1882 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101
saber, e com justificada razão, a lei em que vivemos quanto às tabelas referentes ao seguro automóvel.
Posteriormente, e com singular limpidez de ideias e de intenções, pronunciou-se o ilustre Deputado Rocha Calhorda, afirmando, como se tal fosse necessário para garantir o significado da sua intervenção, não ser accionista de nenhuma companhia de seguros, embora tivesse a sua actividade profissional ligada, em Angola, a uma delas. E justificou o seu ponto de vista sobre a matéria, versando, entro outros factos apontados, a impossibilidade de as companhias, dado o aumento constante de encargos resultantes não só da sua actividade, como do crescimento assustador do número de sinistros e do custo cada vez maior das reparações dos veículos acidentados (e outros de toda a ordem), continuarem a cobrar as tarifas mínimas oficialmente em vigor, mas que deveriam ter sido alteradas, por conveniência das empresas seguradoras, a partir de 31 de Dezembro de 1966: o que afinal parece ter vindo a suceder, apesar da intervenção ministerial já referida.
Há dias, outro ilustre Deputado, o Doutor Tito Arantes, num exaustivo trabalho primorosamente circunstanciado, demonstrou, por seu turno, a impossibilidade de as companhias seguradoras, cujo lucro global (global entre si mesmas e abrangendo todos os ramos) era muito inferior àquele que obtém certo número de bancos de per si; se me não falha a memória, referiu-se a cerca de meia dúzia.
Depois de ouvir atentamente mais este valioso e claro testemunho sobre a matéria, fiquei convencido daquilo que, aliás, admitira quando da minha primeira intervenção: a indispensabilidade de serem revistas, ou melhor, actualizadas, as já célebres tarifas mínimas para o seguro automóvel.
Acrescentou ainda, porém, aquele ilustre Deputado que a comissão nomeada para o efeito entregara o seu relatório a S. Ex.ª o Ministro das Finanças no dia 17 de Abril próximo passado, isto é, há mais de sete meses, e que no meio segurador se aguardava, a todo o momento, que fosse conhecida a decisão final.
Entretanto, o problema fora entregue no Ministério das Comunicações, que sobre ele teria qualquer palavra a dizer.
Pois, como acima afirmei, e uma vez que a teimosia não é o meu maior defeito, tenho de admitir que, realmente, as tarifas em vigor desde 1927 tenham de ser revistas, mas continuo a não compreender, e a lamentar (sobre certos pormenores não fiquei esclarecido), que o Grémio dos Seguradores não tenha incluído na revisão, tão cautelosamente estudada e, em princípio, aceite pelo Ministério das Finanças, algumas condições que tornassem menos duras as outras que se pretendia pôr em vigor e que poderiam dar aos automobilistas, por exemplo, a certeza, de se julgarem protegidos quando os seus carros, parados ou em marcha, são abalroados por outros cujos condutores não têm seguro (porque não é obrigatório), nem possibilidades de pagarem seja o que for, e que, no primeiro caso, são muitas vezes desconhecidos. É claro que quando um automobilista bate num carro parado e depois foge não ficaria identificado pelo facto de ter seguro obrigatório contra terceiros; o que é muito possível, porém, é que fugissem menos, uma vez que haveria quem por eles pagasse. E não me parece de admitir que entre nós. especialmente, exista tendência para a «fraudezinha» de que há dias ouvi aqui falar. E quando assim fosse, pergunto: serão só os segurados a praticá-la? Não há memória de que alguma entidade seguradora o tenha feito? Julgo que em todos os sectores há de tudo, tanto cá como lá fora ... Mas, adiante.
Talvez que na altura própria, como acima referi, ao Grémio tivesse sido possível obter aquilo que nesta Assembleia não foi aprovado em 1936, segundo creio ter ouvido dizer: o seguro obrigatório contra terceiros.
É crível, assim me foi afirmado, que o aumento do valor global dos prémios do ramo automóvel resultante do seguro obrigatório não desse às companhias seguradoras compensação relevante, uma vez que, aumentando o volume dos riscos e naturalmente o volume dos pagamentos por acidente, estes não cobrissem aqueles, mas o que me parece que poderia suceder, através do benefício que da obrigatoriedade desejada resultaria para o público, seria a justificação, até certo ponto, dos maiores encargos que pelas novas tarifas se lhe exige.
Quanto à franquia, se fosse facultativa, nada teria a objectar, porque então seria resultante de um acordo previamente estabelecido entre o segurador e o segurado, e este, se a adoptasse, pagaria certamente menos, como, aliás, sucede nos outros países. Eu, por mim, aceitá-la-ia, se a diferença de prémios fosse razoável, porque, com a mesma franqueza e lealdade com que os ilustres Deputados Cunha Araújo, Rocha Calhorda e Tito Arantes se referiram, um no seu caso pessoalíssimo outro à sua condição de director de uma seguradora, e. finalmente, o último à sua situação, de advogado e presidente da assembleia geral de uma outra seguradora, eu devo dizer que, embora como os três ilustres colegas não tivesse sido o interesse pessoal o motivo da intervenção verificada, possuo um carro de desporto (resto de verduras de uma mocidade já distante), e teria o seu seguro agravado, segundo creio, em cerca de 80 por cento. Se tal suceder, desistirei do seguro ou, quem sabe, talvez do carro ...
Há uma coisa, contudo, de que me permito discordar no discurso brilhantíssimo do Doutor Tito Arantes e que muito me ajudou a apreender melhor o problema: é pretender dissociar-se, na actividade seguradora de uma empresa, os lucros obtidos em determinados ramos dos eventuais prejuízos verificados noutros! Em qualquer indústria ou actividade comercial existem produtos mais lucrativos que outros. Há mesmo casos em que se perde deliberadamente no fabrico ou na venda de alguns produtos indispensáveis, embora possa ganhar-se mais noutros; e não me parece que os compradores destes possam ser considerados as grandes vítimas dos compradores dos outros.
Ninguém se estabelece para perder dinheiro, é certo, e vão longe os tempos das «queijeiras de cristal» que o nosso Jacinto de A Cidade e as Serras queria mandar construir em Tormes ...
Admito que os lucros nos seguros dos ramos «Vida», «Incêndio», «Marítimo» e outros lhe cheguem, em muitos casos, para cobrir os prejuízos do ramo «Automóvel» (e daí a minha aceitação ao princípio do aumento de tarifas), mas dissociar, repito, aquilo que constitui um todo na actividade de uma empresa parece-me um pouco difícil de sustentar ...
Seja como for, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que é indispensável é que conheçamos a lei em que vivemos e haja coragem de definir posições para bem das empresas seguradoras, se for justo o pedido formulado, mas nunca em prejuízo do público, se algo estiver errado, ou sequer exagerado, nas novas tarifas reclamadas.
É necessário que tudo se esclareça e o público, aquele que constitui a grande maioria e possui carros utilitários (os outros que se governem! ...), possa, a par de um prémio mais elevado, contar, como defesa, com a obrigatoriedade do seguro contra terceiros e lhe seja facultativa a franquia, o tal sistema de defesa (das seguradoras) tão antipático quando é imposto.