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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO AO N.º 204

ANO DE 1972 7 DE DEZEMBRO

CÂMARA CORPORATIVA

X LEGISLATURA

PARECER N.º45/X

Acordo entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 108.º da Constituição, acerca do Acordo entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e acerca do Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Finanças e economia geral e de Relações internacionais), à qual foram agregados os Dignos Procuradores André Delaunay Gonçalves Pereira, António Pereira Caldas de Almeida, Augusto de Sá Viana Bebello, Bernardo Viana Machado Mandes de Almeida, Carlos Eugênio de Magalhães Corrêa da Silva, Carlos Krus Abecasis, Henrique Martins de Carvalho, Joaquim Trigo de Negreiros, Jorge Augusto Caetano da Silva José de Mello, José Manuel da Silva José de Mello, Manoel Alberto Andrade e Sousa, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcellos e Mário Fernandes Secca, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I
Apreciação na generalidade

1. Ser português é ter uma determinada atitude perante os problemas, os acontecimentos e os homens; não é simplesmente um facto. Constitua, por conseguinte, um compromisso de acção, que a esta imprime um sentido viver Portugal não consiste apenas em viver em Portugal, e pode até não o ser. Ter determinada nacionalidade não permite seja a quem for atribuir-se um papel messiânico, nem o autoriza a considerar-se melhor do que os outros; mas torna-o diferente dos outros, e susceptível, por isso, de enriquecer a variedade natural de cada época com o contributo da sua diversidade.
Dela nascem as culturas. E estas dão origem ao encontro das linhas peculiares de cada pensamento nacional com as linhas exteriores de formação e informação que, na geração respectiva, uma parte do seu escol absorveu e defende. Tal encontro constitui uma constante da nossa história; e o mesmo acontece em numerosos países, excepção feita- às grandes nações pensantes, onde determinadas confrontações desta índole por vezes tiveram origem e se processaram sem precisar de sair das fronteiras políticas de cada uma. Sermos um povo geograficamente periférico determinou, porém (e ainda determina), características próprias: raro as opções ideológicas nos atingem logo de início, com as vantagens e as desvantagens que disso costumam advir.
Nos alvores do Renascimento - e antes, no período da influência provençal - foi sensível esta realidade no plano da literatura e da arte. Após Sá de Miranda, o fenómeno ampliou-se: com os humanistas veio a projectar-se nos problemas religiosos e a espelhar-se na definição do destino do Homem, no seu plano natural e sobrenatural. Aos debates entre os partidários da actuação em Marrocos,

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nosso vizinho mais próximo, e os adeptos das expedições marítimas para longes terras acrescentaram-se as contraposições entre as correntes conservadoras e as simpatias «europeias» de Damião de Gois e dos mais que a Inquisição importunou, com razão maior ou menor. Mas seria erro identificar -, em valor absoluto, qualquer dos grupos de opinião com o melhor caminho para o progresso social ou cultural. Houve sempre tradicionalistas «avançados» e internacionalistas «retrógrados»... Apenas acontece que, na vivência geral dos fenómenos colectivos, são em regra as correntes internacionalistas que se apresentam - ou são consideradas - como mais conformes aos ventos da história da respectiva época. E assim beneficiam, quiçá sem razão, do prestígio correspondente.
Depois, houve noiva confrontação, no tempo de Ribeiro Sanches e de Luís António Verney. Com ela se chegou à geração «das luzes», do iluminismo ou Aufldarung, no limiar da Enciclopédia e da difusão do pensamento cartesiano. Estava-se em pleno despotismo esclarecido, com a sua regressão absolutista, tão avessa ao fundo ideológico das instituições portuguesas, de estrutura paternal e popular. Era o tempo dos seremos do Paço e dos botequins (revolucionários. E como progressistas apareciam de novo os «estrangeirados»: os homens que se diziam «abertos as lições dos outros países». Às vezes, apenas para as traduzir e copiar; outras, para as transcender e integrar na idiossincrasia nacional.
Desde então o debate reacende-se em todas as gerações, ora com visos literários (e aparentemente só isso), ora em termos mais acentuados de opção política ou até de revolução social.
Nos princípios do século XIX chegou-se à guerra civil. Vemos alinharem nela, de um lado, vultos como José Agostinho ou Acúrsio das Neves, grandes patriotas e grandes pensadores, firmes no granito das suas convicções e apontando com clarividência as consequências, para a nossa sócio-cultura, dos conceitos e concepções emergentes da Revolução Francesa, com o seu liberalismo espalhado em Portugal por efeito de uma ditadura imperial d de três invasões. No campo adverso enfileiravam cos bravos do Mindelo» e os seus correligionários, largos anos emigrados em França ou na Inglaterra, tão conhecedores de muito do que entre nós infelizmente se desconhecia, como esquecidos dos limites postos às ideias importadas pelas realidades do Pais, e tendo na vanguarda outros grandes patriotas e grandes pensadores como Alexandre Herculano ou Almeida Garrett. - A esta distância, quando o tempo libertou os acontecimentos da ganga do acidental e do secundário, foz perua verificar a cegueira com que tilo rudemente se combateram homens que tanta coisa aproximava, em quanto a vida pode ter de essencial.
Mas a contraposição entre «europeus» e «tradicionais» não ficou por aí. Vamos encontrá-la, na geração seguinte, a propósito, por exemplo, das Conferências do Casino ou nas polémicas acerca da escola naturalista, entre escritores como Eça ou Ramalho e romancistas como Camilo Castelo Branco. No fundo das coisas, e para além da cortina de fumo das discussões ocasionais, paralelo é também o significado último do contraste entre os teóricos da República, como Sampaio Bruno, e os políticos e parlamentares da monarquia, excepção feita, talvez, quanto ao partido regenerador liberal; e, todavia,, ao lado de erros difíceis de perdoar (como a reforma ortográfica feita à margem do Brasil), o novo regime demonstrou possuir um escol com preparação suficiente para pôr de pé, em pouco tempo, muitas soluções adequadas às exigências objectivas do País. No matizado dos planos em que se situaram, semelhante foi - ou ainda é - a expressão profunda do confronto ideológico entre a Seara Nova e o Integralismo Lusitano; ou da intervenção, na vida cultural mais recente, dos poetas do Novo Cancioneiro e dos romances populistas; ou dos debates entre as teorias do policentrismo político e da convergência cultural e, do outro lado, as atitudes de mais acentuado culto das ideologias, com a correlativa aceitação do seu primado; ou até da atitude, frente ia estruturas anquilosadas ou acusadas de o serem, dos movimentos de contestação global da sociedade contemporânea, sejam quais forem os 'aproveitamentos políticos ou outros que deles se façam depois emergir.
A história regista, portanto, e em coda geração, o troço do encontro, natural e não raro violento, entre as aspirações revolucionárias de mudança e «s tendências conservadoras de manutenção. A boa ou má lição do estrangeiro está quase sempre presente, e comprometida, nesse encontro sucessivo; e alinha, em regra, entre os argumentos a favor da transformação. - Todos sabemos ser assim. Mas todos também podemos verificar que, após cada choque (quando o há, pois nem sempre tal sucede), depressa se regista a inserção, nos estruturas da época, dos elementos afinal positivos de um vector por muitos facilmente apelidado de «estrangeirismo», mesmo quando só remotamente tinha origem alheia nos aspectos fundamentais.
As inovações, quando conformes ao bem comum, tendem a integrar-se na alma das nações e cedo passam a fazer parte do património cultural - e político - de cada país. (Não foi Almeida Garrett um truculento inovador de formas que breve se incluíram no que de mais lídimo caracteriza o pensamento português?) E que, bem vistas as coisas, a tradição é isto mesmo: o conjunto das forças que, em cada momento histórico, fazem com que uma nação se defina como corta nação; e, simultaneamente, o constante enriquecimento desta - e da sua estabilidade - com os sucessivos contributos geracionais.
Na polémica entre os partidários das ideias «só nossas», rui fala ingénua dos José Lúcio Castanheiro, e os adeptos da experiência alheia, desconhece a realidade, ou não logra ser objectivo perante ela, quem imagina que os altos espíritos e os bons portugueses pensam todos igualmente. De porte a parte estão sempre grandes homens, pois essa constitui a lei da vida; e ninguém detém o monopólio do patriotismo, pois as verdades absolutas não gostam de constituir apanágio de um lado só, nas apressadas opções de qualquer dia-a-dia, quando o examinamos a distância e sem ideias pré-conceituosas. Aliás, no confronto entre as várias teses (e nada existe aqui de transigência ante o agressivo exclusivismo dialéctico dos pensadores marxistas do século XIX e da primeira metade do século XX) pode haver - e muitas vezes há - uma razão importante de progresso paira o país: ajuda a definir a Unha portuguesa, entre as atitudes extremadas. Linha essa que a geração seguinte (como também é lei da história ...), em regra considera «clássica» e acusa de ser demasiado tradicional.
Os exemplos que se deram podem ser ou não os mais expressivos. Alguns serão discutíveis. Mas traduzem, com aproximação suficiente, uma ideia clara de uma das forças que mais têm feito caminhar a nossa cultura, desde a literatura até à política. Decerto nem sempre o confronto tem lugar com doutrinas importadas: no século de ouro, por exemplo, saiu de Lisboa e de Sagres a «revolução da experiência», que, aliada a outras contribuições portuguesas, ajudou decisivamente a moldar a Idade Moderna, no campo científico e fora dele. Muitas vezes, por seu turno, o vector estrangeiro serve apenas - e sem vantagem especial - para apoio a ideias que

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existiam no nosso escol. Todavia, a tradição e a inovação são os dois pólos que balizam o destino do homem; e em torno deles centram-se as forcas conservadoras ou evolutivas, entre as quais a cada (momento o poder político carece de fazer escolhas e de tomar decisões. E nisso se exprime muito do melhor progresso pacifico doe povos: na sucessão dos ajustamentos que, entre essas forças, os governos esclarecidos conseguem com êxito realizar.
Porque assim é, mostram-se frequentes, na pequena história do nosso pensamento político, os tomadas de posição em que, a pretexto de um problema (e fio a pretexto dele) se faz ressurgir todo o passado multissecular deste valho debate. Isso logo confere à sua revivescência uma carga emotiva - como agora se diz em termos de psicologia social - que, em si mesma, as realidades nem sempre justificam suficientemente. E, ao sabor de prejuízos, em tudo se passa a ver o risco da conclusão antinacional de um processo errado; ou, ao invés, o começo inexpressivo e insuficiente de tuna evolução «em que nos deixámos atrasar».
Se quisermos falar francamente, bastante do exposto tem estado presente ou subconsciente, a propósito e a despropósito do Mercado Comum e da nossa possível ligação a ele. Â cada passo as cassandras anunciam o finis Patrias e os reformistas proclamam a sua desilusão. E, de um lado e do outro, ressurge a «carga emotiva» das confrontações do passado, obnubilando o exame sereno das condições e do recorte actual dos problemas. Por consequência, é indispensável neste caso ter a coragem de começar por desmistificá-lo, pois, na verdade, se é inconveniente (rilhar um caminho com perigos, todos os caminhos os têm, e nem tudo é necessariamente uma escolha entre o oito e o oitenta: desde que se tenha consciência dos limites a não ultrapassar, existem apenas riscos calculados; e deixa de ser vantajoso levar a prudência longe de mais. Por isso, a Câmara Corporativa desejaria que os acordos internacionais que lhe foram enviados para sobre eles emitir parecer fossem lidos e apreciados à margem dos aspectos que lhes são alheios; insertos, sem dúvida, numa linha vinda de longe, mas sem que sobre eles pese, além do razoável, toda a herança das confrontações ultrapassadas e de reduzido significado presente. Aliás, nem outra é a função da cultura: separar o principal do acessório e o permanente do acidental; e distinguir, na medida em que o homem consegue fazê-lo, o que constitua um inconveniente sério para os valores eternos da Pátria do que apenas se traduza na adaptação, a estruturas diferentes, do prosseguimento legítimo dos fins do bem comum.
Seja-se pois a favor ou contra a aprovação destes acordos comerciais por motivos de fundo. Mas não se tragam à colação, além do razoável - inadevertidamente ou por mero espírito polémico -, problemas respeitabilíssimos que lhes são alheios. De outro modo, perturbam-se pela emoção ou pelo preconceito os dados de base a partir dos quais a inteligência deve raciocinar.

