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1106 I SÉRIE - NÚMERO 29

Assim, há três matérias que condicionam, de forma definitiva, o exercício do direito de queixa dos militares ao Provedor de Justiça e lhe desnaturam o conteúdo: as respeitantes ao dever de esgotamento das vias hierárquicas estabelecidas na lei; a impossibilidade da queixa versar sobre matéria operacional ou classificada; a obrigatoriedade da intervenção do Provedor de Justiça, na recolha de elementos, ser feita através do Ministro da Defesa Nacional.
Passemos ao primeiro caso, o do esgotamento das vias hierárquicas.
Vale a pena, a este título, referir que no anterior Estatuto do Provedor de Justiça não estava prevista, explicitamente, a acção do Provedor de Justiça no âmbito das Forças Armadas, a qual só veio a ser consagrada na Lei n.º 9/91, de 9 de Abril.
Anote-se que o Provedor de Justiça tem, agora, livre acesso a todos os locais de funcionamento da administração central, regional, local e institucional, aos serviços civis e militares.
Acresce ainda que, no âmbito do procedimento do artigo 29.º, da Lei n.º 9/91 - Estatuto do Provedor de Justiça -, os órgãos e agentes das entidades públicas, civis ou militares, têm o dever de prestar todos os esclarecimentos e informações que lhe sejam solicitados pelo Provedor de Justiça, que as entidades públicas, civis ou militares, prestam ao Provedor de Justiça toda a colaboração que este lhes solicitar, designadamente informações, e podem efectuar inspecções através de serviços competentes, facultando-lhe documentos e processos para exame.
0 anteriormente disposto não prejudica, naturalmente, as restrições legais respeitantes ao segredo de justiça nem a invocação do interesse superior ao Estado, nos casos devidamente justificados pelos órgãos competentes, em questões respeitantes à segurança, à defesa ou às relações internacionais.
Anote-se ainda, neste contexto, que, nos termos da Lei n.º 9/91, "a actuação e intervenção do Provedor de Justiça não é limitada pela utilização de meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis nem pela pendência desses meios."
Poder-se-á, pois, concluir, como fez o então Provedor de Justiça, Mário Raposo, no seu relatório intercalar, enviado à Assembleia da República a 4 de Outubro de 1991, que "o Provedor de Justiça pode actuar directamente junto de qualquer grau hierárquico das Forças Armadas, a não ser na hipótese prevista no n.º 5 do artigo 29.º, em que pode optar pela requisição do militar ao órgão do qual ele dependa..."
Diz ainda mais que, à falta de cooperação, nos termos legais, pode preencher o tipo legal de crime de desobediência, previsto e punido no artigo 388.º do Código Penal.
0 novo quadro legislativo consagrado pela Lei n.º 9/91 - Estatuto do Provedor de Justiça - vem, assim, expressamente consagrar uma plurifuncionalidade na acção do Provedor em todos os domínios de acção dos poderes públicos, ressalvados os actos de natureza jurisdicional e a actividade dos órgão de soberania.
Como dizem J. Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, "o Provedor de Justiça é, no sistema constitucional, um Provedor plurifuncional', um 'Provedor médico', um 'Provedor militar', um Provedor do ensino', etc. ..."
Assinale-se que esta especial dimensão do Provedor das Forças Armadas, que o estatuto constitucional incorpora, não constitui uma solução originária do ordenamento português, ainda que se deva relevar, entre nós, o seu carácter de integração unitária, tem já larga tradição em países como a Suécia, a Alemanha e a Noruega.
Antes de nos debruçarmos sobre alguns dos artigos da proposta de lei, importa reter que a Constituição admite, no que se refere aos militares, que a generalidade dos direitos fundamentais, reconhecidos ao "comum" dos cidadãos, possam sofrer restrições, nos termos das regras dos n."' 2 e 3 do seu artigo l8.º .
Mas as restrições ao exercício de direitos fundamentais dos militares e agentes militarizados tem de ter enquadramento constitucional. Assim, a lei constitucional pode estabelecer- e só - restrições ao exercício dos direitos de expressão, de reunião, de manifestação, de associação e de petição colectiva, e a capacidade eleitoral passiva dos militares, como já disse.
Ao indicar, de forma taxativa, os direitos dos militares que podem ser restringidos, conclui-se, de modo preciso, que a petição individual correspondentemente ao direito de queixa ao Provedor de Justiça não está, de nenhum modo, compreendida nessas restrições.
0 artigo da proposta de lei vem consagrar que "sendo queixosos os militares ou os agentes militarizados das Forças Armadas, a queixa referida no artigo anterior só pode ser apresentada ao Provedor de Justiça uma vez esgotadas as vias hierárquicas estabelecidas na lei."
Assim, a proposta de lei retoma idêntico preceito da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, a respeito da qual se discutiu da sua conformidade constitucional.
Mário Raposo, anterior Provedor de Justiça e em pleno exercício desse cargo, dizia sobre o suporte constitucional deste dispositivo: "Trata-se de uma questão duvidosa, se entendido for que a exigência de estarem esgotadas as vias hierárquicas estabelecidas na lei traduz uma verdadeira restrição. ( ... ) tudo leva a supor que a exigência de se encontrarem esgotadas as vias hierárquicas pode afectar o seu conteúdo essencial, a sua raison d'être, o seu sentido útil, a finalidade em que se objectiva. Pois, na verdade, o carácter informal da actividade do Provedor tem como decorrência e justificação o poder constituir uma intervenção expedita não sujeita às concebidas demoras das demais formas dos direitos fundamentais."
A regulamentação agora proposta, com este articulado, quanto a nós, colide, pois, com o núcleo essencial dos poderes do Provedor de Justiça, pondo em causa a informalidade intrínseca da sua acção, cuja natureza se desprende das lógicas de legitimidade, de jurisdicionalidade, ou de quaisquer requisitos processuais.
A dependência, ainda que temporária, do Provedor de Justiça dos meios hierárquicos é uma limitação no tempo e no âmbito dos poderes do Provedor, em colisão com o texto constitucional.
Aliás, a acção tempestiva do Provedor, que é a de apreciar as queixas dos cidadãos, dirigindo aos órgãos competentes recomendações para prevenir e reparar injustiças, desdobra-se quer na defesa da legalidade quer nas sugestões de comportamentos que estão, necessariamente, à margem da apreciação estrita dessa legalidade. E são, pela sua natureza, anteriores ou posteriores a essa apreciação.
Em nosso entender, também a matéria operacional ou classificada sobre o que pode versar a queixa exige clarificação. Assim, nos termos do artigo 3.º da proposta de lei n.º 89/VI, "constitui matéria operacional toda a informação, documento ou material que, embora não classificado, tenha por objecto o sistema de forças ou o dispositivo das Forças Armadas e das forças de segurança."
Na extensão deste artigo não se sabe onde termina o conceito de operacional idade, o qual, se consagrar um simples dever de cooperação, "não prejudica as restrições legais respeitantes ao segredo de justiça e ao segredo de Estado, onde estamos, naturalmente, centrados, numa natural autolimitação da acção do Provedor.