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II Série — Suplemento ao número 39
Sábado, 15 de Janeiro de 1983
DIÁRIO
da Assembleia da República
II LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)
SUMÁRIO
Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas:
Actas das reuniões da Comissão de Defesa Nacional dos dias 19, 20, 21 e 22 de Outubro de 1982.
Nota. — Posteriormente serio publicadas, em conjunto, as restantes actas.
COMISSÃO DE DEFESA NACIONAL Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas
Reunião de 19 de Outubro de 1982
O Sr. Presidente: [Fernando Condesso (PSD)]: — Srs. Deputados, contamos com os próximos 4 dias úteis. A votação final global da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas está prevista para o dia 27, pelo que segunda-feira e terça-feira preparar-se-iam o relatório e as declarações de voto.
Vamos, de seguida, dar início à discussão e votação do articulado da proposta de lei.
Permito-me voltar a referir novamente a questão das propostas de alteração.
Havíamos combinado que nenhum grupo seria obrigado a privar-se das propostas, tomadas de oposição, podendo cada um reservar para mais tarde a sua posição definitiva.
Tal princípio manter-se-ia. No entanto, chamo a atenção dos senhores deputados para o facto de, no que respeita aos últimos artigos e ao último dia de discussão e votação —sexta-feira—, podermos vir a sentir sérias dificuldades em tomar posições finais, caso não apresentemos essa matéria com a antecedência devida — hoje mesmo ou amanhã.
Deveríamos, creio, fazer um esforço para apresentarmos desde já a matéria referente à última parte da lei er.i questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, cremos ser-nos possível apresentar ainda hoje grande parte das novas propostas de alte-
ração. Facilitaremos, nesse aspecto, a vida a todos os senhores deputados e ao Governo também.
Como questão prévia, gostaríamos de colocar sucintamente alguns problemas.
Quanto a problemas, surge-nos um primeiro referente à manutenção ou eliminação da referência ao estado de sítio e ao estado de emergência.
Chegou o Governo a admitir a eliminação de tal referência; agora torna-se, naturalmente, o momento oportuno.
Outra é a questão referente à matéria de restrição ao exercício de certos direitos por parte de militares e agentes militarizados, questão que já levantámos em sede de Plenário, não pretendendo retomá-la nesta sede.
Impõem-se, contudo, algumas considerações: para além dos incumprimentos à lei de revisão constitucional de 1982, coloca-se a questão da votação.
Como os senhores deputados sabem, essa matéria exige votação por maioria qualificada de dois terços. Daí que gostássemos de saber quais as consequências a retirar do facto eventual de a votação na generalidade vir a não obter os dois terços de votos necessários à aprovação do diploma em causa.
Será que também aqui, uma vez chegados à análise desse artigo, tenciona o Governo, pura e simplesmente, expurgá-lo do diploma?
Finalmente, embora se trate de uma questão de nível diferente, chamamos a atenção para o facto de existir uma área do articulado que versa matéria respeitante à organização do Governo. Nessa medida, ela só tem a ver com esse órgão de soberania, não deve, por forma alguma, estar contida no corpo de uma lei da Assembleia da República.
Rogamos a opinião do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Prof. Freitas do Amaral, a este respeito, no sentido de obtermos uma noção correcta do seu modo de pensar esta questão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional, Prof. Freitas do Amaral.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, em relação à primeira questão, já tive ocasião de, na intervenção de encerramento do debate na generalidade, afirmar que o Governo concorda com a sugestão feita por várias bancadas no sentido de que a
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matéria relativa ao estado de sítio e ao estado de emergência não fizesse parte deste diploma.
Sendo assim, se, regimentalmente, tal me for consentido, retiro, em nome do Governo, essa matéria da proposta de lei aqui em apreciação.
Creio, contudo, não significar tal conduta que eventuais referências noutras áreas do diploma aos estados de sítio e de emergência tenham igualmente que ser retiradas.
Caso tais referências se encontrem justificadas pelo próprio teor dos preceitos em que se encontram incluídas, caso não signifiquem elas regulamentação da matéria, mas sim e apenas remissão, considero que devem ser mantidas.
Em segundo lugar e quanto ao problema das restrições ao exercício de certos direitos por parte dos militares, suponho que a interpretação correcta do voto havido em Plenário vai no sentido de considerar que essa matéria pode ser discutida no contexto desta proposta de lei.
Entendo, por conseguinte, que ela só não poderá ser parte integrante do diploma final a votar em Plenário se o preceito a que se reporta não for aqui votado por maioria de dois terços e se, além disso, a votação final global do diploma não for igualmente obtida por maioria, qualificada de dois terços.
Se, contudo, se verificarem estas duas condições, julgo que a aprovação na generalidade por maioria simples não será impedimento bastante ao debate da matéria.
Finalmente, no que diz respeito à terceira questão, não tenho conhecimento nem me dei conta da existência neste texto de quaisquer matérias da competência exclusiva do Governo. Se alguma surgir, pois, naturalmente, íerá de ser objecto de exclusão. Não poderemos fazer de momento qualquer determinação a priori. Pelo contrário, só artigo por artigo, quando o problema vier à tona e caso alguém o levante, faremos um juízo preliminar sobre se é ou não matéria da competência exclusiva do Governo e, caso o seja, optaremos pela sua inequívoca exclusão.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, em face da declaração levada a efeito pelo Sr. Vice-Primeiro-Minis-tro e Ministro da Defesa Nacional, poderíamos desde já considerar retirada a matéria referente ao estado de sítio e ao estado de emergência.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — A nosso ver, Srs. Deputados, a questão das consequências da votação na generalidade não é tão simples como pareceu decorrer' das considerações havidas pelo Sr. Vice-Primeiro-Minis-tro.
ínterrogamo-nos seriamente se o processo relativo ao artigo 31." e à parte do articulado referente aos direitos dos militares não estará mesmo prejudicada.
Cremos ser esta uma questão merecedora de ponderação, sob pena de, caso o não façamos, tal vir a inquinar de inconstitucionalidade toda a lei.
E isto porquê?
Admitamos que, em vez de alguns artigos sobre esta matéria estarem incluídos na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, se tratava de uma lei especial, como, aliás, o texto da lei de revisão constitucional o deixa prever.
Se uma lei especial sobre esta matéria, submetida à apreciação do Plenário, não obtivesse, na generalidade, uma votação favorável de dois terços dos deputados, o
processo estaria ou não prejudicado em relação a essa lei especia!? Aqui é que, creio, se coloca a interrogação.
Deixamos à consideração da Comissão esta questão, não dando de imediato uma posição definitiva sobre o assunto.
Que me recorde, trata-se da primeira vez que, na minha experiência de deputado — que já não é tão pequena—, a questão se suscita, pelo que rogo uma mais profunda e séria ponderação.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Governo, através do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, já tomou, em relação a estes questões, a posição que devia tomar: mantém, portanto, a matéria das restrições.
Sobre a inclusão desta matéria, não vejo qualquer outro grupo parlamentar, além do PCP, a problematizar a situação.
Nenhum senhor deputado está inscrito, pelo que passaríamos adiante, saltando estas questões prévias, e retomaríamos a discussão pelo artigo 4.°
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Sr. Presidente, nós, Grupo Parlamentar do PCP, não consideramos a última questão fechada, agradecendo que a nossa posição fique registada.
O Sr. Presidente: — Sim, Sr. Deputado, está muito bem.
Sugiro que, em relação aos diferentes artigos que vamos tratar, à medida que a cada um formos chegando, se faça uma referência à sua epígrafe. Além disso, desde que não surjam propostas de alteração, dispensar-me-ia de fazer a sua leitura. Os senhores deputados, entretanto, de imediato ou até ao fim do debate, apresentariam a sua posição de voto.
Aparecendo uma ou outra proposta, faríamos a sua leitura, tanto no que respeita às propostas do Governo como no que toca às propostas de alteração.
Crêem os senhores deputados correcto este método?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. VeSgE dia Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, tenho aqui já uma quantidade de propostas relativas aos primeiros artigos a discutir. Poderiam elas ser fotocopiadas no sentido da sua posterior distribuição?
O Sr. Presideate: — Sê-!o-ãc, Sr. Deputado. Vai ser lido o corpo do artigo 2.° da proposta de lei apresentada pelo Governo.
Foi lido. E o seguinte:
Artigo 2.°
(Politica de defesa nacional!
1 — A política de defesa nacional consiste no conjunto coerente de pri-icípios, objectivos, orientações e medidas adoptadas para assegurar a defesa nacional, tal como é definida no aríigo 1."
2 — Os princípios fundamentais e os objectivos permanentes da política de defesa nacional decorrem da Constituição e da presente lei.
3 — Os objectivos conjunturais e as principais orientações e medidas da política de defesa nacional constarão, necessariamente, do Programa do
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Governo aprovado em Conselho de Ministros e apresentado à Assembleia da República.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vão ser lidas as propostas de alteração relativas ao artigo 2.° da proposta de lei apresentada pelo Governo.
Dè imediato se fará a leitura da proposta de substituição do n.° 3 do artigo 2.° apresentada pelo Partido Comunista Português.
Foi lida. Ea seguinte:
3 — O enquadramento da política de defesa nacional é definida por lei da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: — Para justificação da proposta apresentada tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — A justificação desta proposta é para nós óbvia, pois o seu espírito decorre claramente do texto constitucional.
Segundo o texto actual do n.° 3 do artigo 2.°, uma competência era verdadeiramente subtraída, ou podê-lo-ia ser, à Assembleia da República, já que poderia ser, em parte, transferida para o Programa do Governo.
Não queremos significar que o Governo não deva ou não possa conceber objectivos conjunturais e medidas de defesa nacional, mas o enquadramento de tal política está, pelo que decorre do texto da nossa Constituição, adstrito à definição por lei da Assembleia.
Nesse sentido, propomos a substituição do texto actual do n.° 3 do artigo 2." pelo texto da nossa proposta.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, entrou na mesa uma proposta de alteração ao n.° 3 do mesmo artigo 2.° apresentada pelo Partido Socialista. De acordo com esta proposta, a parte inicial do texto deste número seria:
3 — As principais orientações e medidas [...] Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Quanto ao n.° 1 do artigo 2.° da proposta de lei, não coloca o meu grupo parlamentar qualquer objecção.
Quanto ao n.° 2 do mesmo artigo, encontro-me agora a redigir uma proposta de aditamento, que me parece salvaguardaria melhor a ideia contida na proposta de alteração do PCP.
A nossa proposta de aditamento vai no sentido do acréscimo na parte final do texto do n.° 2, segundo a redacção da proposta de lei, da expressão «sem prejuízo das competências próprias da Assembleia da República e do Governo».
O n.° 2 ficaria, por conseguinte, com esta redacção:
2 — Os princípios fundamentais e os objectivos permanentes da política de defesa nacional decorrem da Constituição e da presente lei, sem prejuízo das competências próprias da Assembleia da República e do Governo.
Quanto ao n.° 3 do artigo 2.°, já se procedeu à leitura da nossa proposta.
Consideramos que a expressão «objectivos conjunturais» não pode inteiramente ser referida no Programa
do Governo, já que tem esta matéria a ve? com a execução da própria política de defesa na conjuntura.
O Programa do Governo deve coníeznplar mais aspectos normativos genéricos do que cedidas de conjuntura da política ds defesa nacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-MiaÍBtrffi s MJmüsteo dia HMesa Nacional (Freitas do Amarai): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente à primeira proposta do PCP, creio não ser esse o melhor caminho, na medida em que não se torna claro o que se pretende dizer quanto a «enquadramento da política de defesa».
Se o que se pretende é referir a competência da Assembleia da República para aprovar "legislação sobre a organização de defesa nacional e leis dela decorrentes, bem como sobre bases gerais da organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas, será preferível dizê-lo, quer por estas palavras quer pelas que forem propostas pelo Sr. Deputado Jaime Gama.
Se, pelo contrário, é mais do que isso aquilo que se pretende transmitir, então tudo o que vá além disso deverá constar expressamente desta sede.
Relativamente à proposta apresentada peio Sr. Deputado Jaime Gama, no sentido da supressão da expressão «objectivos conjunturais», estou plenamente de acordo. Creio que os objectivos conjunturais não devem constar somente do Programa do Governo, mas podem ter que vir a constar de outro tipo de diplomas ou decisões. Admito, por conseguinte, que não seja inteiramente correcto citá-los neste artigo, sem prejuízo de nas «principais orientações e medidas» poderem ser concretizados alguns objectivos conjunturais, o que me parece óbvio.
Em resumo, eu aceitaria as duas propostas de emenda apresentadas pelo Sr. Deputado Jaime Gama, uma das quais me parece dar acolhimento, era termos mais correctos, à ideia expressa pelo Partido Comunista.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): — Creio, Srs. Deputados, que a proposta do Sr. Deputado Jaime Gama referente ao n.° 2 do artigo 2.° não é muito lógica.
Aqui na proposta de lei referem-se «cs princípios fundamentais que decorrem da Constituição e de presente lei». Será inútil, assim, estar a acrescentar «sem prejuízo [...]».
E evidente que a Assembleia da República tem competência legislativa para alterar esta lei, para alterar os princípios fundamentais, desde que não contrariando o espírito da lei fundamental.
Não se me afigura, consequentemente, útil a salvaguarda que, através da proposta de aditamento do PS, se pretende introduzir no n.° 2.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — A economia do artigo 2.° tem a ver com a definição da política ée defesa nacional.
Essa definição é feita, em termos genéricos, nc r..° 1 do artigo 2.° Nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo sinte-
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tizam-se os diplomas nos quais esses principios genéricos se corporizam.
Segundo a economia do artigo de que estamos a tratar, estes diplomas são a Constituição, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e o Programa de Governo.
Se nesta lei não ficar mencionada a competência legislativa normal da Assembleia da República e a própria competência legislativa do Governo, poderia entender-se que a politica de defesa nacional seria, apenas e tão--somente, enquadrada na Constituição, nesta lei e no Programa do Governo.
Tal afigura-se-nos uma introdução com excessiva margem de liberdade no enquadramento da politica de defesa nacional, bem como nos parece ser uma clara redução no conjunto das competências legislativas do Governo e da Assembleia da República. A plenitude de competências destes órgãos ficaria violentada por redução.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, naturalmente que é sobejamente conhecido o nosso ponto de vista — e não só nosso — de que esta lei comporta uma tendência no sentido de apropriar poderes da Assembleia da República em matéria de defesa nacional e de organização das Forças Armadas, entregando-os ao Governo.
Naturalmente também, isto explica a nossa posição a este respeito, posição que, seguramente, irá estar na base de muitas das propostas que apresentaremos.
Como já houve ocasião de salientar, esta preocupação não ê só nossa. Vários comentadores desta proposta de lei a têm igualmente manifestado, comentadores, inclusive, de ângulos e ideologias bastante diversos dos nossos.
A questão é real, a questão existe.
Só prestigiará este órgão, de que somos titulares, o facto de todos nós, deputados, aqui procurarmos garantir e defender os direitos e as competências da Assembleia da República em todas as esferas da política nacional, nomeadamente nesta, tão importante, que é a da defesa e a da organização das Forças Armadas.
A nossa proposta não se afasta muito do espírito constante da proposta de lei. Inclusivamente, não nos distanciámos ao longo da proposta do tipo de linguagem utilizado pelo diploma legal em discussão.
Sendo assim, gostaria de chamar a atenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e dos senhores deputados para o artigo 38.°
Nesse artigo 38.°, mais propriamente no seu n.° 1, nos inspirámos ao redigir a proposta que ora apresentamos. Aí tentámos — e conseguimos — encontrar, dentro dos limites da lógica da própria proposta de lei, uma forma capaz de neste n.° 3 do artigo 2.° salvaguardar os poderes e as competências da Assembleia da República.
No n.° 1 do artigo 38.° da proposta de lei diz-se:
1 — A Assembleia da República aprecia o Programa do Governo e contribui, pelo exercício da sua competência política, legislativa e financeira, para enquadrar a política de defesa nacional e para fiscalizar a sua execução.
Ora, a palavra «enquadramento», que na nossa proposta utilizámos e que, quanto a nós, não possui con-
teúdo tão desviado daquilo que se pretende e tão impreciso como parecia decorrer das palavras do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, foi inspirada na palavra «enquadradas» contida neste n.° 1 do artigo 38.°
Deste modo, cremos ser a nossa proposta digna e merecedora de uma apreciação objectiva. Tem ela este grande objectivo: defender as prerrogativas — neste caso concreto, as competências— da Assembleia da República nesta matéria.
Este grande objectivo é tanto mais importante quanto é certo vivermos um regime democrático, que concede poderes dilatados nestas questões, após um tão grande período em que toda a vida parlamentar esteve ausente e no qual a Assembleia da República — então Assembleia Nacional — não teve quaisquer hipóteses de interferência nestes assuntos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar, desejo dizer que, embora sob a aparência de uma metodologia idêntica, a proposta do PCP altera profundamente o alcance e o sentido das expressões utilizadas no n.° 1 do artigo 38.°
Isto porque, enquanto no n.° 1 do artigo 38.° da proposta de lei se diz que o enquadramento da política de defesa nacional pela Assembleia da República se faz através do exercício da competência política, legislativa e financeira desse órgão, nos termos da redacção agora proposta pelo PCP para o n.° 3 do artigo 2.°, esse enquadramento far-se-ia tão-somente por lei da Assembleia da República, o que é manifestamente diverso e, a meu ver, incorrecto. De facto, tal atitude obrigaria a vazar em termos legislativos tudo aquilo que fosse enquadramento pela Assembleia da República da política de defesa nacional.
Também por esta razão, continuo a pensar que a expressão utilizada na proposta do Sr. Deputado Jaime Gama é a mais correcta, na medida em que se remete para as competências próprias da Assembleia da República e do Governo.
Compreendo e aprecio a preocupação de salvaguardar a integridade da competência da Assembleia da República em matéria de defesa nacional e organização das Forças Armadas, mas creio que será necessário igualmente salvaguardar a integralidade da competência do Governo nessa mesma matéria, pelo que, a vários títulos, a expressão contida no texto da proposta do Sr. Deputado Jaime Gama me parece a mais apropriada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Bom, encontramo-nos numa primeira leitura, pelo que certamente ninguém ainda possuirá uma posição definitiva.
Em todo o caso, a verdade é que o n.° 3 do artigo 2.", tal como surge na proposta de lei, é demasiado redu-cionista, não só no que toca ao papel da Assembleia da República, mas também no que diz respeito ao significado da política de defesa nacional.
A política de defesa nacional não é propriamente a política de transportes ou a política de educação. É, pelo contrário, alguma coisa que assenta permanente e defini-
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damente na Constituição. Não pode esta ser encarada como mero sector.
No entanto, se o Sr. Vice-Primeiro-Ministro reparar, a todas as políticas sectoriais do Governo se aplica este n.° 3, tal como decorre do texto da proposta de lei.
A política de defesa nacional não é propriamente uma qualquer política sectorial.
O objectivo que nos move é precisamente esse — reparar o conceito de política de defesa nacional—, além de eliminar o carácter reducionista do papel da Assembleia da República deste n.° 3 do artigo 2.°
Poderá ainda tal matéria vir a ser discutida, já que agora se trata de uma primeira leitura.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, dada a urgência e o pouco tempo de que dispomos para levar a cabo o nosso trabalho, perguntaria se não seria preferível considerar votadas as disposições em relação às quais não surjam propostas de alteração.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Borges de Carvalho, Srs. Deputados, recapitularia aquilo que de início havíamos proposto e aceitado.
Consideraríamos aprovado todo o articulado em relação ao qual não surgisse qualquer proposta de alteração.
No entanto, desde logo ou por escrito, mais tarde, os senhores deputados apresentariam a sua eventual posição de oposição ou abstenção.
Aqueles artigos ou aquelas disposições em relação às quais viessem a aparecer propostas de alteração seriam de imediato debatidas e os senhores deputados tomariam ou não desde já posição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): — Sr. Presidente, creio ser difícil neste momento tomar uma posição definitiva, até porque as propostas de emenda ainda não estão distribuídas na sua totalidade.
Não podemos, no entanto, adiar para amanhã ou outro qualquer dia essa tomada de posição. Deveremos optar por um processo de trabalho durante o qual se vá tomando posição e se vão efectivando as votações.
É-me dado ver que as propostas de emenda que se encontram na minha frente respeitam à totalidade dos artigos, desde o 1.° até ao 6.° Existe ainda mais um grupo de propostas a apresentar, segundo me foi transmitido pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, julgamos que a experiência havida na revisão constitucional nos poderá ser extremamente útil, não a devendo perder de vista.
Aquilo que apreendemos das palavras do Sr. Presidente da Comissão é algo de bem diferente de qualquer método até agora ventilado.
O que apreendemos foi: lemos, debatemos, discutimos, objectamos, nos limites do tempo de que dispomos. Fazemos uma primeira leitura global.
Precisamos, sem dúvida, de obter uma completa e glo-
bal visão das posições dos senhores deputados, consideradas em conjunto, para, isoladamente, nos ser possível exarar a nossa, a de cada grupo. Isto é, a posição a tomar perante o n.° 3 do artigo 2.°, ou qualquer outro artigo, tem, obviamente, a ver com tudo o resto.
Far-se-ia uma primeira leitura, apresentar-se-iam propostas — provavelmente, dentro de pouco tempo já teremos em nosso poder, redigidas, mais algumas — e no fim da citada leitura, conhecedores, mais ou menos, da opinião e da posição de todos os grupos parlamentares, efectuar-se-ia uma votação formalizada, artigo por artigo, proposta a proposta. Tal permitiria que as posições assumidas o fossem de forma a responder a um todo coerente e não se tornassem meras posições tomadas, disposição a disposição, sem uma visão de conjunto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, cremos deverem-se conciliar as posições que os diversos partidos possam tomar com a celeridade que o tempo de que dispomos exige.
Hoje ainda se poderia levar a cabo a discussão e a análise do diploma até ao artigo 6.°, se possível, ou até mais longe.
À medida que qualquer artigo nos surja como não objecto de propostas de alteração, ficaria encerrada a sua discussão.
Chegados ao ponto limite combinado — o artigo 6.°, por exemplo—, o Sr. Presidente colocaria à votação, um por um, os artigos discutidos.
Caso se entendesse que algum artigo não tivera ainda o tempo de ponderação necessário, tal significaria que sobre ele nos debruçaríamos na reunião imediatamente seguinte.
Neste momento parece-nos esta a melhor via a seguir como metodologia de trabalho.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, estou perfeitamente de acordo com a intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes e, complementarmente, exortaria o Sr. Presidente a solicitar dos diferentes grupos parlamentares entrega de véspera das propostas de alteração referentes aos artigos a discutir no dia seguinte. Tal permitir-nos-ia ao fim dos trabalhos de cada uma das reuniões ter em mão um lote de propostas passíveis de apreciação em termos de posição definitiva.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, apoiamos o método proposto pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, método que, aliás, se encontrava contido naquele outro que momentos atrás propusemos.
De qualquer modo, o método que havíamos proposto parece-nos bastante mais razoável, já que permite que em tempo de votação artigo a artigo tenhamos já uma visão de todo o articulado.
Não faremos, contudo, questão na aplicação do nosso método. Trabalharemos, assim, por capítulos e no termo
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de cada um voltaremos atrás r.o sentido de procedermos às votações respectivas.
Não faríamos ainda questão em exigir que as propostas fossem entregues à mesa de véspera. No entanto, seria bom que, ao iniciarmos o estudo de cada capítulo, tivéssemos na nossa posse as propostas a esse capítulo referentes.
Ainda não temos connosco a proposta apresentada recentemente pelo Sr. Deputado Jaime Gama e antes de a votar ser-nos-ia agradável tê-la em mãos.
O Sr. Prasíáeníe: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Vdgfii és COvcfoa (PCP): — Que fique claro, Sr. Presidente, que até ao início da votação possam sempre surgir propostas de qualquer grupo parlamentar ou do próprio Sr. Vice-Primeiro-Ministro, embora este último não goze do direito de aqui apresentar propostas.
Até ao momento da votação, por conseguinte, qualquer proposta deverá ser bem-vinda.
O Sr. PirasSj&Efliite: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Ktòairto Gmim (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, se bem que se aceite o método proposto pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, creio devermos inspirar-nos na experiência extremamente positiva da revisão constitucional.
Coloco esta reserva, portanto: como a qualquer momento pode surgir a necessidade de não só apresentar novas propostas, como também a de retirar propostas prejudicadas, haja sempre a possibilidade de adiar qualquer votação.
O Sr. Prcsidesat©: — Resumindo, Srs. Deputados, analisaremos a proposta de lei por capítulos, terminado cada um dos quais voltaremos atrás para votações. Se algum senhor deputado pretender que a votação seja adiada, tal se fará nos limites do tempo de que dispomos. Pede-se aos senhores deputados o favor de apresentarem um máximo de propostas a tempo e horas, isto sem prejuízo de, virtualmente, até ao momento da votação elas poderem ser apresentadas.
