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890 I SÉRIE - NÚMERO 25

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está a chegar ao fim, ao que parece, a crise política que, nas últimas semanas, se desenvolveu na coligação que governa o País desde os inícios do Verão de 1983. Independentemente dos resultados a que conduziram as negociações que se vêm realizando - e que analisaremos na devida altura - importa nos hoje reflectir sobre alguns dos aspectos emergentes dessa mesma crise e trazer à Câmara algumas considerações sobre o enquadramento global dos acontecimentos das últimas semanas.
A crise política da coligação ocorreu no quadro de uma crise global e profunda de toda a sociedade portuguesa e releva, sobretudo, da incapacidade desta mesma coligação em definir um conjunto de políticas coerentes, determinadas a partir de um projecto comum da coligação, projecto político capaz de rasgar horizontes e caminhos e que, de facto, nunca existiu. A origem desta crise deve-se, pois, à completa ausência de uma resposta global que a coligação, passadas que foram as medidas tendentes a restabelecer o equilíbrio financeiro externo, não soube e não pode encontrar.
Crise económica marcada por quebras significativas na produção e no investimento, no poder de compra, pelo avolumar dos défices, pela situação asfixiante e bloqueada em que vive a maioria das empresas.
Crise social materializada nos salários em atraso, no aumento do desemprego, no crescimento da violência, da criminalidade, da delinquência e da prostituição, no horizonte negro e vazio de esperança que se abre à juventude, na situação cada dia mais difícil em que vive a maioria esmagadora dos portugueses.
Crise moral que se verifica no alastramento da corrupção, das comissões de inquérito que nada apuram, na irresponsabilidade com que se esbanjam dinheiros públicos (vide os 200 milhões de contos malbaratados denunciados pelo Ministro Veiga Simão), nos sucessivos escândalos de desfalques e contrabando que ultimamente têm vindo a lume, num salve-se quem puder onde floresce o individualismo mais egoísta e onde crescem o compadrio e o oportunismo.
Crise política onde, velada ou abertamente, se vai advogando a rotura com o sistema político plasmado por uma Constituição revista há pouco menos de 2 anos, crise política que permite já que militares, tal como fez o general Carmona em 1925, façam a afirmação de que a «Pátria está doente».
Esta crise global mede se também pela pirueta política substituindo a verticalidade, pelo golpe de teatro sabiamente encenado em vez da clareza da proposta, pelo discurso político simulado em lugar de um projecto político mobilizador de vontades. As últimas semanas comprovaram, de forma irrefutável, o que acabei de dizer: a jogada política, a simulação, o golpe de força, a intoxicação da opinião pública e nebulosidade ocuparam o lugar da clareza, da transparência, da verdade, da assumpção frontal das posições.
Neste quadro global, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em que ninguém assume as culpas e os erros, desenvolve-se também uma campanha orquestrada, e que cada dia se reforça, e que tem por objectivo denegrir as instituições parlamentares, o sistema de par tidos e a própria democracia. Parte-se da crítica, muitas vezes justa, aos comportamentos políticos para insinuar a necessidade da rotura com a democracia representativa, seja pela via de um messianismo redentor construído em torno de um qualquer personagem e de uma União Nacional modernizada, seja pela via da mudança radical já claramente insinuada, entre outros, pelo Dr. Alberto João Jardim.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a esta crise global que afecta a sociedade portuguesa, a coligação não respondeu porque não pôde definir e propor aos portugueses um projecto político coerente. Esta impossibilidade radica-se nas contradições que decorrem da coexistência, na coligação, de um neo-liberalismo atabalhoado, envergonhado que não pode assumir-se plenamente sob a pena de perder os últimos resquícios social-democratas com um socialismo democrático que perdeu perspectivas e dimensão, e que não tem sabido renovar-se e inovar. Esta contradição e estas limitações ficaram bem evidenciadas no decurso 1o debate aqui travado aquando da discussão do Orçamento Suplementar. É esta, creio, a grande e inultrapassável dificuldade que não apenas explica as raízes mais profundas da crise política da coligação como explica, também, a tentativa de, através de um sem número de medidas concretas, sem coerência interna, desgarradas e não baseadas num projecto político global, fazer sobreviver uma coligação em que, diga-se o que se disser, um dos parceiros, o PSD, estará sempre num outro comprimento de onda.
Não temos ainda conhecimento dos resultados do acordo renegociado que parece que vai presidir à acção da coligação. Tememos, no entanto, que tais resultados possam vir a traduzir-se num conjunto de panaceias que, longe de curarem o doente, apenas venham prolongar-lhe a doença e aumentar-lhe os sofrimentos; isto é, receamos que o ataque ao sector empresarial do Estado, as alterações à legislação laboral e outras medidas de carácter mais ou menos neoliberal e pontual venham constituir o saldo mais significativo das negociações em curso com previsíveis e dramáticos efeitos no agravar da crise social que já se vive.
Pensamos que se torna desesperadamente urgente a definição de soluções concretas que respondam à necessidade de reconversão da produção industrial e agrícola, ao desafio de um sistema educativo em condições de propiciar a criatividade e imaginação exigidas pelo nosso tempo, à valorização das potencialidades do território e do homem português, à necessidade de relançar a participação e mobilização dos cidadãos num esforço colectivo para superar dificuldades e vencer os obstáculos decorrentes de um atraso económico, social e cultural com raízes velhíssimas. Estas soluções não serão, certamente, obra de iluminados ou de meia dúzia de cabeças bem pensantes. Terão de ser obra colectiva e passarão, seguramente, pela regeneração das práticas e dos hábitos políticos. A sua eficácia dependerá da clareza com que participem de um projecto político global que lhes dê a coerência e a dimensão históricas indispensáveis à sua transparência e à sua força mobilizadora. É certo que serão diferentes as soluções como serão diferentes os projectos que correspondem às diferentes concepções, à diversidade dos interesses das classes e dos grupos sociais. Mas julgamos urgente, indispensável e inadiável pôr fim à mistificação e às águas turvas onde proliferam os oportunismos e se poderão desenvolver, sem

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