7 DE JULHO DE 1994 2869
Finalmente, o estado da economia portuguesa. A nosso ver, a incerteza e a indeterminação são, actualmente, as maiores constantes. O tal rumo certo em que se encontrava a economia portuguesa no final do ano de 1993 traduziu-se, infelizmente, num crescimento negativo nesse ano e para 1994 não vislumbramos mais do que meras promessas de crescimento positivo, já que o Governo se mostra incapaz de produzir um número que sustente, de forma credível, a sua leitura voluntarista dos sinais avulsos emitidos pela economia portuguesa.
Vale também a pena aludir ao facto de que mesmo quanto ao consumo privado, essa bandeira do regime em que vivemos, se regista uma evolução negativa. As instituições que até há bem pouco tempo eram tidas como relativamente independentes, estimavam que, em 1994, se irá observar uma evolução negativa nesta componente da procura.
Num clima em que o desemprego está a aumentar - e desafiamos o Governo a dizer qual o número de desempregados existentes até ao fim do ano e se não se vai registar um acréscimo -, será de esperar uma retracção do consumo privado. Mas para nós, CDS-PP, é escandaloso que se diga que o consumo público continua a crescer a taxa positivas e significativas. A política de duas faces, rigor para fora e laxismo interno, continua a ser o motu deste Governo!
A política cambial adoptada por este Governo induz uma substituição no consumo de bens nacionais por bens importados. Assim se poderá explicar o crescimento do défice externo numa altura em que o consumo e o investimento privado registam um comportamento recessivo.
Ainda em termos de política económica, cabe perguntar ao Governo quais as suas actuais opções relativas às empresas públicas. Continua o Governo disposto a fazer o contribuinte português suportar os défices crónicos provenientes da gestão pública? O que tem sido feito para melhorar a gestão destas empresas, reduzir os seus défices e aumentar a sua eficiência? Continua o Governo a adoptar uma política dualista relativa ao desemprego, mantendo artificialmente empregos no sector público e penalizando os que se encontram ao serviço do sector privado? Em termos de emprego, quantos funcionários públicos foram admitidos quer em 1993 quer já em 1994?
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Não consideramos a situação que ficou exposta como ditada por um destino irremediável do povo português. Temos dentro de nós energias suficientes para inverter este estado da Nação: combater o clientelismo e libertar o Estado do colete de forças do partido hegemónico; investir o máximo que pudermos na educação, na formação de docentes, na investigação científica; fomentar nos jovens uma cultura da qualidade, respeitando rigorosamente as leis votadas por unanimidade nesta Assembleia da República e promovendo a qualidade nos currículos escolares; morigerar o sistema público de saúde, criando condições para ampliar o leque de fornecimento de cuidados de saúde pela iniciativa privada; acelerar a formação dos trabalhadores para a melhoria da produtividade; cumprir a Lei de Bases da Segurança Social, para melhor garantia das prestações próprias do Estado social ou de solidariedade como nosso; reformar o sistema político, de modo a que o eleitorado se sinta representado no aparelho institucional que nos rege; fazer uma utilização criteriosa dos dinheiros públicos e dos fundos comunitários; em suma, retomar a velha fórmula de «menos Estado e melhor Estado», na sua autenticidade.
Se assim procedermos, teremos certamente sobejas razões para a Nação reencontrar o seu caminho para o progresso e bem-estar. Este não é apenas o nosso voto de fé mas uma aposta do CDS-PP para o futuro próximo.
Aplausos do CDS-PP.
Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.
O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Este ritual do fim das sessões legislativas traz consigo, como aliás convém à própria dimensão simbólica do rito, uma carga de hipérbole, de excesso. Mais do que falar de «estado da Nação», vício que se pode tornar perigoso, melhor fora falar do estado a que o Estado chegou...
Todos sentimos, com inquietante nitidez, alguns dos sintomas que colocam sérias dúvidas acerca da saúde da Nação. Eis alguns: o crescente desinteresse pelo nosso património histórico; um ensino anémico e anónimo; uma larvar teia de corrupção que entorpece o tecido social; uma desnacionalizante tecnocracia na abordagem dos problemas concretos da nossa sociedade; uma cada vez mais nítida dependência de instâncias supra-nacionais; a exígua descentralização da Administração Pública, a qual se encontra demasiado fechada nas mãos férreas da administração central; nítida osmose entre a maioria e o Estado e o consequente controlo das instituições por ele tuteladas; alarmante invasão de operações financeiras, tornando o País cada vez mais refém das oscilações especuladoras da finança internacional.
Estes alguns dos sintomas a ter em conta num dia de diagnóstico e que não podem deixar de nos interpelar a todos por igual.
O discurso tradicionalmente apologético e auto-demonstrativo que o poder compõe, incansável devoto de si mesmo, ainda por cima estimulado por certos procedimentos das oposições, mais preocupadas pelos seus lucros imediatos do que com os superiores interesses da Nação, deveria, pelo menos, despojar-se da presunção de querer apresentar aos portugueses o retrato da Nação em tons predominantemente róseos. Os tons da Nação são múltiplos e variegados e não é honesto querer pintá-la de uma só cor-a cor laranja!
Este triunfalismo do poder traz-me à mente a fábula do macaco e do leopardo, de La Fontaine: o macaco tinha razão, não é no traje (do leopardo) que se aprecia a diversidade, mas no engenho (do macaco). E passo a citar La Fontaine: «Quantos grandes senhores se parecem com o leopardo e não têm outros méritos a não ser as galas que vestem.»
É o narcisismo que o poder traz consigo que, em boa parte, está na origem dos graves problemas que afligem a sociedade portuguesa. São problemas cuja etiologia não deve procurar-se tão-só nas conjunturas internacionais, na chamada crise do emprego na Europa, nem em maquinações mais ou menos desajeitadas da oposição. É no próprio Estado que hão-de encontrar-se algumas das principais raízes que, quais metástases, estão a perverter todo o corpo social.
Que dizer do escandaloso garrote, tecido e entretecido à volta do pescoço dos chamados pequenos partidos por uma gigantesca e despudorada conspiração dos partidos no poder ou a ele afectos? Como pode ser bom o estado de