Não havendo mais inscrições em relação ao artigo 2.°, passamos desde já ao artigo 3.°
Estão na mesa 2 propostas de alteração ao artigo 3.°: uma, apresentada pelo Partido Comunista, a outra, da autoria do Partido Socialista.
Srs. Deputados, o artigo 3.° vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Artigo 3.°
(Objectivos permanentes da politica de defesa nacional!
São objectivos permanentes da política de defesa nacional perante qualquer agressão ou ameaça externa:
a) Garantir a independência nacional;
b) Assegurar a integridade do território;
c) Salvaguardar a liberdade e a segurança das
populações, bem como a protecção dos seus bens e do património nacional;
d) Garantir a liberdade de acção dos órgãos de
soberania, o regular funcionamento das instituições e a possibilidade de realização das tarefas essenciais do Estado;
e) Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da comunidade nacional, de modo a que pcssa prevenir ou reagir pelos meios adequados a qualquer agressão;
/) Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vai ser lida a proposta de substituição da epígrafe e do proémio do artigo 3.°, apresentada pelo Partido Socialista.
Foi lida. É a seguinte:
Artigo 3."
(Carácter nacional e objectivos permanemes da politica de defesa I
O carácter nacional da política de defesa, perante qualquer agressão ou ameaça externas decorre dos seguintes objectivos permanentes:
O Sr. Presidente: — Por seu turno, no proémio do mesmo artigo 3.°, o Partido Comunista Português propõe a substituição da expressão «agressão ou ameaça externa» pela expressão «agressão ou ameaça externas».
Surge-nos ainda, apresentada pelo Partido Comunista, uma proposta de aditamento da palavra «democráticas», imediatamente a seguir à palavra «instituições», cita na alínea d) do artigo 3.°
Em relação à mesma alínea, propõe o Partido Comunista a substituição da expressão «tarefas fundamentais do Estado».
Propõe finalmente o Partido Comunista a eliminação da alínea e).
Por fim, temos a proposta, apresentada pelo Partido Socialista, de aditamento da expressão «[...] ou ameaça externas», na parte final da alínea e).
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero, da minha parte, aceitáveis e positivas as duas propostas de alteração do Partido Socialista, bem como considero aceitáveis e positivas as propostas n.os 1, 2 e 3 do Partido Comunista.
Já não sou sensível à proposta de eliminação da alínea e).
E entendimento corrente, entre nós, como em todos os países, que uma política de defesa nacional não pode ser, apenas, uma questão mecânica, uma questão de força. Tem ela igualmente que ser um verdadeiro estado de espírito. «Não haverá defesa nacional sem espírito de defesa», eis a expressão que habitualmente se utiliza e a que a alínea e) do artigo 3.° procura dar corpo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Seria importante, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que neste artigo, além dos objectivos permanentes de defesa nacional, se explicitasse também o carácter nacional da política de defesa.
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A proposta que apresentámos, no sentido da alteração da epigrafe do artigo 3.°, vai, exactamente, tentar materializar este nosso anseio.
Não concordamos com a eliminação da alínea e), porque entendemos que a preparação da opinião pública para que sejam atingidos os objectivos da política de defesa nacional é essencial. Em consonância com o princípio do serviço militar obrigatório, creio francamente dever esta alínea ser mantida e até alargada às ameaças externas, não se limitando a prever meramente a agressão.
O Sr. PrsaldenfcB: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — A razão de ser das nossas propostas de alteração contidas nos pontos 1, 2 e 3 do texto que apresentámos é óbvia, já sobre a mesma se tendo debruçado o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Quanto ao ponto 4 do nosso texto —a proposta de eliminação da alínea e)—, diríamos que a sua razão de ser fundamental não tem tanto que ver com a «matéria» em si da disposição, como com o facto de ter sido o corpo desta alínea o responsável por uma doutrinação em torno da defesa nacional, doutrinação que, a nosso ver, faz perigar a pureza do conceito de defesa nacional encontrado para a Constituição, após a revisão desta.
Através desta alínea, se promove a confusão da defesa nacional com a segurança nacional, a partir dela se fazem referências sucessivas à ameaça interna, etc. Por isto mesmo, com a sua eliminação pretendíamos acautelar tais desvios, até porque ela não prejudicaria a preocupação que nesta alínea se contempla.
A proposta de aditamento, agora apresentada pelo Partido Socialista e referente a esta mesma alínea, reduz — e não queria deixar de o expressar— as razões das nossas preocupações.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Proporia aos Srs. Deputados e ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro o seguinte método de trabalho: sempre que se refiram matérias versadas na Constituição, se utilize a terminologia constitucional correcta.
Se assim for, estarei disposto a votar imediata e favoravelmente a expressão «agressão ou ameaça externas» e a aceitar que, sempre que surja a palavra «agressão», se acrescente «[...] ou ameaça externas».
Não estamos, no entanto, de acordo quanto a algumas propostas do PCP, propostas que, por acaso, o Sr. Vice--Prirneiro-Ministro recebeu bem.
Vejamos, por exemplo, a proposta de aditamento da palavra «democráticas» à alínea d), imediatamente a seguir à palavra «instituições». Não concordamos com a tal proposta, não só porque «democráticas» é uma palavra que se afigura desnecessária, quando inserida neste contexto, como também porque desqualifica os órgãos de soberania.
Dar-se-ia a ideia de que haveríamos de garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania — quaisquer que eles fossem — e a das instituições democráticas.
Em resumo, por este defeito e porque é desnecessária a introdução da palavra «democráticas», quando con-v-te ^rcceÁta com a parte final do n.° 2 do artigo 2." desía proposta, opomo-nos ao teor desta proposta de aditamento.
Quanto à proposta de substituição da expressão final da alínea d) «tarefas essenciais do Estado» por «tarefas fundamentais do Estado», estou um pouco confuso porque creio existir qualquer expressão no texto constitucional...
O Sr. Carlos Brito (PCP): — A nossa proposta, Sr. Deputado, visa precisamente conformar esta alínea com a redacção do proémio do artigo 9.° da Constituição.
O Orador: — Correcto, Sr. Deputado.
Sendo assim, dentro da lógica, há pouco abordada, de se utilizar sempre a linguagem conforme ao texto constitucional, apoio evidentemente esta proposta.
Finalmente, quanto à eliminação da alínea e), a minha oposição é firme. Esta alínea deve permanecer, até porque deve ser lida em consonância com o artigo 4.°
Este artigo 4.° diz-nos que «a política de defesa nacional tem âmbito global e carácter interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução».
Aqui se explicita, quanto ao Ministério da Defesa, o carácter interministerial da sua política, razão que nos leva a não apoiar a eliminação da alínea e) do artigo 3.°
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora o qualificativo «democráticas» se possa colocar no singular, assim abrangendo as duas situações, também há que fazer um reparo, quanto à conformidade com a linguagem da Constituição.
De facto, a Constituição, quando, em matéria de defesa nacional, refere o respeito das instituições, fala sempre em «instituições democráticas». Daí que a nossa proposta de aditamento à alínea d) do artigo 3.° esteja, também ela, justificada à luz da metodologia, segundo a qual nos deveremos reportar o mais possível à linguagem constitucional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Veiga de Oliveira: Em primeiro lugar, a palavra «democrática», assim no singular, não casaria com a palavra «instituições», esta no plural; em segundo lugar, a palavra «instituições» é uma palavra que actualmente o direito constitucional olha com uma certa cautela; em terceiro lugar, esta palavra «democráticas», considerada no plural ou no singular, jamais qualificaria os órgãos de soberania.
Do exposto se retira a desnecessidade de alteração, até porque esta disposição se conjuga também com o espírito do artigo 1.°, onde, aí sim, se consagra a expressão «instituições democráticas».
O Sr. Presidente: — Não havendo mais inscrições, Srs. Deputados, passaríamos ao artigo 4.°, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
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Artigo 4."
(Âmbito da política de defesa nacional)
A politica de defesa nacional tem âmbito global e carácter interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução.
O Sr. Presidente: — O Partido Comunista Português apresentou, para este artigo, a proposta de eliminação da palavra «global».
O Partido Socialista propõe a alteração da epigrafe e do corpo deste artigo. Esta proposta vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
Artigo 4.°
(Carácter e âmbito da politica de defesa nacional)
1 — A política de defesa nacional tem carácter permanente, porque se exerce em qualquer tempo e em qualquer lugar, e carácter global, porque não se refere apenas à sua componente militar.
2 — A política de defesa nacional tem âmbito interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução.
O Sr. Presidente: — Surge, entretanto, uma proposta da UEDS, pretendendo, igualmente, acrescentar um n.° 2 ao artigo 4.° Vai ser lida esta proposta.
Foi lida. E a seguinte:
2 — A politica de defesa nacional envolve o quadro do âmbito fixado no número anterior, todos os cidadãos portugueses e implica a divulgação das suas linhas e objectivos fundamentais, bem como a informação actualizada e permanente de todos os portugueses.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Srs. Deputados: Parece-nos importante que neste artigo, no local onde se refere o âmbito da política de defesa nacional, se salvaguarde o seu carácter interministerial, bem como se explicite o que se entende por globalidade da defesa.
Para nós, «globalidade da defesa» consiste em o conceito de defesa não se esgotar na sua componente militar.
Finalmente, parece-nos outrossim importante aditar a noção de permanência da defesa — permanência no tempo, isto é, o facto de aquela não circunscrever às situações de conflito e guerra, mas também às de paz; permanência em função do território, ou seja a defesa nacional implica o dever de resistência, dever que excede a própria noção restrita de território. Isto é, existe o dever de reconstruir a Nação e o Estado, quando o seu território é invadido, o que pode implicar a prática de acções de defesa fora do próprio território nacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): — A nossa proposta é clara, quanto ao seu objectivo. Entendemos que a política de
defesa nacional tem âmbito interministerial, mas cremos incorrecto que se deixe ficar na lei a palavra «global», já que esta pode promover confusões, pseudodoutrinas de defesa nacional, infelizmente tanto propaladas.
Tentando evitar essas confusões, defendemos o âmbito e o carácter interministerial da política de defesa nacional mas rejeitamos o termo «global», fonte de mal-entendidos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O âmbito global e o carácter interministerial da politica de defesa envolve e implica, na minha opinião, todos os cidadãos nacionais. Isso pressupõe que estes se identifiquem plenamente com os objectivos da política citada, politica definida pelas instâncias competentes.
Daí que nos parecesse importante especificar a lei esse envolvimento dos cidadãos e a necessidade de permanente informação destes, com vista à prossecução desses mesmos objectivos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Gostaria em primeiro lugar de fazer uma breve nota à intervenção do Sr. Deputado Lino Lima.
O conceito de «defesa global», como conceito alargado de defesa, é deveras aceitável.
No entanto, na Constituição aceitámos um conceito de defesa, que urge ter em conta.
Recorrendo a uma verdade de Monsieur de La Palice, chamo a vossa atenção para o facto de a toda a propriedade humana ser inerente o conceito de defesa.
Quanto à proposta da UEDS, creio ser ela repetitiva e exaustiva. Além disso, até onde vai o princípio da «informação actualizada e permanente de todos os portugueses»? Deve o EMGFA publicar a ordem de batalha ao exército português em caso de invasão? Devo o EMGFA publicar informações sobre a marcha do inimigo? Deve o EMGFA explicar em concreto quem são os seus agentes e informadores em território inimigo?
Risos.
Parece-me que nenhuma destas situações faria sentido, pelo que este «dever de informação» tem um carácter genérico, destinado a ser exercido, não por um «bom pai de família», mas por um general «bom pai de família», dever que não terá de ficar aqui consagrado como uma obrigação específica do governo.
Terminaria a minha intervenção com a seguinte conclusão: tem, de facto, a proposta da UEDS coisas boas e originais. Só que, infelizmente, as boas não são originais e as originais não são boas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): — As considerações do Sr. Deputado Jaime Gama, respeitantes ao artigo 4.°, fazem-me reverter, se o Sr. Presidente me dá licença, ao artigo 3.°
O Sr. Deputado Jaime Gama fez notar que a política de defesa nacional se exerce, não só em tempo de agres-
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são ou de ameaça externa, mas também em tempo de paz.
De facto, no artigo 3.° a expressão: «são objectivos permamentes da defesa nacional, perante qualquer agressão ou ameaça externa [...]», dá a entender que estes objectivos —e aqui pareceria existir uma certa contradição— só se poderão efectivar «perante» uma ameaça ou agressão externas.
Sendo estes objectivos permanentes, como realmente são, creio aí se dever tão-somente referir: «São objectivos permanentes da defesa nacional [...]»
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lino Lima: Quando o Sr. Deputado Lino Lima contesta o âmbito global da política de defesa, afirma não ser esse o espírito da Constituição.
Ora, creio que a Constituição se reporta a esse âmbito global, em sede de alínea a) do artigo 9.° Não compreendo bem, nessa medida, como se pode argumentar que a globalidade do âmbito da política de defesa nacional não encontra cobertura constitucional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Srs. Deputados: Quando a defesa nacional é definida constitucionalmente, como tendo em vista a contenção da agressão e da ameaça externas, está-se a circunscrever e a definir o objecto da política de defesa nacional.
Outra coisa muito diferente é a definição do exercício ou das condições de exercício desta política. Estas condições são permanentes; o objecto da política de defesa nacional é enfrentar permanentemente agressões ou ameaças, directas ou indirectas, externas — nunca internas.
Daí que não haja qualquer contradição entre evidenciar a noção de permanência do exercício da política de defesa nacional e definir o objecto dessa mesma política.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima
O Sr. Lino Lima (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No artigo 3.° estabeleceram-se os objectivos permanentes da política de defesa nacional; no artigo 4.° define-se o âmbito dessa política, como global e interministerial.
Desde logo não se entende bem o significado da expressão «carácter interministerial».
Segundo creio, o âmbito da política de defesa, esse sim, é que assume projecção interministerial. Os objectivos permanentes daquela política são executados através de uma política de âmbito interministerial — quer dizer, todos os ministérios intervêm na realização dos mesmos.
Parece-me que deve ser esta a perspectiva a adoptar em moldes claros na lei, relegando a necessidade de referência a «âmbito gtóbaY», expressão infeliz que pode levar à confusão com uma política de defesa globalizante e contrária ao espírito da Constituição.
A razão de ser da nossa proposta é a da promoção de uma discussão mais clara.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A caricatura promovida pelo meu caro amigo, Sr. Deputado José Luís Nunes, ao longo da sua intervenção, faz-me recordar a última fala do chefe do guarda naquela célebre peça Tartufo, de Molière. A certo passo, dizia aquele: «Este nosso governo é bom e justo, o que é necessário é que os cidadãos sejam calados e obedientes.»
Obviamente no artigo 7.° encontra-se alguma ou grande parte do conteúdo da minha proposta — reconhe-co-o—, só que esta traduz a possibilidade de envolvimento dos cidadãos na política de defesa.
Ora, esse envolvimento não pressupõe o dever contido naquele artigo 7.° Pelo contrário, exige a criação de um sentimento colectivo marcado pela adesão activa do cidadão à política de defesa.
A não ser que se pretenda — como dizia o chefe do guarda na peça de Molière— que os cidadãos sejam calados e obedientes.
Não é esse o espírito da lei, não é essa a intenção manifestada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, bem o sabemos.
Não decorre da nossa proposta o aspecto caricatural aduzido por aquele meu grande amigo, Sr. Deputado José Luís Nunes, mas decorre que, se não se pretende um cidadão-autómato, em termos de política de defesa nacional, será necessário criar o envolvimento da actividade e dinâmica do cidadão nessa mesma política — isto, ainda que através de uma fórmula que não seja a que aqui propomos.
O que os cidadãos não podem — isso nunca — é ser meros sujeitos passivos daquela política.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o Sr. Deputado Lino Lima tem certa razão, quando defende a eliminação da palavra «global» do texto do artigo 4.°
Compreendo a preocupação daquele Sr. Deputado, mas convenhamos que a expressão «âmbito global» se prende, aqui e agora, com a nossa própria noção de defesa nacional.
Ora, o nosso conceito de defesa implica que esta se desencadeie, no sentido da satisfação de uma série de objectivos. Ela projecta-se num conjunto de preocupações, as quais accionam a instituição militar — mas não esta, exclusivamente.
Não se poderá confundir este conceito de política «global» com as teorias de segurança nacional, porque, sendo a instituição militar um dos meios de defesa nacional, a sua utilização restringe-se às ameaças externas.
Não vejo, em suma, nesta palavra «global» qualquer abertura à utilização das Forças Armadas no âmbito da teoria da segurança nacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós éramos movidos
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por um sentimento de reserva, em relação ao artigo 4.° da proposta de lei.
A proposta apresentada pelo Partido Socialista deixa de fazer referências ao «carácter interministerial» e passa a referir o «âmbito interministerial», o que se nos afigura bastante mais correcto. Tem ela, ainda, as vantagens de, por um lado, salientar o carácter permanente da politica de defesa nacional e, por outro lado, a de sublinhar o facto de aquela politica se não esgotar na sua componente militar.
Apenas salientamos o carácter excessivamente vago da expressão «em qualquer lugar», contida na mesma proposta.
Aceitamos, por conseguinte, a componente temporal da política de defesa, mas reservamo-nos no que respeita à aceitação de outra componente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me muito positiva a proposta feita pelo Partido Socialista, no sentido do acrescento da nota da «permanência» às características da política de defesa nacional.
Parece-me igualmente positiva a proposta feita no sentido de definir o que se deve entender por permanência e globalidade da defesa.
Perante tais factos, julgo afastadas as preocupações que motivaram a apresentação da proposta de eliminação da autoria do Partido Comunista Português.
Creio, no entanto, que a redacção proposta pelo Partido Socialista para o n.° 1 deste artigo 4.° tem alguns inconvenientes, porque é mais explicativa que normativa. Valeria, pois, a pena procurar uma redacção mais condizente com a superação desse senão.
A proposta apresentada pela UEDS enferma, a meu ver, de uma incorrecção, quando se reporta ao envolvimento dos cidadãos na política de defesa nacional.
Não podemos, nem devemos, exigir o envolvimento dos cidadãos — ou a sua adesão — na politica de defesa, porque, embora esta deva merecer o consenso alargado e, se possível, unânime do País, não se pode obrigar todos os cidadãos a concordarem com ela. Nem isso estaria, certamente, no espírito do Sr. Deputado César de Oliveira.
Creio que o envolvimento dos cidadãos se reportará mais à defesa nacional do que à política de defesa nacional.
Não viria muito a propósito, portanto, definir esse envolvimento neste artigo — onde apenas se trata da política de defesa.
O envolvimento dos cidadãos já foi definido no artigo 1.°, virá novamente a ser referido no artigo 7.° É possível que num ou noutro desses dois artigos haja mais alguma coisa a dizer, mas nunca aqui, no artigo 4.°
Parecer-me-ia aceitável que, embora com outra redacção, se fizesse aqui uma referência às necessária divulgação de aspectos da política de defesa nacional, que devam ser divulgados, sem se cair em excessos inaceitáveis, dos quais o Sr. Deputado José Luís Nunes deu uma boa caricatura.
Numa palavra, pergunto-me se não deveríamos procurar uma nova redacção para todo este artigo, redacção que incluísse as contribuições das várias propostas apresentadas e que, por exemplo, poderia apontar neste sen-
tido: um n.° 1, para o carácter permanente da política de defesa; um n.° 2, para a natureza global dessa política; um n.° 3, para o seu âmbito interministerial, e um n.° 4, para os deveres de divulgação da mesma.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Pela nossa parte, concordamos com essa proposta de sistematização.
O Sr. Presidente: — Todos os senhores deputados concordaram com a apresentação da proposta de sistematização aludida pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro, cujo texto ainda está para elaboração?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Caso os senhores deputados concordassem, tentaria redigir tal proposta, com base nos contributos dos senhores deputados que intervieram no debate.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): — Srs. Deputados: Concordamos, em princípio, com a proposta do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, aguardando evidentemente a leitura do texto.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao artigo 5.°, em relação ao qual há uma proposta de alteração do Partido Comunista Português, no sentido de uma nova redacção para os n.M 1 e 2 do mesmo artigo, ficando este a contar com 4 números e passando, respectivamente, os n.95 2 e 3 a constituir os n.os 3 e 4.
Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 5.° da proposta de lei.
Foi lido. É o seguinte:
Artigo 5.°
IDefesa nacional e relações iniernacionais)
1 — 0 Estado Português preconiza a solução dos problemas e conflitos internacionais pela via da negociação e da arbitragem, considerando seu dever contribuir para a preservação da paz e da segurança internacionais.
2 — De acordo com as normas de direito internacional, Portugal actua pelos meios legítimos adequados para defesa dos interesses nacionais, dentro ou fora do seu território, da zona económica exclusiva ou dos fundos marinhos contíguos e, ainda, do espaço aéreo sob responsabilidade nacional.
3 — No exercício do direito de legítima defesa reconhecido na Carta das Nações Unidas, Portugal reserva o recurso à guerra para os casos de agressão militar efectiva ou iminente.
O Sr. Psesidente: — Vai ser lida a proposta de alteração, apresentada pelo Partido Comunista Português, ao artigo 5.° da proposta de lei.%
Foi lida. Ê a seguinte:
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ArtigoS.0
(Defesa nacional e relações internacionais)
1 — Tal preconiza a abolição de todas as formas de imperiaüsmos, colonialismos e agressão, o desarmamento geral simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
2 — 0 Estado Português preconiza a solução dos problemas e conflitos internacionais pela via da negociação e da arbitragem.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está aberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): — A nossa proposta destina-se a pôr de acordo e em evidência os princípios constitucionais.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Srs. Deputados, curiosamente, uma proposta que o meu grupo parlamentar apresentou para o artigo 6.° cabe igualmente neste artigo 5.°, na medida em que se refere ao artigo 7.° da Constituição, que versa Portugal e as suas relações internacionais.
Dai que retiremos a nossa proposta de alteração ao artigo 6.°, porque a proposta agora apresentada pelo Partido Comunista ao artigo 5.° envolve grande parte do conteúdo da nossa.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Coutinho.
O Sr. Azevedo Coutinho (CDS): — Não cremos aceitável a proposta de alteração apresentada pelo Partido Comunista Português.
Não a julgamos aceitável, porque o que aqui nos trouxe foi a elaboração de uma lei de defesa nacional, e não de uma lei relativa à política externa do Estado.
Nesta lei apenas deveremos expressar as disposições da Constituição que tornem mais clara a política de defesa nacional.
Concordamos, obviamente, com os princípios que informam essa proposta, mas vê-mo-los deslocados em sede desta regulamentação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. losé Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por um lado, cremos aceitável, por outro lado, não, a proposta de alteração apresentada pelo Partido Comunista Português.
Daí que tenhamos decidido apresentar uma nova proposta a esse artigo 5.°, artigo de que agora nos ocupamos.
A nossa proposta é de aditamento do n.» 1 do artigo 5.°, no sentido da inserção da expressão «nos termos da Constituição* a. seguir à expressão «segurança internacionais».
Esta nova proposta é, igualmente, de substituição da
epígrafe do artigo 5.°, da qual passaria a constar a seguinte redacção: «Defesa nacional no âmbito das relações internacionais.»
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não seremos nós a merecer mais a acusação de querermos repetir o texto da Constituição, sobretudo nesta proposta de lei.
Em matéria de repetição do texto da Constituição, certamente que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro — autor da proposta de lei— nos ganha com toda a certeza a corrida. Em certos momentos, talvez, até, com perigos capazes de serem visionáveis mais adiante.
No entanto, talvez seja profícua a repetição, por três ou quatro vezes, da Constituição para emoldurar e esmaltar, dar medida e sentido aos n.os 2 e 3, confinando-os a um sentido claro e inequívoco.
Quanto às observações feitas a respeito das relações internacionais, receio bem ter uma opinião exactamente contrária: a defesa nacional pressupõe as relações internacionais.
Rogo ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro que considere a hipótese de inclusão dos n.os 1 da nossa proposta de alteração, bem como o n.° 2, que, no fim de contas, mais não é do que excerto don.° 1 da proposta de lei. Assim se permitiria uma melhor explicitação do que verdadeiramente é importante neste artigo, isto é, a matéria constante dos n.os 2 e 3.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ideia que existe é de facto a de que as relações internacionais são inerentes ao conceito de defesa nacional. Sem as primeiras, não teria sentido falar-se na segunda. Isto é evidente e, por essa razão, quando ocorrem cortes de relações diplomáticas entre os Estados, funcionam mecanismos internacionais no sentido de que um terceiro Estado medeie tais relações.
A questão é que o artigo 7.° da Constituição visa explicitar os princípios gerais das relações internacionais.
Incorre-se num grave erro quando, em certas alturas, se transcrevem excertos da Constituição.
Desde que se acrescente o n.° 1 do artigo 5.° da proposta de lei com a expressão «nos termos da Constituição», nada aqui se altera. Apenas se realça que a actividade aqui consignada no n.° 1 é exercida nos termos constitucionais.
