45 | I Série - Número: 059 | 20 de Março de 2009
especificamente para cada uma delas. Há, aliás, evidentes implicações para os humanos (seja pela entrada 
dos medicamentos no meio ambiente, seja porque os animais a quem são administrados estão em contacto ou 
destinam-se ao consumo humano). 
A proposta de lei afirma querer eliminar a exclusividade dos farmacêuticos para a prática de actos 
farmacêuticos em medicamentos de uso animal, «tendo em vista a eminente transposição da directiva». 
Descontando o facto de alguma eminência parva (e não parda) ter confundido eminência com iminência, o 
facto é que se está em preparação a transposição da directiva (aliás, a sua gémea dos medicamentos 
humanos já foi transposta em 2006 para o novo Estatuto do Medicamento), o que se justifica é que essa 
legislação seja conhecida para podermos avaliar a alteração ao Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos agora 
proposta. 
Tanto mais que a alteração agora proposta é juridicamente um desastre. O que se faz é acrescentar ao 
artigo que diz que o acto farmacêutico é da exclusiva responsabilidade dos farmacêuticos, um número que diz 
que nos medicamentos para uso veterinário não é assim. Não fica claro se o que se visa é retirar a 
exclusividade, podendo continuar os farmacêuticos a desempenhar funções nessa área, ou se é o 
afastamento dos farmacêuticos. 
Mais absurdo é pensarmos que, com esta alteração, o acto farmacêutico pode ser desempenhado por 
outras profissões. De duas, uma: ou há alguns tipos de actos que deixam de ser considerados exclusivamente 
farmacêuticos, podendo por isso ser praticados por outras profissões, ou eles continuam a ser farmacêuticos e 
devem, portanto, ser praticados por estes profissionais. 
É que o artigo 77.º do Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos, imediatamente a seguir ao que o Governo 
quer agora alterar, define o conteúdo deste acto, incluindo nele diversas acções relativas ao medicamento 
veterinário. Este artigo não é alterado. 
É também extraordinário que se fale na concorrência e na livre prestação de serviços neste campo. Mas, 
então, se aplicarmos este princípio, vamos abrir os actos dos enfermeiros, dos médicos dentistas, dos 
médicos, dos médicos veterinários a outras profissões de forma a assegurar a livre concorrência? 
O pior é que nada disto tem a ver, realmente, com a transposição da Directiva de 1982. A referência feita 
ao n.º 2 do artigo 53.º da Directiva é capciosa. Este artigo insere-se no capítulo do fabrico e importação de 
medicamentos de uso veterinário e exige que o titular da autorização de fabrico disponha em permanência de 
uma pessoa qualificada com formação em determinadas disciplinas e com uma certa duração. A não 
nomeação do farmacêutico deverá atribuir-se à diversidade de formações e designações existentes na União 
Europeia. Entretanto, as competências exigidas para a formação (nomeadamente, a química farmacêutica, a 
tecnologia farmacêutica e a farmacognosia) só existem, segundo a Ordem dos Farmacêuticos, no curso de 
Farmácia. É, portanto, a esta responsabilidade no processo de fabrico que a Directiva se refere no artigo 53.º 
Ora, a proposta de lei n.º 204/X (3.ª) faz uma eliminação genérica da exclusividade do farmacêutico para todos 
os actos relativos ao medicamento veterinário. 
E se consultarmos a directiva «gémea», publicada no mesmo dia, relativa aos medicamentos para uso 
humano, verificamos que existem exigências idênticas, também apenas para a questão do fabrico. 
Esta Directiva já foi transposta pelo Estatuto do Medicamento de 2006, mas aqui de forma correcta, pelo 
menos neste ponto. Assim, o artigo 60.º do Estatuto impõe que o titular da autorização de fabrico tem de ter 
um director técnico e estipula: «As funções de director técnico são assumidas por farmacêutico especialista 
em indústria farmacêutica, inscrito na Ordem dos Farmacêuticos». 
Estamos perante uma situação extraordinária. Aquilo que nos medicamentos de uso humano se transpõe 
como exigência de o director técnico para o fabrico ser um farmacêutico especialista, no medicamento 
veterinário quer transformar-se numa alteração geral do acto farmacêutico. Tal incongruência é agravada pelo 
facto de se anunciar uma transposição geral da Directiva que não conhecemos e de se pedir à Assembleia da 
República que altere radicalmente a definição do acto farmacêutico sem conhecer o restante quadro legal em 
preparação. 
Não aceitamos esta alteração desta forma. Se o Governo quer discutir a presença de outras profissões 
para além dos farmacêuticos em determinados actos relacionados com o medicamento veterinário, tem de 
fundamentá-lo, prestar informação sobre as formações adequadas e explicar exactamente quais são as 
vantagens dessa radical alteração. Não ignoramos as questões práticas e concretas que se levantam na área