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1482 I SÉRIE - NÚMERO 42

Pergunta-se se é crível o discurso daqueles que descobriram de súbito que até o planeamento familiar seria arma de arremesso contra a despenalização, quando é certo, como relembrou o Dr. Albino Aroso, que esses foram os que mais lutaram contra o uso de meios anticoncepcionais que não fossem os métodos arcaicos.
Nós sempre lutámos pela efectivação dos direitos sociais e económicos dos pais e das mães, aí sendo a sede privilegiada para o Estado demonstrar o valor que atribui à vida humana em potência que é a vida infra-uterina. Mas não nos bastamos com isso porque o problema do aborto não foi resolvido em países muito mais desenvolvidos apenas com as medidas sociais porque perceberam que se trata de um problema de saúde pública que o Estado tem o dever de resolver.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está hoje em causa é a censura que a própria, vida faz da lei penal, e o que temos de saber é se a lei que temos é própria de um sistema democrático, pluralista, ou se conserva ainda resquícios de uma ordem jurídica intolerante, que, alheada dos efeitos criminógenos dessa mesma intolerância, quer impor às cidadãs sofrimentos desnecessários.
Estas não são, pois, questões do foro íntimo dos Srs. Deputados. A política criminal, as linhas orientadoras de um Direito Penal de um Estado de direito democrático, não podem ser definidas pelos códigos morais dos que foram investidos num mandato para resolver os problemas de toda a população.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

E quando na sociedade não existirem consensos sobre a criminalização, o Direito Penal perde legitimidade quando cede aos códigos de alguns e exerce censura aos que têm concepções de vida diferentes. Por isso, hoje ninguém se pode refugiar atrás da sua consciência, ou atrás de pressões ilegítimas, por mais elevado que seja o estatuto das pessoas que tais pressões exercem. Porventura faltará a essas pessoas a clarividência de se aperceberem que estão a lidar com a lei criminal, com uma lei feita por seres humanos e não por Deus ou deuses, restringindo com a ameaça de prisão a liberdade de consciência das mulheres. Estão a lidar com um problema que não trata de convicções religiosas.
O que foi compreendido noutros países com uma grande tolerância por parte de diversos credos religiosos, que recusaram a ver consagrada na arma mais terrível do Estado - o Direito Penal - a sua concepção de vida. A lei penal deve ser, de facto, a lei que permita a convivência, e não pode impor a uma parte da população as convicções morais de outra parte.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Importa recordar-lhes a situação única em que se encontra a mulher com as palavras da célebre sentença Casey do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América: «A mãe que leva uma gravidez até ao fim está sujeita a ansiedades, a pressões físicas , a sofrimento que só ela sabe avaliar.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O reconhecimento do valor de um bem jurídico não basta para justificar o uso de sanções penais, como se reconhece, por exemplo, no. Acórdão n.º 85/85 do Tribunal Constitucional, e como é reconhecido por todos os penalistas, sem excepção.
Assim, a Assembleia da República tem plena liberdade para decidir a despenalização.
Estamos aqui confrontados com o núcleo fundamental do projecto do PCP: a despenalização da interrupção voluntária da gravidez quando feita em estabelecimento hospitalar oficial, ou clínicas oficialmente reconhecidas, nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher; a despenalização acompanhada da consagração do direito a recorrer ao sistema de saúde pública para que o aborto se faça em condições seguras, para que as mulheres não arrisquem a vida e a saúde, nomeadamente as mulheres que não podem recorrer a clínicas, em Portugal, ou no estrangeiro.
Não se trata de liberalizar o aborto. Liberalização foi uma palavra que alguns, que até estão a favor da despenalização, inconscientemente utilizaram, dando voz às concepções daqueles que não reconhecem à mulher o direito à sexualidade, e que lhe querem impor, tão-só, o dever de procriar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aqueles que, como no poema de Natália Correia, dizem à Feiticeira Cotovia «Confessa que és uma harpia/que tens comércio com Vénus/e que és o leito de orgia/de poetas obscenos».
Liberalizar o aborto seria aquilo que até já foi recomendado publicamente - e, por sinal, por um dos mais destacados opositores da despenalização: suprimir na lei todas as referências ao crime de aborto. Assim, a mulher teria plena liberdade de o fazer onde entendesse: em casa, na vizinha, na parteira, na clínica privada, no consultório médico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas esta proposta de liberalizar revela a mais absoluta indiferença pelas mulheres das classes desfavorecidas, pelas mulheres trabalhadoras, pelas mulheres sem disponibilidades económicas para recorrerem à segurança de um abono feito por médicos. Esta proposta é feita por quem sabe que a mesma mais não faria que acentuar a discriminação das mulheres pobres.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Despenalizar, como propõe o PCP é coisa bem diferente!
Como pode encontrar-se justificação, por exemplo, para penalizar a mulher que engravidou involuntariamente, porque falharam os métodos anticoncepcionais, ou nem sequer os conseguiu na consulta de planeamento familiar, e não pode levar a gravidez a termo por recear perder o emprego ou por ver limitadas as suas possibilidades de acesso ao mercado de trabalho?
Como pode penalizar-se uma mulher que engravidou de uma relação sexual não desejada com o companheiro que lhe proíbe o uso da pílula, que ela tem de esconder em casa da vizinha, e não pode ter mais filhos, sob pena de colocar em perigo a subsistência do agregado familiar e a própria vida da criança que não desejou?