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51 | I Série - Número: 058 | 9 de Março de 2007

directa).
Assim, embora adepto convicto da não liberalização da interrupção voluntária da gravidez, é-me impos-
sível, em consciência, agir como se não tivesse havido referendo, desvalorizando os seus resultados e
ignorando a vontade expressa, com clareza, pelo povo português, no sentido de autorizar, em certos casos,
essa mesma liberalização.
De facto, é minha obrigação, enquanto Deputado, representar o País na sua globalidade (artigo 152.° n.°
2 da Constituição) e não posso por isso, nem devo, ignorar aquilo que esse mesmo País disse inequivoca-
mente querer no passado dia 11 de Fevereiro.
Portugal é, com legitimidade e orgulho, uma democracia representativa. Mas sempre que, por proposta,
aliás, da própria Assembleia da República, os portugueses determinarem directamente a necessidade de
seguir por certo caminho, entendo que é, no mínimo, obrigação dos Deputados, em sede de conformação
legislativa da opção política referendária, não agirem de forma a pôr em causa o sentido expresso da von-
tade daqueles que lhes cabe representar. E esta orientação deve ser válida, insisto, mesmo para aquelas
situações em que à vinculatividade política se não encontra agregada a obrigatoriedade jurídico-
constitucional.
E, a este propósito, seja-me permitido deixar aqui algumas interrogações que me parecem politicamente
determinantes (para já não falar das gravíssimas dificuldades jurídicas que se gerariam): em que posição
ficaria a Assembleia da República se os Deputados se recusassem a dar corpo, no plano legislativo, à von-
tade manifestada pelos eleitores em referendo? Que consequências teria essa actuação para as fundações
do nosso regime democrático? Em que plano ficariam as indispensáveis relações de confiança entre eleito-
res e eleitos?
São estas, muito resumidamente, as questões de princípio que me levaram a não votar contra o presen-
te projecto de lei, ao contrário do que aconteceria se apenas as minhas convicções pessoais relevassem
para a minha decisão. Porque entendo que, nestes casos, um representante eleito do povo tem, pelo
menos, a obrigação de não agir no sentido de contrariar a vontade clara do povo que nos elegeu. E porque
essa é a conclusão inevitável a que deve conduzir a concepção ética da política que tenho por acertada.
Mas também é importante deixar aqui expressa a minha profunda discordância quanto à solução alcan-
çada, por força da maioria de esquerda, no que toca ao ponto central da natureza do aconselhamento à
mulher que quiser recorrer à interrupção voluntária da gravidez.
Recordamo-nos todos como, no decurso da campanha referendária — e mesmo depois disso —, alguns
dos mais destacados defensores do «sim» — a começar pelo Secretário-Geral do Partido Socialista —
insistiram na necessidade de encontrar uma solução moderada e abrangente para o texto legal a elaborar,
aludindo para isso ao exemplo alemão.
Surpreendentemente — ou talvez não! —, quando se apanharam com a vitória nas mãos, não só esque-
ceram o que haviam dito, como optaram por soluções que apontam exactamente no sentido inverso daque-
le que haviam indiciado. E, com esse censurável comportamento, contribuíram até, a meu ver, para inviabi-
lizar o estabelecimento de um consenso alargado, que poderia e deveria ter sido procurado atenta a espe-
cial sensibilidade e delicadeza da questão da interrupção voluntária da gravidez.
Do meu ponto de vista, a opção pela natureza obrigatória ou facultativa do aconselhamento não é de
somenos importância. É que à escolha de uma ou de outra está subjacente a diferença entre uma atitude
que, sem em nada condicionar ou fazer perigar a livre vontade da mulher, visa dar-lhe conta de todos os
elementos indispensáveis a uma decisão informada e uma outra atitude que se baseia num incentivo implí-
cito à prática da interrupção voluntária da gravidez.
A afirmação anterior parece, à primeira vista, excessiva. Mas julgo que o não é. De facto, ao impedir a
consagração de uma solução legal cujo único desiderato era o de permitir uma decisão o mais informada
possível — por exemplo, em matérias como os riscos para a saúde da mulher, o apoio à natalidade e à
maternidade ou o regime de adopção —, a maioria que aprovou este projecto de lei transmite a mensagem
de que nada deve ser feito para dissuadir a mulher de praticar um acto que essa mesma maioria — como
todos nós, aliás — considera um mal em si mesmo. Fica, pois, bem patente a reserva mental com que agi-
ram muitos dos defensores do «sim».
Acresce que os pseudo-argumentos jurídicos com que alguns pretenderam sustentar a sua posição de
rejeição do aconselhamento obrigatório não têm qualquer sustentação. Na verdade, dizer que não se pode
impor o aconselhamento porque a pergunta referendária o não contemplava é a mesma coisa que dizer que
o projecto de lei ora aprovado não podia estabelecer, por exemplo, a existência de um período mandatório
de reflexão, na medida em que sobre esse tema os portugueses também não foram questionados (sendo
que o poderiam perfeitamente ter sido, atento o facto de a lei do referendo permitir que no mesmo acto se
cumule até um máximo de três perguntas).
Mas o aconselhamento, sendo uma questão especialmente relevante, não é o elemento determinante.
E, por isso, a discordância quanto a este ponto não constitui, para mim, argumento decisivo para votar con-
tra o projecto de lei em causa, porque também assim estaria a desvalorizar o sentido da decisão popular
referendária.
Eis pois, em síntese, os argumentos que me levaram, em consonância, como acima referi, com a minha
concepção ética da política, a optar pela abstenção. Mas que fique claro: a presente declaração de voto tem