Os princípios das relações internacionais não são exclusivamente aqueles que o PCP refere na sua proposta. Há outros, nomeadamente os contidos nos n.os 1 e 3 do artigo 7.° da Constituição.
Esta a nossa opinião e a razão por que, consideradas as vantagens da nossa proposta, julgamos excessiva e sem razão de ser a proposta do Partido Comunista Português.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Entendemos, Srs. Deputados, que a filosofia do artigo 5.° é a de articular a defesa nacional com as relações internacionais.
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No entanto —chamo a vossa atenção—, articular, mas não subordinar, pelo que, a nosso ver, as relações internacionais assumem um caracter instrumental em relação à defesa nacional, não o contrário.
Os artigos 7.° e 8.° da Constituição emitem valores de natureza genérica sobre as relações internacionais.
Entendemos que uma lei de defesa não é propriamente uma lei de relações internacionais e se deve apenas conter na articulação das realidades acima referidas.
Tem, neste sentido, perfeito cabimento a remissão, neste artigo e nesta matéria, para a Constituição, mas não mais que uma remissão genérica.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Igualmente acreditamos não ser uma boa medida transcrever artigos da Constituição.
As nossas reservas à proposta do Partido Comunista Português têm, precisamente, esse sentido.
Há, no entanto, aspectos vagos neste artigo 5.°, os quais são possíveis de remodelação.
Aspectos como o enunciado com a expressão «O Estado Português preconiza [...]»são aspectos que se prendem com o desarmamento geral, com o empenho, em termos de relações internacionais, na dissolução dos blocos político-militares, isto é, são objectivos que carecem de uma clara enunciação.
De facto, estes artigos, até ao artigo 6.°, são, todos eles, a enunciação de grandes objectivos. Se assim não fosse, nem faria sentido dizermos que a politica de defesa nacional é orientada pela Constituição e pelos princípios fundamentais nesta lei contidos.
Pretende-se consagrar aqui princípios permanentes, digamos, da Nação Portuguesa. Nessa óptica, diríamos que, neste artigo 5.° deveriam constar os princípios do desarmamento geral, simultâneo e controlado e da dissolução dos blocos político-militares.
Cremos também que, quando non." 1 se preconiza a via da negociação e da arbitragem, se deveria igualmente referir a reprovação sentida pelo Estado Português por quaisquer formas de ameaça ou de uso de força que ponham em perigo a segurança de um Estado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Creio ser um grave inconveniente a reprodução ipsis verbis do artigo 7.° da Constituição, em sede de lei de defesa nacional.
Uma coisa é afixar no texto constitucional objectivos gerais do Estado Português — por exemplo, a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão— e outra coisa, quanto a mim, muito mais grave, é reproduzir esse enunciado no quadro de uma lei de defesa nacional. Daí se poderia deduzir o proselitismo, em sede de defesa nacional, com todas as implicações decorrentes para o vector militar, que não poderia deixar de se caracterizar por uma forma de ingerência em outros Estados.
Parece-me grave impedimento à paz e à segurança internacionais que o artigo 7.° da Constituição pretende salvaguardar a reprodução ipsis verbis, em termos de lei de defesa nacional, de um enunciado desse tipo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A defesa nacional é a actividade a seguir, quando se esgotam as possibilidades do artigo 7.° da Constituição. Quando se esgota o diálogo, segue-se o soco.
O que se consagra na Constituição são as tarefas fundamentais do Estado e ninguém se pode defender antes da completa exaustão daqueles princípios.
Os objectivos contidos nesse artigo constitucional não são, por conseguinte, objectivos de defesa nacional, mas sim objectivos das relações internacionais.
A guerra ou uma batalha têm uma característica fundamental: a da fixação do inimigo.
Em resumo, a defesa nacional é tudo o que se segue à execução do contido no artigo 7.°
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — A nossa proposta, Srs. Deputados, está muito mais dentro do espírito da proposta do Governo do que algumas posições aqui assumidas.
O n.° 1 do artigo 5.°, tal como surge na proposta de lei, é justamente o fundamento do que, categoricamente, se afirma nos n.os 2 e 3.
Os n.M 2 e 3 tratam do direito de nós intervirmos, nos defendermos pelas armas, se necessário.
As disposições da proposta de lei pecam por insuficiência, por isso as recusamos.
Temos todo o direito de usar as armas para defender os nossos interesses e direitos — territoriais e outros — e temo-lo tanto mais quanto defendermos uma política internacional que se traduza na resolução dos problemas, sem recurso à guerra e por intermédio de negociações; temo-lo quanto é certo defendermos inequivocamente o desarmamento geral de todos os blocos — não unilateral, obviamente.
A política de defesa, nos seus objectivos gerais, funda-damenta o recurso às armas quando este constitua a única via de defesa dos nossos interesses.
Não pretendemos a reprodução integral do n.° 2 do artigo 7.° da Constituição, nem sequer que o n.° 1 seja modificado nos termos que preconizamos na nossa proposta. Contudo, a nossa proposta continua a ter sentido útil — e requeiro a atenção do Sr. Vice-Primeiro--Ministro—, porque, ao contrário do que possa parecer, ela vai no sentido do que o Governo aparentemente pretendeu. Assim deveria ser considerada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Saliento que, embora a paz seja o objectivo fundamental do Estado, a defesa tem por missão preparar o Estado para enfrentar a guerra, não para este enfrentar a paz. Introduzir como princípio genérico da política de defesa aquilo que é um princípio genérico da política global do Estado é uma tentativa de, através da confusão dos planos, desarmar a defesa.
Esta lei tem em vista, naturalmente, organizar um aspecto fundamental da vida do Estado, mas tem também em vista a regulamentação da orgânica, disciplina e do funcionamento das próprias Forças Armadas.
Não me parece curial que, como regime enquadrador das Forças Armadas no âmbito da defesa nacional e dos poderes do Estado, se introduza nesta lei a reprodução ipsis verbis do n.° 2 do artigo 7.° da Constituição, artigo
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de natureza genérica sobre as missões fundamentais do Estado no plano das relações internacionais.
Poder-se-ia, através de uma leitura errada desse artigo, deduzir que toda a defesa nacional era, em si mesma, contraditória e desprovida de qualquer sentido.
O Sr, Presidente: — Srs. Deputados, acaba de dar entrada na mesa uma proposta de aditamento do n.° 1 do artigo S.° e de substituição do n.° 2 do mesmo artigo, apresentada pelo MDP/CDE.
Esta proposta vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de aditamento do n.° 1 e de substituição do n.° 2 do artigo 5.°
Intercalar entre as palavras «arbitragem» e «considerando» «reprovando toda a forma de ameaça ou uso de força contra a segurança de qualquer Estado e».
Introduzir um novo n.° 2, nos seguintes termos:
2 — 0 Estado Português preconiza o desarmamento geral, simultaneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, como formas de contribuição para assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — É óbvio, Srs. Deputados, na sequência das minhas intervenções anteriores relativas a esta matéria, que nos veríamos na obrigação lógica de, com esta proposta, dar cobertura aos pontos de vista já explicitados.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa proposta relativa ao artigo 6.° está retirada ...
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha proposta relativa ao n.° 6 está retirada. Mas acontece que, enquanto estive a pensar no assunto, analisando os artigos 5.° e 6.°, tive a sensação de que era a única referência, em qualquer destes artigos, ao estatuído e recomendado pela Constituição da República. Aliás, o n.° 1 do artigo 5.° recorre a essa necessidade de uma forma explícita e clara.
No entanto, parece-me que, por um lado, a maturi-zação e concretização da política de defesa nacional não podem ser contraditórias e contrárias ao artigo 7.° da Constituição. Em minha opinião, seria um absurdo conceber esta maturização da politica de defesa nacional como algo que se vai exercendo permanentemente contra o consagrado no artigo 7.° da Constituição.
Por outro lado, compreendo as objecções do Sr. Deputado Jaime Gama. Creio que deveria fazer-se um enquadramento genérico a estes dois artigos num quadro do
artigo 7.o da Constituição, para observância de algumas normas constantes deste artigo, e nada mais que isso. Porque, na verdade, o n.° 1 do artigo 5.° é uma referência que reproduz também uma boa parte do artigo 7.° da Constituição. Logo, não fará sentido reproduzir-se boa parte do artigo 7.° da Constituição no n.° 1 do artigo 5.° e excluir-se uma referência global ao artigo 7.° Assim, o meu apelo ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro era no sentido de se reformular conjuntamente o artigo 5.° e o 6.°, os quais podem ser objecto do mesmo artigo da defesa nacional. A exemplo da constituição brilhante do Sr. Vice-Primeiro-Ministro para o artigo 4.°, talvez fosse possível assegurar a quase totalidade das objecções levantadas pelo Sr. Deputado do PS e referenciar genericamente a política de defesa nacional em boa parte das relações do artigo 7.° da Constituição.
Creio que tanto uma coisa como outra seriam possíveis e, nesse sentido, fazia daqui o meu apelo ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): — Gostaria de fazer um pequeno comentário sobre o artigo 5.°, pois parece-me susceptível de uma outra leitura.
As formas de guerra legítimas previstas na Carta das Nações Unidas são várias, mas a nossa leitura deste artigo está a aceitar apenas a guerra de legítima defesa. É a definição de Portugal, no sentido de que só fará a guerra de legítima defesa, e não outra.
Isto iria talvez ao encontro da observação do PS. Estamos a tratar da defesa, da agressão, e só assumimos o direito de fazer a guerra em legítima defesa. Mais nada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de tudo o que já foi dito, faria apenas uma intervenção breve e sintética para tecer alguns comentários.
Em primeiro lugar, este artigo não visa discorrer acerca das relações entre defesa nacional e relações internacionais, mas, mais restritamente, enquadrar o direito de usar a força na comunidade internacional. Por isso, parecer-me-ia bem, de acordo com sugestões feitas, que se alterasse a epígrafe, podendo ficar, por exemplo, «Direito de legítima defesa».
Em segundo lugar, penso que, ao contrário de outros passos da proposta de lei, onde se justificava, a meu ver, uma reprodução da Constituição, não viria aqui a propósito reproduzir o artigo 7.° ou partes substanciais dele, na medida em que o que lá está contido são objectivos da política externa, e não da política de defesa.
Por exemplo, preconizar a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, ou mesmo preconizar o desarmamento geral, são objectivos de política externa, e não de política de defesa. Sendo assim, é melhor isso ficar separado. Sobretudo se tomarmos em conta que a própria política de defesa tem de variar de conteúdo, consoante sejam ou não atingidos estes objectivos de política externa contidos no artigo 7.°
Se se atingir o objectivo do desarmamento geral, o conteúdo da política de defesa será um; se não foi atin-
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gido ou enquanto não o for, o conteúdo da politica de defesa terá necessariamente de ser outro.
Não me parece, pois, que venha a propósito incluir neste artigo os objectivos da politica externa, cuja prossecução terá naturalmente reflexos na politica de defesa, mas não faz parte dela.
Assim, a minha proposta seria no sentido de se manter a estrutura do artigo, de se alterar a epígrafe e de se incluir a referência à Constituição no n.° 1.
Finalmente, quanto à questão de se juntar ou não o artigo 6.° ao artigo 5.°, é possível fazê-lo. No entanto, a meu ver, isso não tem muito sentido. Uma coisa é definir as condições em que o Estado Português pode recorrer ao uso da força na sociedade internacional, outra coisa é dizer que o Estado Português, dentro dessas condições e dentro da limitação do recurso à força para os actos de legítima defesa, pode fazer parte de um sistema de segurança colectiva que o reforça nessa possibilidade de intervenção.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Coloco a questão da hora.
O Sr. Presidente: — (Imperceptível.) O Oiradoir: — (Imperceptível.)
O Sr. Presidente: — Então faria um apelo no sentido de tentarmos ser pontuais para reiniciarmos os nossos trabalhos pelas 15 horas.
Srs. Deputados, retomamos os nossos trabalhos.
De manhã debatemos o artigo 5.° e agora passaríamos para o artigo 6.°
Em relação ao artigo 6.°, temos uma proposta de eliminação apresentada pelo PCP e uma proposta do PS alterando o conteúdo e a epígrafe do artigo, subscrita pelo Sr. Deputado Jaime Gama.
A proposta vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Artigo 6.°
(Defesa nacional e compromissos internacionais!
A defesa nacional exerce-se igualmente no quadro dos compromissos internacionalmente assumidos pelo País.
Sr. Deputado Jaime Gama, quer justificar a proposta? Faça o favor.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Entendemos que o artigo 6.°, tal como se encontra redigido, pode ser susceptível de vincular a defesa nacional apenas aos sistemas internacionais de segurança colectiva, com tudo o que eles significam.
Consideramos que a nossa expressão «compromissos internacionais» é mais genérica, permitindo referir a cooperação não só num quadro multilateral, mas também bilateral.
Por outro lado, existe o cuidado de referir que a defesa nacional não é ditada nem exercida apenas no quadro desses sistemas internacionais, acentuando, dessa (oma, o carácter primário da defesa nacional relativamente a qualquer compromisso internacional.
O Sr. Presidente: — Existe ainda uma proposta do MDP/CDE que pretende acrescentar um n.° 2 ao artigo, o qual teria o seguinte conteúdo:
A participação de Portugal em sistemas internacionais de segurança colectiva, com salvaguarda da independência nacional, não pode acarretar riscos desnecessários aos cidadãos portugueses residentes tanto no território nacional como no estrangeiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de chamar a atenção para o facto de a nossa proposta só ter pertinência no quadro da proposta constante da proposta de lei.
Naturalmente que a formulação agora apresentada pelo PS, com a substituição do actual artigo, não teria lógica com a proposta por nós apresentada.
Pensamos ser indispensável o princípio da reserva na formulação apresentada pelo Governo, na medida em que a formulação abre para uma perspectiva meramente teórica, que pode fazer face a todas as eventualidades não definidas. Portanto, parece-nos que o principio básico de qualquer participação, numa forma plausível ou possível de participação no domínio relativo à segurança colectiva, é, de facto, medir e avaliar que riscos uma tal participação trará aos Portugueses.
Assim, esse princípio, tal como o de salvaguarda da independência nacional, parece-nos pertinente.
Em relação à proposta do PS, parece-nos que a formulação apresentada é talvez mais recuada e vaga, mas ressalva estas preocupações. O País assume os compromissos internacionais, qualquer que seja o carácter dos órgãos de soberania que sancionam esse compromisso. Têm de ter em conta os aspectos da independência nacional e saber o que significam esses compromissos em relação à segurança ou aos riscos anormais que possivelmente teriam para os cidadãos portugueses.
Assim, expliquei a razão da nossa proposta. Esta reserva é apenas quanto ao n.° 1 apresentado pelo Governo. Fazendo vencimento a proposta do PS, a nossa considerar-se-á sem efeito.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Tenho uma dúvida que gostaria de colocar tanto ao Sr. Deputado Jaime Gama como ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
É a seguinte: a redacção do artigo 6." tem uma leitura unívoca? Isto é, os sistemas internacionais de segurança colectiva aqui referidos baseiam-se ou assentam em acordos exclusivamente multilaterais ou, pelo contrário, poder-se-á entender a redacção aqui expressa como implicando também a possibilidade de um sistema de segurança internacional baseado em acordos bilaterais, trilaterais, mas não com a amplitude que creio estar aqui explícita?
Esta questão foi-me suscitada precisamente pela intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama, mas gostaria também de perguntar ao Governo o que pensa disto.
O Sr. Presidente: — O Sr. Vice-Primeiro-Ministro pretende responder já ao esclarecimento solicitado ou prefere aguardar para o final?
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: A nossa proposta de eliminação tem um objectivo claro. A formulação do artigo 6.° ou era algo de demasiado ou era algo de inútil.
Aliás, pode dizer-se ser evidente o que o artigo 6.° parece querer permitir numa leitura mínima (e isto vale também para a proposta do PS).
O sentido do artigo 6.°, tal como está redigido, é inútil. E quando algo é inútil, a primeira coisa que se pergunta é por que razão existe. E é na resposta a esta pergunta que encontramos outras razões que nos fazem propor a eliminação.
Em todo o caso, a proposta alternativa do PS, embora seja, em certa medida, também inútil, é menos susceptível de maus entendimentos. Desde logo, porque não se reporta à apreciação subjectiva, como é o caso da proposta do Governo, falando em salvaguarda da paz e segurança internacionais. É isso que resta sempre julgar em qualquer acordo, organismo ou sistema internacional de segurança.
A proposta do PS reporta-se, sim, a uma formulação mais sólida, em nosso entender, pois refere que a defesa nacional se exerce no quadro dos compromissos que internacionalmente sejam assumidos pelo nosso pais.
Trata-se de uma afirmação sólida, pois fala-se em compromissos assumidos, não havendo qualquer julgamento subjectivo do valor desses compromissos.
O PCP mantém, de qualquer forma, a proposta de eliminação do artigo 6.° tal como é apresentado, embora possamos encarar a hipótese de não contrariar a fórmula que o PS propõe. Parece-nos mais solidamente realista, ty& medida em que, este exercício da defesa nacional se reporta à assunção dos compromissos internacionais por parte do País.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Penso que numa lei de defesa nacional mal ficaria que não se fizesse uma referência à possibilidade da pertença do País a sistemas de segurança colectiva, uma vez que se trata de uma realidade conhecida que não está posta em causa, condicionando, por um lado, e alargando, por outro os termos em que a política de defesa nacional é, ou pode ser, definida. Tem implicações e, inclusivamente, noutras partes posteriores deste diploma aparece referida a propósito da designação para este ou aquele cargo, etc.
Portanto, parece que deveria haver uma referência a isso.
A ideia existente era a de fazer a referência pela forma como aqui está, sendo certo que o que para além desta fórmula se acrescenta na proposta do PS é, tal como o texto proposto pelo Governo, em certo sentido, desnecessário.
Mas, atendendo a que se deve fazer uma referência a esta dimensão internacional da defesa, penso que algo se deve dizer.
Se for entendido, como parece resultar do debate aqui travado, que a redacção proposta pelo PS, ou outra próxima dessa, é mais fácil de aceitar, não farei finca-pé na Ttdacçto ptoçosta çelo Governo.
Ao Sr. Deputado César OUveAra respondia que o pensamento do legislador era o de contemplar e, de certo modo, enquadrar a participação de Portugal na NATO,
ainda que pela redacção utilizada não ficasse excluída a eventualidade de outras alianças mais restritas, designadamente bilaterais.
A ideia era, de facto, fazer uma referência. Aliás, nas primeiras versões desta proposta, elaboradas no âmbito do Governo, havia um n.° 2 que concretizava o n.° 1, dizendo: «Portugal é membro da Aliança Atlântica.»
Foi depois entendido que essa referência não devia fazer-se aqui e ficou apenas a fórmula mais ampla, mas sempre a pensar na parte multilateral.
No caso de a Comissão se inclinar para a redacção proposta pelo PS, sugeriria apenas duas alterações formais de estilo: uma é «a defesa nacional é exercida», em vez de «exerce-se», e a outra é «no quadro dos compromissos internacionais assumidos pelo País», e não «internacionalmente assumidos». Os compromissos internacionais são assumidos nacionalmente.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Jaime Gama deseja usar da palavra?
Está, portanto, de acordo com as alterações sugeridas.
O texto seria, pois, o seguinte:
A defesa nacional é exercida igualmente no quadro dos compromissos internacionais assumidos pelo País.
Pergunto ao Sr. Deputado Herberto Goulart se o MDP/CDE mantém a sua proposta. Fica sem efeito.
Srs. Deputados, o capítulo I está debatido.
Nos termos acordados, passaríamos em seguida à sua votação, com as alterações propostas.
Vamos proceder à votação do artigo 1." «Defesa nacional».
Submetido à votação, o artigo 1." foi aprovado pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Artigo 2." Relativamente ao n.° 1, não foram apresentadas quaisquer propostas de alteração.
Vamos proceder à sua votação.
Submetido à votação, o n." 1 do artigo 2." foi aprovado pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Em relação ao n.° 2, foi apresentada uma proposta de aditamento pelo PS com o seguinte texto:
2 — [...] sem prejuízo das competências próprias da Assembleia da República e do Governo.
Vamos proceder à votação do texto da proposta do Governo com o aditamento.
Submetido à votação, o texto da proposta do Governo com o aditamento apresentado pelo PS foi aprovado pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Relativamente ao n.° 3, vou submeter à votação o texto do Governo com a alteração proposta pelo PS, que foi a que mereceu maior acolhimento, e que é do seguinte teor:
3 — As principais orientações e medidas [...] Submetido à votação, on.°3 do artigo 2.0 da proposta
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de lei do Governo com a alteração proposta pelo PS foi aprovado com as abstenções do PCPe do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Embora não se tenha submetido a nossa proposta de substituição global do n.° 3 a votação, por razoes de economia de tempo — o que, ainda que formalmente não seja muito correcto, aceitamos, já que votámos o n.° 3 tal qual vai ficar, sendo o resultado seguro —, gostaria de sublinhar que não retiramos a nossa proposta para este número.
Não queremos perder tempo. A nossa proposta deveria ser votada, não o vai ser e aceitamos o método seguido. Mas, para que conste da acta, quero afirmar que não a retiramos.
O Sr. Presidente: — Artigo 3.°: «Objectivos permanentes da politica de defesa nacional».
Foi apresentada pelo PS uma proposta de alteração relativamente à epigrafe, que ficaria a ser a seguinte: «Carácter nacional e objectivos permanentes da política de defesa.»
Submetida à votação, foi aprovada pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Relativamente ao corpo do artigo, foram apresentadas 2 propostas de alteração, pelo PS e pelo PCP, respectivamente.
Como a proposta apresentada pelo PS é mais ampla, contemplando também a apresentada pelo PCP, vou submetê-la à votação. E do seguinte teor:
O carácter nacional da política de defesa perante qualquer agressão ou ameaças externas decorre dos seguintes objectivos permanentes: [...]
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Por economia de tempo, aceitamos que assim se faça.
Notamos, porém, que o critério é o oposto ao que há pouco foi adoptado.
Em todo o caso, aceitamos que assim se faça. Votemos, desta vez, a proposta que é mais ampla.
O Sr. Presidente: — Vamos, então, proceder à votação da proposta apresentada pelo PS relativa ao artigo 3.°
Submetida à votação, foi aprovada pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Há uma proposta de aditamento da expressão «democráticas», a seguir a «instituições», apresentada pelo PCP.
Não sei se deveríamos, por tratar-se de uma proposta de aditamento, votar primeiro o corpo de alínea.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Suponho que há pouco foi adquirido que, em relação a esta alínea, a alteração que pretendemos introduzir bastava para ficar conforme ao texto constitucional. Salvo uma objecção levantada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro também estaria de acordo com o qualificativo «democráticas».
Se o Sr. Deputado José Luís Nunes não faz muita
força na sua objecção, podíamos, por economia, votar o texto de imediato com os 2 aditamentos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, havendo a hipótese de os 2 aditamentos serem aceites, leria a alínea d) com as alterações propostas:
d) Garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de realização das tarefas fundamentais do Estado;
Submetida à votação, foi aprovada pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Relativamente à alínea e), vou submetê-la à votação com o aditamento proposto pelo PS:
e) [...] qualquer agressão ou ameaça externas.
Submetida à votação, foi aprovada pela unanimidade dos partidos presentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Se me permite, gostaria de fazer uma breve declaração de voto.
Tínhamos proposto a eliminação desta alínea, pelas confusões que poderiam ser engendradas a partir da sua leitura.
Felizmente, com o aditamento proposto pelo PS, não tivemos que nos opor à sua aprovação, já que altera profundamente a sua leitura.
O Sr. Presidente: — Relativamente à alínea/), não foi apresentada qualquer proposta. Vamos proceder à sua votação.
Submetida à votação, foi aprovada pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Resta-nos votar as alíneas a), b) ec).
Se não há oposição submetê-las-ia, em conjunto, a votação.
Submetidas à votação, foram aprovadas pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Artigo 4.° O Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro propôs a redacção há pouco discutida. Seria a seguinte:
Artigo 4.°
(Caracterização e divulgação da politica de defesa nacionall
1 — A política de defesa nacional tem carácter permanente, exercendo-se a todo o tempo e em qualquer lugar.
2 — A política de defesa nacional tem natureza global, abrangendo uma componente militar e componentes não militares.
3 — A política de defesa nacional tem âmbito interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução.
4 — A necessidade da defesa nacional, os deveres dela decorrentes e as linhas gerais da politica de defesa nacional serão objecto de informação pública actualizada e permanente.
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Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Apenas uma pequena questão de redacção.
No último número, substituir-se «permanente» por «constante» ou qualquer outra expressão, já que se diz «permanente» num dos números anteriores e aí o conceito é diferente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Concordo. Nesse caso e para soar melhor, propunha esta alteração:
[...] informação pública, constante e actualizada.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos submeter a votação esta redacção com as alterações agora introduzidas.
