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1204 I SÉRIE - NÚMERO 36

O Orador: - É que, verdadeiramente, Sr: Deputado, eu próprio e o senhor fomos eleitos Deputados à Assembleia da República, o que significa representar os eleitores, os portugueses. Mas o senhor, tal como eu, não recebeu, nas últimas eleições, nenhum mandato para alterar a legislação sobre o aborto - bem pelo contrário! O senhor está a fazer o contrário do que foi prometido aos portugueses!

Aplausos do PSD.

Seria bom que o senhor tivesse a coragem de desmentir aqui as afirmações públicas que estão feitas. Não as inventei.
O que há de maior desrespeito na vida pública, o que
é mais desprestigiante para a democracia é quando um dirigente político não honra os seus compromissos, não se curva perante a sua palavra, dá o dito por não dito perante o eleitorado.

Protestos do PS.

Isto é que é grave e irresponsável!

Aplausos do PSD.

Mais grave - e o senhor não o disse - é saber por que é que, há um ano, assumiu um compromisso. Que eu saiba, o senhor também era Deputado há um ano atrás, que eu saiba, o senhor também assumiu esse compromisso. De há um ano a esta parte, aumentou o número de portugueses que querem pronunciar-se. O Sr. Primeiro Ministro, ontem mesmo, fez saber que mantém a sua opinião sobre esta matéria. E os senhores o que fazem? Fazem tábua rasa de tudo isto! Porque os senhores sacrificam a pureza dos princípios, a verdade democrática, aos princípios da táctica, da conveniência e do oportunismo político. Esta é que é a realidade!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, não se trata de uma questão de «propormos referendos por tudo e por nada», até porque, em todas estas matérias relativas a referendos, aos três que foram prometidos aos portugueses, que eu saiba, o senhor, tal como eu próprio, comprometeu-se com todos eles.
Quanto a um deles é que está a mudar de opinião!
Aliás, vamos ver «o andar da carruagem» para verse o senhor e a sua bancada também não mudarão de opinião relativamente a outros compromissos desses.

Aplausos do PSD.

Já não chega o Governo que V. Ex.ª apoia fazer coisas virtuais, agora também andam a prometer aos portugueses «referendos virtuais»: todos previstos na Constituição mas nenhum para realizar!
Os portugueses já estão fartos de ouvir falar em referendos. O que querem é que os seus representantes façam, de facto, o que prometem.
Assim, digo-lhe, a concluir: das suas palavras, interpreto que, afinal, não tem uma objecção de princípio à questão do referendo sobre esta matéria. Por isso mesmo, aqui lhe digo que, na altura própria, no tempo subsequente à votação de hoje, será confrontado com uma proposta clara e nítida sobre a questão de fundo e a questão de princípio, ultrapassando dificuldades processuais e outras. E quero ver se, nessa altura, vai existir coerência e honestidade política para votar favoravelmente a nossa proposta relativa ao referendo sobre o aborto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Deixemos a discussão virtual dos referendos e regressemos às questões de fundo.

Aplausos do PS.

A repressão penal do aborto não corresponde às aspirações humanistas e liberais da sociedade democrática portuguesa.
O facto de se negar à mulher o direito de escolher livremente ter ou não ter filhos, esse, sim, é uma vergonha e implica uma forma particular de discriminação, a qual põe em causa não só a sua dignidade como o seu direito à vida privada e à liberdade individual.
Assim, o desafio que hoje se coloca ao Estado não é o de saber se o aborto deve ser feito ou não, se é um acto pecaminoso ou se colide com opções transcendentais ou pessoais do cidadão. O que se coloca ao Estado é saber se quer penalizar, punir e prender uma mulher que aborta, e em nome de quê.

Vozes de alguns Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que se coloca ao Estado é ainda, e desde logo, o porquê de não ter regulamentado a lei vigente, criando condições para a sua aplicação.
De acordo com dados disponíveis, só 17 hospitais praticam em Portugal interrupção voluntária da gravidez, invocando os restantes falta de meios e recursos, quando não «objecção genérica de consciência».
O que se vai colocar ao Estado, a partir de agora, é a criação de condições e serviços para acolher a opção da licitude do aborto, na livre e responsável vontade da mulher, decorrido um prazo dentro do primeiro trimestre da gravidez.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: «O poder punitivo do Estado exerce-se primariamente no sentido do controlo do crime; ou vistas as coisas de outro lado, no sentido da protecção das condições essenciais da vida do homem na comunidade, e assim, da livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada um».
Em referência ao aborto, perguntar-se-á, por isso, com ironia dramática, se este afirmado controlo do crime tem sido alcançado? Ou não estaremos todos seguros da ínfima participação e acção criminal, comparada com os números estimados de abortos clandestinos anuais?
E por que é que falha, então, tão rotundamente a acção penal?
Por que é que o Estado punitivo é, neste caso, no geral, incapaz, inócuo, quase inexistente?
A resposta deve procurar-se, sobretudo, no facto de a lei vigente da criminalização do aborto ser uma lei divorciada da vida, contra a mulher, ferindo as aspirações liberais e humanistas dominantes na sociedade democrática portuguesa.

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5 DE FEVEREIRO DE 1998 1215 Sou, e sempre fui, um defensor do direito à vida, da dignidade
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