2. Á propósito do Mercado Comum, costuma falar-se na Europa e discutir-se a sua existência ou inexistência, como realidade autónoma no campo económico, político e até cultural.
Numerosos sociólogos e homens de Estado, seguindo na esteia de Bismarck, negam-lhe realidade e salientam, como é fácil, os muitos aspectos de profunda oposição característica da «península da Ásia» habitada pelos povos europeus.
Entre estes contam-lhe adversários históricos em política e em religião, em concepções de vida e em interesses territoriais. Muitas vezes se tem salientado a frase é de um grande escritor francês - quanto a Alemanha e a França deram durante séculos a imagem de dois lutadores que só interrompiam o combate pelo tempo suficiente para ganhar fôlego, e logo recomeçar. Nas Ubás britânicas, o ódio aos «papistas» não divide a Irlanda entre o Ulster e o Eire? O desejo de atingir o mar livre opôs sempre a Rússia aos países atlânticos; tal como o acesso aos estreitos é inevitável pomo de discórdia na península dos Balcãs. E quer-se maneira de viver mais diversa dos povos nórdicos do que o modo como se vive em Espanha ou em Portugal? Na Europa só existe embaraço na escolha entre os problemas susceptíveis de a dividir ...
Porém, á medida que nos afastamos, geográfica ou culturalmente, e vamos observando a imagem dela formada pelos outros povos e pelo respectivo escol, as diferenças esbatem-se pouco a pouco e os não europeus apontam-lhe a unidade de estilo de vida, da qual nós próprios tendemos a duvidar. E isto contraprova-se por encontrarmos, fora dela, manchas de aculturação europeia indiscutíveis como tais: alguém duvidará de que a Austrália e o Brasil, apesar dos respectivos especialismos e tipicidades, são dois países fundamentalmente «europeus»? Quer dizer: afinal, também aqui o todo é anterior e diferente da simples soma das partes. E também aqui a distância é ainda a melhor maneira de adquirir a visão global de um fenómeno, quando ele também o é.
Decerto a herança integradora do Império Romano nem sempre encontrou, desde a Idade Média, condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Mas a Europa foi «europeia» com Carlos Magno, no Santo Império Romano-Germânico e com as peregrinações e as cruzadas, tal como o foi, desde o estilo românico, na arte das suas igrejas e na «internacional monástica», ligando a Escandinávia à Ibéria em torno de valores comuns: a herança greco-latina, dinamitada por elementos germânicos e eslavos e baptizada polo Evangelho, ou seja, pela Boa Nova da redenção pelo Amor. E deu-se a integração básica do escol na cavalaria e sobretudo nos Universidades, cujos estudos tinham valor muito geral, pois, na época, era fácil (o passaporte é invenção recente) transitar de um país para outro ou de um para outro estabelecimento de ensino. Para mais, havia a unidos uma língua veicular.
Mantemo-nos no domínio da objectividade ao registar estes factos. Tal como a circunstância de apenas cinco nações Portugal e a Espanha, primeiro; depois a Inglaterra, a França e os Países Baixos - terem iniciado nos séculos XV e XVI a mais gigantesca obra de transculturação e aculturação até hoje levada a efeito, desde as costas do Mediterrâneo vizinho às ilhas remotas da Polinésia. Deste modo, é objectivamente possível e fácil indicar, no mundo contemporâneo, os vários níveis de europeiação: existem Estados geograficamente longínquos mas totalmente europeus, por motivos naturais ou artificiais (como o Canadá ou a Austrália); depois, há-os onde o elemento europeu se miscigenou com um fundo de outra origem ameríndio no México ou na Bolívia, negro nos Estados Unidos ou no Brasil; em terceiro lugar, conhecem-se países que, mantendo embora a individualidade básica, receberam da Europa ou do europeísmo contribuições vastas e decisivas para aspectos essenciais da sua vida como nações (pensemos, como exemplos, no Líbano ou no Japão); e encontram-se, por último, embora em gradações diversas, muitos Estados que diariamente atacam a Europa com as armas, materiais ou de cultura, que a própria Europa lhes fornece.
Assim, e na ordem prática, a negação da Europa não é feita pelas outras civilizações, passadas ou contemporâneas. Estas reconhecem e afirmam a sua existência (até para a criticar ou acusar) e formulam por vezes - de

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Panikkar a Gilberto Freire - as linhas mestras do europeísmo, que estudam como valor global, embora com os inevitáveis facetamentos de cada povo de per si.
Por isso, não parece razoável desconhecer o fenómeno de convergência cultural que, a partir dos elementos já citados (a tradição greco-latina, a influência dos povos bárbaros, o baptismo cristão), deu corpo a uma realidade europeia. Visto de dentro, a Europa mostra diferenças tornadas mais evidentes pela potenciação de situações que se tornam igualmente mais sensíveis quando se olha, também do dentro, um qualquer país com diversidade geocultural. Porém, vista de fora, e frente a terceiros, a Europa não é negada como «unidade» e todos indicam com relativa facilidade e clareza onde ela está, ou não está. Tal como os demais espaços caldeados pela história, é unidade na diversidade; ainda na frase schelleriana, é permanência na transformação. Bem vistas as coisas, a separação entre as suas regiões não é maior do que na Ásia; é menor do que em grande parte da África, continente como nenhum outro dilacerado pela oposição racial; e só se mostra menos acentuada nas Américas, pela herança integradora que a própria Europa para lá levou.
Por isso tudo, talvez não valha a pena perdermo-nos demasiado numa discussão teórica sobre a Europa como realidade político-cultural. Se não existe, tudo se passa, aos olhos do resto do mundo, como se existisse. E logo nos convites para a conferência de Bandung (primeiro antecedente histórico do grupo afro-asiático), não houve a menor hesitação em o (reconhecer e em a definir. Nesta base modesta, poderemos estar de acordo no essencial?
Aliás, seria pouco razoável, num mundo que se organizou em «grandes espaços», desconhecer a existência de um «grande espaço» europeu ...

3. Na verdade, a Segunda Guerra Mundial fez nascer, entre outras, duas novas concepções: o grande espaço e a superpotência. E o «grande espaço» não precisa necessariamente de alicerce em realidades culturais prévias: em teoria, é suficiente uma comunidade de interesses materiais, que até pode ser bastante acidental. Ora, que as circunstâncias da geografia - e da política de transportes ... - tornam a Europa livre num conjunto de estados com problemas económicos comuns constitui uma verificação de facto; e as respectivas estatísticas de importação e exportação chegam para o confirmar. Tal como os esforços para «degelar as bases da guerra fria» entre o Leste e o Oeste representariam sempre uma solução lógica, ao prisma do comércio externo e da busca de mais amplos mercados consumidores, com os benefícios correspondentes para os custos da produção e da circulação

As dificuldades surgem na medida em que, na organização do grande espaço, se procura ir mais além. Nesse caso, passa a interessar saber se a Europa é apenas contiguidade existencial ou identidade de essência, com tais semelhanças no plano da cultura que os próprios alinhamentos políticos passem a ser de prever - e de desejar. Por outras palavras: a Europa seria sempre um grande espaço económico, sobretudo encarada a partir dos países .da sua região central; mas pode ou não constituir, além disso, o ambiente adequado para movimentos de integração. E 'nisto reside o problema. Para o compreendermos melhor, vejamos primeiro como se faz, na generalidade', o arramo do Mundo, a este aspecto hoje fundamental.

«Integrar», segundo os dicionários, quer dizer «tornar íntegro; completar». Na política, no direito, na economia internacional significa coisa mais precisa: num sentido restrito, traduz-se em ligar tão fundamente vários países que entre eles se constitua um direito comunitário e se

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criem, com poderes maiores ou menores, verdadeiros órgãos supranacionais de decisão; num sentido mais amplo, abrange todas as formas de organização que, mesmo sem irem tão longe, criam todavia obrigações concretas, significativas e extensas de alinhamentos políticos ou técnicos que reduzam sensivelmente nesses domínios - embora sem as anular ou subalternizar - as possibilidades de decisão autónoma de cada país. Na segunda das acepções, a integração foi sempre grande nos países em guerra, sobretudo durante o segundo conflito mundial; e já havia alguma coisa dela nas uniões aduaneiras, de que o Zollverein constituiu exemplo com muita expressão. Ora, nas imensas extensões asiáticas, os fenómenos in-tegratórios sentem-se pouco, por motivos sociològicamente explicáveis, em larga medida alheios às dimensões territoriais do continente. Na verdade, são características da Ásia:

a) um vasto espaço indiano, vizinho directo de um espaço chinês ainda maior, sempre em luta demográfica na área malaia e indo-chinesa, nas regiões tibetanas, agora também na África Oriental e nas ilhas do Pacífico (a carta étnica da Maurícia é exemplo flagrante);

b) a existência de numerosos países com estreitas ligações euro-cunericanas -r Japão, Coreia, Formosa, Filipinas, Tailândia, estados indo-chine-ses - e até de zonas só geogràficamente asiáticas, num Próximo Oriente onde estão a Turquia e Israel ao lado do Irão, da Síria e do Líbano, para dar exemplos principais;

c) a circunstância de nela se situar a maior parte da União Soviética que Mao-Tsé-Tung não oculta querer «libertar» e tem todavia fora da Ásia a capital do país e a grande maioria dos cidades e etnias política e economicamente dominantes.

Deste -modo, qualquer grande espaço asiático aparece perigosamente ligado a ideia de domínio político, desde a esfera de co-prosperidade nipónica, nos tempos da guerra mundial. E a existência nele de uma só potência dominante alarma os outros estados e não facilita a solução: preferem ser pobres e livres - à sua maneira - do que mais ricos mas colonizados, tão-só pela exportação maciça dos saldos fisiológicos indianos ou chineses. Neste último ponto a situação é até diametralmente oposta à d& Europa, onde quem exporta emigrantes não são os países mais fortes. - Por isso, na Ásia, a política mais desejada é a. das alianças e dos acordos económicos de carácter aoentuadamente bilateral.

Fora da Ásia, porém, e sejam quais forem as aparências, a situação é diferente. No Novo Continente - e tanto na América Central, de países tão pequenos, como na América do Sul - acentuadas rivalidades tornam aparentemente difíceis os entendimentos multilaterais, desde o Acto de Chapultepeo ao plano andino. Contado, no fundo das coisas, e nem sempre com tradução na Organização dos Estados Americanos, a realidade é diversa: existe uma unidade cultural básica aproximando esses países da matriz europeia (e sobretudo peninsular), e existe v.ma espantosa sensibilidade reciproca em relação as alterações políticas em qualquer Estado do continente. Senão, veja-se o que se tem passado, nos últimos dez anos, com Cuba ou a Venezuela, o Chile ou o Brasil: a importância, à escala continental, da evolução interna desses países não tem confronto com as situações paralelas em outra qualquer região, excepção feita quanto à Liga Árabe. Mas esta constitui, apenas, a parte mais politicizada do mundo islâmico em geral.

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Ainda mais flagrante é o problema na África, apesar das suas conhecidas dissensões internas e da extensão e pobreza da maioria dos Estados. Decerto nela existem, a norte e a sul dos países negros, a corda árabe do Mediterrâneo e as sociedades multirraciais ou em desenvolvimento paralelo da África Austral. Porém, em. quase todo o continente se sente, no mesmo tempo, a força centrípeta de um pan-africanismo acentuadamente integracionista e a força centrífuga do micronacionalismo de base tribal. O reduzido hábito de convívio pacífico não põe termo às realidades; e estas, quando medidas poios grandes problemas, não cabem no âmbito de nenhum país, desde o estudo do aproveitamento dos desertos à valorização das terras situadas a mais de mil metros de altitude, desde o caminho de ferro do Cabo ao Cairo .à ligação fluvial do Nilo ao Zambeze. Por isso, se abundam os adeptos do integrocionismo que visam ou visavam desígnios imperialistas (e podemos pensar em Nasser, em N'Krumah, nos dirigentes da Argélia), outros optam por fins diferentes e mais desinteressados. E temos a teoria da negritude de Leopoldo Sedar Senghor ou a política de dialogo de Houphouet-BoignY. Tal como temos, no campo prático, os associações com o tratado do Roma ao lodo das uniões monetárias, dos entendimentos aduaneiros, dos planos de comunicações. Muitos falham? Sem dúvida. Todavia, o facto permanece: a integração dos grandes espaços não é apanágio da Europa. Constitui um fenómeno mundial, desde o Acordo de Unidade Económica dos Estados Árabes, datado de 1957 e que levou sete anos para entrar em funcionamento, a integração económica centroamericana, realizada pelo tratado de Manágua (1960) e abrangendo cinco poises; desde o Acordo sobre a União Económico, e Alfandegária dia África Centrai, assinado em 1964, à, Associação Latino-Ametdoana de Comércio Livro (com onze estados, entre eles o Brasil), constituída pelo tratado de Montevideu, entrado em vigor em 1961; desde o acordo sobre organização de serviços comuns na África Oriental ao anotado de comércio livre entre a Austrália e a Nova Zelândia, ambos «rubricados em 1965.