Submetido à votação, foi aprovado pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Artigo 5.° Relativamente a este artigo, foi sugerida uma nova epígrafe: «Direito de legítima defesa».
Submetido à votação, foi aprovada pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — O n.° 1 teria a redacção da proposta, com o aditamento seguinte:
[...] e da segurança internacionais, nos termos da Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Parece-me que, neste caso, é forçoso, para não fazer perder conteúdo à nossa proposta, que se vote primeiro a nossa proposta de um novo n.° 1. Em seguida, votar-se-ia o novo n.° 2 — ou n.° 1, no caso de ser votada contrariamente—, a nossa proposta. E, finalmente, as propostas de aditamento apresentadas pelo PS ao n.° 1 actual.
O Sr. Presidente: — Vamos, então, votar a proposta apresentada pelo PCP ao n.° 1 deste artigo 5."
Submetida à votação, foi rejeitada por maioria, com votos a favor do PCP e do MDP/CDE e com a abstenção da UEDS.
O Sr. Presidente: — Ainda relativamente a este n.° 1. o MDP/CDE apresentou uma proposta de aditamento.
Penso que o método mais correcto será o de votar, em primeiro lugar, a proposta do Governo com o aditamento do PS e, em seguida, considerar-se-á a inclusão do aditamento proposto pelo MDP/CDE, que não contende com aquele.
Se ninguém se opõe a este método, passaremos à votação do n.° 1 do artigo S.° proposto pelo Governo com o aditamento«[...] nos termos da Constituição».
Submetido à votação, foi aprovado por maioria, com a abstenção do PCP.
O Sr. Presidente: — Vamos, então, votar o aditamento proposto pelo MDP/CDE, que é do seguinte teor: entre as palavras «arbitragem» e «considerando» inter-calar-se-ia a expressão «reprovando toda a forma de ameaça ou uso da força contra a segurança de qualquer Estado e [...]».
Submetido à votação, foi rejeitado por maioria, com votos a favor do MDP/CDE e a abstenção do PCP.
O Sr. Presidente: — Relativamente ao n.° 2, foi apresentada uma proposta de substituição pelo PCP.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, se me permite, este n.° 2 destinava-se a substituir o anterior n.° 1. Tendo em vista a votação que foi feita, perde o sentido.
Neste momento, temos que passar à votação do n.° 2 e do n.° 3 propostos pelo Governo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Mantemos a nossa formulação do n.° 2, que consideramos pertinente em relação ao n." 1 da proposta governamental e solicitamos que o nosso n.° 2 fosse votado antes de se passar aos n.05 2 e 3 da proposta do Governo.
O Sr. Presidente: — O n.° 2 que o MDP/CDE propõe tem o seguinte conteúdo:
O Estado Português preconiza o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, como formas de contribuir para assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
Submetido à votação, foi rejeitado por maioria com os votos a favor do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: — Vamos passar à votação do n.° 2 da proposta do Governo,
Submetido à votação, foi aprovado peia unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Vamos votar o n.° 3 da proposta do Governo.
Submetido à votação, foi aprovado pela unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Artigo 6.° Relativamente a este artigo, há uma proposta de eliminação, apresentada pelo PCP, que deverá ser votada em primeiro lugar.
Submetida à votação, foi rejeitada por maioria, com votos a favor do PCP e com a abstenção do MDP/ /CDE.
O Sr. Presidente: — Vou, em seguida, pôr à votação a proposta do PS, com as alterações produzidas no debate. E a seguinte:
Artigo 6."
(Defesa nacional e compromissos internacionais) A defesa nacional é exercida igualmente no
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quadro dos compromissos internacionais assumidos peio País.
Submetido à votação, foi aprovado pela unanimidade 'dos partidos presentes.
O Sr. PrasMenle: — Srs. Deputados, vamos entrar no debate do capítulo II.
Este capítulo trata da responsabilidade pela defesa nacional e deveres dela decorrentes. O artigo 7.° tem como epígrafe «Princípios gerais».
Sobre este artigo incide uma proposta de alteração, subscrita pelos Srs. Deputados Jaime Gama e José Luís Nunes, do PS. Essa alteração pretende eliminar do n.° 2 a expressão final «e das Forças Armadas», terminando o número em «órgãos de soberania», propondo também um novo número.
Voz imperceptível.
O Sr. Plastéente: — É intercalar «Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República»? Então o n.° 3 passará a n.° 4 e este a n.° S, não é assim?
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — A razão da nossa proposta tem a ver com duas realidades. Em primeiro lugar, parece-nos que, sendo embora necessário referir com muito destaque o papel das Forças Armadas na actividade de defesa nacional, não pareceria curial equipará-las em termos de responsabilidade aos órgãos de soberania ou pelo menos igualizá-las?
Daí a nossa proposta no sentido de terminar o n.° 2 deste artigo na expressão «órgãos de soberania» e autonomizar a referência às Forças Armadas e ao seu papel na defesa nacional num novo n.° 3 que passaria a existir. Seguir-se-ia depois a ordem normal dos artigos.
Em segundo lugar, a razão que nos leva a introduzir esta expressão «Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República», é devido a parecer-nos que no projecto de diploma que nos foi apresentado, esta noção constitucional não estava transcrita em nenhum dos artigos do texto. Pelo menos com esta redacção.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeíro-Ministro e Ministro da Defesa
Naciemal (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas quero dizer que estou de acordo com a alteração proposta pelo PS, embora desejasse chamar a atenção para o facto de a expressão constitucional referida constar do n.° 1 do artigo 24.° deste diploma. Esta alteração obrigar-nos-á, talvez, a repeti-la em dois pontos, uma vez que será difícil retirá-la do artigo 24.°
Não há dúvida de que ela aqui tem todo o cabimento e, desse modo, talvez, ao chegarmos ao artigo 24.°, pudéssemos ver uma maneira de resolver o problema da eventual repetição da mesma expressão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PPM): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PPM, em princípio, não poderá aceitar esta proposta do PS pelas razoes que expendeu durante o processo de revisão constitucional.
Não porque não esteja de acordo com a sede da inserção e com o próprio espírito, mas porque considera que a palavra «República» tem aqui um sentido equívoco.
Nem me atrevo a sugerir alternativas a «República», mas, como referimos na altura, teríamos preferido que se dissesse «Nação» ou uma outra coisa do género.
Mas, como já teve acolhimento constitucional, nem me atrevo a propor uma alternativa. Pretendia apenas explicar a razão pela qual não podemos aceitar esta expressão tal como está.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais inscrições, passamos ao artigo seguinte, artigo 8.°
Em relação a este artigo, existe uma proposta de aditamento de um novo número, apresentada pela UEDS.
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. Césai Oliveira (UEDS): — Considero que esse novo número proposto pela UEDS tem algo de redundante nesta matéria toda. Simplesmente me parece que nada se perderia em se explicitar isso.
O Sr. Presidente: — Peço desculpa, Sr. Deputado, mas a proposta ainda não foi lida. Vai ser lida a proposta.
Foi lida. E a seguinte
7 — A iminência da prestação de serviço militar obrigatório não poderá servir de argumento para recusa de emprego por parte das entidades empregadoras.
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Admito perfeitamente o facto de a proposta ter algo de redundante e tenho perfeita consciência de que as entidades empregadoras, não dizendo explicitamente que não empregam A, B ou C porque vão prestar serviço militar, acabam por fazê-lo não tornando explícito esse argumento.
No entanto, o sentido da proposta é de uma tentativa de acabar com algo que me parece imoral e antinacional — aquilo que se vê muitas vezes nos jornais, quando se refere admitirem-se pessoas, desde que não tenham feito o serviço militar. O argumento do serviço militar é muitas vezes empregue por entidades empregadoras muito diversas, para recusar emprego a A, B ou C.
Isto é, a meu ver, imoral e antinacional e este aditamento inocente e algo ingénuo tem todo o cabimento, sendo bom que fique expresso.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro.
O Sr. Vlce-Prlmeiro-Ministr© e Míbüsto® <£& Defasa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer que me parece que a ideia que está na base da proposta do Sr. Deputado César Oliveira é correcta, tem todo o fundamento e a introdução em lei do preceito proposto não é redundante e justifica-se plenamente.
Todavia, creio que o seu lugar não deverá ser nesta lei, mas sim na lei do serviço militar, onde problemas como este terão, talvez, melhor cabimento.
Chamaria a atenção para que este artigo 8.°, salvo num pequeno ponto, é a reprodução ipsis verbis do que a
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Constituição diz sobre esta matéria. Assim, a melhor técnica talvez não seja a de acrescentar aqui apenas esse aspecto, quando porventura, outros tão importantes ficam de fora, mas sim a de relegarmos essa questão para a lei de serviço militar.
O Sr. Presidente; — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — A ideia do aditamento foi-me sugerida pelo actual n.° 6 do artigo 8.° Daí que a primeira ocorrência de conteúdo de aditamento me venha do estatuído no artigo 6.°, que se prende ao conteúdo do meu aditamento.
Se não se pode ser prejudicado devido ao facto de se estar a cumprir o serviço militar, muito menos a iminência da prestação desse serviço pode ser invocada para recusa de emprego.
O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados inscritos, irei ler a proposta que o PCP acaba de apresentar à Mesa e que consiste em substituir o artigo 8.°
Foi lida. É a seguinte:
O regime jurídico do serviço militar é regulado por lei especial.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Creio que o Sr. Ministro da Defesa expôs bem o problema. A questão colocada pelo Sr. Deputado César Oliveira é importante, mas a levantar em fórmulas diferentes na lei do serviço militar obrigatório pela seguinte razão: primeiro, como o Sr. Deputado César Oliveira reconhece ela está prejudicada e consumida por esta norma geral do n.° 6; em segundo lugar, por uma outra ordem de razão: se isto nào ficar exarado de uma forma muito mais clara e regulamentada, a solução será muito simples — nenhum empregador virá dizer em relação a um jovem abrangido pelo serviço militar iminente que não lhe dá emprego por essa razão.
Em minha opinião, tal ponto deve ser visto com mais atenção e creio que nessa sede poderíamos lançar mão do direito comparado, analisando o que se passou nos países em que isso ficou como princípio fundamental e o que se fez para evitar isso.
Assim, nesta medida e de acordo com o princípio, parece-me que a sede própria será noutro lugar. De qualquer forma esse princípio da iminência do serviço militar está consumido não só pelo n.° 6 mas também pelo n.° 1 do artigo 8.°
Quanto à proposta de eliminação do artigo 8.°, creio que a presença ou transcrição destes pontos do artigo têm perfeito cabimento, devendo-se, por isso, manter.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: A nossa proposta pode parecer demasiado radical, mas, em nosso entender, seria, apesar de tudo, a melhor solução.
Como já foi aqui notado pelo próprio Sr. Vice-Primeiro-Ministro, o artigo 8.°, tal como é apresentado,
resulta, na prática, uma mera repetição da Constituição, com uma ou duas diferenças que podem não vir a revelar-se positivas.
A única coisa exigível neste momento é que venha a ser elaborado em lei especial tudo aquilo que diga respeito ao serviço militar, de acordo com os princípios constitucionais aqui repetidos. Por exemplo, o n.° 1 é exactamente o n.° 2 do artigo 276.° da Constituição, o n.° 4 é exactamente o n.° 5 do mesmo artigo, o n.° 5 é o n.° 6, o n.° 6 é igual ao n.° 7, os objectores de consciência, figuram em artigo à parte —artigo 9.°— e corresponderiam ao n.° 4 do artigo 276.° e o n.° 3 é fundamentalmente o n.° 3 do artigo 276.°
Pelo nosso lado, não vemos razão nesta repetição toda, apenas para se dizer no n.° 2 que a lei do serviço militar regulará o modo de obtenção e preparação dos efectivos necessários às Forças Armadas para o cumprimento das missões que lhes são cometidas. A questão acrescentada é aquilo que propomos com um só corpo de artigo — remeter para a lei do serviço militar, a qual regularia tudo isso.
Por tudo isto, a nossa proposta de substituição global iria beneficiar uma certa limpeza de leitura da lei da defesa nacional, tirando daqui um artigo que, embora longo, nada acrescenta àquilo que diz a Constituição. E aquilo que acrescenta é a remissão para a lei do serviço militar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas duas observações.
Em primeiro lugar, para dizer que me pareceu importante (e este ponto é um daqueles em relação ao qual a Comissão terá de se pronunciar mais vezes) que nesta lei, a qual irá ser a primeira lei de defesa nacional e das Forças Armadas depois do 25 de Abril, se compendiasse e sintetizasse tudo quanto existe de essencial sobre a matéria objecto do diploma em elaboração, mesmo quando isso implicasse a reprodução, por vezes extensa, de preceitos constitucionais.
Para todos aqueles que irão ter de estudar ou aplicar esta lei, é importante que a matéria constitucional relativa ao objecto desta lei esteja reproduzida, para que não seja necessário estar constantemente com a Constituição numa mão e com esta lei na outra, articulando preceitos e preenchendo eventuais lacunas.
Onde me parece que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira pode ter razão é quando afirma que este preceito não se limitou a reproduzir o que dizia a Constituição sobre estas matérias, acrescentando um n.° 2, que aliás talvez seja inútil.
Assim a proposta que faria era no sentido de manter aqui a reprodução integral do que a Constituição diz sobre serviço militar, mas eliminando o que aqui está a mais, para além do que a Constituição diz. E tudo o resto viria na lei do serviço militar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas para dizer que, sendo a questão do serviço militar obrigatório uma questão controversa dentro do meu partido, não podemos votar esta dispo-
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sição sem declarar que o fazemos por uma questão de solidariedade politica, e não por uma obrigação programática do partido.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Compreendo e sou levado a aceitar as razões invocadas pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Simplesmente, ouvi lateralmente dizer que este aditamente proposto pela UEDS era um pouco poético. Admito que o seja, mas também o n.° 6 o é. Todavia, não andamos todos aqui apenas por aquilo que não é poético. O que é poético também interessa e uma das razões é o n." 7 deste artigo.
Admito perfeitamente que a lei do serviço militar vá recolher esta minha sugestão, simplesmente não faz sentido recusar-se o aditamento que propus, mantendo-se o n.° 6. Porque, se de facto os cidadãos não podem ser prejudicados enquanto estão no serviço militar obrigatório, também este não pode ser invocado sob pretexto!
O que gostaria de ver claro, quer nas posições do Sr. Vice-Primeiro-Ministro quer na intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes, são os argumentos que levam à recusa deste meu acrescento e à defesa do n.° 6 que aqui está.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado, é apenas por esta razão: se o artigo for uma reprodução ipsis verbis do que a Constituição diz sobre isto, fazer apenas esse aditamento significaria, no fundo, reprovar aquilo que a Constituição disse sobre este ponto, pas-sando-lhe um atestado de norma incompleta e imperfeita.
Ao passo que, se esse aditamento (com outros) for introduzido na lei do serviço militar, onde não se trata apenas de reproduzir a Constituição, mas sim de a desenvolver e regulamentar, já a inclusão desse e de outros preceitos não se prestará à crítica de que se está a criticar a Constituição.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Coutinho.
O Sr. Azevedo Coutinho (CDS): — O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa disse que em opinião do Governo o n.° 2 poderia ser tirado.
Creio, no entanto, que de acordo com as palavras do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, interessa que quem ler a lei da defesa fique com uma ideia do quadro global a que diz respeito, isto é, não só a defesa nacional como também a organização das Forças Armadas. Penso ser importante, para quem leia, que encontre um quadro regulador do modo de obtenção e preparação dos efectivos necessários.
Este ponto dos efectivos necessários para o cumprimento das missões tem sido um dos aspectos mais focados em relação à necessidade ou não necessidade de serviço militar obrigatório em relação aos efectivos que todos os anos são chamados a cumprir o seu serviço militar nas Forças Armadas. Em minha opinião seria conveniente que o n.° 2 ficasse contemplado nesta lei.
Relativamente à proposta de aditamento do Sr. Depu-
tado César Oliveira, parece-me melhor ficar na lei do serviço militar, até porque a sua redacção é um pouco vaga. Mas não é só por esse motivo. Fica-se sem saber se «iminência da prestação» se reporta, a qualquer cidadão a partir dos 18 anos, momento a partir do qual pode vir a prestar serviço, ou se é em relação àquele já apurado.
Em principio, os homens sabem que a partir dos 18 anos serão chamados a prestar o serviço millitar e isto significaria que a partir dos 18 anos não poderia haver nenhuma razão que impedisse a admissão ou emprego de qualquer pessoa.
A meu ver, esta redacção é muito vaga nesse aspecto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, naturalmente direi que «do mal o menos». Relativamente à proposta que faz no sentido de manter no artigo 8." exclusivamente os preceitos constitucionais que são atinentes, não posso deixar passar esta oportunidade para fazer uma observação, que vale também para outras situações desta lei.
A repetição de leis hierarquicamente superiores, isto é, a repetição nesta lei do texto constitucional tem vantagens, mas também tem desvantagens, as quais todos conhecemos. Todos sabemos como é uma das vias de degradação da lei: a repetição em instrumento de menor hierarquia, embora também seja instrumento legislativo.
É uma das vias mais facilmente praticável, já que qualquer acto contra um preceito da lei começa por ser um acto contra uma lei simples e só depois irá ser sindicada a eventual violação da Constituição.
Esta técnica é conhecida e praticada no nosso país. Foi muito praticada noutro tempo, isso já passou, mas a referência é só para que não fique esquecida.
Mas, como se trata apenas de repetir, obrigatoriamente não poderemos votar contra o que diz a Constituição. Mais, pensamos que convém ficar esclarecido que a nossa proposta não tem nenhuma substância do tipo, por exemplo, de sermos contra o serviço militar obrigatório, o qual defendemos, ou sermos contra o disposto em relação aos cidadãos inaptos, ao serviço cívico ou a qualquer dos preceitos. Votámos todos os preceitos da Constituição referentes a esta matéria, apoiamo-los e defendemo-los.
Portanto, a nossa proposta não reflectia qualquer discordância de substância, mas antes a discordância quanto à oportunidade de incluir nesta lei todos estes preceitos.
Quanto à proposta da UEDS, permito-me acrescentar um outro argumento além do referido pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro, a respeito de não passarmos aqui um certificado de insuficiência à Constituição.
Creio que o n.° 6 do artigo 8.° da lei, que na Constituição é o n.° 7, diz de facto o que o Sr. Deputado pretende que se diga — que não pode ser prejudicado na sua colocação por efeitos de serviço militar. Ora, o Sr. Deputado, no fundo, pretende que diga o seguinte: «a colocação para efeitos de serviço militar que vai seguir-se». E isso está dito na Constituição.
Em nosso entender, o actual n.° 7 do artigo 276.° da Constituição, repetido no n.° 6 do artigo 8.° da lei, já cobre a protecção que o Sr. Deputado da UEDS pre-
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tendia dar aos cidadãos que vão prestar serviço militar nos termos da lei e da Constituição.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de entrar numa discussão jurídica, mas penso que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira não tem razão, acontecendo precisamente o contrário.
Ou seja, se o preceito constitucional não for reproduzido na lei ordinária, um acto administrativo, por exemplo, praticado contra o preceito constitucional não pode ser considerado ilegal, pois não é contrário a uma lei ordinária. Podem pois surgir dúvidas sobre se é impugnável contenciosamente, ao passo que se também a norma constitucional for reproduzida na lei ordinária, não há qualquer dúvida de que o acto, para além de eventualmente inconstitucional, é sem dúvida ilegal e como tal impugnável contenciosamente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Apreciei muito a argumentação do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, mas devo dizer o seguinte: argumentei em relação à repetição ipsis verbis e não relativamente à inclusão de normas que são contra a Constituição.
É óbvio não haver apenas essas duas alternativas. Existe a eventualidade de o texto ser constitucional mas não sendo a repetição da Constituição.
O que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro apontou como hipótese ainda mais negativa, foi o facto de o texto da lei ser ele próprio contra a Constituição. Então cumpre-se a lei, mas viola-se a Constituição.
Foi isto que entendi.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Apenas quero dizer não ter sido isso o que se passou. No entanto, o tema está um pouco fora do debate e se o Sr. Deputado permitir ficaremos por aqui.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Muito rapidamente, apenas para deixar aqui expressa a minha opinião respeitante a esta matéria. Não se trata de um caso único. Ao contrário, irá suceder frequentemente ao longo do debate sobre esta proposta de lei.
Penso que é justo e pertinente o objectivo de que a Lei da Defesa Nacional procure encontrar resposta às orientações a que o cidadão civil ou militar tem que ser submetido, mas não se trata de elaborar uma cartilha.
Julgo que a Constituição é um texto que o cidadão deve conhecer, mas a repetição de preceitos constitucionais, sem qualquer outro objectivo que corresponda a um aprofundamento de certos aspectos neles enunciados, é um comportamento gerador de redundâncias e pouco atencioso paia com a Constituição.
Tenho em conta as preocupações que foram invocadas para a repetição. Penso que a proposta apresentada pelo PCP é pertinente, podendo estar ligada a uma referência a um artigo da Constituição, sem necessidade de repetição dos números completos do artigo 216.°, pela razão de com esse comportamento se subestimar a importância e o conhecimento que os cidadãos devem ter da Constituição.
Esta é a posição que iremos tomar, não apenas em relação a este artigo, mas também a artigos seguintes desta proposta de lei.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Porque tenho por boa a interpretação dada pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, porque a expectativa que poderia ter nesta matéria —obviamente, a constante da minha proposta — em futura legislação sobre serviço militar obrigatório foi correspondida pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro e porque, para além da melhoria da lei, interessa-me levantar problemas suscitando assim o seu esclarecimento — o mérito da proposta foi esclarecer um problema —, retiro a proposta que apresentei.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 9.°: «Objectores de consciência».
Este artigo é objecto de duas propostas de alteração: uma apresentada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes do PS e outra da autoria dos Srs. Deputados do PCP que fazem parte desta Comissão.
O Sr. Deputado José Luís Nunes propõe substituir a expressão «pelo tribunal competente» por «nos termos da lei», na parte final do n.° 1.
O PCP pretende substituir todo o artigo pelo seguinte:
O estatuto do objector de consciência regulará os casos e termos em que pode ser exercido o direito de objecção ao serviço militar obrigatório.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Em primeiro lugar a expressão «pelo tribunal competente» consta hoje da Lei do Serviço Militar obrigatório, nada nos dizendo que esta não possa vir a ser alterada.
Parece-me, em segundo lugar, que, com a aceitação desta expressão, se põe em causa a situação daqueles jovens que legalmente já obtiveram o estatuto de objector de consciência, lançando-os assim na incerteza e na insegurança.
Os colegas conhecem a repugnância profunda que me provoca a objecção de consciência. Apresento, pois, esta proposta no meu melhor espírito, vencendo todos os obstáculos que pessoalmente levanto a abordar uma questão destas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): — Creio que a nossa proposta não carece de justificação.
Parte dos argumentos que foram invocados a favor da manutenção do texto do artigo 8.° serve para contrariar a solução que se deu ao artigo 9.°.
Aqui, com a excepção do n.° 2 — é o equivalente ao
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n.° 4 dó artigo 276."—, todo o articulado está baseado numa proposta de lei do Governo que aqui foi discutida e votada na generalidade, mas que, como ainda não foi discutida e votada na generalidade, mas que, como ainda não foi sujeita a votação final global, ainda não é texto legal.
A proposta de lei do Governo sobre a objecção de consciência ainda está em discussão na Comissão. Poderia, assim, levantar-se o problema de saber se amanhã, na Comissão, não se votariam preceitos que contrariassem os que constam daqui, uma vez que esta lei não tem força constitucional, não se impondo à lei que estamos aqui a votar.
Portanto, parece-me desnecessário, sendo preferível, reconhecendo o que está na Constituição, declarar expressamente que a lei portuguesa permite objectores de consciência ao serviço militar e deixar ficar a sua regulamentação para a lei em discussão na própria Assembleia.
É o caso, por exemplo, da objecção do Sr. Deputado José Luis Nunes. A expressão «pelo tribunal competente» é a solução que, em principio, foi adoptada. Mas nada nos diz que não venha a ser adoptada uma outra, quando passarmos à votação na especialidade da lei referida.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que não vejo qualquer inconveniente, antes pelo contrário, em que a parte final do n.° 1 do artigo 9." possa ser alterada de modo a que a referência não seja explicita ao tribunal competente.
Relativamente à proposta do PCP, gostaria de dizer novamente que a concepção que presidiu à elaboração desta proposta de lei foi a de procurar condensar neste diploma o essencial sobre cada matéria.
Uma vex que a Constituição, relativamente aos objectores de consciência, se limita a dizer que a objecção de consciência é legítima, não determinando, em rigor, quem tem a ela direito, pareceu útil que, para que esta lei contivesse o essencial da regulamentação da objecção de consciência, se acrescentasse mais alguma coisa, num critério «que, formalmente, parece contraditório com o do artigo anterior, mas que, substancialmente, nãooé.
