e aos inválidos, não admira, pois, que o conjunto de problemas que concita a assistência a essa massa populacional assuma importância de relevo no quadro das previdências a que urge dar incremento na reestruturação dos órgãos de saúde e assistência.
Segundo dispõe a base xxv da proposta de lei, são órgãos locais de saúde e assistência as subdelegações de saúde e as Misericórdias das sedes dos concelhos ou, na falta delas, as instituições locais escolhidas para desempenhar essa função. Começo por me referir às Misericórdias, e ao fazê-lo não deixo de registar a intenção que se alcança da proposta de lei de extinguir as actuais comissões municipais de assistência, as quais, com carácter de comissões municipais de saúde e assistência, poderão ser criadas quando circunstâncias especiais o aconselhem, devendo funcionar na Misericórdia e sob a presidência do provedor.
Com a extinção das actuais comissões municipais de assistência, procura-se concentrar no órgão com raízes mais profundas e mais largas tradições os meios de realizar a assistência local. Acompanhando a ideia expressa pela Câmara Corporativa no notável parecer sobre a proposta de lei, no qual se evidencia o profundo conhecimento da matéria e a segura experiência do seu relator, o Digno Procurador Dr. Trigo de Negreiros, vem a propósito lembrar que no espírito cristão e a
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universalidade da caridade, abrangendo, a alma e o corpo, as obras de misericórdia, tanto espirituais como temporais, estão na essência da tradição das Misericórdias, fruto do ambiente religioso em que foram criadas».
Procede-se avisadamente extinguindo-se as comissões municipais de assistência, cuja experiência vem de recente data; embora tenham produzido alguns frutos, não corresponderam aos fins que delas se esperava ao promover-se a sua criação.
Ainda que não conste - nem devesse constar - da proposta de lei, será bom não esquecer a conveniência de os fundos existentes nessas comissões a data da sua próxima extinção virem a ser integrados na respectiva Misericórdia da sede do concelho ou, na falta dela, na instituição que venha a ser escolhida para- desempenhar a função de órgão local de saúde e assistência.
O Estado não pode só por si montar e prover à manutenção de todos os serviços necessários à realização da política de saúde e assistência, ou seja do combate à doença e do desenvolvimento do bem-estar dos indivíduos. Nessa ordem de ideias, o Estado aproveita-se do prestígio, do valor intrínseco, em suma, das virtudes tradicionais das Misericórdias, instituições criadas por iniciativa particular, para fazer assentar sobre o seu tronco secular um dos pilares, talvez o mais forte, da assistência local.
A realização da assistência através das Misericórdias, instituições cuja administração assenta na boa vontade e dedicação dos seus dirigentes, significa para o Estado uma economia financeira de apreciável valor.
Compare-se em cifras o custo da realização dos fins de assistência através dessas beneméritas instituições, com todos os seus defeitos no seu sistema prático de funcionamento, com o que seria se o Estado tivesse de montar e manter, pelo menos na sede de cada concelho, um serviço de saúde e assistência de teor burocrático e no qual, por certo, as deficiências no seu aspecto funcional não seriam inferiores àquelas que se verificam nas Misericórdias.
Mas, se o Estado beneficia com a utilização dessas instituições para prover às necessidades de ordem sanitária ou assistencial, as quais competem àquele em última instância, torna-se necessário, por um lado, que o mesmo Estado restrinja ao mínimo indispensável a sua ingerência na administração das Misericórdias, respeitando na medida possível à sua independência e autonomia; por outro lado, o Estado não deverá deixar de conceder às mesmas todo o desvelo e carinho, dando-lhes amparo quando dele necessitem, apoio e ajuda nas suas justas aspirações, orientadas sempre no sentido de aumentar ou aperfeiçoar os meios de melhor realizarem os seus fins basilares.
Utilizar as Misericórdias como órgão de saúde e assistência, sim, mas, ao fazê-lo, o Estudo não deverá querer apenas endossar-lhes uma pesada tareia sem que lhes seja concedida contrapartida.