4. Conhecem-se, no passado, alguns teóricos da integração em grandes espaços. Todavia, tem valor relativo os precedentes, desde o Império Romano à República Cristã e a um ou outro jurista do período clássico. Vários escritores tiveram a ideia; porém, não foi por isso que ela cresceu e se multiplicou no segundo pós-guerra.
Já antes dele se punha em dúvida a legitimidade de exigir a unanimidade nas decisões internacionais. Mas não se via outra solução: quando um país for obrigado a respeitar e a cumprir deliberações contra as quais votou, a vontade internacional passa a prevalecer sobre a vontade nacional, com todas as consequências que disso advém necessariamente. Na sua aparente simplicidade, isto constituirá uma alteração radical mia vida dos Estados. E, como sempre acontece, nunca se poderia chegar a ela por uma só vez e uma só razão.
Em primeiro lugar, e passe o truísmo, o pós-guerra esteve - e ainda está - profundamente ligado à conflagração mundial a que se seguiu. Esta pôs bem dará a distinção entre o nacionalismo de raiz cristã (no qual todos os homens são filhos do mesmo Pai) e o nacionalismo exagerado, gerador ide Estados monolíticos, agressivos e agressores. E pensou-se por isso que só outras formas de convivia político poderiam diminuir ou eliminar as tensões que haviam levado aos dois últimos conflitos, ambos de início europeus e tendo acabado à escala planetária. Na verdade, a luta havida e a sua dimensão colossal não teriam feito ultrapassar a ideia «estreita» de nação, tal como a vida das colectividades há muito superara os conceitos antigos de família e de tribo? Os totalitarismos da primeira metade do século haviam moldado os países numa autarcia económica, num patriotismo ego-centrista e no desconhecimento dos direitos dos outros, típico na teoria do espaço vital. Deste modo, e ao prisma dos vencedores, era preciso encontrar fórmulas mais amplas do que as nações, para assim evitar que «das Herz Europas», com ó seu bater apressado, quebrasse alguma vez o equilíbrio tão dolorosamente conseguido ao longo do Reno e do Aar. Impunha-se, numa palavra, obstar a uma terceira guerra, que a Alemanha pudesse originar - e vencer.
Isto levou a um clima psicológico favorável à ideio de alterar a base dos entendimentos possíveis no plano político e, como era lógico, a partir do seu suporte económico indispensável. Para mais, os Estados Unidos, desanimados com o inêxito do federalismo europeu, ansiavam por encontrar uma qualquer modalidade viável, embora diferente dos anteriores. E a União Soviética colaborou na tarefa, definindo um conjunto de objectivos mundiais a largo prazo e mostrando-se firmemente disposta a realizá-los, ainda que para tanto tivesse que fazer a guerra. Não iria para ela por prazer, pois a tecnologia moderna e os meios de destruição maciça puseram termo a essa tentação. Mas iria se não tivesse outro caminho. E iria - se pudesse ir. Ora, frente ao poderio da U. R. S. S., ou a Europa se uma (mais estreitamente do que no passado), ou autocondenava-se à sujeição.
Ao lado destas razoes, talvez as mais prementes, embora sob o signo da temporalidade, outras havia igualmente importantes. Na verdade, a Segunda Grande Guerra encurtara o mundo, pois aproximou os povos e gerou a indiscutível tendência para a internacionalização dos assuntos e da busca das soluções. Começou isto no campo puramente técnico e dentro do senso comum. Problemas como os da meteorologia (quem a concebe neste momento sem ser, pelo menos, à escala internacional ou da defesa sanitária - como a acção contra o paludismo, contra as zoonoses, agora contra a varíola, realizadas pela O. M. S.; ou da luta coutara as carências alimentares (que é a «campanha contra a fome», da F. A. O., se não o primeiro grande programa mundial integrado de actuação racional contra a miséria?), tudo isto corresponde, ou traduz-se, na progressiva superação das soluções apenas nacionais e constitui, da mistura com numerosas utopias e palavras inúteis, um esforço sério para o bem comum, que não pode ser desconhecido ou menosprezado.
Quem acompanhe uma das grandes tarefas colectivas que as agências especializadas das Nações Unidas procuram levar a efeito logo verifica isto mesmo. Repare-se de novo nos trabalhos da F. A. O., aos quais a própria Igreja Católica se encontra associada. Os esquemas em base nacional já pouco significam em qualquer deles: as carências presentes podem diminuir muito se se fixarem, objectivos longínquos - escolheu-se o ano 2000 - e se se conseguir uma associação de esforças & escala planetária ou pelo menos, em extensos agrupamentos de países. De outro modo, estar-nos-emos pura e simplesmente a iludir.
Perante a magnitude dos problemas para os quais o nosso tempo mentalizou a Humanidade, o espaço nacional - por maior que seja - não chega sequer para os equacionar, tão-só no plano da pesquisa científica ou investigação de base e no plano dos mercados, para dar dois exemplos bem separados entre si. A técnica e a

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informação fizeram as distâncias ficar mais pequenas. Em aspectos da vida progressivamente mais numerosos, constitui hoje desfasamento pouco justificável raciocinar limitado ao território de qualquer país. E ainda se não descortina onde e quando se deterá esta progressiva e benéfica internacionalização. Ela realiza-se, porém, umas vezes pela via dos puros entendimentos internacionais, outras por processos diferentes. Na escolha reside com frequência a dificuldade principal.
Na verdade, em múltiplos domínios não se vê como aceitar as integrações e o supra nacionalismo que estas trazem consigo ou consigo tendem a trazer. A partir de certo grani e de determinada extensão, os Estados receiam o indefinido das obrigações assumidas ao constituírem autoridades supranacionais e preferem então a modalidade internacionalista: a associação, bilateral ou multilateral, das noções como nações, com a «reserva de soberania» que esta determina e constitui travão dos excessos e garanti» dos mais fracos - perante as coligações de interesses ou as reacções meramente ocasionais.
A fórmula bipolar do grande e do pequeno espaço tende a acrescentar-se, como terceiro termo, o espaço intermédio, no qual se transcende a nação sem a dissolver no magnum dos entendimentos muito vastos, onde nem sempre é fácil cada uma encontrar o seu lugar. E o caso histórico do Benelux. Neste sentido se orientam, na maioria, os acordos parcelares e internos emergentes do Mercado Comum.
Pode pois formular-se uma lei de proporcionalidade inversa entre a área das integrações e o predomínio das decisões supranacionais: quanto maior é a área, menor é a tendência para abdicar da reserva de soberania. E compreende-se seja assim.
Um país aceita restrições ao seu poder de decisão política num sector concreto ou relativamente a um entendimento onde sobe que estará, apenas, com mais um pequeno número de estados aliados ou amigos. Todavia, se lhe anuncia - por hipótese - que vai fundir-se o Mercado Comum com a E. F. T. A. e ligar-se depois o conjunto à Europa Oriental, para assim concretizar o sonho de um continente unido do Atlântico aos Urais, qualquer interessado consciente evita alienar parcelas da sua soberania porque - pelo menos por ora - não tem confiança suficiente nas organizações supranacionais e receia que, amanhã, se possa formar contra ele uma maioria política ou simplesmente emocional e serem-lhe impostas deliberações contrárias a algum dos seus interesses fundamentais.
Falou-se na «Europa dos Seis», tal como se começa a falar na «Europa dos Nove». Contudo, na (primitiva constituição tal como agora, o Marcado Comum abrange só uma parte do continente. Uma porte muito significativa, sem dúvida; mas nações em número reduzido, todas elas vizinhas, com relações cordiais e hábitos antigos ou recentes de colaboração e de trabalho em conjunto. IM ser possível aceitar dentro dolo o princípio da supranacionalidade. Porém, quando os entendimentos se alarguem a outros estados, ir-se-á provavelmente, por forma directa ou indirecta, diluindo ou reduzindo o seu carácter inicial. A cada passo as organizações de espaço intermédio, para se ampliarem, carecem de o fazer por meio de cláusulas especiais, arranjos transitórios, acordos particulares, regimes' de excepção. Ora que significa tudo isto, na prática, senão o reconhecimento da regra atrás formulada? E que o facto nos não surpreenda nem entristeça: a humanidade não nasceu há poucos anos; e não pode ser rápida nem isento de escolhos uma alteração política tão profunda nos seus modos de convivência internacional. Melhor será, até, caminhar com segurança e evitar os
erros do que pôr em causa o valor das ideias pela excessiva pressa em os (realizar, sem o benefício da experimentação anterior.
Em quanto o futuro pode prever-se, o lei da proporcionalidade inversa manter-se-á e a supranacionalidade tenderá a caracterizar a nossa época nas organizações políticas e, sobretudo, económicas dos espaços intermédios; na medida em que estes cresçam, ou se organizem os grandes espaços, não parece viável, nem seria prudente, abandonar os fórmulas de tipo internacional e, portanto, com reserva de soberania. Pelo menos no continente europeu, pois só assim podem ajustar-se as concepções, aparentemente opostas, da «Europa das pátrias» e da «Europa europeia». Mas isto diversifica enormemente o modo de fazer crescer as associações iniciais, e torna esse matizado compreensível e lógico a um exame puramente racional.

5. Todavia, e é tempo de ponderar esse aspecto, o mesmo exame das realidades demonstra como, em concordância ou não com as declarações produzidas, nenhum movimento do tipo integracionista se tem desenvolvido (ou pode verosímilmente desenvolver-se), planificando a vida política ou apenas económica de um país em função de um só pólo de atracção. Nem dato foi tentado alguma vez, nem, se tal houvesse acontecido, «e encontraria nação que aceitasse ficar assim sujeita às consequências resultantes de ser inserta, atada de pés e mãos, em qualquer organização supranacional.
À maior parte dos países tem largos e profundos interesses legítimos exteriores ao espaço económico ou geo-político deste ou daquele esquema de integração. Esses interesses podem resulte, antes de mais, da existência de territórios seus exteriores à área integrada. E, assim, os Países Baixos por exemplo - recebem das Antilhas os produtos petrolíferos, ou seja, uma dos suas grandes riquezas; tal como a Franca se encontra ligada a zonas não europeias acentuadamente dispersas (pensemos na Nova Caledónia e nos arquipélagos do Indico ou da Oceânia) e não mostra desejo de abdicar deles ou dos outros departamentos ultramarinos, um dos quais, por sinal bem pequeno, lhe dá o direito de pescar nos bancos da Teima Nova.
Muitas mais razões, além do território, podem determinar especialismos de atitude/ora- do espaço a integrar: recordem-se, ainda como exemplos (e sem sair do Mercado Comum), os movimentos emigratórios italianos para a África, para a América Latina ou para o Próximo Oriente; ou os investimentos de capital em países em via de desenvolvimento, realizados pela Bélgica (na República do Zaire e em outros países) e sobretudo pela Alemanha. E que dizer agora, depois da entrada da Inglaterra na antiga «Europa dos Seis», apesar do desmantelamento do seu império (todavia, e na Europa, Gibraltar é ainda uma colónia) e da cláusula de preferência imperial? Ou imaginar-se-á que algum país escandinávico, na «Europa dos Nove», abdicará dos seus esquemas regionais de integração ou subintegração?
O mundo contemporâneo já inventou formas de actuação externa adequadas aos tempos que correm. O passado conheceu os protectorados, os países vassalos, os tratados desiguais, o colonialismo do século XIX. São situações jurídicas ou de facto que desapareceram ou estão em declínio. Contudo, não se conclua depressa de mais que a igualdade efectiva dos- estados e a inexistência de predomínio de uns sobre outros constituem uma realidade adquirida. Cirande parte dos governos recém-independentes não se encontra em condições de se dirigir com autonomia real, nem tem meios materiais para isso - e as grandes no-

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tências sabem-no muito bem: desconhecê-lo, iria não só contra factos patentes como também contra os seus interesses, oficiais ou particulares. Por isso, actuam agora métodos móis subtis de neocolonialismo ou de colonialismo económico. E basta ler quanto se escreve no Terceiro Mundo, ou acerca dele, para verificar como este reconhece ser ilusória, tantas vezes, a independência política formalmente outorgada pela descolonizarão. - Seja ou não como vai dito, incontrovertível é que a capacidade criadora e as possibilidades de acção da Europa Ocidental se não esgotam no seu território. E os países integrados estão perfeitamente documentados sobre o assunto: nos aspectos que estes julgaram essenciais, não se nota portanto que, em termos sensíveis, haja diminuído multo a acção extra-europeia realizada pelos membros do Mercado Comum. Apenas, enquanto alguns a mantiveram semelhante,, outros procuraram novas modalidades para ela. E isto desfaz as nuvens de poeira com que se especula, doado a entender que, integrando-se, os países europeus abdicaram da sua presença no exterior. Por quanto se pode observar, nenhum (procedeu assim; e, por uma forma ou por outra, todos mantiveram o pólo de atracção afro-asiático ou latino-americano nos comandos da sua política e apesar da integração.
À uma luz objectiva, tis fórmulas supranacionais podem, pois, respeitar a uma área geográfica vasta, economicamente ampla e politicamente importante. Mas toda a integração é sempre especifica e, em certo sentido, excepcional. Restringe-se a âmbitos concretos, certos e determinados. E não impede que um paus membro ou associado continue a sénior a influência de diversos movimentos integratórios. O equilíbrio global realiza-o o governo interessado, porque a cada pólo desta índole corresponde uma lomba ide atracção; e, como a influência de qualquer delas, em negra, mão coincide com a dos outras, é provável (e desejável) conseguir assim que os arranjos secundários de forças anulem ou diminuam o risco das exclusividades perigosas ou das influências susceptíveis de se tornarem demasiado dominantes.
Por outras palavras: os fenómenos de integração, nas suas diversas modalidades, não soo totais nem sequer unitários. E os países tendem a realizar a integração não em linha simples mas em linhas múltiplas, para melhor poderem corresponder aos seus diferentes interesses nacionais e aproveitarem mais facilmente - sem prejuízos escusados as vantagens da supranacionalidade para realizar o bem comum, dentro dos limites dessa realização. Decerto os extremistas, sobretudo do federalismo europeu, não apreciam esta linguagem. Porém, os factos são o que são. E olhá-los com serenidade tem até a vantagem de evitar excessos de alarme, quando porventura pudessem existir razões para o haver.