No fundo, o que se procura é, a respeito de cada matéria, dizer o essencial. Se a Constituição diz o essencial, basta repetir a Constituição; se não diz tudo, há vantagem em acrescentar mais alguma coisa.
Procurou-se acrescentar aqui o que são objectores de consciência de acordo com a redacção da proposta de lei que foi apresentada pelo Governo sobre o estatuto do objector de consciência. É evidente que esta definição pode ser alterada, mas penso que era útil que ficasse esclarecido o que, basicamente, se considera serem os objectores de consciência, com esta redacção ou com outra que se entenda como melhor.
E não penso que haja perigo de contradição, uma vez que o debate na especialidade da lei sobre o estatuto do objector de consciência é feito nesta Comissão de Defesa. Certamente, se esta adoptar agora uma determinada definição, não irá adoptar depois outra diferente e aquilo que agora resolver dizer o irá repetir no diploma específico sobre objectores de consciência.
Esse diploma, que foi apresentado a esta Assembleia cronologicamente antes da proposta de lei de defesa nacional e das Forças Armadas, é-lhe logicamente posterior. Por conseguinte, o diploma —que cronologicamente irá ser publicado depois da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, porque, entretanto, esta lhe passou à frente (tal como em relação ao dc serviço militar e a outros) — também seria uma decorrência desta lei, que passaria de facto a ser, como, na minha opinião, deve ser, a lei básica reguladora destas matérias.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luis Nur.es.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Srs. Deputados, sugeriria que fossem introduzidas as seguintes alterações: no r..° 1, em vez da expressão «nos termos da lei» constante da minha proposta, usar-se-ia «nos termos da lei que definir o estatuto do objector de consciência»; no n.° 2, ficaria «nos termos da lei»; e no n.° 3 ficaria como está.
E apenas uma questão de redacção que pode ter a sua importância, a qual me passou desapercebida na altura em que redigi a proposta.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais inscrições, passaremos ao artigo 10.°
Relativamente a este artigo, há uma proposta de alteração apresentada pelo PCP, onde se propõe a eliminação da segunda parte do n.° 2, ficando o número nos seguintes termos:
A mesma lei regulará as condições em que os cidadãos sujeitos a convocação podem ser dela dispensados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa: A nossa proposta tem uma explicação simples.
De facto, o que aqui se diz a respeito dos cidadãos sujeitos a convocação que podem ser dispensados não envolve todas as motivações que sabemos existirem na prática.
Não vemos qualquer vantagem em se fazer uma enumeração incompleta. Assim, pensamos que se deveria parar onde se diz «podem ser dela dispensados». Com mais rigor, em legislação de outra ordem se poderá encontrar a solução adequada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Mitoüsto© süa Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer que me parece positiva e aceitável esta proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS). — Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Srs. Deputados: Permitir-me-ia apontar uma pequena discordância.
Creio que na formulação da lei se pretendeu definir um poder vinculado, e não um poder discriHr>r><~~
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enunciando alguns dos pressupostos para o exercício desse poder.
Parece-me bastante positiva esta intenção. A objecção formulada pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira poderia ser corrigida da seguinte forma: considerar, através da inclusão do advérbio «nomeadamente», esta enumeração enunciativa e não taxativa.
Ficava assim claro que não é um poder discricionário e que esta nomeação era meramente enunciativa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que esta «vinculação» que aqui se procura definir só tem valor se não vier a ser alterada pela Lei do Serviço Militar, uma vez que estamos a elaborar uma íei ordinária que pode ser alterada por outra lei ordinária posterior.
O sentido não seria tanto o de uma vinculação, mas sim o de uma antecipação do legislador, que diria neste momento o que pensa sobre esta matéria.
Não sei se haveria vantagem em estarmos desde já a regular este aspecto, quando a verdade é que, como dizia o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, haverá porventura outros fundamentos de dispensa para além destes. Poderíamos, assim, ver-nos obrigados a apresentar uma enumeração diferente, aquando da elaboração da Lei do Serviço Militar.
O Sr. Presidentes — Não havendo mais inscrições, passamos ao artigo 11.° «Mobilização e requisição».
Este artigo é objecto de uma proposta de eliminação apresentada pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. VengE de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Vice-Primeiro-Ministro: As nossas propostas de eliminação em relação aos artigos 11.°, 12.° e 13.° fundamentam-se na consideração de que todas estas matérias têm lugar próprio na legislação sobre estado de sítio e estado de emergência.
Não podemos ver apenas o estado de sítio e o estado de emergência em razão da defesa nacional e diga-se o mesmo em relação à requisição e à mobilização. Sabemos muito bem que há situações que não são de defesa nacional, ainda que tenham a ver com a substância da vida nacional, que exigem mobilização, que exigem requisição e que exigem também o estado de sítio ou o estado de emergência.
Não nos parece, portanto, que qualquer destes artigos tenha aqui o seu lugar próprio. Vamos pôr pedras num caminho que poderíamos ter completamente limpo, quando c Governo, os partidos ou os deputados apresentarem a proposta sobre o regime do estado de sítio e estado de emergência. Aí, sim, deverão ser incluídas, não apenas por razões de defesa nacional, todas essas matérias.
E óbvio que, tal como aqui se lê, a requisição e a mobilização obrigam à declaração prévia ou do estado de sítio ou do estado de emergência ou então à existência de estado de guerra. Sem isso, não são aqui admitidas.
Como estão estes três artigos ligados, propúnhamos que, dentro éo entendimento que nos pareceu ser o do Governo, fossem remetidos para a futura lei que regulará o estado de sítio e o estado de emergência.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Os artigos lí.° a 14.° constituem um todo. Apresentamos um conjunto de propostas de alteração, que deve ser entendido na globalidade.
Parece-nos, em primeiro lugar, que as noções de mobilização e requisição devem ser nesta lei estritamente circunscritas à defesa nacional e não ao estado de sítio ou ao estado de emergência, visto que é sentimento geral que essas duas situações não devem ser contempladas no presente diploma.
Em segundo lugar, consideramos que toda e qualquer referência que exceda a defesa nacional, envolvendo, por exemplo, a vida colectiva deve ser eliminada deste articulado, por se prestar a uma interpretação ampliativa, segundo a qual a mobilização e a requisição seriam utilizadas, não em casos decorrentes da defesa nacional, mas em outras circunstâncias.
Em terceiro lugar, parece-nos que a mobilização —e, porventura a requisição, mas mais aquela que esta — não é um instrumento que se utilize apenas em caso de guerra. A mobilização pode, inclusivamente, ser um poderoso factor dissuasor num conflito, perante uma ameaça ou perante uma crise. Circunscrever a possibilidade da mobilização e da requisição ao caso de guerra é restringir o Estado de um poderoso meio de intervenção numa crise ou num conflito.
Daí que propúnhamos uma redacção diferente para o n.° 1, que elimina as referências à vida colectiva, a referência ao estado de sítio ou ao estado de emergência e a referência aos casos de guerra.
Entendemos que no artigo 12.°, para evitar quaisquer confusões, se deve remeter a definição de mobilização aí entendida ao artigo 11.°, onde a mobilização é claramente definida como algo que tem exclusivamente a ver com a defesa nacional.
Pensamos, ainda, que no artigo 13.° devem ser eliminadas as referências à vida colectiva, por elas permitirem um entendimento ampliativo, e quanto a nós não muito correcto, do mecanismo da requisição.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, queria informar que, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama, existem propostas na Mesa para se mandarem fotocopiar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço desculpa, mas há pouco — certamente por lapso — não disse tudo o que pretendia.
Concomitantemente com a proposta de eliminação, apresentamos uma proposta para o artigo 14.°, que remete toda a questão do regime jurídico da mobilização e da requisição para uma lei especial, eliminando o n.° 2 do artigo, ou seja, mantendo na proposta do Governo apenas o que diz respeito à remissão referida.
Sendo certo que isto será sempre assim, já que o Governo também o propõe, mais uma razão para que aqueles três artigos sejam eliminados.
Peço desculpa de há pouco não ter referido mais este aspecto, mas estas propostas têm que ser analisadas em conjunto.
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O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jaime Gama, vou ler as propostas que foram apresentadas sobre mobilização e requisição.
Relativamente ao n.° 1 do artigo 11.°, o PS propõe uma redacção alternativa, em que eliminaria «ou à vida colectiva» e «em caso de guerra ou em estado de sítio ou de emergência».
Ainda sobre o artigo 11.°, o MDP/CDE propõe a substituição do n.° 1 pela seguinte redacção:
Em caso de guerra, os recursos humanos e materiais indispensáveis à defesa nacional podem ser utilizados pelo Estado mediante mobilização ou requisição, nos termos do presente diploma e legislação complementar.
Relativamente ao artigo 12.°, o Sr. Deputado Jaime Gama propõe no n.° 1 o aditamento, a seguir a «mobilização», da expressão «...para efeitos do artigo anterior,...»
Ainda em relação a este artigo, o Sr. Deputado José Luis Nunes propõe no n.° 4 a alteração da expressão «é aprovada» por «é determinada».
Há ainda uma proposta de alteração do MDP/CDE relativa aos artigos de 10." a 14." e epígrafe do capítulo.
Srs. Deputados, faremos então um intervalo de 5 minutos. Está suspensa a sessão.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão. Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nanes (PS): — Queria, apenas, justificar a minha proposta.
Onde se diz que a «mobilização é aprovada pelo...», proponho que se diga que a «mobilização é determinada...», no sentido de se fazer a uniformização terminológica com o artigo que diz que «compete ao Governo determinar a mobilização».
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Minisrro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de justificar, perante as propostas do PCP, a manutenção destes artigos, sem embargo de algumas alterações na especialidade.
Creio que esta matéria é essencial a uma lei de defesa nacional.
De resto, a Constituição, ao referir-se a estas questões, fala em organização da defesa nacional e deveres dela decorrentes. Estamos aqui mergulhados em pleno nos deveres decorrentes da defesa nacional.
Mal ficaria a uma lei de defesa nada dizer sobre esta matéria e tudo remeter para um diploma especial.
Penso, portanto, que seria útil a manutenção, no seu conjunto, destes artigos, que não dispensam a necessidade de uma regulamentação complementar, mas em todo o caso estabelecem os grandes princípios aplicáveis em matéria de mobilização e requisição.
Quanto às alterações propostas pelo PS, entendo que são aceitáveis, em primeiro lugar, porque decorrem da eliminação deste diploma da matéria relativa ao estado de sitio e ao estado de emergência; e em segundo lugar, porque, ao proporem a eliminação das referências à vida
colectiva como fundamento de requisição ou mobilização, estão conformes com a eliminação do tratamento do estado de sítio e do estado de emergência, já que a referência às necessidades da vida colectiva tinha em vista dar um fundamento material à requisição e à mobilização em caso de estado de sítio ou de emergência.
Penso que a eliminação da referência ao estado de guerra é útil, na medida em que amplia para todas as necessidades da defesa nacional, e não apenas para o caso de guerra, a possibilidade de utilizar a requisição e a mobilização.
Creio ainda que é aceitável, por uma questão de uniformização de terminologia, a proposta do Sr. Deputado José Luís Nunes quanto à substituição da expressão «aprovação» por «determinação».
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Tenho sugestões para ir apresentando propostas de modo a levar a situações a nosso ver melhores que as constantes da proposta de lei.
Neste caso não me consegui aperceber quais eram as propostas do PS, dai o ter feito avançar as duas sugestões que tinha para discussão nesta matéria. Depois de ter tido oportunidade de as ler, concluí serem mais pertinentes. As nossas preocupações estão defendidas na proposta do PS.
Não tenho a restrição talvez exagerada que colocávamos ao delimitar o caso de guerra. A preocupação de que estas matérias —mobilização e requisição — ficassem apenas ligadas com questões de defesa nacional, fica salvaguardada pelo inciso proposto pelo PS em relação ao n.° 1 do artigo 12.°
Se as propostas do PS fizerem vencimento, o MDP/CDE retirará as suas.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegamos ao fim do capítulo II. vamos proceder a votações.
Em primeiro lugar, votaremos a epígrafe do capítulo li. que vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
Responsabilidade pela defesa nacional e deveres dela decorrentes.
Submetida à votação, a epígrafe foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes (PSD, PS, CDS, PCP, PPM. UEDS e MDP/CDE).
O Sr. Pffestdente: — Vamos proceder à votação da epígrafe do artigo 7.» «Princípios gerais».
Submetida à votação, a epígrafe foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes (PSD, PS, CDS, PCP, PPM, UEDS e MDP/CDE).
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Qslveira (PCP): — Sr. Presidente, queria que ficasse registado que a votação relativa ao n.° 2 do artigo 1." foi feita juntamente com a proposta de eliminação do PS «e das Forças Armadas».
O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado. Vamos proceder à votação do artigo 7.°
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Submetido à votação, o artigo 7.0 foi aprovado por unanimidade dos partidos presentes (PSD, PS, CDS, PCP, PPM, UEDS e MDP/CDE).
O Sr. Presidente: — Relativamente ao n.° 2, iria colocar à votação o texto com a eliminação da expressão final «e das Forças Armadas», que me pareceu ser o conteúdo que melhor acolhimento teria no maior número de deputados presentes.
Vamos proceder à votação.
Submetido à votação, o n." 2, com a eliminação da expressão final, foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes (PSD, PS, CDS, PCP, PPM, UEDS e MDP/CDE).
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, colocarei agora à votação um novo número, que seria o n.° 3, na redacção constante da proposta do PS.
O número vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República.
Submetida à votação, a proposta do PS para um novo n." 3 foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes (PSD, PS, CDS, PCP, UEDS e MDP/CDE), pois registou-se a ausência do PPM.
O Sr. Presidente: — O n.° 3 da proposta passaria a n.° 4 e teria o mesmo conteúdo. Vamos proceder à votação deste número.
Submetido à votação, este número foi aprovado por unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — O n.° 4 passaria a n.° 5, tendo o conteúdo que consta da proposta do Governo. Vamos proceder à votação.
Submetido à votação, este número foi aprovado por unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Passaremos agora ao artigo 8." Vamos proceder à votação da epígrafe, a qual vai ser Wua.
Foi lida. E a seguinte:
Serviço militar obrigatório.
A epígrafe foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Colocarei agora à votação a proposta do PCP. Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: se se mantiver a proposta no sentido de retirar daqui o n.° 2, o PCP prescindirá da sua proposta de eliminação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O St. Vk«-Píiimeiro-Mlnistro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e
Srs. Deputados: Pela minha parte estaria na disposição de manter essa proposta se houver consenso nesse sentido e de, por conseguinte, reconduzir este preceito à repetição ipsis verbis dos textos constitucionais aplicáveis.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, sendo assim iria colocar à votação o texto do PCP.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que conste, quero dizer que se se mantiver a proposta feita pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro no sentido de retirar o n.° 2 reconduzindo o texto ao texto constitucional, o PCP retirará a sua proposta de eliminação.
O Sr. Presidente: — Em relação ao artigo 8.°, não há nenhuma proposta de alteração a qualquer dos números, existindo apenas uma de eliminação relativamente ao n.° 2.
Iria colocar á votação o n.° 1, o n.° 3 que passaria a n.° 2 e assim sucessivamente, passando on.°4an.°3,o n.° 5an.° 4eo n.° 6an.° 5.
Depois passaríamos à votação da proposta de aditamento da UEDS, se é que a mantém.
Voz não identificada: — Está retirada.
O Sr. Presidente: — Muito bem. Então vamos votar em globo o conteúdo da proposta do Governo com a eliminação do n.° 2 e as alterações respectivas.
Submetido à votação, o artigo 8. ° foi aprovado por unanimidade dos partidos presentes.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — É apenas para justificar o voto favorável em relação à posição que tivera anteriormente.
Consideramos um pouco redundante a repetição da Constituição num artigo autónomo, e não poderíamos votar contra um artigo que tinha apenas textos por nós subscritos, como inclusivamente o texto constitucional.
O Sr. Presidente: — Passaremos à votação do artigo 9.°
Este artigo é objecto de duas propostas: uma do PCP, que pretende substituir os diferentes números por um artigo que teria apenas o conteúdo constante da proposta, e outra do PS, de alteração quanto à parte final dos n.°s 1 e 2, ficando na parte final do n.° 1, a seguir a «qualidade», «nos termos da lei que definir o estatuto do objector de consciência». Quanto ao n.° 2, o seu conteúdo terminaria em «nos termos da lei».
Colocarei primeiro à votação a proposta do PCP.
Submetida à votação, a proposta do PCP foi rejeitada por maioria, com os votos a favor do PCP e as abstenções da UEDS e do MDP/CDE.
Colocarei agora a votação a proposta do Governo, com as alterações introduzidas pelas propostas do PS. Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Na altura em que fiz a
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proposta tinha a intenção de sugerir uma certa modificação, por uma questão de redacção.
Ficaria assim: «A quem tenha sido atribuída essa qualidade nos termos da lei que definir o estatuto do objector de consciência». No n.° 2 ficaria: «nos termos da lei» e o n.° 3 ficaria como está.
O Sr. Presidente: — Vou repetir. O n.° 1 teria uma redacção em que a expressão final [...] pelo tribunal competente» seria substituída pela seguinte: «nos termos da lei que definir o estatuto do objector de consciência».
O n.° 2 teria uma redacção que terminaria em «nos termos da lei». Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Em relação ao acrescento «nos termos da lei que definir o estatuto do objector de consciência», no n.° 1, nada temos a objectar. Em relação ao n.° 2 é que pretendemos recordar que o texto que aqui está é o da Constituição. Estaríamos então a apontar para uma regulamentação do próprio texto constitucional.
Não sei se é isto que se pretende, e desse modo gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Trata-se de uma questão de redacção na sua base lógica. No n.° 1 fica «nos termos da lei que definir o estatuto do objector de consciência». No n.° 2 já não é necessário dizer qual a lei, pois figura em cima. É apenas isso.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Gostaria apenas de dizer que talvez ficasse ainda mais claro se se dissesse no n.° 2 «nos termos da mesma lei».
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, com esta alteração proposta iria colocar à votação os três números, com a referência de que no n.° 2 se diria «nos termos da mesma lei».
Vamos proceder à votação do n.° 1.
Submetido à votação, o n.° 1 foi aprovado por unanimidade dos partidos presentes.
Vamos proceder à votação do n.° 2.
Submetido à votação, o n." 2 foi aprovado por unanimidade dos partidos presentes.
Vamos proceder à votação do n.° 3.
Submetido à votação, o n." 3 foi aprovado por maioria, com a abstenção do PCP.
Passamos à votação do artigo 10.° Vamos votar a epígrafe deste artigo, a qual vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte: «Convocação».
Submetida a votação, a epígrafe foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes.
Quando ao n." 1 não houve qualquer proposta de alteração.
Em relação ao n.° 2 houve uma proposta de alteração da parte do PCP, fazendo com que a sua redacção terminasse em «dispensados».
Como ninguém pretende a votação em separado, faremos a dos dois números.
Vamos proceder à votação dos n.os 1 e 2.
Submetidos a votação, estes números foram aprovados por unanimidade dos partidos presentes.
Srs. Deputados, passamos à votação do artigo 11." A epígrafe vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
«Mobilização e requisição».
Vamos proceder à votação.
Submetida a votação, a epígrafe foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes.
Voz imperceptível.
O Sr. Presidente: — Algum Sr. Deputado levanta objecção a que se reinicie a votação com a proposta de eliminação do PCP? Ninguém.
Vamos proceder à votação da proposta de eliminação.
Submetida a votação, a proposta foi rejeitada por maioria, com os votos a favor do PCP e a abstenção do MDP/CDE.
irei então repetir a votação. Vamos votar a epígrafe.
Submetida à votação, a epígrafe foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes.
Em relação ao n.° 1, há uma proposta do PS, a qual vai ser üda.
Foi lida. É a seguinte:
Os recursos humanos e materiais indispensáveis à defesa nacional podem ser utilizados pelo Estado, mediante mobilização ou requisição nos termos do presente diploma e legislação complementar.
Vamos proceder á votação.
Submetida a votação, a proposta foi aprovada por maioria, com a abstenção do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. VíDgs de Oliveira (PCP): — A nossa abstenção em relação ao texto que acabou por ser votado é fundamentalmente devida ao facto de pensarmos, como aliás propusemos, que toda esta matéria de mobilização e requisição deveria constar de diploma próprio e não deste.
O Sr. Presidente: — Vamos proceder à votação conjunta dos n.os 2, 3 e 4.
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Submetidos à votação, estes números foram aprovados por maioria, com a abstenção do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Para que conste, as razões da nossa abstenção são as já referidas em relação aon.° 1.
O Sr. Presidente: — Passamos à votação do artigo 12.°
A epígrafe vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
«Mobilização».
Vamos proceder à votação.
Submetida a votação, a epígrafe foi aprovada por maioria, com a abstenção do PCP.
Vamos proceder à votação da proposta de eliminação.
Submetida a votação, a proposta foi rejeitada por maioria.
Vamos proceder à votação do n.° 1 com o aditamento proposto pelo PS.
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Por uma questão de redacção, perguntaria ao PS se aceitaria que se dissesse «para os efeitos do artigo anterior, a mobilização [...]». Trata-se de passar a frase para o inicio, pois creio que ficaria melhor.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, com a redacção agora proposta: «Para os efeitos do artigo anterior, a mobilização é militar ou civil [...], conforme consta da proposta do Governo.
Vamos proceder á votação.
Submetido a votação, com o aditamento proposto pelo PS, o n." 1 foi aprovado por maioria, com a abstenção do PCP.
Vamos proceder à votação do n.° 2.
Submetido a votação, o n.° 2 foi aprovado por maioria, com a abstenção do PCP.
Vamos proceder à votação do n.° 3.
Submetido a votação, o n." 3 foi aprovado por maioria, com a abstenção do PCP.
Vamos proceder à votação do n.° 4, com a alteração proposta pelo PS, que substitui a palavra «aprovada» por «determinada».
Submetido a votação com esta alteração, o n." 4 foi aprovado por maioria, com a abstenção do PCP.
Passamos à votação do artigo 13." Vamos proceder à votação da proposta de eliminação do PCP.
Submetida a votação, a proposta foi rejeitada por
maioria, com os votos a favor do PCP e a abstenção do MDP/CDE.
Vamos proceder à votação da epígrafe, a aual vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte: «Requisição».
Submetida a votação, a epígrafe foi aprovada por maioria, com a abstenção do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Para além da minha posição de abstenção já anunciada, colocava a questão de saber se aqui se faz a mesma correcção que se fez nos artigos anteriores, em relação à vida colectiva.
O Sr. Presidente: — Faz-se nos n.05 1 e 3.
Poderíamos colocar à votação os quatro números, com a redacção que para os n.os 1 e 3 é proposta pelo PS. Leva à eliminação, em ambos os números, da expressão «ou à vida colectiva».
Vamos proceder à votação.
Submetidos a votação, estes números foram aprovados por maioria, com as abstenções do PCP e da UEDS.
Passamos à votação do artigo 14.° A epígrafe vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
«Regime geral da mobilização e da requisição».
Vamos proceder à votação.
Submetida a votação, a epígrafe foi aprovada por unanimidade dos partidos presentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, antes de colocar o n.° 1 à votação, chamava particularmente a atenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro para o seguinte: o regime jurídico aqui referido não se aplica, a partir de agora, apenas ao previsto nos artigos anteriores. Por isso a nossa proposta tem ainda mais sentido. Isto é: que se diga apenas «o regime jurídico da mobilização e da requisição serão regulados em lei especial».
Aquilo que irá ser regulado em lei especial não se aplica apenas ao que está previsto nos números anteriores.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Discordamos desta proposta do PCP, devido a considerarmos que até nem exprime bem o propósito dos seus autores, pois é extremamente importante que na Lei de Defesa Nacional não haja remissões para a requisição e mobilização que excedam o âmbito da defesa nacional.
Ora, a ultrapassagem desse âmbito está claramente contida na proposta do PCP. Por isso consideramos muito mais cautelosa a formulação dada numa lei de defesa à regulamentação dos regimes da mobilização e
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da requisição, exclusivamente para efeitos de defesa nacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, nem tudo o que luz é ouro e, na verdade, em minha opinião, não é esse o entendimento que se deve fazer da nossa proposta.
A lei especial que venha a regular o regime jurídico da mobilização e requisição tem de contemplar tanto aqueles aspectos respeitantes a esta lei como outros que a ela não respeitam.
Seria perigoso haver uma lei que regulasse o regime jurídico da mobilização e requisição e fosse omissa nos outros casos.
Assim, como disse no início, nem tudo o que luz é ouro, e neste caso, não o é. Preferíamos que a nossa proposta fosse contemplada, dizendo-se apenas: «O regime jurídico de mobilização e requisição será regulado em lei especial», pois é todo o regime jurídico que está em causa e não apenas aquele que respeita ao referido nos artigos anteriores.
O Sr. Presidente: — Irei colocar à votação a proposta do PCP, correspondendo, no fundo, a proposta do Governo ao n.° 1, mas com a eliminação da expressão «previstas nos artigos anteriores».
