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0027 | I Série - Número 014 | 20 de Outubro de 2006

 

A despenalização da interrupção voluntária da gravidez, nas primeiras 10 semanas, procura tão-só retirar da prisão mulheres fragilizadas, que não são criminosas, e combater o aborto clandestino, acabando com uma atávica discriminação social e económica, ao mesmo tempo que ajuda a resolver um sério problema de saúde pública.

Aplausos do PS.

Ao submeter a presente questão a referendo, o PS cumpre mais um compromisso eleitoral. Ao contrário de outros, entende que, nesta matéria, não deve haver lugar para ambiguidades ou evasivas. Temos uma posição clara e damos a cara por ela. Caberá agora aos portugueses, participando no referendo e votando "sim", acabar com esta humilhação infligida às mulheres, substituindo uma lei injusta, perversa e ineficaz por uma lei justa, equilibrada e razoável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa hoje levada a cabo pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, como já aqui foi dito, concretiza um compromisso público assumido variadíssimas vezes, em variadíssimas ocasiões e em variadíssimos lugares.
Aquilo de que hoje verdadeiramente se deveria ter tratado era, não da resposta que cada um de nós deve dar ou vai dar na consulta proporcionada pelo referendo, mas, sim, se o referendo é o instrumento adequado para proceder a essa consulta.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Para este grupo parlamentar, no seu entendimento maioritário, deve ser essa a metodologia a adoptar porque foi a expressa e explicitamente apresentada a sufrágio eleitoral. Existe, pois, em meu entender, um mandato inequívoco nesse sentido.
Neste contexto, não vou eximir-me a tecer algumas considerações sobre o que penso, sobre a pergunta a referendar e sobre a questão de fundo, em si.
Jurista de formação, quer na Misericórdia de Lisboa, quer na Saúde, quer na Igualdade, ocupei posições privilegiadas de observação que constituíram e alicerçaram o meu modo de ver esta questão, do ponto de vista da política criminal, da saúde pública e do ponto de vista social.
Como jurista, revejo-me no Acórdão n.º 85/84 do Tribunal Constitucional, reinvocado em 1998, que sustenta que as medidas penais, sobretudo as privativas da liberdade, só são constitucionalmente admissíveis - e repito "admissíveis" - quando sejam necessárias, adequadas e proporcionadas à protecção de determinado direito ou interesse constitucionalmente protegido e só serão constitucionalmente exigíveis - repito "exigíveis" - quando se trate de proteger um direito ou bem constitucional de primeira importância e essa protecção não possa ser garantida de outro modo.
"Parece evidente…", prossegue o citado acórdão, "… que é bastante mais gravosa a penalização indevida do que a falta de penalização, lá onde ela deveria existir: pode haver alternativas para a penalização, não há remédio para a penalização desnecessária ou injusta (…)
No caso do aborto e da garantia da vida intra-uterina, outros meios de tutela e de combate ao aborto existem que devem preceder os meios penais, e cuja ausência ou insuficiência tornam mais gravosas e desproporcionadas as normas penalizadoras sob um ponto de vista jurídico-constitucional. A tutela penal há-de ser a última ratio das medidas culturais, económicas, sociais e sanitárias e não um sucedâneo para a falta delas".
Para mim, a questão central do debate a realizar é a de saber se a sanção actualmente em vigor se aplica a todos os que cometem o mesmo crime. E a esta pergunta, a resposta só pode ser "não". E é "não", porquê? Porque a gravidez resulta de um acto praticado a dois, a decisão de a interromper é praticada muitas vezes a dois e fortemente influenciada pela pressão social que classifica como "vergonhosos" determinados comportamentos ou situações que a assunção da gravidez poderia revelar. A Roda da Misericórdia de Lisboa constitui repositório e registo histórico extraordinariamente expressivo.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - Mas, neste triângulo "Mulher, Homem e Sociedade", só a Mulher é julgada, exposta, devassada, vilipendiada e condenada. Na esmagadora maioria das vezes, o Homem nem aparece ou desaparece e a Sociedade, essa, então, parece que não tem responsabilidades e só dá a cara, institucionalmente organizada, para castigar. Nunca para assumir a sua responsabilidade face à prevenção que não assumiu ou não deixou assumir, nem para a reparação que nunca foi capaz de organizar de forma competente e consistente.