6. Seria preciso desconhecer os condições de jacto da vida portuguesa para negar, a priori, qualquer fundamento aos reparos formulados à associação de Portugal a Europa pelos adeptos de uma política exclusiva ou quase exclusiva de quadro nacional e predomínio de entendimentos bilaterais ou multilaterais de simples carácter internacional.
A vocação histórica do País tradicionalmente nos mantém afastados dos problemas do continente. Portugal está virado ao mar oceano; prolonga-se, através dele, até ao seu vastíssimo ultramar; em função dos ligações marítimas alicerçou a aliança com a Inglaterra e por elas contacta com o seu grande irmão da América do Sul. Voltá-lo para a Europa significa inverter-lhe as linhas normais de convívio, com benefícios dificilmente previsíveis nos esquemas clássicos da economia. Traduz-se em aproximá-lo de nações e problemas aos quais sempre foi estranho; e, dada a fragilidade das estruturas em industrialização incipiente, bem pode redundar em fazê-lo repetir o erro da fábula em que chocaram o ferro e o barro, com certeza por este ultimo ainda ignorar o que lhe iria acontecer. De tal modo assim é que, mesmo em relação à Associação Europeia de Comércio Livre, a convenção de Estocolmo careceu de estabelecer, no anexo G, um certo número de disposições específicas para o nosso país; e, apesar de tudo, é na E. F. T. A. que Portugal pode encontrar situações mais semelhantes.
Mas este seria apenas um aspecto da realidade. Que pensar então das consequências do integracionismo em relação ao ultramar, na altura das grandes decisões e da opções fundamentais? - A Câmara reconhece a importância política destas razões e o sincero patriotismo que as inspiro. Por isso as examinará com atenção particular.
Sob o ponto de vista sociológico, uma nação é um agregado de pessoas que, tendo a uni-las um passado e um conjunto de identidades menus e materiais, querem viver em comum, e em comum participar do destino do agregado que constituem. E, pois, um acto colectivo de vontade, desenvolvendo-se entre factos favoráveis. No período de formação - que tantos países do Terceiro Mundo estão agora a percorrer - são importantíssimas os afinidades físicas, os influências do ambiente e as condições políticas; é relevante a intervenção dos chefes; e útil a ligação de todos estes elementos, convergindo para um mesmo fim. Contudo, se os homens não tiverem a vontade de conservar e desenvolver os laços de identidade, unindo-os, pode haver tentativas nacionais, mas o mais provável é não vir a haver nação e, tempos volvidos, tudo regressar à situação anterior. Por isso aos estados recém-constituidos se confia a missão de criar as nações inexistentes antes deles: a eles cabe a tarefa de dar corpo a um querer colectivo, sem o qual não subsistem as nações.
Certo positivismo quis olhá-las como factos, materiais e causados. Esqueceu-se de que, por fortes que sejam as solicitações do meio, o homem - em casos destes - pode vencê-las e traçar para si próprio um caminho diferente. No plano colectivo, nem outra é a lição de Israel ou da Polónia; como nem coisa diversa significam, no plano individual, as naturalizações, como norte ou sul-americanos, de emigrantes provindos da Alemanha nacional-socialista, dos estados satélites e de tantos mais.
A nação é, pois, um «modelo» axiológico, para o qual se tende por factos naturais, mas que se aceita ou rejeita por um acto de vontade. É mantém-se porque - passe o lugar:- comum, nela se gera um principio de continuidade espiritual ligando o túmulo dos pais aos berços dos filhos. A ancestralidade é para as nações o que a hereditariedade é para os homens; e uma e a outra se criticam pela razão e se corrigem pela vontade.
Uma acção centrípeta mantém cada nação no equilíbrio dinâmico das suas forcas próprias, e não como fenómeno gregário de homens com outros homens, em simples
resultado da coexistência física de indivíduos em determinada região. A vontade de viver em comum constitui o seu cimento; o tempo vai definindo as características de coda uma, e gera-lhe, para conseguinte, as correspondentes tradições. Elos a fazem permanecer e lhe asseguram, com o decorrer dos séculos - e por estranho paradoxo cada vez maior firmeza e duração.
Isto não quer dizer que, por vezes, certas linhas de força centrífuga não possam também produzir, e tenham aliás ocasionado, efeitos semelhantes, para reforço daquele equilíbrio dinâmico.

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À tradição, porém, nunca foi um elemento anquilosante: constitui apenas um elemento estabilizador. E se a nação representa, de facto - como objectivamente sucede entre nós, após oito séculos de história -, uma realidade colectiva profundamente arreigada na consciência dos Portugueses, mal se compreende que dela descreia quem nela funda o pensamento político. Dificilmente se pode apontar com seriedade o risco de Portugal se diluir na Europa, ou na Península Ibérica, ou na Comunidade Atlântica, pelo facto de se estabelecerem certos tipos de colaboração com outros povos, quando nem nos países mais recentes e menos unitários (como, objectivamente, é o caso da Bélgica) a integração europeia, no escalão mais elevado, originou perigos de tomo para a realidade nacional. Se eles existem nesses países, já existiam antes do Mercado Comum. E a nação, traduzindo-se numa estrutura transtemporal, constitui, bem vistas as coisas, a força que traça os limites de qualquer associação ou integração: diz-nos quando não deve ir-se mais longe e, se porventura se teima em fazê-lo, faz fracassar a tentativa de ignorar o seu poder.
As províncias ultramarinas portuguesas são parcelas de um pais real e sinceramente multicontinental e multirracial, por herança do passado, por vocação histórica, por vontade colectiva - consciente e livre - de permanecei- assim. Associarem-se aos espaços com os quais tenham afinidades geográficas ou geo-económicas aumentar-lhes-á a prosperidade possível, sem lhes diminuir a coesão: se tal acontecesse, seria em outros aspectos que deveríamos ir buscar os motivos de enfraquecimento da decisão da grei. Ou então, na prática, estaríamos descrentes de que «ser português» é ter uma atitude perante os problemas, e não é simplesmente um facto ...
Com oitocentos anos na Europa e vários séculos na África ou ma Ásia, Portugal não deve sentar-se em causa, em qualquer aspecto essencial, por efeito de simples acordas visando melhorias aã realização do bem comum. Pensar o contrario significa ter dúvidas sobre a solidez da nação e da sócio-cultura que lhe é peculiar, desde a diferenciação cultural, na pré-história, da orla atlântica da meseta relativamente ao resto do território ibérico. E esquecer os lições dos tempos passados e dos actuais achar que qualquer coisa pode pôr em risco a nação, tão frágil afinal ela é. E, para mais, de que se trata, em concreto? O trotado de Roma prevê tares formas de ligação a C. E E.: pela adesão, um pois europeu (pois só estes podem aderir) passa a fazer porte da Comunidade, com estatuto igual ao dos restantes membros; pela associação, fica em situação intermédia, variável conforme as circunstâncias do coso; pelo acordo comercial, o entendimento restringe-se a troca de mercadorias e, em especial, de produtos industriais. Embora com abertura quanto às outras (como veremos), Portugal e a C. E. E. escolheram esta última modalidade, tal como, por exemplo, Israel, o Líbano, o Irão e a Argentina. - Haverá ainda quem possa ver nela um risco para a integridade do País?
Pôr o problema em torno de uma opção entre a Europa e o ultramar seria sempre um «equívoco susceptível de criar um falso dilema», como disse o Sr. Presidente do Conselho na alocução de 14 de Novembro último: nem se compreende a razão de aquela excluir este último, nem algo foi estabelecido ou solicitado nesse sentido, em virtude das negociações com o Mercado Comum.
Os entendimentos com a Comunidade Económica Europeia ou com outra qualquer região organizada ou integrada são vantajosos para o País como um todo, embora, em cada caso concreto, só alguma ou algumas das suas parcelas sejam beneficiadas directamente. Angola dificilmente
poderá desenvolver-se no melhor sentido se ignorar o Brasil e a América do Sul; e Moçambique está virado ao Oriente, com todos as consequências patentes a quem visite a província, sem que por esse facto o seu portuguesismo fique a ser menor. (Aliás, e apesar dos riscos que também podem ter, alguém pensou alguma vez em interromper os laços económicos e «migratórios que - com, vantagem reciproca - ligam Moçambique à África do Sul? Em casos destes, ter em conta esses riscos é por si só suficiente para os anular.)
E por último, negociar um entendimento com uma comunidade - repete-se - nem leva a desconhecer, nem impede a integração em Unhas múltiplas atrás referida, inevitável em países como o nosso (ou como a Inglaterra), onde convergem e advertem os consequências de vários pólos de atracção política ou económica. Porém, as conciliações desta índole são linguagem comum em qualquer política de integração; e nem sempre se pode chegar, logo de início, a um equilíbrio definitivo: a «Europa dos Nove» estava poro ser «dos Dez» ...
Todos os países têm dificuldades específicas de ajustamento aos movimentos supranacionais. O caso português não é único; apenas o "vivemos mais directamente, como é natural. Contudo, bem será não esquecer a sabedoria do provérbio recomendando que se tome o comboio ... na estacão ou o mais perto possível dela. Depois, vai com velocidade demais.

7. E em termos puramente económicos convir-nos-á ligar a metrópole portuguesa ao Mercado Comum? - Vejamos rapidamente como a situação se podia equacionar em 1970, isto é, na data em que decidimos renovar o nosso pedido de ligação.
É sempre complicado escolher o critério para raciocinar num plano assim complexo: uma visão totalmente globalizada dos fenómenos económicos é dificilmente atingível, e nunca o pode ser por uma só via; e a óptica do desenvolvimento, aspecto essencial para um país como o nosso, está em condições semelhantes. Por isso, e pela vantagem de optar por um critério de fácil apreciação, preferiu-se - dada a natureza dos acordos - optar pelo exame das condições do País ao prisma das trocas comerciais e, mais directamente, da evolução factual ou previsível das nossas exportações, sem que se pense, como ó óbvio, que este aspecto, por si só, seria bastante para nele se fundar uma decisão de tão grande alcance.
Todavia, directa ou indirectamente a economia da metrópole depende em muito do nível das exportações. Na verdade, a pequenez do mercado interno (menos de 25 por cento do da Suíça, mesmo incluindo as vendas para o ultramar) é um dado de facto, confirmado pelo exemplo estrangeiro: com maior consumo próprio do que nós, a 'Suécia e a Dinamarca recebem dessa origem 20 por cento do produto nacional, contra 40 por cento da Bélgica ou nos Países Baixos. E a percentagem total portuguesa, em 1968, foi de 25,8 por cento, abrangendo mercadorias e serviços, contra 21,9 por cento em 1958.
E isto ainda mais patente quando se olha o aumento do desnível da balança comercial metropolitana: em 1969, o déficit foi superior a lá milhões de contos (mais do dobro do que havia sido dez anos antes), apesar de, entretanto, as exportações terem aumentado por forma bastante sensível e satisfatória. Ora mão será prudente conter indefinidamente com o turismo, os remessas dos emigrantes e as entrados de capitais. Uma grande necessidade do Pais é portanto exportar, até por não ser fácil manter um surto de industrialização apenas para substituir as importações: numa produção reduzida, o custo é sempre elevado.

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A importância proporcional das nossas indústrias exportadoras não tem cessado, de crescer. O melhor ritmo de certos sectores (como os testeis e o vestuário) têm fundamentalmente origem no aumento de vendes para o estrangeiro; e o exame dos novos fabricos, na década de 1955-1965 e depois disso, revela o predomínio dos que se dedicam à exportação. - Mas, se a metrópole carece de exportar, para onde o faz?
Também aqui não é difícil responder, comparando, por exemplo, a repartição geográfica das vendas internacionais de 1958 e 1968. Na verdade, exportámos para o estrangeiro, em 1958, cerca de 72,6 por cento do total e para o ultramar, 27,4 por cento; apesar dos esforços feitos, esta última percentagem baixou para 26,9 por cento dez anos depois, enquanto a primeira subiu para 73,1 por cento. E, em 1968, para a E. F. T. A. e a C. E. E. encaminharam-se mais do 47 por cento dos nossas exportações.
Á conclusão começa, pois, a impor-se: se Portugal se deixar ficar isolado em relação às áreas integradas da Europa, melhor será não pensar num aumento de exportações. E, sem ele, como há-de enfrentar-se o inevitável acréscimo de importações -, sem o qual não podem ter execução o Plano de Fomento em canso e o que se lhe seguir?
O exame da evolução da taxa de aumento das exportações metropolitanas contraprova quanto se disse. De 1954-1955 a 1959-1960 a taxa anual média de aumento, em relação à área da E. F. T. A., foi inferior a 1 por cento; de 1959-1960 a 1967-1968, atingiu 16,4 por cento; enquanto, em relação & C. E. E. - à qual éramos alheios -, o acréscimo foi «penas de 8,7 por cento para 7,2. E não parece que, corrigindo estes números em atenção à diversidade de comportamento interno dos preços nacionais ou do valor externo das moedas, se possa chegar a resultados muito diferentes, tão expressivos estes são.
Por isso, não admira que nos trabalhos elaborados em 1970 pela comissão de estudo sobre a integração económica europeia se haja chegado à conclusão de que, sob o ponto de vista macroeconómico, haveria vantagem em ligar Portugal à C. E. E.
O mesmo se conclui, por seu turno, da balança de pagamentos internacionais da zona do escudo em 1971.
Na verdade, a estrutura da balança geral mostra claramente a importância do conjunto das operações com a C. E. E., em especial no que respeita à economia metropolitana. E, quando se considera a Comunidade alargada pela entrada do Reino Unido, a importância toma-se ainda mais significativa.
Pêlos elementos do quadro seguinte verifica-se, nomeadamente:

a) Quanto à balança de mercadorias da metrópole: no total das importações (42,3 milhões de contos), a parte da Comunidade alargada atinge 22,9 milhões, enquanto nas exportações, que somam 28,8 milhões, a representação da mesma Comunidade é pouco inferior a 12,5 milhões;
b) Nas receitas por «invisíveis correntes», cujo montante global para a metrópole ultrapassa 84,5 milhões de contos -, e em que sobressaem as contribuições de «Turismo» e de «Transferências privadas», 19,4 milhões correspondem a C. E. E.;
c) Na balança de capitais da metrópole, a médio e a longo prazos, as importações de capitais da Comunidade somam cerca de 4 milhões de contos, em relação a um total de 6,8 milhões.
Por último, é ainda de notar que, do excedente da balança geral de pagamentos da zona do escudo (8252 milhões de escudos), um pouco mais de metade se reflectiu nas disponibilidades em moedas dos países da C. E. E.

