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I SÉRIE-NÚMERO 60 2220

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No passado sábado, dia 13, o Sr. Presidente da República efectuou uma visita evocativa ao Forte de Peniche, para a qual convidou um grupo de ex-presos políticos. Um grupo onde se reflectia a diversidade de gerações, de percursos e filiações ideológicas de que a resistência ao anterior regime foi feita, através do qual quis o Chefe de Estado homenagear todos os que, no decurso dos anos, passaram por essa prisão política.
O Grupo Parlamentar do PS quer sublinhar o significado desta iniciativa e a sua oportunidade. Na verdade, como disse o Sr. Presidente da República, durante a cerimónia de grande dignidade e simplicidade realizada nesse Forte, há um dever de memória a que não se pode nem deve fugir, pois, tanto para os povos como, individualmente, para os homens e mulheres que os compõem, é nessa memória e que se têm de fundar os alicerces da construção do futuro: Bem pode um antigo ministro da ditadura, reconvertido ao show business televisivo, despudoramente falar de Salazar e do Estado Novo brincando com as palavras e fazendo afirmações mistificadoras;...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Deve estar a pensar no Ministro Veiga Simão!

O Orador: - ... bem podem certos colunistas e cronistas blasés, comodamente usufruindo da liberdade cujo valor não sabem medir, considerar que é uma perda de tempo e manifestação de passadismo a evocação dessa nossa história recente porque «não teria sido tanto assim»... ; bem podem outros jogar com os conceitos, relativizar os acontecimentos, branquear personagens...; bem podem todos os ressentidos que não se conformam com a democracia, os coxos de carácter, os ignorantes e os tontos afirmar até que o fascismo nunca existiu. Os factos, na sua crueza, aí estão para os desmentir, assim como ainda o testemunho. vivido de muitos que têm a obrigação, enquanto cidadãos, de transmitir às novas gerações esse testemunho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São os factos que nos dizem que, de 28 de Maio de 1926 a 25 de Abril de 1974, não obstante as diversas fases que marcaram este longo período, o regime que durante ele vigorou caracterizou-se pela negação, de forma continuada e institucionalizada, dos direitos, liberdades e garantias definidores de um Estado de direito e democrático, nem sequer respeitando a letra da Constituição em que se fundaria a partir de 1933.
Não deixa de ser significativo - tristemente significativo - que, hoje, passados quase 25 anos sobre o Movimento dos Capitães, ainda não tenha sido feito um levantamento fidedigno, estatístico e documental das vítimas mais directas da repressão, para que se torne possível uma visão sólida e completa da violação das liberdades pelo fascismo. Esta tarefa foi iniciada pela Comissão do Livro Negro sobre o Fascismo, mas interrompida com a extinção da mesma em 1991, na sequência de medida pressurosamente tomada pelo governo de então. Assim, foi impossível a essa Comissão apurar o número exacto de pessoas presas por motivos políticos, em muitos casos porque simplesmente não eram registadas as detenções - até 1933, não se encontraram quaisquer registos das mesmas, para além de terem desaparecido os livros de entradas e saídas do Aljube, de Caxias e de Peniche. Deste modo, chegou-se a uma estimativa, muito por defeito, de 30 000 presos durante esses 48 anos.

De uma forma relativamente mais segura, apesar da imprecisão de muitos dados, pode dizer-se que, de 1932 até 1951 - período estudado e sobre o qual a Comissão do Livro Negro publicou cinco volumes de documentos -, foram presas 16 424 pessoas, das quais 554 mulheres. Curioso será notar que, de entre estes presos, seis eram menores de 15 anos, 22 já haviam completado essa idade, 63 tinham 16 anos e 121 tinham 17 anos, o que ilustra a elevada sensibilidade do regime para com a juventude e a forma como era coerente com as virtudes cristãs que apregoava. A partir das mesmas fontes, verifica-se que, durante esta fase, houve momentos em que ultrapassavam 30% os presos que cumpriram penas superiores à da condenação, isto para além de um grande número estar detido durante significativos períodos sem nunca passar diante do tribunal. De 1936 a 1946, foram deportados para o campo de concentração do Tarrafal uns 369 presos, muitos dos quais sem julgamento. Só entre 1936 e 1938 morreram 10 pessoas nesse campo e 15 nas cadeias políticas da metrópole, num total de 70 falecimentos de presos registados durante os 19 anos estudados.
O principal instrumento de repressão era, como se sabe, a polícia política, formada em cooperação com as congéneres nazi e mussoliniana, e que ocupava um lugar nuclear na estrutura político-administrativa do regime. A polícia cabia instruir os processos e decidir, de forma casuística, sobre o tempo de incomunicabilidade total dos detidos, que podia ir de meses até anos. A assistência de advogado, durante os interrogatórios e na fase de instrução do processo, era simplesmente recusada, ostensiva e sistematicamente, e, regra geral, o arguido tinha pela primeira vez contacto com o seu defensor na altura do julgamento. Julgamento efectuado por tribunais de excepção - os, célebres tribunais plenários. Igualmente cabia à polícia a decisão de aplicação ou prorrogação de medidas de segurança, por períodos renováveis de um a três anos (mais tarde de seis meses a três anos). E escusado será referir como era prática contínua e «normal» o recurso a técnicas e a meios de violência fisica e psicológica para extorquir declarações.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao, recordar-vos estes dados dispersos de uma história que, infelizmente, ainda está por fazer com todo o rigor e amplitude, pretendo sobretudo acentuar, muito esquematicamente, que, quando se fala da repressão no regime que vigorou até 25 de Abril, não se está a falar de incidentes pontuais e dispersos de violação dos Direitos do Homem e do cidadão mas, sim, de uma violência institucionalizada que estava no cerne desse mesmo regime. Um regime cujo sistema de dominação assentava na acção eficazmente exercida sobre a sociedade e as pessoas em todas as frentes, não só através da policia mas também de muitos outros instrumentos como a censura, o controlo ideológico e religioso do sistema educativo, a.manipulação pelo medo e o incentivo à delação, a que se juntava, naturalmente, a inexistência de liberdades sindicais e laborais, a diabolização da política e a imposição do partido único. E tudo isto sob a capa de um formalismo legitimador, à imagem da hipocrisia fradesca do ditador que conseguiu fazer de Portugal um país «em diminutivo», como dizia Alexandre O'Neill.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Costuma dizer-se que a Revolução foi generosa ao deixar impunes os principais responsáveis pelos aspectos mais odiosos do fascismo e, nomeadamente, por