2218 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 110
dos pelo nosso abandono, essa massa anónima de gente sem eira nem beira tem podido, com muito suor e lágrimas, arrecadar o suficiente para equilibrar o orçamento do País.
Foi ainda Marcelo Caetano que reconheceu o erro e a injustiça; e hoje, graças a Deus, o Secretariado Nacional da Emigração pratica uma política de aproximação, defende os interesses dos emigrantes, considerais cidadãos de direito e procura evitar que se percam para a comunidade. Mais uma vez a política da força e da prepotência falhou. E não se pode dizer que daí tenham resultado inconvenientes de qualquer natureza; o Governo saiu prestigiado e os portugueses ficaram mais unidos.
Os factos demonstram que as limitações postas à liberdade dos indivíduos nunca contribuíram para o progresso de um povo. O que se passa a este respeito nos países comunistas é bem esclarecedor. Não queiramos, pois, imitá-los, seja a que pretexto for.
Permito-me agora passar a outro ponto: o que se relaciona com o processo de desenvolvimento em que nos encontramos empenhados. Durante muito tempo relegou-se para plano secundário tudo o que dissesse respeito à formação e preparação profissional da juventude, induzindo-a assim a uma passividade que apenas traduzia ignorância. Aqui reside, quanto a mim, a nossa principal frente de luta, numa tentativa de recuperar, a todo o transe, o tempo e as oportunidades que se perderam.
Mas o progresso tecnológico, factor indispensável do desenvolvimento, depende, não só de estruturas económicas adequadas, mas também das estruturas sociais, institucionais e culturais existentes em cada país. Não é pois possível avançam e permanecer ao mesmo tempo.
Uma sociedade em pleno processo de desenvolvimento é uma sociedade dinâmica, aberta às inovações, vibrátil nas suas manifestações e, por isso mesmo, difícil de controlar rigidamente.
Não se pode pretender queimar etapas neste processo de desenvolvimento, vital para a nossa subsistência como povo, enquanto mantivermos imutáveis estruturas que fizeram a sua época, mas já estão, há muito, ultrapassadas. Essa desactualização constitui um importante travão para o progresso da agricultura; limita fortemente o poder competitivo da indústria, desequilibra as relações entre o capital e o trabalho; prejudica, na administração, a vitalidade das instituições municipais; favorece, a todos os níveis, a permanência de um estado de espírito que tudo faz depender das iniciativas e da protecção do Estado-providência.
Os quarenta anos de paz, estabilidade social e equilíbrio financeiro tiveram o seu preço e não nos podemos eximir a pagá-lo. Atrasámo-nos irremediavelmente. Mantivemos vazios territórios imensos, deixámos de explorar riquezas incomensuráveis. Geraram-se tensões cuja explosão nos apanhou desprevenidos. Não se anteviu o futuro em termos de responder às suas solicitações.
E só quando esse futuro chegou, nos apercebemos do que se passara. E entrámos a lutar, nas frentes económica, política e militar, aqui e no ultramar. Da inércia, passou-se à acção; da apagada e da tristeza, aos feitos que só os heróis realizam. Não houve tempo para ajustar estruturas nem para reavivar esperanças. Foi-se para a frente. E essa frente tanto se situa em Cabora Bassa como no Nordeste transmontano; na esteada inçada de minas como no gabinete do técnico; ma escala como na fábrica. Todos nós podemos trazer a este areópago testemunhos bem vivos desta epopeia em que estamos empenhados. Para quê, pois, perdemo-nos em palavras, em debates estéreis, em questiúnculas de quem se sente bem instalado na vida? Por que não havemos de agir, uma vez que seja, apenas de acordo com a nossa consciência?
O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!
O Orador: - O Poder sempre implicou responsabilidade; e não creio que nesta Câmara haja alguém que, por qualquer forma, se queira atraiçoar e ao seu País.
Este pensamento leva-me, uma vez mais, a encarar os problemas suscitados pela situação nas províncias ultramarinas. Já me referi, ao regressar de Angola, ao orgulho de que vim possuído pela obra gigantesca que ja se está realizando; já afirmei quanto, em face de realidade tão portentosa, senti serem mesquinhas muitas das nossas preocupações e intenções.
Ao abordar a situação constitucional das províncias ultramarinas, a proposta do Governo fá-lo de forma corajosa. E estou certo de que só não vai mais à frente porque a guerra condiciona, neste momento, os nossos actos de decisão. Apoio, pois, sem reservas, o espírito e a letra da proposta em tudo o que se refere ao ultramar.
Também penso que a nossa preocupação primordial não deve consistir em manter a todo o transe o domínio económico em territórios tão vastos. O patriotismo de alguns satisfaz-se com isso; mas creio que é aspecto secundário. À medida que Angola e Moçambique se desenvolvem, automaticamente se estão autonomizando sem remissão. A afluência de capitais, a diversificação do comércio externo, a satisfação de necessidades próprias e uma administração cada vez mais complexa impõem que os centros de decisão se localizem nos respectivos territórios.
Contrariar este processo é ajudar a subversão, porque a luta que se trava em África só pode ser ganha pela via do desenvolvimento. E esta implica que se promovam as populações, se rasguem estradas, se construam cidades e portos, se implantem indústrias, se formem técnicos e cientistas. A permanência do mundo lusíada em África não se garante com palavras e sofismas, mas com actos de coragem e bom senso. A língua portuguesa e a nossa forma tão especial de ser e estar no Mundo hão-de garantir, para todo o sempre, uma presença viva e digna num continente que ajudámos a descobrir e a desenvolver. Não temamos, por isso, a autonomia. Pelo contrário, facilitemo-la, confiando abertamente no portuguesismo e na capacidade para se governarem das populações locais. Quando se advoga abertamente uma descentralização administrativa como condição essencial do esquema de desenvolvimento regional em curso na metrópole, mal iríamos se pretendêssemos prosseguir uma política centralista em relação ao ultramar.
No dia em que explodiu em Angola a primeiro bomba terrorista acabou o período colonial. E acabou de vez, porque as nossas tropas não estão a defender em África interesses ultrapassados, de grupos ou pessoas; estão, pelo contrário, a ser factor importante neste processo de transformação acelerada que lá se opera. Estão a fazer, com armas na mão, o que não deixámos que fosse realizado na paz por homens de visão larga e estatura política invulgar como Norton de Matos.
Também aqui, meus senhores, o desenvolvimento dá pelo nome de liberdade e responsabilidade. Tudo o que o contrarie contribuirá para a nossa desagregação e enfraquecimento. Creio mesmo que chegou a hora de se tomarem decisões importantes, como a de instaurar uma autonomia monetária ou cambial que resolvesse de vez o problema das transferências para a metrópole; como a de transferir para as populações autóctones uma parte mais