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29 DE ABRIL DE 1963 2487

rais a que sempre permaneceu fiel é quase pedra de escândalo e signo de contradição.
O homem surgiu no momento exacto - e esse, era o derradeiro. E o povo português, durante tantos anos impotente espectador do festim- suicida das facções, reconheceu-o à primeira voz. Falava a linguagem dura do cirurgião que sabe que o doente tem direito à verdade inteira. Falava de cátedra, com saber reconhecido, honestidade transparente, firme intento de servir.
Olhando para trás, quem de entre os da minha idade, e quem de entre os mais velhos, se não recorda do alívio maravilhado, do espanto com que no meio do pânico geral se ouvia a voz de uma racionalidade cristalina, de uma inteligência criticamente equipada para a análise dos problemas que afligiam a sociedade portuguesa, capaz de diagnosticar, de eliminar, de escolher e de sarar? Quem se não lembra da fé que, como avalancha maciça, logo desabou das montanhas para os vales, invadindo pousadas e palácios, reanimando corações abatidos e inflamando irrequietos ímpetos juvenis? Quem não teve a sensação de que a atmosfera se carregara de uma energia quase numinosa e de que o Sol português rompera e rodopiara mais uma vez no céu nublado de angústia que há tanto estávamos habituados a suportar?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para a minha geração, que o conhecera ainda só como professor, o aparecimento de Salazar na arena política foi saudado com uma expectativa complexa, feita de muitos elementos heterogéneos, mas convergentes.
Predominava, na desoladora paisagem cultural de então, o puro deslumbramento ao contacto de uma inteligência lucilante; havia a «fúria» doutrinária, no sentido camoniano, que via subitamente surgir-lhe diante dos olhos o homem predestinado, 1homme qui vient de um livro então em voga de Valois; o ímpeto revolucionário de uma juventude que crescera entre os escombros do solar arruinado, se corrigira do decadentismo elegíaco dos poetas de 90 com a nova interpretação do mito sebastianista, filosofia nacional da esperança, tal como a definira Sardinha. Tudo cristalizado na visão de um mundo ideal a restaurar ou a erguer a pulso, na avidez do reencontro com os valores perdidos da tradição.
Por cima dos séculos, estendíamos mãos solidárias a todas as gerações que, através dos tempos, haviam levado a cabo a tarefa de defender, reconquistar, reconstruir Portugal.

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O Orador: - Esta a visão. Da realidade que veio a dar-lhe forma temporal não vou f alar-vos, porque é dos livros. Não vim aqui fazer história, vim fazer um depoimento e uma saudação.
Nos 35 anos decorridos houve os altos e baixos inevitáveis: horas de rotina necessária e morna, em que a voz do comando parecia coar-se através de uma enorme manga de alpaca, e horas de exaltação e frémito que de um jacto redimem todas as outras, arrastadas e enervantes.
Daquelas, pouco há a dizer que não esteja dito. Submetidos a um processo sistemático, por vezes discutível e excessivo, de desintoxicação política, caminhávamos para o bocejo colectivo de uma habitualidade teoricamente recomendável à sociologia embrionária do século passado, mas incompatível com os efeitos já bem observáveis da crise moral que atacava o Ocidente nas suas raízes mais profundas.
A habitualidade como ideal de vida colectiva era uma utopia nostálgica de quem fora jovem antes da primeira guerra mundial e à qual o redemoinho dos acontecimentos se encarregou de dar um desmentido feroz. E ainda bem!, direi eu. Ainda bem por ele e ainda bem por nós.
O professor eminente, na sua modéstia exemplar, bem gostaria de se amoldar a um ideal de governação burguesa, a redigir pacatamente aos serões o manual da perfeita dona desta pequena casa lusitana para eventual uso dos delfins. (Risos). Mas os homens, só forçados por estímulos externos se erguem à sua verdadeira medida, só na resposta a um desafio atingem a estatura que a Providência lhes assinalou como própria sua. E tal os homens, assim as Pátrias. Salazar cresceu com Portugal, Portugal cresceu com Salazar ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... porque, dali por diante, a união íntima estabelecida pela visão inicial, três vezes, pelo menos, se afirmou em deslumbrante plenitude - na guerra civil de Espanha, na segunda guerra mundial e, mais do que nunca, meus senhores, mais do que nunca, hoje.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nos intervalos, curtos ou longos, parasitas do habitat social, os vermes, as bactérias, quando não os vírus, trabalhavam incessantemente, afeiçoados à visão de uma farta mediocridade, resignados à ideia de um Portugal amputado, de um Portugal menor.
Não podem estas palavras apressadas perder-se em pormenores sobejamente conhecidos. Como síntese lapidar da problemática em causa, basta ler o artigo do próprio professor Salazar, publicado há pouco na revista International Affairs.
Considero esse artigo um dos mais importantes documentos saídos da sua pena, pela densidade das ideias, pela lucidez meridiana do raciocínio, pela penetração crítica incomparável, pelo esplendor que irradia da serenidade e do perfeito equilíbrio da exposição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ali está, maravilhosamente delineado, um auto-retrato mental, a imagem modelar e intemporal do homem clássico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Consciência das limitações próprias e confessada modéstia dos resultados; marcha progressiva para uma justiça social mais ampla, necessariamente subordinada às realidades económicas; análise original de certos aspectos do temperamento português; uma racionalidade consciente do seu quilate soberbamente impermeável aos estribilhos correntes - eis alguns pontos e características que ali denunciam na personalidade rara as preocupações do sociólogo, do economista, do moralista e do educador de um escol.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Uma apreciação que queira fugir ao tipo de panegírico oficial, com que eu não seria capaz de transigir, e pretenda esboçar ao menos um juízo independente sobre a obra realizada, terá de considerar, no homem.