Balança de pagamentos internacionais da zona do escudo em 1971 (a) (Em milhões de escudos)

(Ver quadro na imagem).

2 As percentagens são calculadas sobre o valor das importações e exportações.

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(Ver quadro na imagem).

(a) Valores revistos.
(b) Origem: Movimentos e saldos determinados pelos serviços do Banco de Portugal.

8. E o ultramar? À margem de aspectos emocionais, que legitimamente aqui se podem desenvolver, o resultado do exame objectivo dos factos não afasta a mesma conclusão.
A taxa anual de crescimento das importações da E. F. T. A., em relação às províncias ultramarinas, foi de 12,2 por cento, no período de 11959-11960 a 1967-11968; e a mesma taxa, relativamente aos restantes países e territórios da África tropical, foi apenas de 8,2 por cento. Quanto & C. E. E., a diferença também foi sensível: a taxa subiu 9 por cento, contra 5 por cento em relação aos outros países e menos de 6 por cento quanto aos que se encontram associados à própria Comunidade. E disto resulta, não já uma certeza, mas uma tendência para pensar que, comparativamente à metrópole, e exportações ultramarinas têm sido muito menos afectadas pela organização dos espaços integrados europeus.
O estudo discriminado das exportações revela os motivos do sucedido: 25 por cento dais exportações para a C. E. E. e 75 por cento das exportações para a E. F. T. A. correspondem a produtos isentos pela Pauta Exterior Comum; e poucos pagam direitos superiores a 10 por demito. Por isso mesmo a Convenção de Yaundé, pela qual vários territórios de África se associaram à C. E. E., teve efeitos menos sensíveis do que se espetava, pois 61 por cento das exportações africanas correspondiam a produtos que já não sofriam quaisquer direitos paia entoar nos países do Mercado Comum.
O exame destes problemas em pormenor ficaria aqui deslocado e, em principio, melhor caberia na apreciação na especialidade. Mas; como é aí impossível (visto os acordos não abrangerem os produtos ultramarinos), far-se-ão acerca deles algumas breves anotações.
Se exceptuarmos o vestuário - onde o problema pode de certa maneira comparar-se à metrópole -, os produtos ultramarinos com direitos mais elevados são fundamentalmente três: o café, o chá e o cacau. Por outro lado, entre as exportações previsíveis num futuro próximo, incluem-se:

a) As matérias-primas. Em relação a estas, não existem, em regra, barreiras alfandegárias significativas.

b) Os produtos agrícolas. Estes, se concorrem com os da C. E. E. 5, só poderiam receber facilidades comerciais no caso de se sujeitarem a prévia harmonização da política agrícola com os países da Comunidade, o que será difícil nos anos mais próximos. Se não concorrem serão, praticamente, apenas as bananas e o caju".
c) Os produtos manufacturado». Na fase actual, a industrialização - salvo quanto a Macau - ainda está virada para o mercado interno. E, nos casos visando utilizar mão-de-obra barata, começam agora actividades que só recentemente, e após muitos esforços, a metrópole principiou a poder utilizar nas exportações.

Quer dizer: dadas as condições actuais e previsíveis para os próximos tempos, não parece que os prejuízos.

No primeiro caso, há riscos de prejuízo; no segundo, a C. E. E. quase nada importa dos outros territórios africanos e não existe qualquer efeito discriminatório que nos possa verosimilmente atingir; no terceiro, a diferença pautal é de 5,4 e deve baixar pana 4 por cento, nos termos previsíveis quanto a segunda Convenção de Youndé.
4 Minério de ferro, diamantes, fosfatas, ramos petrolíferas, algodão, copra.
Bovinos, milho, arroz e também as pescas.
No primeiro caso, haverá talvez prejuízo. No segundo, será muito menor, pois o principal concorrente - a Índia - não é nem será da C. E. E.
Têxteis, vestuário, material electrónico.

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em consequência da ausência das províncias ultramarinas sejam significativos. E, se a ligação destas & C. E. E. também tivesse lugar, seria indispensável fazer concessões e até sujeitar alguns dos produtos ao regime dos «produtos sensíveis».
Em termos concretos, e admitindo que as eventuais objecções políticas pudessem ser afastadas, seria uma negociação extremamente difícil para resultados muito pouco expressivos. A situação do ultramar, em termos de macroeconomia, carece ainda de formas de actuação que precedem, lógica e cronologicamente, as grandes integrações europeias e que melhor se realizam dentro do «grande espaço» português e de sistemas bilaterais de entendimentos. Os países que assinaram os convenções de Yaundé ou de Arusha não têm hoje uma metrópole em que se apoiem. Aliás, só também a metrópole portuguesa está abrangida pela E. F. T. A. E o problema, no momento presente, perdeu praticamente acuidade em resultado do sistema de preferências generalizadas, agora estabelecido pela C. E. E. Quer dizer: graças a ele, o ultramar pode beneficiar da ligação da metrópole à Comunidade sem nada ter tido que dar em compensação.
Por outro lado, não há obstáculo constitucional ou outro que juridicamente impeça a celebração destes acordos. Deles não resultaria, para o ultramar (e isso se verifica pela análise das convenções com países africanos), qualquer melhoria de situação, em matéria de auxílio europeu. E, por último, a ligação da metrópole ao Mercado Comum, nos termos em que foi feita, não atinge a nossa possibilidade de colaborar com as províncias de África em apoio humano, financeiro ou técnico. Talvez mesmo a reforce, na medida em que aumentar a nossa própria capacidade de acção no plano económico.

9. Uma política de integração em linhas múltiplas parece ser portanto o caminho melhor para o nosso país. Em rigor, melhor se diria «uma política de tendência para integração em linhas múltiplas», pois, em muitos casos, não se trata sequer, nesta fase, de uma verdadeira integração. E quais seriam os pólos principais dessa política?

a) Em primeiro lugar, afirma-se a necessidade de realizar um espaço português integrado, ou seja um «grande espaço» nacional. Ninguém duvidará da sua primeira prioridade. Poderá lamentar-se o atraso e de desejar é que nada se faça susceptível de prejudicar ou demorar essa realização. Todavia, não podem desconhecer-se os dados de facto e os limites que estes impõem aos desejos de cada um. E atrasar benefícios concretos e ao nosso alcance em nome de aleatórios resultados longínquos, quando situados no domínio dos hipóteses ou no plano das aspirações políticas, em campos imperfeitamente conhecidos ou onde os fracassos já tiveram lugar, é ficar surdo aos problemas dos homens em concreto e significa desconhecer, na pratica, a instante necessidade e urgência de levar a efeito a promoção sócio-económica e sócio-cultural do país. Actue-se, pois, e sem perdas de tempo, nos campos onde a integração do nosso espaço seja possível e rentável. Estudem-se depressa todas os possibilidades ainda por explorar. Mas actue-se e estude-se sem romantismos, para se não cair num erro de raiz idealista, sempre caro de pagar. E atendam-se, em especial, aos problemas emergentes, para estruturas económicas e sociais ainda débeis, em consequência de terem de ocorrer à vasta diversificação resultante da existência simultânea de diversas linhas de acção, no interior e fora do espaço nacional.
b) Depois, e embora com características diferentes (a integração, aqui, é sobretudo ao nível empresarial, embora possa realizar-se também no prosseguimento de tarefas comuns, desde a promoção comercial à pesquisa científica ou tecnológica), Portugal e a Espanha pertencem a um espaço peninsular, tal como Portugal e o Brasil correspondem a uma comunidade de âmbito muito vasto, onde os problemas económicos terão lugar cada vez maior. E ambos estes espaços se integram na área hispano-luso-americana, de enormes potencialidades - e carências ainda maiores.
Neste campo, fala-se muito na necessidade salutar de agir, e só há vantagem nisso. Mas façamo-lo também sem romantismos, que os estatísticas económicas não consentem. Devemos esforçar-nos quanto possível para ampliar as trocas comerciais com o Brasil. Porém, que significam estas, na realidade, para os dois países? Números insignificantes, que devemos -e certamente podemos - aumentar. Contudo, (por mais esforços que façamos, não se alterará a curto prazo o sinal da conjuntura. Nem outra é a lição alheia, de que se citarão dois casos politicamente bem afastados um do outro. Na verdade, a Espanha tem efectuado um grande esforço de ampliação do seu comércio com a América Latina e com o mundo árabe. Pois ainda não conseguiu que, em conjunto, eles e grande coisa: no total: segundo ao C. D. E., em 1971 colocou em África 5,4 por cento, na América Latina 12 por cento, no Médio e Extremo Oriente 3 por cento e nos países comunistas 2,2 por cento das suas exportações, contra 77,4 por cento nos países desenvolvidos do Ocidente. E que dizer da Jugoslávia? E importante o seu trabalho, facilitado pela orientação especial do seu comunismo e pela concessão de créditos a longo prazo, que andavam por 600 milhões de dólares em fins de 1966, emprestados a juro não superior a 3 por cento. Pois, mesmo assim, enfare 1960 e 1966 as exportações para África baixaram de 6 para 4,6 por cento e para a América do Sul de 1,6 para 0,7 por cento, enquanto as importações, no primeiro caso, também baixaram de 6,3 para 8,3 por cento e, no segundo, de 1,7 para 1,2 por cento ...
c) Por último, não podemos esquecer o espaço europeu: consultor a lista dos nossos mercados exportadores ou importadores chamar-nos-ia à realidade, se dela nos quiséssemos afastar.
10. Dentro destas linhas concretas devemos pôr de pé os possíveis ajustamentos de interesses e proteger os nossos valores essenciais. Aliás, nem só na actualidade e pela integração estes podem ser postos em causa (e até em risco): basta lembrarmo-nos de um acordo bilateral, o tratado de Methwen, para o verificar.
A política se deve pedir o ajustamento, numa escala racional e prioritária, dos diversos planos de desenvolvimento económico, cada um dirigido para finalidades específicas no espaço correspondente, e a adequada inserção desses planos nos esquemas gerais do país. Mas convirá ter presente que cada vez mais o movimento de brocas comerciais se processa, entre coda vez mais países, independentemente das ideologias respectivas, quando os seus governantes olham, em primeiro lugar, ao nível de vida das populações por que respondem.
Portugal é uma nação estabilizada por um passado unitário multissecular; chamado por várias linhas de atracção, e não apenas por uma só; podendo por conseguinte movimentar-se, entre elos, conforme mais adequado a si próprio e aos outros; e não precisando de optar, pelo

Elementos publicadas no Guia da Jugoslávia da autoria de Mirko Saudelic e outros, edição do Secretariado de Informação do Conselho Executivo Federal, tradução francesa, pp. 201 e 202.

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menos neste momento, pela entrada ou não entrada em qualquer integração supranacional. Em verdade, os acordos sujeitos a parecer da Câmara são tratados comerciais entre o nosso país e a C. E. E. ou entre o nosso país e o pool negro. Aparentemente,- são tratados comerciais como os outros, embora com a especialidade de terem sido negociados com organizações supranacionais, e não com países ou grupos de países. Abrem decerto (ou podem decerto abrir) um caminho novo, e esse caminho pode vir a conduzir a entendimentos mais amplos com aquelas organizações. Mas, por ora, isso não está em causa. Se o quisermos, pode mesmo nunca estar. E por isso se disse - e se repete - quanto é vantajoso examiná-los à margem dos reacções emocionais que tem provocado e andam claramente fora da boa razão.
Admitamos, porém, e por mera hipótese, que destes acordos resultava uma qualquer forma de supranacionalidade. Mesmo assim, as diversidades de estrutura sócio-económica e sócio-cultural do País automaticamente lhe traçariam os limites. Integrar quer dizer «integrar quanto seja integrável». Portanto, apenas os sectores susceptíveis de se poderem adiantar ou resolver nessa base, sem quebra de outros valores essenciais. Nem consta que a França haja ficado menos ligada aos departamentos ultramarinos por causa do Mercado Comum; ou que o regionalismo italiano haja nascido da Comunidade Económica Europeia e lhe tenha pedido qualquer auxílio ou protecção.