Vamos proceder à votação.
Submetida a votação, a proposta foi rejeitada por maioria, com os votos a favor do PCP e MDP/CDE e sem abstenções.
O Sr. Presidente: — Vamos proceder à votação do n.° 1 com a redacção proposta pelo Governo.
Submetido a votação, o n." 1 foi aprovado por maioria com as abstenções do PCP e do MDP/CDE.
O n." 2 é objecto de uma proposta de eliminação por parte do PCP. Vamos proceder à votação.
Submetida a votação, a proposta foi rejeitada por maioria, com os votos a favor do PCP e do MDP/CDE e sem abstenções.
Rejeitada a eliminação por maioria, com os votos a favor do MDP/CDE e do PCP.
Vamos proceder à votação do n.° 2, com a redacção que o Governo lhe dá.
Submetida à votação, foi aprovada por maioria e os votos contra do PCP e do MDP/CDE.
Para declarações de voto, têm a palavra os Srs. Deputados Veiga de Oliveira e Herberto Goulart.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, de acordo com as justificações já dadas, o nosso voto contra jusíifica-se, uma vez que a futura lei que vem regular o regime jurídico em questão é que dirá quais as condições a que ficam sujeitas as pessoas ou empresas que violem o preceituado nessa lei.
Dizer-se simplesmente que podem ficar sujeitos às d:-;~cições do regulamento da disciplina militar e do
Código de Justiça Militar é uma menção despropositada e sem alcance limitado.
Não nos parece que seja aconselhável, por isso, conservar nesta lei tão importante disposição que têm um alcance indefinido, ilimitado e sem conteúdo preciso.
Daí o nosso voto contra.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Foi por descuido que não intervim anteriormente sobre este artigo 14.° e, portanto, peço desculpa de vos roubar alguns segundos, usando a figura de uma declaração de voto.
Parèceu-me, de facto, pertinente que houvesse aqui referências muito gerais às questões da mobilização e da requisição, numa perspectiva de defesa nacional. Daí, portanto, que não tivesse apoiado as propostas do PCP e tivesse votado a favor de todos os aspectos da proposta de lei, com as correcções sugeridas pelo PS.
Votei contra este n.° 2, porque penso que ele não só ultrapassa essa questão de definição geral, como nem sequer é compatível com a lei.
De facto, ele não chega a ter nenhum carácter normativo, não fazendo aqui sentido no regime jurídico da requisição e da mobilização.
Repito que foi por mero descuido que não referi esta posição no momento da discussão.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao capítulo lli, que trata da organização, funcionamento e disciplina das forças armadas.
Vozes.
O Sr. Presidente: — Também já tenho aqui na Mesa propostas do PS. Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Confesso que me encontro um tanto ou quanto embaraçado.
Do meu ponto de vista e do meu grupo parlamentar, convinha-me que a discussão do capítulo III fosse iniciada amanhã.
Por outro lado, não queria com esta petição (cha-memos-ihe assim) estar a atrasar os trabalhos da Comissão.
Perdoar-me-ão o facto de trazer a público de forma tão sincera como o faço este meu embaraço.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado César Oliveira, far-lhe-ia a seguinte proposta: como este capítulo tem bastantes artigos, não teremos até às 20 horas, que é a hora normal de encerramento dos trabalhos, oportunidade de votar.
Assim, iniciávamos hoje a discussão e votar-se-ia amanhã, pelo que V. Ex.a já poderia ter depois uma posição mais definida em relação aos diferentes artigos que fôssemos já discutindo.
É que, de facto, perder duas horas é muito para quem tem apenas esta semana para o debate e votação.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Poderei arriscar alguma coisa. É que tenho um conjunto de propostas a fazer e gostaria de saber quando é qué as poderei entre-
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gar: se antes ou se depois do encerramento da discussão.
Esse é que é o problema que se me coloca. Não sou nenhuma máquina, apresento as alterações que tenho a apresentar e em seguida, logo se vê.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado César Oliveira, temos para discutir neste capítulo 17 artigos.
Perguntar-lhe-ia se as propostas que tem a fazer se referem já aos artigos iniciais ou não?
O Sr. César Oliveira (UEDS): — São do artigo 16." ao artigo 32.°, umas 6 propostas de alteração. Apresento-as agora, não há problema nenhum.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Pedia que se aguardasse uns 2 ou 3 minutos.
O Sr. Presidente: — Vamos então suspender os trabalhos por 3 minutos para fotocopiar todas as propostas.
Srs. Deputados, espero que já todos tenham ordenado as diferentes propostas de alteração.
Vamos então entrar no debate do artigo 15.°, cuja epígrafe é «Defesa nacional e forças armadas».
Em relação a este artigo há uma proposta de alteração do PS, que tem apenas a ver com a redacção e que é no sentido de onde se diz: «[•••] de acordo com a Constituição e com as leis em vigor» se passar a dizer <[...] de acordo com a Constituição e as leis em vigor».
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Estou de acordo, obviamente.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao artigo 16.°, «Princípio da exclusividade».
Existem várias propostas de alteração a este artigo.
Temos para começar uma proposta, que creio ser do Sr. Deputado Alfredo Barroso, e que diz o seguinte: «A componente militar de defesa é exclusivamente assegurada pelas forças armadas, salvo o disposto no artigo 7.°, n.° 4, e no número seguinte.»
Esta proposta visa, portanto, alterar o n.° 1.
Há depois uma proposta do Sr. Deputado José Luís Nunes, em que se pretende alterar o n.° 2 pela eliminação da expressão final «ou em estado de sítio ou de emergência».
Há ainda uma proposta que visa substituir o n.° 2 por um número com a seguinte redacção: «As forças de segurança colaboram na execução da política de defesa nacional, nos termos da lei.»
Seria, por conseguinte, eliminada toda aquela expressão a partir de «nomeadamente em caso de [...]»
Há ainda uma proposta da UEDS no sentido de se eliminar a expressão «ou em estado de sítio ou de emergência».
Esta corresponde, portanto, à proposta do PS. Em seguida, temos uma proposta de alteração para o n.° 3, do Sr. Deputado José Luís Nunes, que pretende substituir a expressão «não são consentidas» pela expressão «não são permitidas».
Dir-se-ia então: «N&o são permitidas associações
armadas, nem associaçães de tipo militar, militarizadas ou paramilitar.» Tem a palavra o Sr. Deputado Alfredo Barroso.
O Sr. Alfredo Barroso (PS): — A preocupação fundamental que presidiu à nossa proposta de alteração ao n.° 1 do artigo 16.° é a da conveniência de uniformizar a terminologia adoptada, nomeadamente no artigo 15.°
Parece-nos que a expressão «componente militar» é, apesar de tudo, menos ambígua e mais concisa do que a expressão «contribuição militar», adoptada no artigo 16.°
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Veiga de Oliveira, quer justificar a razão da sua proposta? Tem a palavra.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Suponho que a nossa proposta se sobrepõe parcialmente à proposta que penso ser apresentada também pelo PS e pela UEDS.
Só que, pela nossa parte, pretendíamos, por isso se nos afigurar mais líquido, que saísse daqui qualquer «nomeadamente». Uma vez que a lei que vai definir esta colaboração e que vai abranger, naturalmente, todas as situações em que essa colaboração é exigível, não devemos cá manter a expressão «nomeadamente em caso de guerra, estado de sítio ou de emergência».
Parece-nos mais lógico que se siga a nossa proposta, isto é, manter tudo até «nos termos da lei».
Quanto ao n.° 3 e à proposta que é feita pelo Sr. Deputado José Luis Nunes, no sentido de substituir «consentidas» por «permitidas», suponho que como este é o texto constitucional, porque dever-se-á manter a que está na Constituição.
Como o texto constitucional refere «consentidas», pesem, embora, quaisquer discussões que possa haver sobre qual é a melhor palavra, pensamos que deve ficar como está naquele texto.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado José Luís Nunes retira a alteração pretendida ao n.° 3 do artigo 16.° Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Penso que a formulação proposta pelo PC para o n.° 2 é melhor do que a minha e, portanto, retiro a minha proposta, aderindo à do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Pri-meiro-Minstro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era para dizer que concordo com a alteração proposta pelo PS para o n.° 1 e que tenho preferência, para o n.° 2, pela redacção proposta pelo PCP.
Quanto ao n.° 3, a observação que ia fazer já foi feita, e penso que devíamos manter a terminologia constitucional.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não sei se o PS, em face do debate e no que diz respeito ao n.° 2, faz sua também a proposta do PCP?
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Embora esta matéria possa
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não revelar um interesse substancial, é um facto que para nós tinha importância que no n.° 2 ficasse a expressão «nomeadamente em caso de guerra». Isto porque se nos parece óbvio por um lado, dever ser eliminada a referência ao estado de sítio ou ao estado de emergência, parece-nos igualmente importante que a colaboração das forças de segurança na execução da política de defesa nacional, nos termos da lei, acentue o caso de guerra.
Daí atribuirmos alguma importância à manutenção da expressão «nomeadamente em caso de guerra», que tem o mérito de apontar qual é o vector determinante dessa colaboração.
O Sr. Presidente: — Se mais nenhum Sr. Deputado quiser usar da palavra, passaremos ao artigo 17.°, «Obediência aos órgãos de soberania».
Em relação a este artigo há uma proposta do Sr. Deputado José Luís Nunes, que pretende eliminar o vocábulo «competentes».
Assim, em vez de «As forças armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes nos termos da Constituição e da lei», ficaria «As forças armadas obedecem aos órgãos de soberania nos termos da Constituição e da lei».
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era para dizer que esta fórmula é retirada ipsis verbis do n.° 3 do artigo 275.° da Constituição, pelo que me parece que a palavra «competente* devia ser mantida.
O Sr. Presidente: — A proposta é retirada? Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Já agora, gostava de explicar por que é que se tinha proposto que se retirasse.
E que o termo era redundante. Se era nos termos da Constituição e da lei, já se sabe que eram competentes.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não registo nenhuma proposta de alteração para o artigo 18.°, que trata de «Composição e da organização». Sendo assim, vamos passar ao artigo 19.°
Artigo 19.°: «Estrutura das forças armadas».
Em relação a este artigo há duas propostas de alteração: uma do PC e outra do Sr. Deputado César Oliveira, da UEDS.
A proposta do PCP é relativa ao n.° 3 e é no sentido de se substituir a expressão «legislação especial» por «lei especial».
A proposta do Sr. Deputado César Oliveira, da UEDS, refere-se também ao n.° 3 e é no sentido de se aditar a seguir à palavra «especial» a frase «a aprovar pela Assembleia da República».
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Neste ponto, lamento não poder concordar com as propostas, pois a matéria da organização dos ramos das forças armadas é uma matéria que, começado por princípios muito genéricos, os quais podiam fazer parte de legislação a aprovar pela Assembleia da República, vai muito mais longe e desce muito mais fundo em matéria de regulamentação de
pormenor, cão se justificando de todo em todo, a meu ver, que seja aprovada pela Assembleia da República.
Penso que a expressão que figura na proposta é a mais correcta e a mais conforme com a Constituição, na medida em que reserva para a Assembleia da República apenas a aprovação das bases gerais da organização das forças armadas e não de tudo quanto seja a sua organização.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. CésEi Oliveira (UEDS): — Ê óbvio que não vou retirar a proposta que fiz, em função da explicação dada pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Não está no meu espírito que tudo o que diga respeito às Forças Armadas tenha de ser aprovado pela Assembleia da República, mas tão apenas algumas matérias, como é o caso concreto desta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Desejava fazer uma pergunta ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro: qual a razão da utilização aqui da expressão «legislação»?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — A razão consistia em, por um lado, permitir que a matéria fosse tratada, quer em lei da Assembleia, quer em decreto-lei, e, por outro lado, frisar que teria de ser sempre acto legislativo e não diploma regulamentar do governo ou das forças armadas.
Devo dizer que é esta a expressão que consta da actual legislação sobre a matéria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — O Sr. Vice-Primeiro-Ministro veria inconveniente em que se dissesse «em lei especial», escrevendo «iei» com letra minúscula?
Isto tem a sua importância. A expressão «legislação» abrange todas as formas que podem ser consideradas legislação. Legislação é, por exemplo, despacho genérico, é portaria, postura inclusive, etc. Por outro lado, a expressão «Lei» com letra maiúscula é utilizada como lei da Assembleia.
Se utilizarmos a expressão «lei especial» com letra minúscula fica perfeitamente claro que isto se refere a lei oriunda dos mais diversos órgãos de soberania, inclusive a Assembleia da República, mas terá de ter, de certa maneira, uma forma solene. Perguntaria se veriam algum inconveniente nisto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado '•* Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: A nossa proposta tinha a intenção, de forma alguma desmentivel
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nem desmentida, de pretender que se tratasse de lei da Assembleia da República.
Sabemos que a Constituição, na alinea n) do artigo 167.°, fala de bases gerais de organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas, donde a lei sobre organização dos ramos só pode ser a que diga respeito às bases gerais da organização dos ramos.
Mas a verdade é que também não se pode dizer tudo tal qual aqui está, pois ficamos sem saber qual desta matéria é bases gerais e qual não é. E lembro o seguinte: em toda a proposta de lei do Governo, pouco mais há talvez que as bases gerais da organização do comando das Forças Armadas, portanto, ao nível das chefias de estado-maior, do Conselho de Chefes de Estado-Maior, etc. .
Diz-se mais alguma coisa a respeito de promoções, mas pouco mais. Falta ainda matéria das bases gerais, designadamente em relação aos ramos.
Portanto, o que me parece evidente e que será sempre forçar a Constituição é pretender colocar-se aqui, sem mais, que a organização dos ramos das Forças Armadas é regulada por legislação especial, sendo certo que estamos de acordo em que não pode ser nunca por instrumento que não seja legislativo. Até ai creio que ninguém discordará.
Todavia, permanece a objecção contida na nossa proposta. Isto é, há partes da organização dos ramos das Forças Armadas que são bases gerais dessa organização, as quais não figuram nesta proposta de lei.
Portanto, apenas existe esta proposta de lei e, se aqui se coloca «legislação especial», isto pode, efectivamente, significar a expropriação de competências de reserva absoluta da Assembleia da República, não podendo o PCP aceitar o facto de isso ser consagrado nesta lei.
Por isso, sem pretendermos que a nossa proposta seja definitivamente correcta, dizemos que aquilo que consta na proposta de lei do Governo também não é correcto nem aceitável. É contra a Constituição.
O Sr. Presidente: — Passamos ao artigo 20.° Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Pensava que o Sr. Vice--Primeiro-Ministro iria intervir e, desse modo, guardava-me para falar apôs a sua intervenção. Como isso não aconteceu, apenas pretendo insistir num aspecto já abordado pelo meu camarada Veiga de Oliveira, mas que, dada a importância da questão, parece-me merecer uma nota mais.
Já hoje de manhã tive ocasião de dizer com toda a franqueza que uma das orientações que nos norteiam neste debate na especialidade é a preocupação de não permitir que sejam expropriadas competências da Assembleia da República nesta matéria.
Este caso parece ser exemplar, pois é muito difícil delimitar até onde pode ir a Assembleia da República na definição das bases gerais da organização das Forças Armadas e a partir donde é que não pode ir. Creio que a organização dos ramos pode ir ainda bastante à superfície, não indo muito em profundidade na organização das Forças Armadas. E este ponto de vista é perfeitamente defensável.
Era neste sentido que pretendia a intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Se fizermos uma avaliação do que a proposta adianta em matéria de organização das Forças Armadas, podemos observar que é bastante pouco. Se isto são as bases gerais e se fica por aqui a
intervenção da Assembleia da República, então ela é extremamente superficial.
Não nos pode contentar o facto de as coisas ficarem nestes termos.
Ao fim e ao cabo, isto vem dar forças a uma ideia por nós defendida hoje de manhã relativamente à votação — com vantagem se votaria no final desta primeira leitura da lei, pois então poderíamos avaliar em profundidade as soluções que aqui nos são apresentadas.
Porque, neste momento, a não ser que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro queira dar-nos uma explicação de fundo daquilo que em seu entender é aqui adiantado em matéria de organização das Forças Armadas, a minha impressão e a do nosso grupo ê a de que se fica muito pela superfície, não sendo de mais considerarmos na competência da Assembleia da República o legislar (por lei da Assembleia da República) em matéria de organização dos ramos das Forças Armadas. De contrário, estar--se-ão a expropriar competências da Assembleia.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há da parte do Governo qualquer intenção de nesta proposta de lei retirar o que quer que seja à competência legislativa da Assembleia da República, assim como também pensamos não dever haver da parte da Assembleia da República qualquer orientação no sentido de retirar o que quer que seja à competência do Governo.
A matéria da organização dos ramos é, a meu ver, uma matéria em que tipicamente há questões que são da competência da Assembleia da República, nomeadamente as que tenham a ver com as bases gerais dessa organização. Há, porém, matéria que não é da competência da Assembleia da República, mas sim do Governo, através de decreto-lei, porque já não se contém na ideia de bases gerais, vai para além disso.
Como é difícil —e os senhores deputados que por parte do PCP usaram da palavra reconheceram ser difícil— fazer uma distinção, penso que será necessário utilizar uma fórmula que tanto abranja a intervenção legislativa da Assembleia da República como a do Governo.
Pareceu ao governo que essa fórmula-poderia ser a que aparece sob o conceito de «legislação». Legislação, óu seja, exercício da função legislativa, não deixa dúvidas a ninguém que abrange tanto as leis da Assembleia da República como os decretos-leis do Governo. E «legislação especial», porque não será esta lei geral que tratará a matéria, mas sim um diploma especial para o efeito.
Pareceu que esta fórmula poderia abranger as duas modalidades. Se se entender que não, acho que devemos procurar outra que o faça. Mas o que não me parece é que, para evitar o perigo de uma interpretação que quisesse ver apenas aqui a legislação por parte do Governo sob a forma de decreto-lei, possamos cair em fórmulas que sejam entendidas como legislação da Assembleia da República apenas, sob a forma de lei.
Pela minha parte, estaria aberto à tentativa de se encontrar uma fórmula que deixasse claro que, em matéria de organização dos ramos das Forças Armadas, tanto há lugar para a intervenção da Assembleia da República como para a do Governo, sendo apenas necessário que nenhuma das duas fique excluída pela fórmula usada.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Curiós Brito (PCP): — Depreendo, Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro, que isso significa que vai haver, da parte do Governo ou do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, uma reflexão ainda sobre este ponto?
Pela nossa parte também faremos o mesmo, tentando encontrar uma proposta que possa, na verdade, prever claramente a competência da Assembleia da República, sem excluir a competência do Governo de legislar nesta matéria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Era apenas para referir, em relação ao artigo 19.°, que da nossa parte existem algumas dúvidas quanto à noção de «comando das Forças Armadas», expressa nos n.05 1 e 2 deste artigo.
Esta noção é nova no nosso direito administrativo militar, tendo sido introduzida por um diploma muito recente do Conselho da Revolução.
O facto de o comando das Forças Armadas ser atribuído colectivamente ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, ao Conselho de Chefes e ao chefe de cada um dos ramos é algo que se nos afigura, em termos de noção estrita de comando militar, demasiado complexo e sobrecarregado para poder produzir os efeitos desejáveis, em termos de eficácia das Forças Armadas em situação de crise, de conflito ou de guerra.
Algo que gostaríamos de ver elucidado neste diploma é a maneira como se articula a noção de comando colegial das Forças Armadas com a de comando operacional das Forças Armadas, exercido pelo chefe do Estado-Maior-- General das Forças Armadas.
Considerar que a estrutura das Forças Armadas compreende o comando destas, bem como os seus 3 ramos, e definir colegialmente aquele comando é uma inovação tão grande no direito administrativo militar português e de outros países que mereceria, porventura, uma maior atenção da nossa parte.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, como disse o Sr. Deputado Jaime Gama, esta terminologia e a arrumação conceptual que ela exprime foram adoptadas recentemente por um decreto-lei do Conselho da Revolução publicado em Janeiro deste ano.
Esse diploma resultou de uma reflexão profunda que foi feita no Conselho de Chefes de Estado-Maior e pareceu ao Governo que, para além de ser a fórmula neste momento em vigor no direito português, tinha a vantagem de arrumar claramente as coisas do ponto de vista conceptual.
Em qualquer caso, estamos abertos a debater o significado e as implicações desta conceptologia e eventualmente a revè-la, se for caso disso.
Pela nossa parte, no entanto, não temos, à partida, razões para propor uma alteração ao que se encontra neste momento em vigor.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. Cés£2 Oliveira (UEDS): — Queria perguntar ao Sr. Deputado laime Gama se está a pensar apresentar alguma alteração ao n.° 2 deste artigo 19.°
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Neste momento não estou de facto a pensar fazê-lo. Mas ao longo do diploma verifica-se que há uma distinção entre comando colegial das Forças Armadas, que é atribuído conjuntamente ao CEMGFA, ao Conselho de Chefes e aos chefes de cada um dos ramcs, comando operacional em tempo de paz e comando completo em tempo de guerra.
O meu partido não confunde comando com administração das Forças Armadas.
Ao definir-se este comando colegial das Forças Armadas em tempo de paz, há um pouco a ideia de se dizer que as mais altas autoridades das Forças Armadas e da hierarquia militar são o CEMGFA, o Conselho de Chefes e o chefe de cada um dos ramos.
Mas uma coisa é dizer que eles são as mais altas autoridades militares e outra coisa é confundir esse poder com o conceito de comando, que tem a ver com o emprego de meios, e não propriamente com a gestão desses meios.
Parece-me que o diploma recente do Conselho da Revolução veio extrapolar a noção tradicional de comando, confundindo funções de autoridade administrativa con funções militares de comando.
Se fosse de todo em todo possível dilucidar esses 2 planos, parece-me que as Forças Armadas ganhariam substancialmente e se reforçaria o seu sistema de comando.
Isto porque nada pior para a eficácia das Forças Armadas do que uma diluição do seu conceito de comando.
Por outro lado, haveria também um problema suplementar com esta noção colectiva de comando das Forças Armadas: como excluir de um conceito colectivo de comando a figura que constitucionalmente é o seu comandante supremo?
Há aqui um problema que carece de uma reflexão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado losé Luís Nunes.
O Sr. Sosé Luís Nunes (PS): — Se no artigo 1." se faz uma dilucidação entre o comanco das Forças Armadas e os seus 3 ramos, digamos, utilizando a expressão «comando das Forças Armadas» de uma forma equívoca — porque «comando» exprime a ideia de hierarquia, execução, aplicação de meios—, a expressão «os 3 ramos das Forças Armadas» é uma divisão puramente administrativa.
A certa altura diz-se que «a estrutura das Forças Armadas compreende: o comando das Forças Armadas e os 3 ramos das Forças Armadas». Ora, não se trata de realidades simétricas, e gostaria de chamar a atenção para este problema, que nos preocupa bastante.
Depois diz-se que «o co:. ando das Forças Armadas é constituído pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, pelo Conselho e Chefes de Estado--Maior e pelos chefes de estado-maior dos ramos, cujos modo de designação e competência são definidos nos presentes diplomas». Deixando esta parte final de designação e competência mais para diante, gostaria de
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chamar a atenção para o seguinte: em primeiro lugar (e excepto em virtude de se estar numa ordem hierárquica que pode indicar qualquer coisa), o comando das Forças Armadas não é sò um comando colectivo, como nele se incluem, com o tal Conselho de Chefes, os próprios componentes desse conselho colectivo —o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Conselho de Chefes e os chefes de estado-maior dos ramos—, o que dá a ideia de existir uma coincidência ou de poder exprimir-se uma coincidência de funções que seria bom de elucidar.
O terceiro ponto é o seguinte: embora isto apareça mais à frente, não se encontra definida correctamente uma diferenciação entre aquilo que são estruturas de coordenação e estruturas de aplicação de meios ou estruturas efectivamente de comando.
Chama-se a atenção, por exemplo, para as Forças Armadas francesas, onde não existe nenhum Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas mas sim o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, o qual só aplica o qualificativo «general» quando o pais entra em guerra e quando então a administração das Forças Armadas é superada e expressa por uma ideia de comando.
Generalizou-se, nomeadamente no mundo ocidental, a expressão «chefe de estado-maior» como o comandante dos ramos. Infelizmente, entre nós ela está viciada de uma certa equivocidade que tem inquinado o debate sobre esta matéria.
O chefe do estado-maior é sempre um executivo em termos militares. Por exemplo, a Região Militar do Porto ou de Évora, etc, dispõe do seu chefe de Estado-Maior. E até 1941, no nosso país, as Forças Armadas não tinham um estado-maior executivo daquela entidade que comandava cada um dos ramos — as majorias-generais. Tínhamos um major-general do Exército e, curiosamente, até um major-general da Armada.
A certa altura, a reforma Santos Costa abastardou completamente a organização das Forças Armadas, e a adopção do conceito de «chefe de estado-maior», no entender desse senhor, visava, no fundo, dizer que eram os seus chefes de estado-maior.
