I SÉRIE — NÚMERO 10
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Amanhecemos com uma detestada polícia política, que detinha poder sobre os mais simples aspetos da
nossa vida cívica, e o povo, nas ruas, deixou claro que não admitiria outra coisa que não a extinção dessa polícia
política.
O dia 25 de Abril foi um dia que valeu décadas. Amanheceu com presos políticos nas cadeias e acabou com
a noção de que eles, todos juntos, nas cadeias, decidiram que ou saíam todos juntos ou não saía nenhum.
Por fim, em 25 de Abril de 1974, amanhecemos com uma guerra colonial de 13 anos, mas o dia acabou
sabendo-se que ela tinha de acabar. E aí, pensemos um pouco, o 25 de Abril não valeu só por décadas, valeu
por séculos, porque representou o fim do ciclo imperial e colonial e abriu caminho a que se iniciasse um ciclo
europeu, o que significa uma basculação da nossa história tão determinante que creio que ainda não foi
verdadeiramente assimilada. Dos três D da democracia, do desenvolvimento e da descolonização pensa-se, por
vezes, que este último foi o mais imediato a ser cumprido, mas, se pensarmos que o abandono das estruturas
coloniais significa tratar toda a gente com o mesmo respeito e dignidade e, para o País, encontrar um novo lugar
na Europa e no mundo, logo perceberemos que, como os outros dois D, se trata de uma tarefa longa, ainda a
ser cumprida.
O caminho que se abre à frente de Portugal é agora muito diferente daquele que durante séculos nos
habituámos a trilhar, e ainda bem. O tempo não volta atrás. A partir de agora contamos só com a valorização
das pessoas, do conhecimento e do território como chaves do nosso futuro. E nada é tão importante quanto
aprofundar a nossa democracia, debater e escolher um novo modelo de desenvolvimento para o nosso País e
levá-lo a cabo, encontrando o nosso lugar no mundo de cidadania global.
É isso que devemos ao 25 de Abril; agora chegou o momento de dar de volta. A gratidão que lhe temos é o
melhor penhor para o nosso futuro coletivo.
Aplausos do PS, do PAN, de Deputados do PSD e do Deputado do BE José Moura Soeiro.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Para uma intervenção, em nome do partido Pessoas-
Animais-Natureza, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da
República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Ilustres Entidades, Altas Autoridades e
Distintos Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de uma crise sanitária e socioeconómica sem precedentes,
a guerra na Ucrânia veio relembrar-nos que os direitos humanos, a paz, a segurança e a democracia não podem
ser dados como adquiridos. E a data que hoje assinalamos não é uma data meramente evocativa, aliás, jamais
o será.
Nestes 48 anos da Revolução de Abril podíamos falar do facto de sermos um país que vive em bancarrota
climática, já que são precisos dois planetas para suportar os níveis de produção e de consumo, mesmo quando
o sol, o vento e os oceanos podem ser a solução e atribuir um novo significado à liberdade, garantindo a nossa
autonomia energética, a par da descarbonização da economia que o nosso País e o mundo têm de fazer.
Podíamos falar de um país onde 2 milhões de pessoas vivem em pobreza energética — não têm dinheiro
sequer para aquecer as suas casas — e mais de 8000 pessoas vivem em situação de sem-abrigo; ou podíamos
falar da dificuldade de acesso à habitação por parte dos jovens. O mesmo País que tem as mãos largas para
financiar os prejuízos da banca e nada faz para impedir a perda de muitos milhares de milhões de euros para
os paraísos fiscais ou para a corrupção.
Podíamos, ainda, falar de um país que dá mais dinheiro público para o baronato da caça ou para a tortura e
a crueldade das touradas do que para o combate ao abandono e aos maus-tratos e para a proteção e bem-estar
animal.
Mas hoje queremos falar-vos da desigualdade que ainda persiste, queremos falar-vos das mulheres,
adaptando aqui as palavras da escritora bielorrussa Svetlana Aleksievitch, refugiada do regime de Lukashenko,
homólogo de Putin, e dizer-vos que Abril ainda não tem rosto de mulher.
Apesar de todos os avanços e conquistas que foram trazidos pela Revolução e que romperam com uma
ditadura que acusava aquelas que, como Natália Correia ou as três Marias, ousavam criticar a moral social
reinante, Abril ainda não tem rosto de mulher, quando, a cada dia, mais de 50 mulheres são vítimas de violência
doméstica; quando temos um sistema e uma justiça que são marcados por um machismo tóxico, que