11. Teria sido fácil a Câmara Corporativa, perante os documentos que lhe foram sujeitos, tomar uma de duas atitudes: ou considerá-los simples tratados comerciais, e examiná-los como tais; ou, a pretexto deles, fazer uma longa e pormenorizada exposição sobre o Mercado Comum e a E. F. T. A., para a qual bastaria recorrer a um número reduzido das inúmeras publicações que uma e outra organização tem originado.
No primeiro caso, porém, dar-se-ia predomínio à forma jurídica sobre um importante significado emergente dos dois acordos. E poderia parecer que, por uma simples habilidade, se procurava disfarçar ou ocultar o seu alcance potencial. No outro caso, não se adiantaria muito, pois tonto se tem dito e escrito sobre o assunto, aqui e no estrangeiro, que qualquer pessoa medianamente informada sabe, ou pode saber sem dificuldade, a origem e como têm funcionado a Comunidade ou a Associação.
Preferiu-se por isso um terceiro caminho: equacionar os problemas que, por causa ou a pretexto destes acordos, tem levantado «dúvidas» na opinião pública, ou em parte dela, conforme o Sr. Presidente do Conselho referiu na citada alocução de 14 de Novembro último. E analisou-se, por conseguinte, o quadro geral em que se inserem, facilitando assim a sua apreciação - e o correspondente juízo de valor - não apenas no plano estrito dos ajustamentos económicos, mas no plano mais vasto das opções políticas nacionais. Embora para mostrar que, de momento, elas não estão em causa, pelo menos dentro do previsível, e só ficarão se o quisermos.
O exame da cronologia dos acontecimentos confirma esta opinião e, se mostra não poder atribuir-se à assinatura dos acordos um sentido demasiado inovador, revela também que se não trata do resultado ocasional de qualquer viragem ou opção. Eles procuram sobretudo remover obstáculos imediatos e objectivamente importantes; e suo uma possibilidade de abrir caminhos à economia portuguesa, se os quisermos e pudermos trilhar. Dos inconvenientes, porque os tem, se falará melhor no exame na especialidade. Deles se não infere, todavia, qualquer
entrega do país ao domínio dos estados superdesenvolvidos da Europa, nem o risco de enfraquecer a integridade nacional, aqui ou no ultramar.
12. Nascido de acordos negociados e assinados em Londres paios governos exilados da Bélgica, doa Países Baixos e do Luxemburgo, o Benelux foi a primeira organização integrada que o pós-guerra conheceu. Data de 1044, embora só haja sido concretizado em 1948 e transformado em união económica dez anos mais tarde.
Na integração económica da Europa livre começou a trabalhar-se depois de 1949, isto é, após a Organização Europeia de Cooperação Económica (O. E. C. E.), anos volvidos transformada na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (Ò. G. D. E.), embora com outro carácter, por terem passado a ser seus membros no só os Estados Unidos e o Canadá como também o Japão. Mas o sistema só realmente principiou «m 1952, quando teve início de execução o tratado de Paris, assinado entre a Franca, a Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo, a Alemanha e a Itália em 18 de Abril de 1951: assim nasceu o pool negro, ou seja, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (C. E. C. A.).
A ampliação do sistema efectuou-se pelos tratados subscritos, em Roma, no dia 25 de Março de 1957. Não por serem outros os países, mas por se haverem criado por eles a Comunidade Económica Europeia e o Euratom, ou seja, a Comunidade Europeia de Energia Nuclear. E, tal como a G. E. C. A., ambas têm acentuado carácter supranacional.
Funcionam desde 1958 e, muito ambiciosas nos propósitos, logo registaram resultados sensíveis, rapidamente acentuados depois. Sem embargo das crises, que não poderiam deixar de sofrer, constituem uma realidade tão forte que não será fácil pensar - apenas catorze anos após se terem constituído - poderem os países interessados regressar ao estatuto anterior sem perturbações gravíssimas para as respectivas economias e quebra muito sensível do nível de vida das populações.
Data de Janeiro de 1972, e após as conhecidas vicissitudes resultantes para o Reino Unido da oposição francesa, a implicação da C. E. E., pela adesão, então projectada, de mais quatros países: Inglaterra, Irlanda, Dinamarca e Noruega. Como este último não ratificou o tratado, a Europa dos Seis' poderá apenas passar a ser dos Nove. Em qualquer caso, porém, com importantes consequências para a outra organização que se constituiu na Europa em 1960, primeiro entre sete países - Reino Unido, Portugal, Suíça, Áustria, Dinamarca, Noruega e Suécia - depois entre oito (pela adesão da Islândia) e com um Estado associado, a Finlândia. Trata-se da Associação Europeia de Comércio Livre, a E. F. T. A., nascida da convenção de Estocolmo, e cujo órgão móis categorizado - o conselho ministerial - se não afasta, apesar da ampla capacidade de decisão, da competência habitual dos organismos internacionais.
Por isso os objectivos da convenção de Estocolmo, definidos especialmente no artigo 2.º, são limitados em comparação com os da C. E. E., tal como constam sobretudo dos artigos 2.º e 5.º do tratado de Roma. A Comunidade tem órgãos móis poderosos do que a E. F. T. A.: ao conselho ministerial e à comissão acrescem uma assembleia e um tribunal. Sem dúvida nela se registou um recuo em relação ao tratado de Paris, pois os propósitos políticos de realizar uma Europa unida sob instituições supranacionais, embora reafirmados, são deixados no vago, frente ao federalismo apressado de 1951. E a lei da proporcionalidade inversa a funcionar: alargo-se o âmbito, geo-

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gráfico ou jurídico, de uma organização integrada, logo diminuem ou se tornam mais imprecisas as obrigações de integração. Todavia, o antigo 8.º do tratado de Roma é ainda assim bastante concreto ao fixar a obrigação de se definirem políticas comuns, não deixando sequer de incluir a agricultura entre os sectores onde essa definição deve ter lugar.
Quer dizer: em linhas gerais, a E. F. T. A. corresponde a um esquema de integração de predominância livre-cambista e nítido carácter comercial (embora algo desconforme aos conceitos das escolas liberais), sem limitações sensíveis da soberania dos Estados membros; enquanto a C. E. E., de acentuada natureza institucional, procura fundir os mercados dos países nele incluídos por meio de uma contínua acção intervencionista dos Governos, supletiva - e - até corretora - do jogo das leis da oferta e da procura. E isto para objectivos políticos que, pouco a pouco, vão permitindo passar de uma simples zona de comercio livre para uma união alfandegária, desta para um mercado comum (onde a situação anterior se junta ó livre movimento dos factores produtivos - o capital e o trabalho), e depois para a união económica e a integração económica total. Esta última significará uma só política monetária, fiscal, social e de desenvolvimento, bem como órgãos da comando com poderes suficientes paira preparar e executar tal política. Mas desse estádio se está longíssimo, mesmo nas propostas mais ousadias até agora submetidas a decisão do Mercado Comum.
Os factos expostos são conhecidos e triviais. Deviam, contudo, ser recordados, para melhor se compreender a situação actual.

13. Efectivamente, a retirada de dois países da E. F. T. A. - e a circunstância de um deles ser a Grã-Bretanha - tem evidentes consequências para a Associação. Esta nasceu para estabelecer uma zona de comércio livre, capaz de não deixar isolados perante o Mercado Comum os países europeus que não subscreveram os tratados de Paris e de Roma. E o novo escalão da integração económica do continente, há muito tempo previsto e só não concretizado por motivos notórios (como a divisão da opinião pública britânica e a orientação seguida pelo presidente De Gaulle), tem consequências tão sérias que mau seria desconhecê-las, pelo que respeitam a Portugal.
Na verdade, a participação global da C. E. E. no comércio internacional deve ser superior a um terço («cerca de 40 por cento», segundo previsto na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1973). E, conforme aí se diz, «a participação do Mercado Comum europeu nas exportações metropolitanas para o estrangeiro, que ultimamente não tem atingido 25 por cento», subirá «para cerca de 55 por cento em consequência da entrada da Grã-Bretanha e dos outros novos membros».
Estes factos não se afastam do que os técnicos económicos vinham dizendo há bastante tempo. Alies, em Novembro de 1970 Portugal apenas voltou a solicitar a negociação de um acordo com a C. E. E. Na verdade, já a tinha pedido em Maio de 1968.
Data de 1961 o início das negociações entre a Grã-Bretanha e o Mercado Comum. E sendo aquele país o principal esteio da E. F. T. A., logo começou a duvidar-se do seu futuro, e os seus membros agiram em conformidade com o que pensaram representar, para cada um deles, a solução mais conveniente: a Dinamarca e a Noruega candidataram-se ao ingresso puro e simples; a Suíça, a Áustria e a Suécia - dado o estatuto de neutralidade dos dois primeiros países e a política «livre de alianças» do terceiro - declararam preferir a associação.
Portugal não fugiu à regra. E em 18 de Maio de 1962 o Ministro de Estado adjunto à Presidência do Conselho (o Presidente do Conselho era então, como se sabe, o prof. Oliveira Salazar) enviou ao Sr. Couve de Murville, presidente do conselho da C. E. E., um pedido de abertura de negociações do seguinte teor:

Lê Gouvernement portugais s'est toujours vive-ment interesse à tous les efforts ayant pour but de .rendre plus étroite la oollaboration entre lês pays qui en Europe, aussi bien que dans d'autres Continente, entendent travailler en commun, tant pour atteindre dês objectifs pratiques sur lê plan économique que pour assurer Ia défense dês príncipes de Ia civilisation occidentale.
C'est pourquoi le Portugal a été un dês membres íondaiteuffl de l'O. E. C. E., ainsi que de 1'0. T. A. N., et qu'il donne à présemt son concours- à 1'ceuvre de l'O. C. D. E.
Suivant la même ligne de pensée et d'oction, tout en ayant particulièrement en vue une coopération aussi intime que possible entre pays européens, lê Qouvcrnemeni portugais désirerait maintenaní participar aux efforts en oours pour êtenãre à dês pays qui ne sont pás signataires du Traiu de Rome, sous 2a forme considdrée Ia plus adéquate, dês benéficos et dês obtigations découlant de co Traité et dês dispositions qui lê complètent.
Dans oet ordre d'idées, j'ai l'honneur de vous pré-senter, au nom du Gouvernement portugais, Ia demande d'ouverture de négociations entre mon pays et la Communauté Ëconomique Europóenne. Cês négociations pourraient avoir lieu au moment que Ia Communauté jugerait lê plus approprié et auraient ipour but d'étaiblir les teimes de Ia ooUaboraMon que mon Gouvernement voudrait voir s'établir, dans un avenir procbain, entre lê Portugal et l'ensemble des pays representes dans le Conseil sous votre présidente.
En vous exprimant Ia confiança de mon Gouvernement dans le résultat de ces négociations, je vous prie d'agréer, Excellence, 1'assuranoe de ma plus haute considération.

A resposta da C. E. E., datada de 19 de Dezembro seguinte, foi em. sentido favorável a abertura das negociações; e chegaram a ser marcadas para Fevereiro de 1963. Entretanto, sobreveio a crise resultante da oposição francesa, em 29 de Janeiro desse ano, e as conversas com a Grã-Bretanha foram interrompidas bruscamente. Em consequência, não chegaram a ter lugar as outras reuniões e, entre elas, as respeitantes a Portugal. Todavia, a nossa atitude não se tomou contrária ao Mercado Comum. E assim, na comunicação aos órgãos de informação feita pelo Ministro de Estado em 19 de Setembro de 1963 lê-se:

Acentuamos que a E. F. T. A. teve sempre como objectivo último um entendimento com o Mercado Comum, e, por isso, neste aspecto, ela não representa uma alternativa a apartir àquele Mercado, mas um instrumento de mais rápida ligação com ele. (Portugal e o Mercado Europeu, edição do S. N. I., p. 70.)
Em Maio de 1967 voltaram a solicitar a adesão à C. E. E. a Grã-Bretanba, a Dinamarca e a Noruega.

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A situação da Áustria era particular, porque, embora arrastadamente, tinham até então continuado os contactos bilaterais iniciados em 1962. E tanto a Suécia como a Suíça, em termos vagos e no segundo caso sem ser por escrito, renovaram a expressão do seu desejo de negociar. Pois também Portugal não procedeu de forma diferente, tendo feito saber ao presidente da Comunidade, em Setembro desse mesmo ano de 1967, e ainda por determinação do Presidente Oliveira Salazar, que o nosso pedido continuava pendente e mantínhamos a esperança de poder ser satisfeito «logo que a evolução da conjuntura político-económica da Europa o consentisse».
O degelo do veto francês começou em Novembro de 1968: o Sr. Debré, segundo parece por motivos específicos do seu país, manifestou-se nessa date favorável à negociação de acordos comerciais com a G. E. E., conjunta ente com arranjos de cooperação nos campos da tecnologia e das patentes. Mas a modalidade que muitos países da E. F. T. Á. então preferiam era decerto o entendimento em conjunto entoe as duas organizações: as dificuldades encontradas pela Espanha no decurso de longos sete anos de conversas não eram de molde a encorajar as soluções em base apenas nacional; nem ela conduzam a grande coisa, no âmbito do Kennedy Round, quando DOS termos admitidos pelas regras do G. A. T. T.
Foi na reunião da Comunidade efectuada na Haia em 1 e 2 de Dezembro de 1969 que a sua atitude se alterou radicalmente, como se verifica sobretudo pelos n.n 4, 13 e 14 da declaração ou comunicado publicado nessa data. E assim, as negociações com Portugal iniciaram-se em 24 de Novembro de 1070, com uma declaração do Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Conselho das Comunidades Europeias, reunido em Bruxelas.
Justificando o nosso interesse pela ligação de Portugal as integrações económicas europeias, o Ministro Bui Patrício disse:

[...] dans le commerce extéríeur portugais, l'Europe Ocaidentale, en general, et la Communauté, en particulier, ocoupent une position d'importance majeure. Effectivement, les exportations du Portugal européen à destination de la Communauté représentent 24 pour cent des exportations totales vers l'abranger, et, pour les importotions, le pourcentage oorrespondant est de 40 pour cent. En plus, si l'on considére l'ensemble des pays des Marché Commum et de l'E. F. T. A., ces pourcentages s'élevent, respectivement, à 72 et à 69 pour cent.