Com escassos ou nenhuns bens próprios, vivendo tantas vezes da caridade dos particulares, é necessário que o Estado não falte com o seu contributo paro se conseguir o revigoramento das Misericórdias, aproveitando delas a essência do seu espírito para as transformar em instituições modernas e eficientes.
E ao pretender-se para estas o auxílio do Estado, o qual, aliás, lhes vem sendo concedido em maior ou menor grau, não se tem somente em vista o auxílio financeiro, sem dúvida importante, mas também a ajuda através de outros meios tantas vezes não menos importantes que o primeiro, pois o Estado, como entidade robusta, pode mais facilmente conseguir processos de acção que, uma vez criados e postos à disposição das Misericórdias, servindo estas, servem ao mesmo tempo o próprio Estado.
Sobre este aspecto não quero deixar de referir a imensa rede de hospitais sub-regionais construídos de novo ou que foram objecto de extensas remodelações ou ampliações que nos últimos anos surgiram pelo País fora, fruto da melhor colaboração entre o Estado, através da Comissão de Construções Hospitalares, e as Misericórdias. Construídos esses hospitais, verifica-se, ressalvadas algumas excepções, que o seu funcionamento é deficiente por falta de meios financeiros postos à disposição das instituições a que pertencem e por falta de pessoal, sobretudo de médicos e de enfermeiras.
Sendo certo que a medicina, o que, aliás, sucede com os outros ramos da ciência, tende cada vez mais para a especialização, constata-se ser fácil encontrar nos meios rurais bons médicos de clínica geral, mas é muito difícil conseguir-se a fixação de médicos especializados, pois, além de o seu número ser insuficiente, os mesmos acham-se concentrados nos maiores centros urbanos, que, sem dúvida, lhes proporcionam melhores condições de vida.
Cada concelho precisa de ter apetrechados os seus órgãos de saúde de forma a poder satisfazer as. principais necessidades da sua população; contudo, salvo os casos de alguns concelhos que, embora rurais, são populosos e dotados de maiores recursos ou, não o sendo, se situam na periferia de grandes centros urbanos, e assim logram beneficiar das vantagens daí resultantes, não é possível conseguir-se, por manifesta carência de meios de acção, completa eficiência daquilo que é razoável esperar dentro do escalão em que se situam.
Os hospitais sub-regionais, em boa hora criados, além de descongestionarem os estabelecimentos congéneres dos escalões intermédio e superior, são da maior utilidade, porquanto ali o doente é tratado mais próximo do ambiente em que vive e sem que se verifique a sua total separação da família.
Mas, se o plano de construções de hospitais sub-regionais teve bom êxito, outro tanto não se verifica quanto a construção de hospitais regionais, cujo plano se acha bastante atrasado. E essas unidades hospitalares tornam-se indispensáveis para poderem encabeçai- os hospitais sub-regionais da área que lhes fica adstrita.
Os hospitais regionais, dada a sua categoria intermédia, por se situarem em localidades de certa importância, e ainda devido ao facto de servirem maiores massas populacionais, podem dispor de meios para assistir os doentes da respectiva região - mediante a admissão daqueles que não possam ser tratados nos hospitais sub-regionais, por insuficiência de recursos destes, ou através de deslocações periódicas ou ocasionais -estos quando se tratar de casos de urgência - dos seus médicos especialistas aos hospitais sub-regionais da área cuja cobertura asseguram.
O outro órgão local de saúde e assistência previsto na proposta de lei é o das subdelegações de saúde. Porque estas também interessam à defesa sanitária das populações rurais, deixo aqui um ligeiro apontamento acerca das mesmas.
Verifica-se que os subdelegados de saúde são ricos de funções e da maior importância; contudo, dadas as precárias condições em que são levados a exercê-las, nem sempre se apresentam de resultados muito produtivos.
Não vai longe o tempo em que o subdelegado de saúde se via forçado a percorrer a sua extensa área a cavalo ou a pé; embora hoje, com o desenvolvimento da rede de estradas, tenham melhorado consideravelmente, sob
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esse aspecto, as condições locais de exercício da sua actividade, o certo é que, por outro lado, pouco se modificaram os meios de que dispõe o subdelegado de saúde para poder desempenhar cabalmente a sua função.