As coisas foram evoluindo e adoptou-se a política de que são os chefes de estado-maior dos ramos os efectivos comandantes das Forças Armadas. Isto não se despiu de equivocidade, mas verificamos uma evolução das Forças Armadas portuguesas no sentido de mudar a terminologia. Temos, por exemplo, na Força Aérea o Chefe do Estado-Maior, que é o comandante da Força Aérea, e logo a seguir aquele que deveria ser, numa terminologia exacta, o seu chefe de estado-maior, que é o comandante operacional da Força Aérea.
Temos na Armada o Chefe do Estado-Maior, que devia ser o executivo, e logo a seguir o Comando Naval do Continente (como foi chamado durante muito tempo), que era a estrutura operacional na Armada.
Mas já em relação ao Exército a evolução neste campo tem sido muito mais lenta. Depois das experiências de má memória do COPCON, do AMI e outras no estilo, mantiveram-se como unidades de comando as regiões militares, o que introduz um elemento mais de confusão.
Há um último aspecto que é fundamental sublinhar. Alguém dizia, creio que era o general Eisenhower, que tinham acabado as operações só do Exército, só da Marinha e só da Força Aérea. Cada vez se caminha mais para a existência de operações combinadas. E ao estado--maior anterior, ao qua\, quando havia apenas Exército,
competia a definição dessa concepção global e dessa estratégia combinada, sucede hoje a necessidade da elaboração de uma doutrina comum aos 3 ramos das Forças Armadas, fundada numa terminologia comum — e sublinhava isto — e em conceitos de aplicação militar e administrativa também comuns.
Por exemplo, verificamos que nas nossas Forças Armadas está longe de se ter conseguido essa terminologia comum. O Estatuto dos Oficiais das Forças Armadas não unificou absolutamente nada, pois imediatamente os ramos saltaram em cima, tendo feito as coisas como queriam. Estão longe de existir conceitos estratégicos comuns — e esta lei é importante, pois talvez ajude bastante a que isso se faça —, mas o mais engraçado de tudo ê que está longe de existir uma política comum, baseada em todos estes princípios.
Sem fazer, para já, nenhuma proposta alternativa a esta matéria, gostaríamos de sublinhar estas realidades e verificar em que medida o decreto em vigor sobre a matéria, do Conselho da Revolução, não estará em muitos aspectos (como nalguns se me afigura estar) dominado por algumas ideias de circunstancialismo e faticismo que se infiltraram sub-repticiamente, perpassando por vezes numa ou noutra das disposições.
Portanto, esta parte do artigo afigura-se-nos da maior importância, pois todas as coisas que daqui sairão estão fundadas na assunção destes princípios. Deixamos aqui este alerta, mas não nos coibiremos, dentro do espírito de tentar fazer o melhor possível, de apresentar formulações alternativas, na medida em que o debate o permitir e for possível fazê-lo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): — Srs. Deputados, calculo que este seja um dos artigos mais importantes e certamente susceptíveis de causar maiores dúvidas nesta lei. Por várias razões.
Na verdade, existe uma certa confusão semântica na legislação militar portuguesa, porque o chefe de estado-•maior não é, por definição, em tempo de paz, um comandante que disponha das forças. O estado-maior por definição, pratica actos de inteligência. Em tempo de paz não pratica actos de comando.
E uma das coisas que considero merecer meditação na evolução portuguesa é a seguinte: existe um grande cuidado constitucional em dividir os poderes — faz parte da nossa doutrina—, mas parece haver pouco cuidado em dividir o poder militar em tempo de paz. Em tempo de paz não interessa à estabilidade do Estado, á defesa da Constituição e dos direitos dos cidadãos, que haja um comando operacional unificado. Essa figura, na nossa tradição, só existe em tempo de guerra, não em tempo de paz.
Justamente, aquilo que tem vindo a ser construído muito empiricamente ao sabor das circunstâncias, creio que mais por razões ocasionais que por razões de doutrina do Estado, independentemente de haver ou não, pelo meio, revoluções, é que a pouco e pouco se vai definindo uma figura que, quer em tempo de guerra, quer em tempo de paz, tende para dispor da competência operacional total em relação a todos os ramos das Forças Armadas.
Isso, repito, não é bom nem para a defesa da Constituição nem dos cidadãos, e creio também não ser bom para a redefinição do peso respectivo dos ramos, o qual
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penso ser necessário encarar urgentemente, em vista das circunstâncias reais do Pais.
É por isso que esta nova noção de comando precisa de ser inteiramente repensada. Não devemos estar sob o peso do que o Conselho da Revolução legislou sobre esta matéria, e creio que o Governo está inteiramente aberto a encontrar os melhores conceitos para que o princípio da não concentração de poderes em tempo de paz seja respeitado.
Assim, por exemplo, recordo que nos EUA o título do chefe do estado-maior-general das forças armadas é o de presidente da junta dos chefes, porque não concentra poderes de comando em tempo de paz. Os poderes apenas podem ser concentrados em tempo de guerra. E, mesmo nessa altura, é necessário ter em vista que, normalmente, o que aparece é o comando de forças combinadas, o qual irá ter competência operacional e o apoio do seu estado-maior combinado, uma forma de comando que não aparece prevista na nossa lei.
É justamente esta evolução que dá origem a algumas dificuldades semânticas com o nosso Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Porquê? O que realmente é o Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas é o chefe do estado-maior do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas!
Por isso, tenho as maiores dúvidas em que, por exemplo, ele deva ter lugar no Conselho de Chefes, pois, pela sua função, é um verdadeiro chefe de estado-maior, não podendo ter nem igualdade nem precedência relativamente aos chefes de estado-maior dos ramos.
Parece-me igualmente de pensar, na hipótese de se manter esta organização ou outra, se, por exemplo, esta cautela de não haver concentração da totalidade da chefia operacional em tempo de paz não implica uma hierarquia diferente, mesmo adoptando os conceitos formais do Conselho da Revolução. Quero dizer, se o Conselho de Chefes não deve preceder o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Em tempo de paz, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas pode ser o executante das políticas a que se chegou no Conselho de Chefes. Mas não é um President dos outros chefes, é o Chairman.
Portanto, o Conselho de Chefes deve anteceder nas precedências o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Seria muito difícil hoje, nos ramos, voltar atrás e estabelecer uma distinção conceituai — que me parece ter sido muito bem estabelecida pelo Sr. Deputado —entre o comandante e o chefe de estado-maior. Tal linguagem é que não provocaria dúvidas algumas, mesmo que se chamassem «majores-generais», como acontecia antigamente. No entanto, isso parece-me difícil de aceitar, pois a terminologia entrou muito na tradição das armas e, portanto, o comandante vai chamar-se chefe de estado--maior da respectiva arma.
Agora o que não podemos deixar de considerar é a diferença de funções em tempo de paz e em tempo de guerra. Em tempo de paz não pode haver concentração do poder de chefia operacional em relação aos 3 ramos das Forças Armadas. Não é conveniente para o Estado, nem para a Constituição, nem para os cidadãos, nem para a liberdade de redefinição da política de cada um dos ramos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vlc€-F>Imeiro-Mli5istro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amarai): —Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulo-me com este debate e espero que ele possa prosseguir. Gostaria apenas de fazer algumas observações, mas sem propor qualquer reformulação, até porque ela virá certamente daqueles que dirigiram algumas criticas ao artigo 19."
Em primeiro lugar, no artigo 19.° não se aponta de modo algum para a ideia de um comando colegial das Forças Armadas. A expressão «comando das Forças Armadas» não significa um órgão colegial. E, sim, uma expressão sintética, abrangendo várias realidades distintas e vários órgãos diferenciados.
Pode não se ver vantagem em adoptar esta expressão sintética para designar o conjunto dos órgãos de comando das Forças Armadas, mas, de facto, o que aqui se estabelece é um conjunto de órgãos de comando das Forças Armadas, e não um comando colegial.
Esse conjunto de órgãos de comando é constituído pelo Chefe de Estado-Maior General, pelo Conselho de Chefes e por cada um dos chefes de estado-maior dos ramos. Não é, aliás, nova esta diferenciação entre um órgão colegial como órgão e os seus membros como órgãos também. É o que acontece no Governo, um órgão colegial cujos membros, os ministros, são também órgãos, individualmente considerados.
Esta era a primeira observação, que significa, no fundo, que, se admito que possa vir a considerar-se não ser conveniente dar a este conjunto de órgãos diferenciados a designação sintética de comando das Forças Armadas, a verdade é que essa designação não significa que haja aqui um comando colegial.
A segunda observação é para dizer que nesta proposta se faz uma distinção clara entre os poderes de comando do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas em tempo de paz e os poderes do mesmo órgão em tempo de guerra.
Pode considerar-se que a distinção não é suficiente, que não vai tão longe quanto deveria ir, que designadamente o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas receberá, segundo esta proposta, poderes excessivos em tempo de paz. Mas a verdade é que a proposta faz uma distinção entre os poderes que lhe atribui em tempo de paz e aqueles de que ele disporá em tempo de guerra.
A terceira nota que queria desde já sublinhar é a de que também me parece não ser hoje possível voltar à designação antiga que chamava «majores-generais» aos comandantes dos ramos e chefes de estado-maior aos seus principais colaboradores. Era provavelmente a terminologia mais correcta, mas foi completamente ultrapassada pela prática.
E aqui permitir-me-ia discordar da interpretação que o Sr. Deputado José Luís Nunes deu dessa evolução. Penso que ela não terá sido predominantemente marcada pela concepção de um determinado ministro que em certa época existiu em Portugal. Penso antes que a evolução se deu em termos internacionais, nomeadamente em todos os países da NATO, na mesma altura, tendo sido por influência dessa evolução na NATO que também nós passámos a chamar aos comandantes dos ramos chefes de estado-maior.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado josé Luís Nunes.
O Sr. íosé Luís Nunes (PS): — Tem toda a razão e é
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evidente que sim. Simplesmente demos à expressão um conteúdo completamente diferente daquele que é dado em termos de NATO.
Em relação ao Exército Alemão, depois do fim do estado-maior e da criação de um inspector dos exércitos, houve a preocupação, no pós-guerra, de se adoptar uma terminologia exclusivamente civilista.
No que se refere ao Exército Inglês, pois tem essa terminologia há já muitos anos, mas ela aparece coberta por uma figura, como, por exemplo, o lorde do almiran-tado, que é uma entidade com uma natureza simultaneamente civil e militar.
No que se refere à evolução das Forças Armadas italianas, deu-se mais ou menos a mesma coisa que com as Forças Armadas alemãs.
Mas o que há pouco sublinhei (e concordo com a reserva que fez) não foi de forma alguma o desejo de regressar a uma antiga terminologia que seria talvez a mais correcta. É que importámos a terminologia e a forma, e a coberto desta modificou-se profundamente o fundo.
O Chefe do Estado-Maior do Exército, aqui em Portugal, era muito menos capaz e competente, em termos de competência, que, por exemplo, o chefe do estado-maior inglês, e o Prof. Salazar nunca deixou que houvesse um chefe do estado-maior-general das Forças Armadas, excepto quando ele acumulava com a pasta da defesa.
Recordemo-nos que os primeiros foram os generais Deslandes e Gomes de Araújo. Quando ia para a defesa, então colocava um chefe de estado-maior-general das Forças Armadas, que era uma espécie de Ministro da Defesa. E deve dizer-se que o Prof. Oliveira Salazar nessas matérias tinha uma experiência muito razoável.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): — Creio que a evolução teve outras razões, tendo sido sobretudo a idade do Ministro da Defesa. O Ministro da Defesa não se sentia com idade capaz de abarcar a direcção das Forças Armadas em tempo de guerra. Por isso mesmo, entre outras razões, foram dadas competências operacionais ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
E devo dizer-lhe, porque a experiência tem de servir para alguma coisa, que os resultados, do ponto de vista de uma administração do Estado, não foram bons.
E não o foram pelo seguinte: os comandantes operacionais deixaram algumas vezes de ligar importância ao Governo, pois, estabelecida a cadeia de comando em relação a um comandante-chefe que tinha a totalidade dos poderes, o Governo foi em alguns casos posto de lado.
E os conflitos foram frequentes: desobediências, falta de respeito hierárquico, etc, porque a cadeia de comando foi estabelecida nas mãos de um homem só. E isso foi ainda facilitado — trata-se de uma interpretação minha, podendo perfeitamente estar errada — porque oficialmente nunca houve estado de guerra.
Do ponto de vista do direito internacional e interno, o estado de guerra nunca existiu, de modo que a confusão era ainda maior, pois era através de uma legislação de paz que se pretendia Dominar um comando concentrado
nas mãos de um homem numa situação que de facto era de guerra.
Creio terem sido essas as razões principais.
Devo dizer que me pareceu que os ramos das armas nunca aceitaram isso bem. A Marinha não aceitou bem, a Força Aérea também não, e julgo que em tempo de paz também não o aceitarão bem, independentemente de regimes políticos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, creio que, com o debate desta última parte, se pretendeu reflectir sobre o n.° 2 do artigo 19.°
Avançaremos agora para o artigo 20.°, mas essa reflexão continuará, até porque não será hoje que iremos proceder à votação do artigo.
Artigo 20.° «Funcionamento das Forças Armadas».
Em relação a este artigo existem 3 propostas. Uma proposta de eliminação do n.° 1, apresentada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes; uma proposta de substituição do n.° 1, apresentada pelo PCP, que tem a seguinte redacção:
Será assegurada de forma permanente a preparação do País e designadamente das suas Forças Armadas para a defesa da Pátria.
Existe ainda uma outra proposta do Sr. Deputado José Luís Nunes relativamente ao n.° 2, em que se pretende substituir a expressão «a qualquer tipo de guerra» pela expressão «a qualquer tipo de agressão ou ameaça externa».
Vou passar a ler:
O funcionamento das Forças Armadas em tempo de paz deve ter principalmente em vista prepará-las para fazer face, com o mínimo de adaptações, a um qualquer tipo de guerra.
O Sr. Deputado José Luís Nunes pretende que se diga «a um qualquer tipo de agressão ou ameaça externa em que hajam de intervir».
Vozes imperceptíveis.
Há 2 propostas: uma em relação ao n.° 1 e outra em relação ao n.° 2.
Voz imperceptível.
Exacto. A expressão «em que hajam de intervir», seria eliminada.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de eliminação explica-se facilmente por 3 ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque, depois do que já aprovámos, colocando «agressão ou ameaça externa» como ponto de defesa, a guerra, na base de ideia de batalha ou do confronto, é uma situação que aparece consumida pela expressão «agressão/ameaça externa».
Uma outra ideia, que era a forma permanente, foi já aqui incluída —proposta do Sr. Deputado Jaime Gama— na votação que fizemos anteriormente. Já está, portanto, aqui.
Mas a terceira cifra-se numa ordem de concepção geo-estratégica que se afigura fundamental. Até 1914, como os Srs. Deputados sabem, a concepção de defesa
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nacional fundava-se essencialmente na ideia da iminência ou eventualidade da guerra, entendida como batalha ou confronto. .......
Depois de 1914, no pós-guerra, apareceu como mais fundamental ou mais normal não propriamente a guerra como cenário previsível, mas sim o jogo ou as relações de forças em que as potências eventualmente agressoras «tacteiam» as forças morais e materiais do adversário para poderem obter as suas determinadas vitórias.
Embora o estado de guerra na Segunda Guerra Mundial tenha degenerado numa batalha, é evidente que o que estava em foco inicialmente era a confrontação, o testar das forças morais e materiais do adversário.
Esse testar de forças, na base de uma análise das forças materiais e psicológicas, é feito em 3 momentos fundamentais daquilo que levou ao início dã Segunda Guerra Mundial — ocupação da bacia do Rur, dos sude-tas, formulação do pacto Ribbentrop-Molotov e a assinatura do Tratado de Munique.
E, no momento em que a Alemanha se convence de que as forças morais e espirituais dos seus adversários estavam pelas ruas da amargura, a guerra aparece como panorama definitivo.
Pois bem, hoje em dia, as coisas passam-se de uma forma diferente. Hoje, cada vez mais se acentua a ideia do estado de crise como o quadro iminente da acção de defesa, e não a perspectiva imediata da guerra ou da batalha.
Sem introduzir aqui qualquer polémica, mas tão-só expressando o meu pensamento, temos em nossa face a invasão do Afeganistão, a ocupação da Etiópia e a invasão de Angola por tropas cubanas. São outros tantos elementos de sondagem das forças e das capacidades não só materiais como espirituais.
E, até à data, a teoria do confronto como campo de batalha ou enquadrada, tendo como quadro fundamental a batalha entendida como afrontamento, é substituída pela análise do jogo de forças. Digamos que já não é mesmo o jogo da guerra, mas sim algo diferente. Cada vez mais, como alguém disse, é a politica que continua a guerra, e não a guerra que continua a política.
Assim, parece-nos que a afirmação que aqui figura, para além de estar consumida por alguns pontos, implica também uma ideia de conceito estratégico que julgamos ultrapassado. Por isso, propúnhamos a sua eliminação.
Em segundo lugar, quanto à expressão «o funcionamento das Forças Armadas em tempo de paz deve ter em vista, principalmente, prepará-las para fazer face, com o mínimo de adaptações, a qualquer tipo de guerra em que hajam de intervir», devo dizer não entender por que é que aqui está a frase «com o mínimo de adaptações». Parece-me ser de mera teoria, mas destituída de sentido.
Por outro lado, o funcionamento das Forças Armadas em tempo de paz não visa prepará-las para fazer face a qualquer tipo de guerra em que hajam de intervir, dentro ¿o conceito estratégico há pouco formulado, em termos gerais. Visa, sim, que as Forças Armadas possam ser um vetor importante na política de defesa em tempo de paz e perante todas as ameaças que nesse tempo possam surgir, das quais as mais fundamentais não são, necessariamente, a iminência ou a existência de actos qualificados de guerra.
Um país sem forças armadas, como costumo dizer, é um país que abdicou da sua soberania. É uma opção como outra qualquer, mas nunca será a minha.
Existem, aio entanto, situações de crise, de gestão de crise, e, em relação às situações de estado de guerra, diferenciam-se hoje não só quantitativamente, como pensa a maioria das pessoas, mas sobretudo qualitativamente.
A situação provocada pela entrada de um submarino soviético, há uns tempos, numa base militar sueca é qualitativamente e não quantitativamente característica do estado de guerra. Em primeiro lugar, porque nela predominam, numa primeira fase, os meios políticos com os militares. Trata-se, portanto, de um caso em que o uso dos meios militares tem de estar altamente ligado aos meios políticos.
Em segundo lugar, é qualitativamente diferente, porque nesse tipo de situações, ao contrário da situação de guerra, não estão exactamente definidos os inimigos e é duvidoso até que, em certas circunstâncias, o conceito de inimigo possa ser aplicável.
Por exemplo, modifiquemos a situação e imaginemos que o espaço aéreo português era invadido por um avião espanhol ou que era concentrada junto à fronteira portuguesa uma brigada ou força militar de intervenção espanhola, por um daqueles conflitos de fronteiras que muita gente diz serem impossíveis, mas que se podem desenvolver mesmo dentro do mundo ocidental.
Temos o exemplo da Inglaterra em relação às Falk-lands. E, quando um dia se fizer a história, veremos que o fundamental no conflito Inglaterra-Falklands, em que havia, de certa maneira, um inimigo e um estado de guerra definido, era mais uma situação de crise levada às últimas consequências do que uma situação de guerra aberta, embora tenham sido utilizados meios fundamentais de guerra aberta.
Foi neste sentido, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que propus a eliminação do n.° 1 e a alteração do n.° 2, alegando — porque na altura não me apercebi do facto — eliminar também a expressão «com o mínimo de adaptações». E isto porque não interessa que seja com o mínimo ou o máximo de adaptações, mas sim que essas adaptações sejam eficazes.
Assim, como costumo dizer não haver nada mais caro que tribunais mal pagos, também digo não haver nada mais caro que um tipo de guerra preparada com um mínimo de adaptações. As adaptações são as que forem necessárias. Quando muito, poder-se-á exigir uma flexibilidade, mas isto ultrapassa manifestamente os quadro da lei.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, não me escusarei de justificar a proposta que faz o meu partido, mas, como são quase 20 horas e porque as digressões, neste momento já efectuadas, sobre a matéria nos levaram um pouco longe, preferiria, se todos concordassem, que o Sr. Presidente encerrasse os trabalhos e amanhã recomeçaríamos em força.
O Sr. Presidente: — Ainda temos algums minutos. Não quer mesmo justificar a sua proposta? Assim, encerraríamos a discussão deste artigo.
O Orado;: — Não vamos certamente encerrá-lo. Ainda há aqui muito material para ser discutido.
Em todo o caso, se insistir, posso em algumas palavras resumir. Só que amanhã ainda iremos intervir a este respeito.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, há uma proposta no sentido de terminarmos por hoje os nossos trabalhos.
Se todos concordarem, encerrá-los-emos para os retomarmos amanhã às 10 horas.
Reunião de 20 de Outubro de 1982
O Sr. Presidente [Fernando Condesso (PSD)]: — Srs. Deputados, vamos dar início a mais uma sessão de trabalho. Na última reunião encontrávamo-nos a discutir o artigo 20.°
Vou referir as propostas de alteração referentes a este artigo. Há uma proposta de alteração ao n.° 1 apresentada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, há uma proposta de alteração de redacção ao n.° 2, igualmente apresentada pelo Partido Socialista, e há uma proposta de alteração de redacção ao n.° 1 apresentada pelo Partido Comunista.
Vai ser lida a proposta de alteração de redacção ao n.° 2 apresentada pelo PS.
Foi lida. E a seguinte:
2 — 0 funcionamento das Forças Armadas em tempo de paz deve ter principalmente em vista prepará-las para fazer face a qualquer tipo de agressão ou ameaça externas.
O Sr. Presidente: — Vai ser lida a proposta de alteração de redacção ao n.° 1 apresentada pelo PCP.
Foi lida. É a seguinte:
1 — Será assegurada de forma permanente a preparação do País, designadamente das suas Forças Armadas, para a defesa da Pátria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Ouvimos aqui ontem defender a opinião bem fundada sobre o carácter normativo que os textos legais devem veicular.
Julgamos que este n.° 1 do artigo 20.° é exemplo de como uma disposição pode estar despida de carácter normativo.
Assim sendo, propomos a inversão da redacção do texto, por forma a que se garanta a sua maior normatividade.
A redacção por nós proposta veicula uma fórmula afirmativa e normativa de dizer e retira o carácter explicativo que a actual redacção apresenta.
Já ontem aqui foram aduzidas razões, todas elas convergentes, no sentido da afirmação da dispensabili-dade de referências à eventualidade da guerra.
Propomos a alteração desta redacção por todos os argumentos invocados e, naturalmente, em sede do n.° 2 passaríamos a explicitar o que se deve dizer em relação às Forças Armadas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concordo, na generalidade, com as considerações que aqui ontem foram feitas pelo Sr. Deputado José Luís Nunes contra a redacção do n.° 1 do artigo 20.°
Parece-me, em todo o caso, que as coisas ficariam meihor se, em vez da eliminação desse número, se adoptasse uma redacção como aquela que propôs o PCP. Eventualmente, com uma ou outra alteração de forma, mas por aquela via. Inclusivamente, aceitaria até aquela redacção.
No que se refere ao n.° 2, aceito integralmente as propostas de alteração apresentadas pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, já que, efectivamente, melhoram bastante a redacção do preceito.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao artigo 21.°
Há na mesa uma proposta de ordem sistemática, apresentada pelo Sr. Deputado Jaime Gama, no sentido de que a matéria regulada nos artigos 21.» e 22." transite para loca! imediatamente a seguir ao artigo 4.°
Dado o teor sistemático da proposta, proporia a sua discussão noutro momento.
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Creio compreender as razões que terão levado o Sr. Deputado Jaime Gama a fazer tal proposta.
Suponho que entenderá, e bem, que um artigo sobre a política de defesa e outro sobre o conceito estratégico de defesa nacional melhor ficarão num capítulo diferente do da organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas.
Em todo o caso, chamo a atenção para uma dificuldade de ordem sistemática para a qual não tenho ainda neste momento solução. Pediria, porém, aos senhores deputados a ponderação dessa questão.
É que no artigo 20.°, n.° 3, fez-se uma tentativa de indicação, em síntese, das principais normas e orientações a estabelecer, em diferentes níveis, relativamente à actuação das Forças Armadas: política de defesa, conceito estratégico de defesa, conceito estratégico militar, missões das Forças Armadas, sistemas de forças e dispositivo.
Parecer-me-ia inconveniente quebrar a unidade destes diferentes escalões, já que tudo isto tem uma certa lógica, tem uma certa sequência, todas estas disposições se hão-de concatenar umas nas outras. Retirar, por conseguinte, os artigos 21.° e 22.° para outro local, deixando aqui os outros, poderia ser porventura inconveniente.
