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4804 | I Série - Número 114 | 26 de Abril de 2003

 

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - O mundo que temos e o mundo que queremos. O mundo que temos é, agora, um que se contenta com uma democracia pequenina? Onde, ao arrepio de todo o direito internacional e de muitas outras revoltas de cravos e pinheiros bravos, assistimos ao poderio político e bélico da única grande potência, hegemónica, arremessado sobre um país que sufocou durante décadas sobre um ditador, servindo a democracia sobre lápides tumulares, chacinando famílias e crianças, implodindo património, identidade, história e cultura e negociando-se em milhões em cima e por baixo de mesas de cadáveres, escombros e muita, toda a sombra.
O mundo que temos e o mundo que queremos. Um Portugal que volta atrás, que se modernizou na fachada, mas deixou em putrefacção o recheio, como se de um cenário se tratasse, onde ainda grassa a fome, o analfabetismo, a doença. Onde fermenta o absentismo e o alheamento da participação política. Onde a garantia constitucional e fundamental de um Serviço Nacional de Saúde e democratização do ensino parecem ainda oásis, ou, às vezes, apenas miragens… como se a saúde e a educação fossem tão-só e apenas bens de consumo como quaisquer outros, podendo ser assim sujeitos a toda e qualquer regra de mercado neoliberal, privatizados, negociados e tornados em lucro.
Um País onde continuamos a ser em tantas, tantas, mas tantas coisas a cauda envergonhada da Europa, que se quer nova, mas crescida. O País onde os direitos dos trabalhadores, essa imensa praça de gente com alma, muitos ganhos nessa Primavera ida, se vêem agora, sobre a égide de um pacote laboral sem escrúpulos, ameaçados, rotos e escusados, humilhados e ofendidos. Um conjunto de medidas que fragilizam conquistas tão progressistas à época quanto essenciais, como o direito à greve, a contratualização colectiva, a redução e o respeito pelos horários de trabalho.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Um pacote laboral que enferma de inconstitucionalidades, que permite contratos a prazo de seis anos, a não reintegração em caso de despedimento ilícito, que alimenta a alienação do trabalho, ao invés de o esculpir na forma da realização individual e do desenvolvimento de todos. O País que menos gasta com os trabalhadores e que ainda lhe carrega nos ombros o insucesso da produtividade como se fossem esses braços esforçados que mapeiam as estratégias empresariais, ou definem as leis e regras de mercado. O País amnésico da alteração radical das relações historicamente injustas e desequilíbrios entre o capital e o trabalho que foi a Revolução de 1974/75.
Que País temos, que País idealizámos. Não será certamente o País que pretende assinalar o aniversário da Revolução com a reforma do sistema político que ainda afasta mais os cidadãos da política e do exercício da sua cidadania.
O País que ambicionamos não é, certamente, o da degradação ambiental, da intolerância e desprotecção aos emigrantes, da intolerância racial, étnica e social, da discriminação da orientação sexual ou de género. O País que queremos não é o reaccionário sobre os direitos das mulheres, que continuam a ser as mais pobres entre os pobres, as que mais trabalham e menos ganham e que, sinistramente, ainda nem sequer podem optar por ter, ou não, um filho.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - O mundo e o País a que temos direito é esse outro onde a data não resvala para uma efeméride oca e coquete, onde a política não é demissionista e os cidadãos normalizados, onde a luta, a esperança e a convicção pela liberdade se tece todos os dias e se renova todas as manhãs.
É o mundo de uma globalização outra, alternativa, onde os povos e as gentes, os que nasceram antes e depois do 25 de Abril e na memória dos que já não estão, sai às ruas, às praças, ou até mesmo às rotundas do progresso de postal, clama pelo que lhe é de direito, pelo que lhe pertence. E, senhoras e senhores, o que lhe pertence é, antes de tudo e em primeiro lugar, a liberdade. Essa que se reinventa e refunda agora em todos os continentes e em todas as cores, enquanto que repensamos de novo e para sempre o que é a democracia e a liberdade. Por Timor, esse sim, um Estado conquistado pelo seu povo à geopolítica imperial. Em Seattle, Nice, Montreal, Génova, Florença, Sevilha, em Porto Alegre, aqui, no Rossio, clamando por justiça social e paz mundial, aí e além, em muitas cidades e vilas portuguesas, em muitos olhos que olham e vêm, que não desistem, tal como na aurora que hoje celebramos, a da resistência, insubmissão, pureza e conquista popular contra a censura, a repressão e o absolutismo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta manhã, hoje e no amanhã que sempre volta, queremos a força, a paixão e a iniciativa de há 29 anos atrás. Jorge Luís Borges dizia que o passado reescreve-se no agora. Não nos quedaremos num passado nostálgico, numa narrativa acabada, ou nos iludiremos com conquistas definitivas. Fiéis à memória, iremos disputar a história.

Aplausos do BE, do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.

Protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

O Sr. Presidente: - Em representação do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Para muitos de nós, a Revolução de Abril é um daqueles momentos da nossa história em que nos assalta o apelo de saber mais. E, se possível, que esse urgente conhecimento nos permitisse sentir uma espécie de presença, mesmo que breve e ilusória, ali nas ruas daquele tempo. No fundo, fica a indisfarçável vontade de que pudéssemos ter sido também personagens dessa história.
É que, para muitos de nós, para cerca de um terço da população portuguesa, a Revolução dos Cravos aconteceu antes de termos nascido. O que torna ainda mais necessária, cada vez mais necessária, uma pedagogia dos verdadeiros ideais e valores do 25 de Abril.