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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1481

de gravidez quando ela própria, e só ela, se julgue em situação de emergência.
Na Suíça, o Boletim dos Médicos Suíços, assinalando, nalguns cantões, na legislação que passou a permitir a interrupção da gravidez por razões sociais nas primeiras 12 semanas, afirmava que no período entre 1991 e 1994 se tinha conseguido, nesses cantões, o quase total desaparecimento dos abortos clandestinos.
Até na Alemanha que, parece, convirá sempre citar em matérias penais, a lei aprovada e em vigor depois de 1 de Janeiro de 1996, adoptou um sistema de prazos, sem indicação, nas primeiras 12 semanas.
Lei mais restritiva e ainda mais hipócrita que a nossa só na Irlanda, que através de um referendo considerou que era um atentado ao direito à vida do feto o aborto praticado por mulher em território irlandês, mas já não haveria atentado se fosse feito em território estrangeiro! Olhos não vêem, coração não peca!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste debate há duas perguntas que nunca são respondidas porque são incómodas aos que continuam a reclamar que a lei mantenha contra as mulheres duras ameaças com penas de prisão.
Primeira questão: a lei actual, ameaçando as mulheres com penas de prisão tem defendido o embrião e o feto? Dado que toda a gente aceita que são milhares os abortos clandestinos, esta pergunta tem uma única resposta possível, que alguns não querem dar porque seria reconhecer a hipocrisia da lei. A resposta é: não!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Segunda questão: mantendo-se a lei actual, como defendem, o que querem fazer para que ela seja eficaz? Meter as mulheres na cadeia? A esta pergunta costuma seguir-se uma ladainha sobre a necessidade de fazer mais pelas mulheres. Ninguém afirma que quer que as mulheres vão para a cadeia.
Donde, tem de concluir-se que, para os que anunciaram que estão contra a despenalização, é suficiente que tudo fique na mesma. Mas as mulheres morrem, Srs. Deputados! Mas as mulheres sofrem, Sr.ªs e Srs. Deputados! Não se alterando a lei, não se impedindo os abortos com a mesma, não se querendo meter as mulheres na cadeia - espero que não queiram - então o que se manterá é o aborto clandestino e a hipocrisia! Uma hipocrisia que destrói!

Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

De facto, não haverá lei mais ineficaz em todo o nosso Direito Penal. Não há da sociedade, nem das instâncias formais de controlo, polícias e magistrados, real vontade de promover a perseguição penal às mulheres. Mais do que ineficaz, e por isso desvalorizada, sem desempenhar qualquer papel de prevenção, a lei causa maiores males do que aqueles que diz querer evitar. É causa de morte, de doenças, de sofrimentos de mulheres. É mesmo criminógena porque contribui para fenómenos de extorsão, de coacção, de exploração da mulher.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A lei penal excede aqui um dos princípios orientadores do Direito Penal moderno, o princípio

da intervenção mínima. Ao legislador de um Estado social e democrático de direito está vedado impor aos cidadãos e cidadãs, sofrimentos desnecessários, tanto mais quanto são ineficazes.
Como escreveu S. Tomás de Aquino na Summa Theologica, «é preciso, em nome da própria moral, rejeitar as leis que, sob pretexto ideal, provocam maiores males do que aqueles que querem prevenir».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Não existindo qualquer relação de causa e efeito entre a actual lei e a realidade, tem de concluir-se que a mesma se radica em velhos preconceitos sobre o papel da mulher do mundo. A mulher receptáculo para procriação. A mulher objecto.
Foi isto, que ressaltou de algumas demagógicas campanhas, destituídas de qualquer ética, ofensivas do mais elementar decoro, ofensivas da sociedade pluralista que somos, e onde lutamos pela liberdade de consciência, pelo direito de cada um a desenvolver a sua personalidade segundo os seus próprios códigos éticos, espirituais, morais e religiosos.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O que ficou no ar, no discurso de alguns, supostamente piedosos, foi a intolerância expressa na litania. «As mulheres não têm o direito de ...Não têm o direito, as mulheres..».
E as mulheres interrogaram-se, sobre os seus direitos. Sobre o que Estado lhes exige. Sobre o que o Estado não faz. As mulheres, como pessoas humanas, são titulares do direito à vida, à saúde, do direito à intimidade da vida privada, ao bom nome e reputação, à dignidade, à maternidade consciente, do direito a constituir família com ou sem filhos, do direito à liberdade de consciência, à participação na vida pública, do direito à segurança no emprego, à realização pessoal na família e na sociedade.
Tantos direitos por cumprir, Srs. Deputados!
Que dedo acusador levantam as mulheres contra o Estado que as humilha porque não podem ter mais filhos, ou não podem mesmo ter filhos? Alguns, nos últimos tempos, tentaram apropriar-se das acusações, de tal forma que mais parecia estarmos nas vésperas de um 8 de Março! Falaram muito da situação dramática das mulheres, da falta e precaridade do emprego, da pobreza feminina, das crianças. Objectivamente, tal postura destina-se a calar a sua consciência, que bem lá no fundo condenará a hipocrisia da lei repressiva.
E prometeram o mundo às mulheres, prometeram-lhes o céu levado à cena num teatro, como diria Natália Correia.
Mas a vida das mulheres portuguesas, não é um sonho de bonecas de porcelana, a quem basta esperar a varinha de condão de uma recheada carteira! Num país com a maior taxa de pobreza da União Europeia, num país que apresenta taxas elevadíssimas de pobreza nas crianças e jovens até aos 17 anos, com especial incidência na faixa etária dos 0 aos 6 anos, pergunta-se se é assim que o Estado garante o direito à vida das mulheres e das crianças, se é assim que o Estado garante o direito à paternidade e maternidade conscientes, se é assim que o Estado garante o direito a constituir família, se é assim que o Estado garante protecção à vida humana em potência.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.