Definida a forma do entendimento a realizar entre Portugal e a C. E. E., foi a nossa posição devidamente esclarecida, sobretudo em memorando de 29 de Março de 1971. E os dois acordos comerciais vieram finalmente a ser resinados, com a Comunidade e com a C. E. C. A., em 22 de Julho de 1972.
Tratava-se, como foi dito, da modalidade de ligação menos estreita ao Mercado Comum e foi também a solução escolhida em relação aos demais países que se não candidataram à adesão directa, embora quanto a alguns deles não fosse fácil caminho diferente, dada a neutralidade ou o tipo de política externa que seguem. Todavia, e pelo que respeita a Portugal, incluíram-se no preâmbulo do acordo duas considerações de particular significado: refere-se o propósito comum de contribuir para a obra da construção europeia e, numa «cláusula evolutiva», admite-se vir a desenvolver e a aprofundar as relações entre a C. E. E. e o nosso pais, «quando, no interesse das respectivas economias, for julgado útil alargá-las a domínios não abrangidos» pelo acordo agora assinado.
 primeira referência tem bastante- expressão, e não figura - por exemplo - no acordo comercial com a Espanha, assim tratada como se fosse um país mediterrânico relacionado com a C. E. E. como o estão, sob essa ou outra forma, Marrocos, Tunísia e Israel. O segundo acolhe favoravelmente os propósitos portugueses de procurar harmonizar pelo menos as estruturas económicas do país com o resto da Europa e, por conseguinte, dá algum carácter programático à primeira ligação à Comunidade.
Por isso se escreveu que os acordos abrem novas possibilidades e caminhos à economia portuguesa. Mas por formas que as partes contratantes podem controlar devidamente: só seguiremos por elas se nós quisermos e os outros quiserem e, no caso afirmativo, quando - nós e eles - o acharmos conveniente. Para mais, pelo artigo 87.º qualquer das partes tem direito a pôr fim ao entendimento agora assinado, devendo apenas notificar a outra com a antecedência de doze meses.

14. Fica de pé, todavia, uma dúvida importante: estes acordos comerciais, úteis embora - a curto prazo - para resolver certos problemas da- nossa economia perante as condições concretas do comércio externo não ignorarão outros interesses relevantes e da mesma natureza, alguns deles mediatos -, alguns deles também para já?
Como todos os ajustamentos, estes sem dúvida sacrificaram muita coisa e muita gente, por critérios que nem sempre é fácil apreciar a posteriori, pois, às vezes, em negociações complexas chega-se a situações em que é indispensável saber transigir (e aceitar prejuízos sectoriais), sob pena de sofrer mais graves consequências negativas de carácter geral. E nenhum país se pode dar ao luxo de não encontrar um qualquer entendimento com os maiores compradores e vendedores dos produtos que precise de adquirir ou colocar.
Contudo, bom será comparar os reparos actuais com os feitos por altura da adesão à E. F. T. A. Em 1959 e 1960, não faltaram vozes autorizadas dizendo das suas preocupações quanto ao esforço que nos seria exigido e perante as consequências fatalmente emergentes, para várias actividades, do nosso ingresso na Associação. Não escasseava autoridade a essas opiniões; e nem todas eram de velhos do Restelo. E apesar disso, dez anos volvidos, é possível verificar que não tinham razão.
As nossas exportações para a área da E. F. T. A., de 1959 a 1969, cresceram à taxa média anual de 18,7 por cento, enquanto para o ultramar subiram à taxa de 10,6 por cento, para a C. E. E., à de 9,2 por cento e para os Estados Unidos à de 9,8 por cento 10. E as nossas importações cresceram & taxa média anual de 13 por cento, enquanto os outros aumentos foram de 12,7 por cento (províncias ultramarinas), 9,8 por cento (Mercado Comum) e 4,9 por cento (Estados Unidos).
Esta é a linguagem dos factos. Por asso, num estudo muito recente pôde afirmar-se que «a participação na

No acordo com a C. E. C. A., subscrito por esta e pelos seus dez actuais Estados membros (Bélgica, Dinamarca, República Federal da Alemanha, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega e Grã-Bretanha), escreveu-se que o referido acanto prosseguia os mesmos objectivos da C. E. E. e traduzia o desejo de se «encontrarem soluções análogas» para o «sector dependente da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço».
10 Em paralelismo com o procedimento anterior, também aqui se optou pelo critério da comparar as exportações, entre os vários possíveis para analisar o problema.

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E. F. T. A. foi [...] um facto dinamizador nas nossas transacções externas». E o próprio secretariado da Associação, «m comentário feito quanto ao ano de 1967, concluiu que da nossa participação resultou um aumento da ordem dos cem milhões de dólares, «em termos do benefício sobre a balança comercial».
Ora a E. F. T. A. não desaparecerá - ou não desaparecerá tão cedo -, e esse ó também o nosso interesse: apesar de diminuída, ainda representa para nós um mercado tão importante como, em conjunto, o dos Estados Unidos e do Canadá. E assim como nos foi possível conseguir estas vantagens (maiores teriam sido se os autoridades e os empresários houvessem actuado mais rápida e decisivamente), não se vá motivo para que o mesmo não aconteça desta vez. Até porque, por um lado, se trata de efectuar ajustamentos e reconversões a que já nos começámos a habituar, e, por outro, porque entretanto adquirimos alguma experiência - e faltava-nos totalmente - quanto a realizações económicas programadas a prazo médio ou a longo prazo.
Impõe-se aproveitar a lição recente e não reincidir nos erros. Nesta tarefa, e olhando os ensinamentos do passado, o poder político e os forças económicas encontrarão, de paute a parte, algo para corrigir. Melhor será que assim procedam e mão percam tempo nem energia acusando-se reciprocamente do que se fez e não se devia ter feito, ou vice-versa. Parque, na verdade, se a ligação às Comunidades por acordos comerciais nos permite resolver certos grandes problemas imediatos, obriga também a medidas urgentes quanto aos sectores depressionados. O que não se afigura irrealizável, pois são aumentos de dificuldades previsíveis desde já e podem, portanto, estudar-se e programar-se, quanto a eles, medidas adequadas de apoio, reorganização e busca de novos mercados ou de novos métodos de comerciar.
Quer dizer: aceitando os acordos, não se compromete o futuro sem esperança de o melhorar (o grande desnível da balança comercial é já uma realidade, antes ainda de os acordos entrarem em vigor); graças a eles, encontram-se algumas soluções globais para o presente; e ganha-se tempo para tomar outras medidos, capazes de garantir um futuro melhor ao país.
Isto pressupõe uma política esclarecida e firme, igualmente querida, e realmente participada, pelo Governo e prelos particulares. E exprimindo ia sua confiança em que tal se Iara (melhor e mais estreitamente do que até agora) que a Câmara Corporativa não julga suficientes, embora is reconheça em parte exactos, os reparos que os sectores prejudicados possam opor a «provação dos dois acordos comerciais.
E cedo ainda para se preverem todas as consequências, directas e indirectas, que poderão advir da nossa ligação a C. E. E. (Quais seroo os seus efeitos, por exemplo, no mercado do trabalho ou no mercado de capitais?) Isso, em grande parte, dependerá do modo como se utilizarem is possibilidades de abrir novas indústrias no território metropolitano. Todavia, e como se diz no n.º 8 do relatório da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1973, «não se crê [...] que pudesse escolher-se outra alternativa. Numa situação de isolamento económico, não haveria viabilidade para a instalação ou desenvolvimento de numerosas indústrias, que só podem conseguir custos aceitáveis quando se atingem escalas de produção e de comercialização incompatíveis com as dimensões do mercado interno. E,, por outro lado, escasseariam os recursos para importar os produtos dessas indústrias, na medida em que o crescimento das exportações nacionais e, consequentemente, o afluxo de divisas seriam seriamente afectados se houvesse que suportar discriminações nos mercados europeus».

15. A face do exposto, a Câmara Corporativa considera que os dois acordos:

a) não originam, sob o ponto de vista político, qualquer risco para a integridade nacional e, deixando aberta a possibilidade de futuros ajustamentos mais estreitos com a C E. E., dão a Portugal garantias suficientes de que se poderá autodeterminar eficaz e eficientemente nessa orientação, caso venha a resolver segui-la;
b) permitem atenuar, a curto prazo e em larga medida, problemas muito sérios- de perda de mercados, pois se não vê como os produtos de origem nacional seriam susceptíveis de arcar com o pagamento de direitos num espaço económico ao qual vendemos 55 por cento das exportações;
c) criando-nos embora varias assimetrias sectoriais acentuadas e importantes, não obstam, todavia, a que consigamos colmatar essas disfunções, ou a maior parte delas, se o Estado e os particulares tomarem, desde já e em comum, providências adequadas, que vão desde racionalizar e modernizar a produção até ao auxílio directo às exportações, desde reorganizar e redimensionar actividades, e quadros institucionais até um esforço de mais ampla procura para as nossas actuais ou futuras possibilidades de produção ou exportação.
Nesta conformidade, a Câmara Corporativa dá parecer favorável, na generalidade, à aprovação do Acordo entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, .por outro lado, e do Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa. Fá-lo na convicção de que, na execução dos referidos acordos, se terão em conta, na maior medida do possível, as> sugestões por ela .apresentadas em especial na alínea c) deste número, o que, aliás, se lhe afigura tanto mais facilitado quanto, em seu entender, correspondem aos propósitos reafirmados pelo Governo e aos desejos expressos pela organização corporativa e pelos empresários. E também ma convicção de que a aprovação dos acordos determinará a definição, através dos planos de fomento, das propostas de leis de meios e da Lei de Fomento Industrial, de uma política económica mais objectivamente ajustada, por um lado, ao novo condicionalismo errado pela ligação à C. E. E.., pela sobrevivência da E. F. T. A. e pela solidariedade do espaço económico nacional e, por outro lado, ao objectivo da optimização do desenvolvimento, dentro de uma concepção de «desenvolvimento unitário e equilibrado».

II

Exame na especialidade

16. Tratando-se de documentos diplomáticos já negociados pelas partes contratantes, o único problema sobre o qual a Câmara Corporativa pode validamente dar parecer é o da sua aprovação ou rejeição. Na verdade, e conforme a Câmara entendeu, está-se muito mais perante uma decisão política sobre um assunto económico do que perante uma decisão de puro carácter económico, embora muito importante.

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Na prática, quaisquer comentários são inúteis quanto a todo o resto. Ou Portugal ratifica estes Acordos tal como estão redigidos, e entram em vigor em 1 de Janeiro de 1973, ou não os ratifica, como fez a Noruega, e tudo se passa como se não houvessem sido assinados. Em caso nenhum pode acontecer é, por virtude do parecer da Câmara ou da votação da Assembleia Nacional, voltarem os textos a ser discutidos e eventualmente alterados em sentido diferente.
Quer dizer: em situações jurídicas desta Índole, o voto significativo - tal como o Governo de Oslo o compreendeu é dizer sim ou não aos acordos. E fazê-lo em relação ao conjunto das suas disposições, e não a qualquer delas em particular.
For isso, é de pôr o problema de saber se tem significado (e deve até efectuar-se) o exame na especialidade, quando este, em muitos dos textos sujeitos a Câmara Corporativa, é tonto ou mais relevante do que a apreciação em geral.
Julga-se, porém, que terá vantagem fazer alguns comentários aos dois documentos porquanto, devendo ambos determinar consequências em vastos sectores da nossa vida económica, bom será não perder a oportunidade de aludir a esses aspectos e sobre eles reflectir. Mas nada se dirá quanto a problemas de pormenor, nem se formulam, por exemplo, quaisquer reparos & ordenação dos assuntos e até ao rigor jurídico da terminologia utilizada. E pelos mesmos motivos não se acompanharão os textos artigo por artigo: examinar-se-ão apenas os assuntos para os quais mais parece ser útil chamar desde já a atenção, seja qual for o acordo onde se insiram.

17. Desarmamento fiscal. - Enquanto a Grã-Bretanha, a Irlanda e a Dinamarca deverão suprimir os direitos fiscais até Janeiro de 1976, Portugal pode mante-los até l de Janeiro de 1980 quanto aos produtos incluídos nas listas A, B e C do anexo u ao acordo com a C. E. E.
Esse limite poderá todavia ser excedido, excepcionalmente, por decisão da comissão mista.

