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2432 I SÉRIE-NÚMERO 66

dem ser controversas; (...) só na fase do articulado é que surgirão plasmadas as escolhas que neste momento se traduzem em desenvolvimentos doutrinários de princípios constitucionais.» O relatório, continuo a citar: «quase esquece os arquivos, museus e bibliotecas (...); só o património arquitectónico e arqueológico mereceram atenção (...); o relatório parece não dar atenção às particularidades suscitadas pelo enquadramento natural e paisagístico dos bens culturais e imóveis, nomeadamente parques e jardins.»
Cito, ainda, o Dr. Elísio Sumavielle que, num artigo do semanário Expresso, em Maio de 1988, afirmava: «A actual lei talvez não desmerecesse uma revisão e um desenvolvimento transversal mais facilmente consensualizáveis (...); no relatório em questão não se vislumbra uma nova lei e, como alternativa ao sistema em vigor, pouco ou nada se encontra de inovador. E assim, quanto ao sentido da futura proposta de lei, permanecemos no denso nevoeiro; (...) só por vaidade ou estultícia se poderá pretender que uma nova lei de bases do património cultural redima as contradições e as carências existentes no sector, por qualquer milagrosa e momentânea unicidade redentora.»
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr." e Srs. Deputados: Muitos outros exemplos poderiam ser dados mas todos mantém o mesmo traço. Desconhecendo o conteúdo da proposta de lei, os muitos interessados na discussão pública, que não existiu, propõem-se descobrir no relatório intercalar os indícios, os vestígios que irão constituir a arquitectura do texto/proposta e relativamente ao qual têm opiniões que advêm do saber, da experiência e do trabalho realizado em prol do património.
Se confrontarmos esta decisão do Executivo de apresentar à Assembleia da República uma iniciativa legislativa sobre o património cultural com o Programa deste Governo na área da cultura, não se entenderá, porque eram outras as propostas apresentadas. Propunha-se o aperfeiçoamento e a regulamentação da Lei n.º 13/85 e proponha-se também a aceleração e sistematização do inventário do património cultural móvel.
Daí que o relatório intercalar tenha sido entendido - quase por todos - como documento preparatório de uma actualização e regulamentação da lei que visasse a sua operacionalidade. Até porque só um decreto-lei de desenvolvimento foi publicado nestes últimos 15 anos e visa, concretamente, o património subaquático. Tudo o resto ficou por fazer!
Não se regulamentaram as normas concretas de associar as populações às medidas de protecção, de conservação e de fruição do património cultural, que estava previsto no artigo 3.º, por exemplo, não se fixaram os critérios genéricos de classificação, que estava previsto no artigo 10.º; não se esclareceu o procedimento de classificação de imóveis de «valor cultural» por parte das regiões autónomas e das assembleias municipais e dos termos da intervenção do Ministério da Cultura no respectivo procedimento, que estava previsto, como sabem, no artigo 26.º; não promoveu o Governo a regulamentação da compra, venda e comércio de antiguidades e outros bens culturais móveis e, simultaneamente a fiscalização do seu cumprimento, que estava previsto no artigo 31.º. Estas são só algumas das matérias que ficaram à espera do desenvolvimento e da regulamentação.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Bem podem esperar!

A Oradora: - Perante esta incapacidade de operacionalidade da Lei n.º 13/85, por parte de todos os governos, o mínimo que se exigia, relativamente à proposta agora em debate, é que ela fosse capaz de suprir as lacunas existentes e de propor, 15 anos depois, um quadro conceptual actualizado e propostas inovadoras susceptíveis de pôr cobro à degradação do nosso património cultural, porque a situação exige, mais do que instrumentos legislativos, vontade política para salvar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Salvar os centros históricos que não resistem à pressão urbanística desqualificada e à especulação imobiliária; salvar os monumentos, mesmo os classificados, que se degradam porque os técnicos de prevenção e restauro são poucos e sem meios para actuar; salvar os museus que lutam com falta de verbas para salvaguardar os seus espaços e as suas colecções; salvar os bens móveis que desaparecem das igrejas e das pequenas capelas, sem haver, sequer, o mínimo registo descritivo que permita a sua recuperação. E só se pode salvar, proteger e conservar aquilo que se conhece. E só se conhece, se estiver devidamente inventariado. E o inventário dó património nacional contínua por fazer, sendo, no entanto, o mais eficaz instrumento de controlo das existências, salvaguarda dos bens e combate efectivo ao comércio clandestino de obras de arte e à mercantilização da cultura. Sem inventário, não faz sentido a criação de uma nova lei do património cultural.
Portugal é o único pais da Europa comunitária que não foi capaz, até hoje, de definir as suas próprias doutrinas de inventário e de o realizar. E esta questão só se resolve, na nossa opinião, com uma autonomização do sector de inventariação, em nome da gestão integrada na área cultural, com o Estado a assumir de vez as suas prerrogativas, harmonizando acções interministeriais da cultura, do ambiente, do plano e das finanças e junto das autarquias, da Igreja, dos privados ë demais detentores de bens patrimoniais.
Mas, voltando à proposta de lei em debate, ela não evolui relativamente à lei em vigor, ela não incorpora os novos conceitos que já constituem matéria de discussão em reuniões internacionais e que implicam uma visão de património mais abrangente, tornando-o instrumento de desenvolvimento social e económico.
Sr. Presidente Srs. Membros do Governo, Sr.ªs Srs. Deputados: A confusão dos conceitos, a contradição ao articulado, quando sujeito a uma leitura comparativa, o desconhecimento do país real, a defesa de uma atitude centralizadora que desmotiva a participação democrática e incentiva o alheamento e a simultânea desresponsabilização do Estado por omissão são os caminhos que estruturam a proposta e onde se perde o valor memorial e identitário do povo português.
Vejamos alguns exemplos: o artigo 4.º pretende contratualizar a administração do património cultural, com «empresas especializadas» ou «entidades interessadas» para «prossecução de interesses públicos»; como é licito