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31 DE MARÇO DE 1999 2437

Património cultural são também os modos tradicionais de fazer, que contam a história da sabedoria do homem português na utilização daquilo que a natureza colocou á sua disposição.
Património cultural é o artesanato, é a gastronomia, são os produtos regionais.
Cláudio Torres fala muito da agricultura tradicional: o saber amanhar a terra, comer da terra, meter a água na terra Diz ele que «não é possível separar um monumento do seu passado, dessa coluna vertebral que foi a sabedoria da terra. Não é possível salvar Alfama sem salvar a pesca no Tejo.»
As paisagens e os modos tradicionais de fazer são traços distintivos do povo português, com relevância acrescida numa Europa que uniformiza, num mundo com tendência para a cultura única.
Num debate parlamentar sobre cultura, em 1992, o Partido Ecologista Os Verdes falava da cultura «num sentido mais amplo e mais profundo: a cultura feita de culturas».
A destruição de uma paisagem relevante é sempre um acto anticultural. As tentativas de normalização dos processos de fabrico de vários produtos alimentares por parte da União Europeia, a que Portugal assiste sem resistência, são actos anticulturais, atentatórios do nosso património, para além de economicamente desvantajosos para o nosso país, porque este património constitui factor determinante de desenvolvimento económico e social, são recursos preciosos para uma actividade turística de qualidade.
Daqui se conclui que ambiente e património cultural são indissociáveis, que da conservação da natureza faz parte a protecção e valorização do património, que os Ministérios da Cultura e do Ambiente devem trabalhar em parceria, que as áreas protegidas deverão ter também como objectivo fundamental o cuidar do património cultural. Infelizmente, não tem sido essa a política do Governo.
O Ministério do Ambiente, que tem tantas dificuldades em fazer respeitar a necessária transversalidade da sua política, fecha-se ao que não é ambiente num sentido demasiado estrito.
Esta proposta de lei de bases do património cultural reconhece, de algum modo, a importância da paisagem. No entanto, não resulta claro o reconhecimento das paisagens enquanto património cultural, digno de protecção porque evidência da vivência do povo português. Do mesmo modo que não resulta clara e explícita a protecção do artesanato, na sua multiplicidade entendido.
Num País que não reconhece ao artesão, na comercialização da sua produção, estatuto diferenciado ao do vendedor ambulante, num País onde o ensino das artes e ofícios está absolutamente carenciado de valorização, a não referência explícita ao artesanato numa proposta de lei que procura determinar as bases da política para o património cultural parece-nos particularmente gravoso.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: À riqueza, em quantidade e qualidade, do nosso património nunca correspondeu uma forte e determinada vontade política para a sua protecção e valorização.
São, infelizmente, comuns os casos escandalosos de desleixo, de incúria e de abandono a que é votado grande parte do nosso património, sendo os mais visíveis aqueles que se relacionam com os bens imóveis.
A não regulamentação da lei é mais uma prova deste desleixo. As causas radicam, sobretudo, numa operação de desenvolvimento que tende a ignorar os recursos endógenos como actor determinante de criação de riqueza. A esta concepção corresponde a relativa falta de importância atribuída, em termos governativos, ao património, com a consequente feita de meios, descoordenação da acção, dispersão de energias dos agentes culturais envolvidos.
Entre os diferentes serviços da administração central as relações nunca foram pacificas. O não ter claro quem é responsável pelo quê, quem deve ter meios para quê, implica, muitas vezes, a inércia.
A distribuição de competências e responsabilidades entre os diferentes níveis da administração também nunca foi clara. Esta proposta de lei parece não estar apostada em resolver estas questões.
Às autarquias propõe-se que fiquem como espectadoras do lamentável abandono a que é votado o património, ali, à frente dos seus olhos. Autarquias que quase sempre têm procurado, dentro do possível, contrariar esse abandono, investindo em obras de manutenção e até de recuperação. Chega-se ao ridículo de assinarem contratos de arrendamento de monumentos propriedade do Estado para poderem mante-los visitáveis, como acontece, por exemplo, com o castelo de Sines, monumento nacional onde nasceu Vasco da Gama.
Exemplo também trágico é o das ruínas de São Cucufate, as únicas ruínas romanas da Península Ibérica onde se mantém de pé o primeiro andar de um edifício. Propriedade do IPPAR, teve de ser a Câmara Municipal da Vidigueira a fazer alguns investimentos no local, os quais são, obviamente, insuficientes. A incúria dos sucessivos governos permitiu já a lamentável e irreversível destruição, pelo desabamento, de duas abóbadas, uma das quais em 1998.
Há também exemplos em que outras actividades económicas se tornam inconciliáveis com a protecção de imóveis. Ë o caso de Vila Viçosa, onde o tráfego pesado originado nas pedreiras está a infligir danos ao riquíssimo património daquela vila sem que algo simples como uma variante urbana para desviar o tráfego consiga ser considerada prioritária por este Governo.
Depois, há ainda exemplos de intervenções perfeitamente infelizes, de que Sagres será, porventura, o caso paradigmático.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, nesta, como noutras áreas, o conhecimento do que temos, onde se encontra e em que estado está é fundamental para a prossecução de uma política de protecção e valorização consequente. Sintomaticamente, também nesta área, um inventário tarda em consistir-se como elemento de base das políticas do Governo.
Em 1992, o Secretário de Estado da Cultura dizia que «o inventário do nosso património,(...) prossegue em ritmo acelerado». Anos volvidos, milhões foram perdidos e do inventário nada! Os técnicos contratados para a sua realização foram «desviados» para outros trabalhos porque é gritante a falta de recursos humanos.
Sr Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: De acordo com a Constituição da República Portuguesa, incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais, promover a

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