2230 I SÉRIE-NÚMERO 70
que, nas últimas décadas, percorreu e galvanizou a vida polaca. No calor dessa luta germinaram, tomaram forma e ganharam velocidade as poderosas forças da liberdade que varrem e agitam ainda a paisagem política e social, tanto da Europa Central como do Leste europeu, provocando mudanças e transformações que poucos, decerto, teriam ousado esperar para o século XX.
A verdade é que V. Ex.ª, Sr. Presidente Lech Walesa, desempenhou nessa luta histórica um papel relevantíssimo, pela coragem, pela determinação e pelo discernimento com que a soube conduzir nos altos e baixos conaturais a acontecimentos desta grandeza. As inúmeras detenções, prisões e demissões que sofreu - seja por liderar protestos e greves nos estaleiros de Gdansk, seja por resistir publicamente aos sindicatos enfeudados ao poder político imperante e activar a constituição de sindicatos livres, seja por ousadamente se manter à frente do formidável movimento político-sindical Solidariedade, mesmo após a sua ilegalização pela lei marcial, seja por encabeçar, a partir de 1988, o comité cívico para a mudança do sistema político da Polónia-, essas pressões e opressões, dizia, não só não atemorizaram nem amoleceram Lech Walesa perante os poderes estabelecidos, como também não lhe fizeram perder nunca o sentido da necessidade de diálogo e o escrupuloso respeito pelos métodos pacíficos da luta política.
A pertinácia, a inteligência, o desassombro e o carisma que revelou na direcção desse movimento da consciência nacional polaca - simbolicamente organizado em tomo do nome Solidariedade - são decerto a causa da extraordinária e indiscutida consagração pública de que goza por todo o lado e, em particular, no mundo democrático. Dela nos dão testemunho exemplar as láureas doutorais que recebeu de prestigiadíssimas universidades dos Estados Unidos e da Europa (como Harvard, Columbia e Paris), o Prémio Nobel da Paz, que lhe foi atribuído em 1983, e o Prémio Europeu dos Direitos do Homem, com que foi galardoado em 1989
Lech Walesa apresenta-se-nos, em suma, Srs. Deputados, como uma personalidade histórica à escala mundial, segundo o critério apresentado pelo politólogo americano Henry Kissinger no seu estudo académico sobre Bismark. Aí se parte da ideia segundo a qual o génio revolucionário ou histórico se verifica quando é legítimo imputar à personalidade em causa a autoria da alteração da geografia política que ela encontrou ao entrar na vida pública. Isto foi o que Walesa exactamente fez, através desse movimento da consciência nacional polaca: contribuiu decisivamente para a alteração da geografia política do mundo, acelerando a destruição do império soviético e pondo fim à geopolítica própria da guerra fria.
Eis, assim, esboçada, ainda que a traços muito ténues e imprecisos, a dimensão da figura política que hoje honra a Assembleia da República com a sua visita. Lech Walesa foi agente, promotor ou catalizador de uma nova geografia política nas partes mais orientais da Europa e no mundo inteiro, uma geografia cujos contornos, aliás, ainda não se acham completamente estabilizados.
Srs. Presidentes da República da Polónia e de Portugal, Srs. Convidados, Senhoras e Senhores: São muito antigas as relações culturais, comerciais e diplomáticas entre o povo português e o povo polaco.
Conta-se, por exemplo, que no acto inaugural da expansão portuguesa - refiro-me à tomada de Ceuta, em 1415 - já dois cavaleiros polacos integraram o Exército Português. Mas é segura a criação, no século XVI, de uma "rede de amizade verdadeiramente fraterna" entre destacados humanistas portugueses, como Damião de Góis, Diogo Paiva de Andrade e D. Jerónimo Osório, e humanistas pensadores e cientistas da nação polaca, sediados na Polónia ou residentes noutros países. E essa rede de fraternidade e cultura perduraria pelos séculos fora.
Ainda em 1863, quando os Polacos se ergueram, mais uma vez, contra a opressão russa, a juventude universitária portuguesa levantou-se em uníssono contra a prepotência do Czar. Eça de Queirós, então estudante em Coimbra, recordaria mais tarde: "os jornais transbordavam de poemas à Polónia e de injúrias ao urso do Norte! Empenhavam-se batinas e compêndios para socorrer a Polónia, em subscrições entusiásticas".
As relações entre a Polónia e Portugal podem intensificar-se hoje muito mais. E isto tanto as relações quantificáveis em termos ou padrões económicos, como também as relações não quantificáveis ou dificilmente quantificáveis. É o caso das trocas culturais e espirituais entre dois povos que possuem um rico património histórico, seguem, em geral, a mesma religião e cultivam, cada um a seu modo, com mestria e rigor, diversas artes, ciências e letras.
Mas as relações no domínio económico, ou economicamente quantificáveis, prometem intensificar-se, cada vez mais, nos próximos anos, seja no âmbito bilateral, seja no âmbito multilateral. Lembro só o Acordo Europeu de Associação com a Polónia e o estado de adiantamento em que se encontra o processo da respectiva ratificação pelos Doze Estados membros.
Espero, Sr. Presidente, que Portugal e a Polónia saibam aproveitar bem as grandes oportunidades que se lhes deparam hoje para o progressivo estreitamento das suas relações diplomáticos, culturais e económicas. A visita oficial de V. Ex.ª a Portugal é um bom augúrio e constitui penhor desta minha esperança.
Srs. Deputados, a democracia há-de permitir a resolução, em paz e na concórdia, dos grandes problemas políticos, sociais e económicos que, hoje, percorrem o chão europeu, porque só ela congrega nos centros de decisão o querer e o saber de todos os membros da comunidade política, também só ela é capaz de reunir o máximo das energias humanas disponíveis em cada tempo.
Apesar de os reflexos patentes na cultura dos povos longamente dominados por regimes autoritários tenderem para outro lado, estou em crer que só uma gestão da rés publica assente no consenso nacional frequentemente renovado e na participação dos cidadãos e suas instituições autónomas na resolução dos problemas nacionais, poderá garantir à acção política a força, a maleabilidade e a criatividade indispensáveis à superação das crises e à anulação das resistências com que as inovações se confrontam, tanto nas sociedades em desenvolvimento como nas sociedades desenvolvidas.
Os Polacos conhecem bem a importância de que se revestem os direitos fundamentais para a salvaguarda da dignidade das pessoas e do bem-estar das comunidades políticas concretas. Por isso, a República da Polónia tem vindo a apoiar, em todas as instâncias internacionais, a causa do povo de Timor Leste e o seu direito à autodeterminação e independência.
Portugal não esquece esta indefectível atitude, ou solicitude, da Polónia para com Timor Leste, antes a regista com gratidão e a incentiva vivamente, por o direito internacional estar a ser gravemente violado nesse território; por nós, portugueses, sentirmos como nossas as angústias e tristezas que afligem este povo irmão e por ardentemen-