18. Desarmamento alfandegário. - O facto de as negociações entre as Comunidades e Portugal se haverem desenvolvido em paralelo com as dos demais países da E. F. T. A. que se não haviam candidatado à adesão (Áustria, Suíça, Islândia, Suécia, Finlândia) determinou que grande parte das disposições dos diversos acordos sejam sensivelmente iguais. E os especialismos passam despercebidos ao observador menos atento, pois figuram, muitas vezes, como simples excepção aos regimes genéricos.
Assim, o calendário do desarmamento alfandegário (artigo 3, § 2, do acordo com a C. E. E.) é o seguinte: 20 por cento em 1 de Abril de 1973; 20 por cento em l de Janeiro de 1974; 20 por cento em 1 de Janeiro seguinte; 20 por cento em l de Janeiro de 1976, e os últimos 20 por cento em l de Julho do 1977. Estas reduções são feitas sobre os direitos de base (ou seja, sobre os que vigoravam em Janeiro de 1972).

19. O anexo O do tratado da Estocolmo e as listas A e B do protocolo n.º 1. - Várias vezes se falou neste parecer no anexo G do tratado de Estocolmo e nas vantagens dele emergentes para Portugal. No presente acordo correspondem-lhe, em especial, as listas A e B do protocolo n.º 1.
Mas interessa especialmente notar, tal como faz o relatório da Lei de Meios para 1973, que o sistema estabelecido nos concede um ritmo mais lento da desarmamento aduaneiro. E, «para efectuar os ajustamentos estruturais do que a economia nacional necessite para poder competir no amplo mercado a que acede» (como naquele documento se escreve), o período transitório concedido a Portugal é mais longo do que o dos restantes países: em geral, vai até 1980; e pode atingir 1985, em relação a algumas actividades industriais.

20. «Produtos sensíveis». - Quanto a cada país, a C. E. E. elaborou uma lista de «produtos sensíveis», nos quais a aplicação do sistema poderia determinar, para ela ou para algum dos seus membros, graves problemas sectoriais.
E um dos aspectos mais discutidos e controvertíeis dos diversos acordos agora celebrados. Todavia, a Comunidade foi intransigente e os países que com ela quiseram negociar tiveram, sem excepção, de aceitar estas condições.
Relativamente a Portugal, os produtos sensíveis são o papel, a cortiça, os têxteis e o vestuário.

a) Papel (Protocolo n.º 1, artigo 1). - A política proteccionista da C. E. E. em relação ao papel foi muito forte e atingiu também o nosso país, embora os principais visados fossem, decerto, a Suécia e a Finlândia. Por isso, a fórmula aplicável a Portugal á mais favorável do que os outras (o papel figura em todos os acordos assinados este ano com a Comunidade).

Desse modo, foi estabelecido, pelo § 3.º do artigo 1, que as exportações para a Dinamarca e a Inglaterra, países para os quais Portugal exportava sem direitos (pois eram da E. F. T. A.), deverão passar a sofrê-los, por forma que esses direitos se encontrem, mais tarde, com a baixa que os outros países começam agora a fazer até à sua eliminação. Foi possível, porém, atenuar o prejuízo estabelecendo, de l de Janeiro de 1974 a 31 de Dezembro de 1983, determinados contingentes isentos de direitos, e que esses contingentes cresçam à taxa anual de 5 por cento.
b) Cortiça, têxteis, vestuário. - Trata-se de produtos em que Portugal é visado directamente, tal como acontece, em relação a outros .poises, com «os ocos especiais e os restantes produtos» referidos no n.º 7 do relatório da proposta de lei de meios para 1973.
Quanto a eles (embora nem quanto a todos, pois os «tecidos de algodão não especificados» - n.º 55.09 da pauta comum- não figuram na lista), foram fixados determinados plafonds, que, uma vez ultrapassados, podem determinar o restabelecimento de direitos até final do 'ano. E isto, fixado no artigo 2, §§ 1 é 2, do protocolo n.º 1, é agravado pelo § 2 do artigo 27 do protocolo n.º 3, visando impedir que os nossos produtos entram no Mercado Comum por via de um terceiro país.
As taxas anuais de crescimento são de 8 por cento para a cortiça (n.01 45.02, 03 e 04 da Pauta) e de 5 por cento para os vários produtos têxteis e de vestuário referidos nos n.º 55.05, 56.07, 57.10, 59.04, 60.04 e 05 e 61.01, 02, 08 e 04. E o acordo fixa como se determinam os plafonds, para efeito do início do sistema, e as condições em que se fará a sua suspensão ou o seu não aumento.

A taxa de crescimento pode ser revista depois de 1 de Julho de 1977 e os plafonds serão eliminados em 81 de Dezembro de 1988.

Até lá, será necessário e é possível - pensa a Câmara Corporativa - argumentar com a C. E. E., graças à existência de um Comité Misto, no sentido de reduzia:, por negociações e medidas parciais, a situação agora criada. As exportações assim atingidas representam um quarto, aproximadamente, das nossas exportações em geral para a Comunidade e menos de 1 por cento das importações desta. E, sobretudo, convirá examinar em pormenor e

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com tempo o modo como os plafonds foram calculados: notam-se ai alguns erros que, com tacto e paciência, não será impossível alterar, pois, em parte, resultam de diferenças entre as nossas estatísticas e as inglesas, em especial.

Em qualquer caso, porém, melhor á este regime que a eliminação pura e simples dos referidos produtos do âmbito do acordo, como chegou a haver quem defendesse. Então, o nosso prejuízo seria bem maior. E que aconteceria a esta indústria se, não se ligando Portugal ao Mercado Comum, elo restabelecesse pura e simplesmente a protecção aduaneira em relação aos nossos têxteis? - Todavia, este constitui um dos aspectos para os quais a Câmara pede a melhor atenção, no sentido de que o Governo, a organização corporativa e as empresas não deixem de considerar e executar sem demora as diligências e providências requeridas.

Os estudos feitos pelo secretariado da E. F. T. A. mostraram que o benefício avultado resultante para Portugal de ser membro da Associação foi quase exclusivamente determinado pela indústria têxtil. Tal deve ser a origem das medidas de protecção que a C. E. E. tomou em relação a nós: se o aumento de exportações na E. F. T. A. houvesse sido mais diversificado, talvez se não tivesse registado esta atitude.

Mas não se diz isto como censura. Pelo contrário: é o maior elogio que pode fazer-se às empresas do sector. E por isso se confia em que elas, tendo conseguido um lugar cuja competitividade até preocupa as grandes organizações europeias, serão capazes de enfrentar a conjuntura e, com o apoio do Governo, mostrarão outra vez como são aptas para encontrar, em termos de macroeconomia, uma solução para a situação difícil que durante as negociações certamente se terá feito todo o possível para lhes evitar.

21. Indústrias especiais. - Citam-se algumas:

a) Produtos petrolíferos. - O sistema estabelecido neste sector, tão importante para a nossa política de energia, permite-nos manter restrições quantitativas até l de Janeiro de 1985 (Protocolo n.° 7) e converter em taxas internas os direitos fiscais a eliminar até Janeiro de 1980, podendo a comissão mista autorizar a sua continuação, mesmo depois dessa data.

b) Siderurgia. - O protocolo n.° 7 anexo no acordo comercial com a C. E. E. autoriza a conservar contingentes para determinados produtos siderúrgicos (tubos soldados ou sem soldadura). No protocolo n.° l, anexo ao acordo Portugal - C. E. C. A., fixam-se os produtos em relação aos quais o desarmamento alfandegário é mais lento do que o regime geral. E o artigo 20 deste acordo estabelece, em especial, as normas de alinhamento dos preços.

c) Indústria automóvel. - Apesar da sua importância para os países da C. E. E., também aqui se conseguiu alguma protecção para os interesses nacionais. Anote-se, por exemplo, que o protocolo n.° 6 fixa o regime de contingentação que vigorará até 1980: a partir dessa data ficamos obrigados a eliminar in totum os restrições quantitativas.

22. Indústrias novas. - No âmbito da E. F. T. A. não utilizámos da melhor maneira as vantagens oferecidas pelo anexo G, em relação, por exemplo, a possibilidade de estabelecer, aumentar ou reintroduzir direitos para
proteger indústrias novas. E essa possibilidade terminou em l de Julho de 1972. Por um lado, houve falta de iniciativa suficiente por parte de muitos empresários portugueses; por outro, houve falta de uma regulamentação industrial que fomentasse o aplicação de capiteis estrangeiros em investimentos directos. Conhecem-se casos em que estes foram levados a desistir ante a lentidão e a incerteza quanto à aprovação dos seus projectos.

Bom será que se não reincida em curtos erros. Até porque neste ponto concreto o acordo agora celebrado nos toma a dor amplas possibilidades de beneficio. - Todavia, o sistema termina em 1979, devendo os direitos estar completamente eliminados em Janeiro de 1985. E, sendo mais selectivo, obriga a uma administração mais criteriosa quanto ao estabelecimento de prioridades.

Para que estas disposições não constituam letra morta, será preciso que principiemos desde já a inventariar e planear a sua utilização. Ora o IV Plano de Fomento e a regulamentação da lei de fomento industrial podem ser o modo mais adequado para proceder às necessárias adaptações de carácter estrutural.

23. Produtos agrícolas. - Normalmente, os acordos desta índole celebrados pela C. E. E. reportam-se aos produtos industriais.

Porém, no caso português tanto o Protocolo n.º 2 como o Protocolo n.° 8 se referem a produtos agrícolas; e é justo salientar que nesta matéria o nosso pais (tal como a Islândia, em relação à pesca) alcançou um êxito sensível.

Na verdade, seria grave para Portugal não beneficiar neles de qualquer redução pautai. Obteve-se menos do que nos produtos, industriais, como era natural: e assim, quanto aos produtos do artigo l, as reduções mínimas são de 30 por cento e vão até 100 por cento da pauta aduaneira comum. Deste modo, e apenas para dar exemplos (o exame exaustivo do capítulo levaria muito longe), os concentrados de tomate e os vinhos da Madeira e de Setúbal têm a redução de 30 por cento, as conservas de sardinha, a de 40 por cento, e os vinhos do Porto, a de 50 a 60 por cento.

Decerto no complexo sistema estabelecido é objectável o regime transitório aplicável aos concentrados de tomate (que a E. F. T. A. considerava produto industrial); e mal se compreende a exclusão dos vinhos de mesa, apesar das nossas insistências junto da C. E. E. Contudo, talvez algo ainda possa conseguir-se, agora dentro do acordo, pela aplicação do artigo 10, §§ l e 2. E em qualquer caso, os resultados globais foram positivos. É a eles que em particular se reportam as referências elogiosas que têm sido feitas, no estrangeiro, ao modo como o nosso país negociou com a C. E. E.: na verdade, os produtos agrícolas preenchem cerca de 30 por cento das nossas exportações para o antigo Mercado Comum.

24. Regras de origem. - São diferentes da E. F. T. A. e exigem um complexo aparelho administrativo para sua execução.
Será necessário, por isso, proceder sem demora as alterações indispensáveis nos serviços públicos e particulares.

25. Comité Misto. - De harmonia com o recomendado anteriormente, a Câmara Corporativa salienta uma vez mais a importância do estabelecimento de ligações funcionais estreitas e eficazes entre as autoridades, a organização corporativa e as empresas privadas.
Desde já, terá isso especial importância quanto ao Comité Misto (artigos 32, 33 e 34), dadas as suas possibilidades de intervenção no ajustamento do acordo às

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realidades. Mas, na ordem interna, o problema insere-se no campo mais vasto da necessidade urgente de dispor de circuitos administrativos aptos a resolverem, sem demoras escusadas e sem burocracia excessiva, os> inúmeros problemas que estes entendimentos hão-de originar. E da necessidade de criar ou reorganizar, a todos os níveis, órgãos mentalizados para saberem aproveitar as virtualidades positivas da nossa ligação a G. E. E.: sem isso, a maior parte delas corre o risco de «e perder ou de não chegar a periferia económica e social do pois.

III

Conclusões

26. À face do exposto e das considerações feitas, a Câmara Corporativa dá parecer favorável à aprovação dos dois acordos.

Palácio de S. Bento, 4 de Dezembro de 1972.

Álvaro Mamede Ramos Pereira.
António Jorge Martins da Afoita Veiga.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Manual Pinto Barbosa.
Eugênio Queirós de Castro Caldas.
Manuel Jacinto Nunes.
António Pinto de Meyrelles Barriga.
José Honorato Gago da Câmara de Medeiros.
Manuel António Fernandes.
Paulo Arsénio Veríssimo Cunha.
André Delaunay Gonçalves Pereira.
António Pereira Caldas de Almeida.
Augusto de Sá Viana Rebello.
Bernardo Viana Machado Mendes de Almeida.
Carlos Eugênio de Magalhães Corrêa da Silva.
Carlos Krus Abecasis.
Joaquim Trigo do Negreiros.
Jorge Augusto Caetano da Silva José de Mello.
José Manuel da Silva José de Mello.
Manoel Alberto Andrade e Sousa.
Mário Fernandes Secca.
Henrique Martins de Carvalho, relator

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