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664 I SÉRIE - NÚMERO 20

domínio cívico não é um domínio público, mas antes um domínio colectivo, constituído por bens de uma comunidade de habitantes.
Por isso, a titularidade dominial dos bens comunitários é dos "povos", "utentes", "vizinhos" ou "compartes" e não das freguesias ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público.
Inspirada ou não por esta ou similar teoria, o certo é que a 2.ª revisão constitucional, votada já depois daquele acórdão, se mostrou concordante com ela, na medida em que deixou de considerar os bens comunitários como um subsector da propriedade pública para os integrar antes no sector cooperativo e social, onde alinham agora com os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas e pelos que são objecto de exploração colectiva por trabalhadores.
E, se é inegável que houve um manifesto recuo na afirmação da dominialidade cívica, já que o artigo 82.° da Constituição fala apenas em meios de produção comunitários possuídos e geridos pelas comunidades locais, abstendo-se de dizer explicitamente a quem pertencem, a verdade é que, para o efeito que aqui nos interessa, essa omissão é largamente compensada pela exclusão daqueles bens tanto do sector público como do sector privado dos meios de produção.
É que, se os baldios não constituem nem propriedade pública nem propriedade privada, sendo por isso insubsumíveis nos respectivos sectores, eles não podem ser possuídos e geridos em nome ou no interesse próprio das freguesias e muito menos podem ser integrados no domínio público ou privado dessas ou outras autarquias.
Incluídos numa categoria autónoma de meios de produção, designada por sector cooperativo e social, com dignidade constitucional análoga à dos dois restantes sectores - público e privado - e na posse e gestão das comunidades locais, o domínio destas, se não é explicitamente proclamado, é, pelo menos, até por exclusão de partes, tacitamente deduzido ou pressuposto.
E, mesmo que se entendesse discutível esta conclusão, perderia, ainda assim, interesse a polémica em que os juristas de longa data se vêm debatendo sobre a titularidade dos bens comunitários.
Sabe-se, com efeito, que essa controvérsia teve quase sempre como pano de fundo a cobiça do Estado pêlos baldios, protagonizada sobretudo por serviços da Administração Central e pelas juntas de freguesia, como foi patente no regime anterior.
Rejeitada agora liminarmente a intervenção de uns e outras pelo preceito constitucional que enquadra em categoria autónoma e distinta da propriedade pública aqueles bens, cujas posse e gestão são reconhecidas só as comunidades locais, as doutas congeminações sobre a titularidade do domínio continuarão, porventura, a manter relevo teórico, mas ficam agora desprovidas de qualquer interesse prático.
É agora claro que, não constituindo os baldios propriedade pública, as intromissões do poder central ou local na sua gestão, contra a vontade dos compartes, terão de reputar-se inadmissíveis ou, quando muito, só toleráveis a título excepcional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, haverá forçosamente de se reconhecer que o próprio Decreto-Lei n.° 39/76, de 19 de Janeiro, não obstante ter operado o regresso à normalidade da fruição dos baldios pelos seus utentes, ditando para eles um ordenamento que se viria a mostrar inteiramente conforme com a Constituição, quer na sua versão original quer nas decorrentes das suas revisões, contém, ainda assim, alguma disciplina que só poderá hoje ser encarada como um regime transitório de excepção.
Queremos, obviamente, referir a homologação do governador civil e dos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, que ali é imposta para que ganhe executoriedade a deliberação da assembleia de compartes que aprove o plano anual de aplicação das receitas arrecadadas.
Essa intervenção do poder central parece, aliás, brigar com a filosofia política em que se inspira o diploma, já que ele fiou das assembleias de compartes e dos conselhos directivos uma gestão democrática e desburocratizada, que, reatando a tradição, pudesse ser, simultaneamente, uma afloração concreta de uma ampla reforma agrária, que se queria generalizar, fundada no controlo, pelos trabalhadores do campo, do processo produtivo e dos recursos naturais.
Há que atender, porém, ao contexto histórico e ideológico em que aquela lei dos baldios se gerou e que veio a plasmar-se na Constituição de 1976.
O País seria então uma república empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes, que tinha por objectivo assegurar a transição para o socialismo, e, segundo o artigo 90.°, os bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais, juntamente com os restantes meios de produção que hoje compõem o sector cooperativo e social, constituíam a base do desenvolvimento da propriedade social, que tenderia a ser a predominante.
Apregoava-se ainda, mesmo depois da 1.ª revisão constitucional, que as nacionalizações, o plano democrático, o controlo da gestão e a intervenção democrática dos trabalhadores eram as condições necessárias para o desenvolvimento daquela forma de propriedade, que a Constituição dava expressamente a primazia.
Enfim, se era a marcha acelerada para o socialismo democrático que o próprio texto constitucional impunha ao poder político, é manifesto que este não se podia alhear da gestão dos baldios, já que eles constituíam um esteio da propriedade social, que se queria não só implantar, mas ainda desenvolver e privilegiar.
Daí aquela homologação pelo governador civil e pelos serviços regionais do MAP do plano anual de aplicação das receitas, que visava, obviamente, garantir a afectação destas a fins compatíveis com a existência c desenvolvimento daquela forma de propriedade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só que agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, depois da 2.ª revisão, outro é o normativo constitucional vigente, como diversa é a concepção que o sustenta.
Menos ambiciosa na sua vertente programática, a Constituição só assinala à República Portuguesa o empenho na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, dando-lhe como objectivo, já não a transição para o socialismo, mas apenas a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
A consagração destes princípios teve como corolário a eliminação da referência à propriedade social, caindo com ela a base e as condições do seu desenvolvimento.

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