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1614 I SÉRIE-NÚMERO 46

ções no período de antes da ordem do dia, especialmente organizado para este efeito, quer no tratamento de diplomas legislativos pertinentes durante o período da ordem do dia.
O tema, o Dia Internacional da Mulher, oferece-nos duas faces diferentes, desiguais em beleza e desigualmente aprazíveis. Por um lado, é este o dia para o homem prestar uma especial e simbólica homenagem à companheira, à mãe, à irmã, à filha, à colega, à mulher.
Assim, para marcar esta face risonha e amorável da comemoração, a Assembleia da República, através da Mesa, vai oferecer uma rosa vermelha a todas as mulheres que se encontrem no Plenário e nas galerias:
Sr.ªs Deputadas, Jornalistas, Funcionárias, Convidadas - entre as quais me apraz registar a presença da Sr." Dr.º Maria Barroso e da Sr.ª Pinto de Andrade - e Visitantes.
Por outro lado, este é também o dia para homens e mulheres meditarem sobre o longo caminho que ainda há a percorrer na nossa sociedade para que reine, na medida desejável, igualdade de tratamento entre ambos os sexos, nomeadamente no trabalho, na família, nas instituições culturais e religiosas, etc.
A lonjura deste caminho a percorrer em Portugal até se mede, desgraçadamente ainda, por diferenças de dignidade social reconhecida aos membros dos dois sexos. Quanto há a fazer no discurso das leis e, sobretudo, na prática social para que homem e mulher sejam um em dignidade social, como Deus os criou, segundo o Génesis, e como S. Paulo o lembrou: «Nem judeu, nem gentio, nem grego, nem bárbaro, nem homem livre, nem escravo, nem homem, nem mulher, sois todos irmãos!»
Para reflectir mais detidamente sobre este tema, vamos entrar no período de antes da ordem do dia de hoje.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: São histórias dos jornais, das esquadras. São histórias silenciadas pelo medo, pela vergonha, pela hipocrisia. Histórias de violência, histórias de seres humanos, sobretudo, histórias, hoje e ainda, de mulheres, em Portugal.
16% dos homicídios dolosos consumados ocorridos entre 1980-1989 nos distritos de Lisboa, Aveiro, Beja, Santarém e Viana do Castelo foram perpetrados entre marido e mulher.
13 homicídios foram cometidos entre cônjuges na área da Grande Lisboa, sendo 12 vítimas de sexo feminino.
52 denúncias por ofensas corporais entre cônjuges deram entrada na Polícia Judiciária de Lisboa, 48 das quais relativas a mulheres.
40 % da população portuguesa admite ter entre os seus conhecimentos pessoas vítimas de violência. O agressor tem, normalmente, mais de 30 anos, fracas habilitações literárias e profissão modesta. A agredida situa-se normalmente entre os 30 e os 50 anos, tem fracas habilitações literárias e pouco ou nenhum poder económico.
Nos últimos cinco anos, 346 mulheres dirigiram-se à Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres queixando-se de maus tratos por parte dos maridos. O motivo passional é largamente maioritário nos homicídios cometidos na pessoa do cônjuge: 80 % dos casos.
O tipo de maus tratos normalmente infligidos nas mulheres são espancamentos, mesmo durante a gravidez; batimento com a cabeça da vítima no chão; ameaças com armas; pisar e maus tratos sexuais.
Traumatismos cranianos, lesões permanentes nos dentes, braços partidos, surdez permanente, coma e abortos são alguns dos danos mais graves descritos por mulheres vítimas de maus tratos.
Dos portugueses ouvidos apenas 50,5 % consideram um acto «muito violento» o facto de um marido agredir a mulher depois de uma discussão, no entanto, tal já só é considerado muito violento por 34,6 % dos inquiridos se o marido agredir a mulher depois de descobrir que ela lhe foi infiel.
A violência sobre a mulher foi a causa de 21 % dos divórcios julgados no Tribunal de Família do Porto, em Outubro de 1988. Mais de 10 % das vítimas de agressão são mulheres agredidas pelos maridos, ex-maridos ou amantes.
A lista é imensa e dela a imprensa tem feito notícia. Um rol infindável, uma realidade que a rude frieza dos números não esconde, incómoda, chocante, complexa na sua teia de explicações.
Histórias de violência a que se juntam outras, tantas outras. Histórias de seres humanos a quem essa condição é negada, em crescente número, por cada ano que passa. Jovens, quase crianças, homens alguns, mas sobretudo mulheres. Seres humanos reduzidos à condição de objectos, de mercadoria, de corpo-ferramenta que produz dinheiro e um suposto prazer. Prostitutas de origem humilde na quase totalidade, sem estudos, sem formação profissional, estigmatizadas.
Mas histórias são também outras: as vítimas do sexo, de que os números oficiais falam. 223 denúncias só na Grande Lisboa em 1992. Uma ninharia, decerto, na imensidão de pessoas -e é de mulheres que falo - violadas. Mulheres que, sucumbindo ao peso cultural, hoje ainda se calam com cúmplice silêncio, mas um número que em si mesmo, no aumento de 30 % que traduz, exige reflexão.
Mas afinal que sentido tem, perguntar-se-á, falar de violência, ou melhor, de formas de violência múltiplas nas causas, diversas nos efeitos, se não é hoje o tempo desta discussão?
Poderá parecer estranho. Assim o não entendemos, porque por aqui, por esta Assembleia da República, também passa a responsabilidade de lembrar, de alertar, de exigir, de comprometer: alertar esta Assembleia, o PSD e a sua maioria que a sua capacidade de olhar com distância para o sofrimento de outros povos e de outras mulheres vítimas da guerra, da violência e de violação, onde quer que se encontrem, os não pode impedir de deterem o seu olhar na própria realidade do seu país.
Lembrar a esta Assembleia, ao PSD e à sua maioria que muito do que se disse não pode ser estranho ao novo Código Penal, que apesar das promessas feitas tarda a chegar para o inevitável debate e que, escandalosamente, continua na pena a atribuir ao autor de crime de violação a ressalva: «Se a vítima, através do seu comportamento, tiver contribuído de forma sensível para o facto, a pena é especialmente atenuada.»
Salientar nesta Assembleia da República que há ano e meio se encontra por regulamentar, por obstrução do PSD, a Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, cujo objectivo é o reforço dos mecanismos de protecção legal às mulheres vítimas de crimes de violência e a criação de mecanismos de prevenção e apoio.
Recordar à Assembleia da República, ao PSD e à sua maioria que a sua aproximação aos cidadãos passa pela capacidade de dar corpo aos projectos que as mulheres também apresentaram e que jazem no esquecimento.

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