Torna-se indispensável burocratizar menos esta, a fim de o subdelegado de saúde ser integrado no quadro de funções que essencialmente lhe são peculiares, mas, paru tanto, é necessário que lhe sejam concedidos adequados meios de acção.
A proposta de lei no capítulo que trata da responsabilidade financeira pelos encargos das actividades de saúde e assistência ao seriar as entidades às quais incumbem os referidos encargos indica as camarás municipais segundo uma ordem de preferências em que figura o Estado em último lugar.
Às câmaras não vêem com maus olhos nem pretendem enjeitar o sacrifício que daí lhes advém, pois está dentro do espírito do municipalismo prover à satisfação das necessidades dos seus vizinhos; acontece, porém, que as despesas dessas autarquias são cada vez maiores, sem que se verifique contrapartida no correlativo aumento das suas receitas.
Para fazer face àquelas despesas, as quais são de natureza ordinária, a mesma proposta indica as receitas próprias das câmaras e o produto das derramas que estas podem ser autorizadas a lançar com o fim exclusivo de pagar encargos ou ocorrer a necessidades de saúde e assistência dos seus concelhos.
Mas as despesas com a saúde e assistência constituem, nos termos do Código Administrativo, encargos normais, e como tais são inscritos nos respectivos orçamentos, e que deverão ser satisfeitos por meio de receitas ordinárias, quando é certo que as derramas constituem receitas extraordinárias, as quais não devem ser afectadas ao pagamento de despesas ordinárias.
Uma de duas: ou se encontra solução para o pagamento por parte das câmaras municipais das despesas inerentes aos encargos com a saúde e assistência ou é necessário dar nova estrutura ao seu regime financeiro no sentido de aumentar as suas receitas.
Para se fazer uma ideia aproximada das dificuldades de ordem financeira em que se encontra a maior parte das câmaras municipais será suficiente verificar o elevado número delas que em cada ano se vêem na necessidade de recorrer ao lançamento de derramas para poderem saldar as suas dívidas aos hospitais.
O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Jorge Correia: - É para dizer a V. Ex.ª que nem a derrama chega para esse fim. Sou presidente de uma câmara e posso dizer a V. Ex.ª que temos de destacar uma verba importantíssima para a assistência. E preciso que o Governo veja bem este problema.
O Orador: - A intervenção de V. Ex.ª vem corroborar o que eu estava a dizer.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sou um municipalista. Entendo que as câmaras não se podem demitir de maneira nenhuma da sua acção assistencial. Se as câmaras começam por abandonar a assistência, abandonam a educação e daqui a pouco estamos a destruir a administração local.
O Sr. Jorge Correia: - Mas não exageremos. Se a cada câmara fosse atribuída uma importância substancial, o problema melhorava. Mas isso não é assim, como V. Ex.ª sabe.
O Sr. António Santos da Cunha: -A câmara a que V. Ex.ª preside já chegou à meta autorizada?
O Sr. Jorge Correia: - Estamos fartos de pedir que a derrama seja mais alta e o Estado não consente. Estão a autorizar 8 por cento, mas já pedimos 10 e 12 por cento.
O Sr. António Santos da Cunha: - Trata-se de uma questão de excussão. De resto, os diplomas que existem chegam para que as câmaras possam fazer isso.
O Sr. Quirino Mealha: - A assistência é de carácter permanente. Assim os municípios tinham de cair em permanente derrama.
O Orador: - Neste aspecto a proposta de lei mantém o actual regime, o que significa a manutenção da precária situação financeira da quase totalidade das câmaras municipais. E estes para poderem realizar os seus fins precisam de possuir meios ao seu alcance, de contrário a vida municipal amolece, quando se torna necessário que seja robusta para se tornar eficiente nos seus múltiplos campos de acção.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito, bem!
O orador foi muito cumprimentado,
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua na sessão de amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram, 18 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
José Fernando Nunes Barata.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel de Melo Adrião.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco Lopes Vasques.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel Pires.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR. - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL De LISBOA