Há certamente maneira de resolver isto, mas não queria deixar de chamar desde já a vossa atenção para o problema.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, em relação ao artigo 21.°, apresentada pela UEDS, existe uma proposta de alteração aos n.os 1 e 2 e de aditamento de um novo n.° 3.
Esta proposta vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
1 — A condução e execução da política de defesa nacional compete ao Governo.
2 — incumbe ao Conselho de Ministros elaborar
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as linhas gerais da política de defesa nacional, bem como as da sua execução.
3 — A Assembleia da República aprovará as linhas gerais da politica de defesa nacional, sob a proposta elaborada pelo Governo.
O Sr. Presidente: — Há uma proposta de aditamento de um novo n.° 3 apresentada pelo PS e que vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
3 — Nos assuntos respeitantes à política de defesa nacional, a oposição será consultada pelo Governo, nos termos do respectivo estatuto.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados do PCP apresentem uma proposta de substituição do n.° 2 e de aditamento de um novo n.° 3.
Esta proposta vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
2 — Incumbe ao Conselho de Ministros definir as linhas gerais da política governamental em matéria de defesa nacional, bem como as da sua execução.
3 — Compete à Assembleia da República definir o enquadramento da política de defesa nacional e fiscalizar a sua execução.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo reforça as competências atribuídas à Assembleia da República pela Constituição. Reforça-lhas, no sentido de lhas «remanifestar».
No entanto, este órgão aprovará implicitamente as linhas gerais da política de defesa nacional constante do Programa do Governo.
Sendo assim, diria que este novo n.° 3, que o meu grupo parlamentar propõe, é uma explicitação dessa matéria. Isto é, explicita o que está implícito no artigo referente ao Programa do Governo.
Só vejo vantagens na nossa nova redacção.
A inclusão da palavra «execução» no n.° 1 deste artigo 21.° não se confunde com a execução que as Forças Armadas, no exercício da autonomia que a lei lhes concede, levam a efeito no que se refere à política de defesa nacional.
No entanto, na minha opinião, a inclusão da palavra «execução» no n.° 1 deste artigo significa também que ao Governo compete, para além da condução, uma função de fiscalização activa da execução dessa mesma política.
Por outro lado, obviamente que, se considerarmos o aditamento de um novo n.° 3, a substituição da palavra «definir», em sede de n.° 2 actual, por «elaborar» tem exclusivamente razões de ordem de conexão com este mesmo novo n.° 3 que propomos.
Aceitarei qualquer proposta que recubra o essencial da nossa, não tendo dúvidas em retirar a que agora defendemos, caso haja outra que elimine a repetição que aOjUi surge ou que apresente redacção mais útil.
Concordo também com a redacção proposta pelo PS para o novo n.° 3.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nanes (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao introduzir na lei a distinção entre «condução» e «execução» da política de defesa nacional, o legislador manifestou uma certa subtileza, importante nesta sede.
Geralmente, os conceitos de «condução» e «execução» coincidem, mas, como aqui se atribui grande competência aos chefes militares, o legislador procurou compensar na «execução» essa competência, dando ou criando um conceito mais restrito de «condução».
Parece-me, Sr. Deputado César Oliveira, que a redacção da proposta de lei visa melhor a prossecução dos interesses que o Sr. Deputado pretende salvaguardar do que esta.
Chamo a atenção do Sr. Deputado para que o conceito «elaborar» é mais lato que o conceito «definir». Definir é limitar. Sobretudo quando se trata de iinhas gerais, «elaborar» é algo de muito vago.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Nunes: Não sei se a palavra «definir» comporta a manifestação de uma vontade assente numa deliberação, enquanto que a palavra «elaborar», na minha opinião, não comporta essa manifestação.
«Elaborar» pressupõe a criação de algo que outrem possa «definir».
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Eu, pelo contrário, vejo as coisas deste modo: aqui este senhor, que nos acompanha nos trabalhos, «elabora» a acta; contudo, quem define o «conteúdo» das normas somos nós.
Quanto ao n.° 3 «A Assembleia da República aprovará^..]», é evidente que concordo com a substância desta matéria. Só que, creio, esta regulamentação já cá está. Aparece escrita numa norma que refere: «Do programa do Governo estará[...]»
Portanto, ressalvando a compreensão exacta que a UEDS tem destas matérias, preferimos a redacção proposta pelo Governo.
Quanto ao problema dos assuntos respeitantes à política de defesa nacional, parece-me que esta questão se impõe por si, com uma nota e uma pequena adenda que vou fazer.
Julgo ser ponto de vista pacífico aqui e em todo o País que as Forças Armadas, como instituição nacional, devem ser assumidas conjuntamente pelo Governo e pela oposição.
Dentro dessa ideia de assunção generalizada, parece que este ponto de vista da consulta, nos termos do respectivo estatuto, em assuntos respeitantes à defesa nacional é correcto. De resto, ele é comum à generalidade dos países democráticos onde há oposição.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Não propusemos qualquer alteração ao n.° 1 porque pensámos que este número resultava directamente da Constituição, ao atribuir a competência geral da condução da política, quer no plano interno, quer no externo, ao Govemo.
Sendo assim, nada objectamos a esta norma. Quanto ao n.° 2, fizemos a este número uma proposta, cuja fundamento nos parece bom.
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De facto, e ainda na óptica do texto constitucional, verificamos que uma das competências mais importantes é a do Conselho de Ministros. Cremos que é isto que aqui se pretende referir.
Daí que tenhamos proposto uma redacção mais afeita, capaz de convergência com a matéria, adiante tratada na alínea a) do n." 2 do artigo 40.°. Este artigo repete esta competência quando fala expressamente do Governo.
Aqui estamos a falar em termos de definição e execução da política de defesa nacional, pelo que propomos o aditamento do n.° 3, porque são chamados por esta proposta do Governo a esta matéria quer o Governo, na citada disposição da alínea o) do n.° 2 do artigo 40.°, quer a Assembleia, no n.° 1 do artigo 38.'
Da mesma maneira que cabe aqui explicitar que a definição e a execução ca política de defesa nacional incumbem ao Governo, também caberá aqui, julgamos nós, para que fique claro em matéria de definição e execução daquela política, estabelecer o que compete à Assembleia da República.
Esta a razão da nossa proposta de aditamento de um novo n.° 3, cuja redacção pode não ser esta, mas que deveria conter esta ideia base.
As nossas posições vão no sentido da conformização do teor desta lei com os preceitos constitucionais — critério que, aliás, temos vindo a seguir— e, por outro lado, no sentido de completar o que se entende colocar em sede de artigo 21.°, isto é, assinalar as principais intervenções em matéria de política de defesa nacional: a parte que compete ao Governo, a que incumbe ao Conselho de Ministros e a que diz respeito à Assembleia da República.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha preocupação, ao propor esta nova redacção para o artigo 21.°, resulta, por um lado, da minha concepção de que não se terá de enveredar por qualquer caminho que leve à parlamentarízação da execução da política de defesa nacional.
Por outro lado, preocupa-me a palavra «definir» constante do n.° 2.
Na minha opinião «definir» tem uma conotação deliberativa, a qual torna o artigo algo ambíguo em relação às competências próprias da Assembleia da República. Ou seja: admito perfeitamente que, de acordo com a intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes, o conceito «definir» possa não ser imediatamente equivalente ao conceito «deliberar».
No entanto, se em sede do n.° 2 ficar redigido que incumbe ao Conselho de Ministros «elaborar» as linhas gerais da política de defesa nacional, bem como «definir» as da sua execução, estarei inteiramente de acordo com a redacção deste número e retirarei a nossa proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacfona! (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que deveríamos adoptar uma orientação de base sobre este artigo e que essa orientação devia ser no sentido de procurar mantermo-nos conformes ao espírito da Constituição ou às indicações que resultam da revisão constitucional.
Sem querer entrar a discutir o significado das diferentes intervenções aqui levadas a cabo por vários senhores deputados, chamaria a vossa atenção para o seguinte: em primeiro lugar, «condução da politica de defesa» é o que resulta da Constituição. Esta, em dois preceitos, pelo menos, atribui ao Governo a competência para conduzir as diferentes políticas.
Refiro-me, antes de mais, ao artigo 185.°, segundo o qual o Governo é o órgão de condução da política geral do País. Refiro-me igualmente à alínea c) óo n.° 1 do artigo 204.°, onde se diz:
Compete ao Primeiro-Ministro [...] informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do País.
Poderíamos dissertar muito sobre se «conduzir» é mais ou menos do que «executar» e mais ou menos do que «definir». Em todo o caso, creio que deveríamos adoptar aqui a expressão constitucional.
Por conseguinte, quanto ao n.° 1, julgo que a proposta do Governo é a mais correcta.
Relativamente ao n.° 2, não me parece que se possa utilizar a expressão «elaborar», que o Sr. Deputado César Oliveira propôs, já que também a Constituição é clara quando na alínea a) do n.° 1 do artigo 203.° afirma que compete ao Governo «definir as linhas gerais da política governamental, bem como as da sua execução».
Julgo ter o Partido Comunista razão quando propõe que se diga «as linhas gerais da política governamental em matéria de defesa». De facto, a Constituição refere «as linhas gerais da política governamental».
A proposta do PCP é, portanto, de aceitar.
Creio já não assistir razão à argumentação do Sr. Deputado César Oliveira em favor da sua proposta de aditamento de um novo n.° 3, porque a única ocasião e o único título jurídico pelo qual a Assembleia da República aprecia as linhas gerais da política de defesa é a apreciação do Programa do Governo. E aí a Constituição não estabelece o mecanismo da aprovação, uma vez que pode não haver aprovação do Programa do Govemo, pelo menos expressa e formal: basta a simples não aprovação.
Deste modo, penso que não o poderemos dizer assim e que tudo quanto se pode dizer já está dito noutro preceito, o preceito segundo o qual o Programa do Governo será submetido à Assembleia da República e por ela apreciado.
Ponto a discutir seria o de fundir, eventualmente, o preceito referente a essa matéria com este para que tudo ficasse dito neste.
Relativamente à proposta do PS, no sentido de aqui se fazer uma referência à audiência dos partidos da oposição estou plenamente de acordo, por todas razões invocadas, as quais não vale a pena repetir.
Finalmente, no que respeita à última proposta de aditamento de um novo número, apresentada pelo PCP, estaria disposto a aceitar um tal aditamento, mas propunha que a redacção não fosse essa, mas sim a que consta do artigo 38.° da proposta de lei do Governo, nos termos da qual a Assembleia da República não enquadra a política de defesa, mas contribui para a enquadrar, pelo exercício da sua competência política, legislativa e financeira.
Se se aceitasse uma redacção mais harmónica com
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esta, bastante mais perfeita, poderíamos concordar com uma disposição desse teor.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Respondendo à sugestão do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, sugestão tocante à tentativa de harmonização do n.° 3 com um preceito mais adiante, gostaria que o Sr. Vice-Primeiro--Ministro adiantasse algo dessa possibilidade de harmonização. Caso assim fosse, tal poderia inclusivamente, levar a que a UEDS retirasse a sua proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral) — Se bem compreendi, o Sr. Deputado César Oliveira referia-se à nova redacção a encontrar para a proposta do PCP.
Se assim é, sem prejuízo do aperfeiçoamento da redacção, a ideia poderia ser esta: «A Assembleia da República contribui, pelo exercício da sua competência política, legislativa e financeira, para enquadrar a política de defesa nacional, bem como para fiscalizar a sua execução.» Isto, evidentemente, sem prejuízo da revisão do problema da repetição pura e simples da mesma ideia, pelas mesmas palavras, em dois artigos diferentes.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sendo assim, Srs. Deputados, retiro esta nossa proposta de nova redacção ao artigo 21.°
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, considera-se retirada a proposta ao artigo 21.° da autoria da UEDS.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 22.°, cuja epígrafe tem a seguinte redacção: «Conceito estratégico de defesa nacional.»
Em relação ao n.° 1 deste artigo, existe uma proposta de aditamento, apresentada pelo Partido Comunista, no sentido da introdução da expressão «mediante decreto--lei» imediatamente entre as expressões «pelo Governo» e «o conceito estratégico».
Uma outra proposta do Partido Comunista, esta de eliminação, pretende a obnubilação da expressão «mediante proposta conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Defesa Nacional» da redacção do n.° 3.
Apresenta ainda o Partido Comunista para este n.° 3 uma proposta de substituição da expressão «apreciada no Conselho» pela expressão «precedendo a apreciação do Conselho».
Da autoria do Partido Socialista, deu entrada na mesa uma proposta de aditamento ao n.° 3, aditamento da expressão «e após debate na Assembleia da República» imediatamente a seguir à expressão «Conselho de Chefes de Estado-Maior».
É tudo em relação ao artigo 22.°
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou obrigado a chamar a atenção para
uma questão bastante grave — e de difícil solução, porque constitucional—, questão à qual só neste momento tive acesso.
Trata-se de um problema atinente ao artigo 18.°,-que forçosamente tem de ser tratado.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado José Luís Nunes, para não quebrar a unidade dos trabalhos, talvez fosse preferível versarmos essa questão ou no fim do debate deste artigo ou no fim do tratamento do capítulo. Está de acordo, Sr. Deputado?
Pausa.
Muito obrigado, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Com as nossas propostas respeitantes ao n.° 1 deste artigo, pretendemos dar o máximo de valor possível a esta proposta de lei, o máximo de valor legislativo.
A aprovação por decreto-lei permite que a Assembleia da República, se assim o entender, possa entrar na discussão. Não tem, porém, este preceito carácter imperativo.
Esta modalidade de permitir sem obrigar talvez seja preferível.
Quanto ao n.° 2, nada temos a objectar; já no que respeita ao n.° 3, a nossa proposta tem que ver com a nossa convicção da existência de algumas normas da lei vin-culadoras, quanto a nós, da exclusiva reserva da competência do Governo. São preceitos que, em rigor, não devem constar da lei, já que dependem exclusivamente do Governo.
Este tem competência para se organizar e no âmbito desta organização, no âmbito da atribuição de certas competências a um ministro, no âmbito da definição das relações interministeriais, encontramo-nos nitidamente na área da reserva absoluta do Governo.
A lei deve coibir-se de entrar nessa área. Sendo certo que qualquer governo pode determinar, por exemplo, que a proposta seja feita, conjuntamente, pelo Ministro da Defesa Nacional e pelo Primeiro-Ministro, também é certo que à Assembleia da República não cabe tal determinação — tal não cabe em sede de lei da Assembleia.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Laís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É necessário inserir esta nova proposta no contexto de duas ideias base: a primeira, já aqui definida e aprovada em sede de proposta da autoria da UEDS, acerca da informação generalizada da população, com as óbvias limitações a tomar nestas matérias; a segunda ideia é a de que o conceito estratégico de defesa nacional é de tal modo importante e de tal forma impreciso nos seus contornos — sobretudo no momento que atravessamos, construindo-se e aplicando-se constantemente conceitos novos — que bem se justifica que haja, não uma decisão da Assembleia da República, mas um debate sobre a matéria.
Esse debate deverá ser orientado no sentido da obtenção de um generalizado consenso sobre o assunto.
No entanto, desejo fazer uma reserva a este termo
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«debate», porque me parece não cever ele aqui ser usado no seu sentido lato.
Existe uma figura no Regimento ca Assembleia que prevê exactamente a situação que nos preocupa. Refiro-me à figura segundo a qual pode ocorrer um debate ao qual não se segue, necessariamente, uma tomada de resolução.
A expressão «debate» não está aqui precisada nos seus contornos, pelo que o meu grupo parlamentar se reservará a possibilidade da sua substituição pela figura regimental que citei.
Na antiga Assembleia Nacional existia ta! figura, sob a denominação de «aviso prévio». Creio que agora, em sede de regimento actual, embora com outro nome, essa figura existe também.
De qualquer forma, o termo «debate» aqui empregado significa apenas que a Assembleia seja ouvida. Pro-curar-se-á introduzir a figura regimental que mais se aproxime desta situação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-PríníeEira-MbJstam e E&iisfco àz Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: São aqui colocados dois problemas: o primeiro é o de se permitir, de uma forma ou de cuíra, a intervenção da Assembleia da República na apreciação do conceito estratégico de defesa nacional; o segundo é um problema que se repetirá neutros preceitos, problema esse de saber se, designadamente, o estabelecimento de uma competência conjunta do Priraeiro-Minis-tro e do Ministro da Defesa Nacional para a apresentação de determinadas propostas ou para a tonada de certas decisões invade ou não a esfera de competência exclusiva do Governo, que lhe é atribuída pelo n.° 2 do artigo 201.° da Constituição.
Quanto ao primeiro problema, parece-me que a estratégia global do Estado para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional compreende, necessariamente, matéria secreta.
Por conseguinte, eu seria contrário a que a Assembleia da República, quer sob a forma de debate, quer sob a forma de ratificação de decreto-lei do Governo, viesse a pronunciar-se sobre a totalidade da matéria, logo, sobre o conceito estratégico de defesa nacional.
No entanto, concordo que há aspectos fundamentais do conceito estratégico de defesa que podem e devem ser apreciados na Assembleia da República.
Proporia, assim, deixando para mais tarde a forma exacta da redacção, a adopção de uma orientação que atribua à Assembleia da República o debate das grandes opções em matéria de conceito estratégico de defesa nacional ou qualquer coisa no género. Atribuir à Ássem-òfeia apenas o debate das grandes opções impediria, e bem, que certos aspectos do conceito estratégico de àeiesa tivessem, necessariamente, que ser divulgados, porque entendo que podem envolver matéria reservada.
Bem sei que adiante se faia num conceito estratégico--militar, que, esse sim, é por definição reservado, mas julgo que mesmo em matéria de conceito estratégico de defesa haverá certamente algumas matérias que terão de apresentar essa natureza reservada.
Relativamente ao segundo problema, o problema de se tratar ou não de competência exclusiva do Governo a atribuição de certas questões à competência conjunta de
2 membros do Governo, a minha inclinação vai no sentido de não considerar isso matéria de organização e funcionamento do Governo. Creio que as competências do Governo ou dos membros do Governo não são matéria de «organização e funcionamento», são matéria de «competência», conceitos diferentes que a própria Constituição, normalmente, distingue. Ao tratar do Governo, ao tratar da Assembleia da República, a Constituição dedica certos capítulos à organização e funcionamento desses órgãos e capítulos diferentes à sua competência, pelo que propendo a considerar que, de facto, esta matéria não se encontra no âmbito da competência exclusiva do Governo.
Em todo o caso, valeria a pena ponderarmos melhor esta questão, na certeza de que aquilo que se decidir aqui terá depois repercussões noutras partes do diploma.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Compreendemos perfeitamente a probabilidade de existência de matérias neste conceito estratégico de defesa nacional que não sejam publicitáveis.
Notámos, contudo, que este conceito estratégico de defesa nacional começa imediatamente por se encontrar mal definido. Conheço ilustres oficiais generais que perguntam e se interrogam sobre o conteúdo deste conceito. Interrogam-se, não porque o desconheçam, mas porque tal conceito carece de uma definição.
Importa, entre outras questões, saber o que cabe na esfera de secretismo do Governo, o que é que compete, em termos de discussão pública, à Assembleia da República, etc.
O nosso objectivo será, estamos certos, alcançado, de acordo com a redacção que tem essa proposta em definitivo, proposta prometida pelo Sr. Vice-Primeiro--Ministro momentos atrás.
No que respeita ao segundo ponto da discussão, ponto que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro deixou em aberto, devo dizer que um governo, ao organizar-se, pode contar com um número de ministros e de ministérios diferente do que havia no governo que o antecedeu. Pode, por exemplo, o Primeiro-Ministro empossado acumular a pasta da Defesa Nacional...
Creio que tal não é questionável, tal entra no âmbito da competência do próprio Primeiro-Ministro, do próprio Governo.
Face à dependência dos ministros em relação ao Primeiro-Ministro, dependência perfeitamente constitucional, julgo que não estaremos bem avisados se introduzirmos aqui matéria que só o Primeiro-Ministro e o Governo da altura poderão, de uma forma cu de outra, decidir.
Solicitamos a reconsideração da questão e concordamos que haja outras matérias que deveriam ser retiradas desta área da regulamentação. Há, de facto, outras intervenções na área de reserva exclusiva de competências do Governo ainda mais claras do que esta e nas quais a Assembleia da República não deveria interferir.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Míolstso da JMoas.
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Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a reserva de competência legislativa do Governo em matéria de organização e funcionamento do próprio governo jamais foi entendida de modo a impedir que em leis da Assembleia da República se faça referência à competência deste ou daquele ministro, pelo simples facto de que esse ministério poderá vir a ser extinto ou fundido noutro ou de que pode variar a sua denominação.
Efectivamente, pode ser assim, o Governo pode tomar decisões dessas por sua exclusiva competência, mas tal não obsta a que a Assembleia da República em lei se possa referir a um ministro da Defesa Nacional ou a um ministro das Finanças, por exemplo, entendendo-se que as referências que faz serão sempre reportadas ao órgão que vier a suceder nas mesmas competências àquele que existia ao tempo em que foi feita essa referência.
De modo que o entendimento demasido restritivo deste preceito constitucional impediria até esta lei de fazer referências à existência de um ministro da Defesa, como impediria a Lei do Orçamento de fazer referência ao Ministro das Finanças, o que me parece que seria ir longe de mais.
De qualquer modo, concordo ser esta uma matéria que carece de reflexão, só havendo vantagens na clara definição dos contornos e do âmbito do n.° 2 do artigo 201.° da Constituição.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Tenho algumas dúvidas quanto à possibilidade de o conceito estratégico de defesa nacional poder ser integrado em sede de matéria legislativa. Creio que, pelo menos, parte dele não o poderá ser.
Assim, vejo com a dificuldade correspondente a possibilidade de esse contexto constar de um decreto-lei ou sequer de uma proposta de lei.
Inclinando-me para a ideia de que a Assembleia da República deva ter também uma palavra a dizer em relação ao conceito estratégico de defesa nacional, per-guntar-me-ia se, em primeiro lugar, este conceito não entroncará decisivamente, pelo menos, num plano a médio prazo. Julgo haver aspectos daquele conceito que terão influência notória na organização do Plano.
Se assim se entender, considero haver necessidade de uma melhor explicitação.
Em segundo lugar, parece-me que um debate, nos termos daquele que se faz em relação ao planeamento, debate esse de grandes opções, seria o mais útil para este conceito, se bem que, aproveitando algumas úteis sugestões da primeira proposta do PCP, me incline a considerar esse debate como não obrigatório, mas sim como debate surgido a requerimento de um grupo parlamentar ou de um partido.
Não seria, assim, um debate a travar necessariamente, não seria um debate anual, mas um debate que poderíamos inscrever dentro das possibilidades conferidas à Assembleia. Se esta assim o entendesse, e no intuito de fiscalizar a acção governativa, poderia desencadeá-lo, não sob a forma de interpelação, mas sob a forma de grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional.
Quanto à proposta apresentada para o n.° 3, mesmo sem uma interpretação demasiado restritiva do
artigo 201.° da Constituição, inclinar-me-ia também para que não constassem da proposta de lei os termos em que a discussão interna no Conselho de Ministros se processa, a autoria e a subscrição da mesma, etc.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que a matéria referente ao conceito estratégico de defesa terá uma área reservada.
Cabe, obviamente, ao Governo aprovar tal conceito, mediante proposta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Defesa, já apreciada no Conselho Superior de Defesa Nacional e mediante parecer do Conselho de Chefes.
Parece-nos importante que, numa concepção global de defesa e numa concepção que aponta claramente para o enraizamento na Nação, o parlamento possa debater este conceito, não necessariamente para produzir qualquer deliberação, não para legislar sobre o mesmo, mas porque tal seria a meu ver, profundamente enriquecedor do processo de formação do próprio conceito. Será enriquecedor que ele se alargue à instituição parlamentar, como instituição representativa da Nação e de um leque enorme da opinião pública.
O conceito estratégico de defesa — nada o impede — vai ser discutido em seminários, colégios, publicações, revistas. Desse largo debate nacional as estruturas com vinculação directa à elaboração e aprovação do conceito recolherão a informação e os elementos que entenderem convenientes.
A participação da Assembleia da República, através da realização de um debate em torno deste conceito, parece-me que só virá a contribuir para enraizar o mesmo na Nação, para esclarecer as entidades que o elaboram e o aprovam.
Naturalmente que a Assembleia da República terá, em matéria de defesa, o poder de aprovar leis de competência reservada, de exercer actividade legislativa normal, de discutir e aprovar o orçamento, de realizar interpelações, de eleger comissões de inquérito —se o entender acertado—, de produzir moções de censura sobre esta matéria ou moções de confiança que tenham em vista a política de defesa. Creio, porém, que, numa proposta de lei que assenta substancialmente na noção de conceito estratégico de defesa, fazer a introdução da área militar por via do Concelho de Chefes e ficar-se apenas pela decisão, em sede governamental, com consulta do Conselho Superior de Defesa, não é ir muito longe. A sua introdução neste processo, sem envolver qualquer aspecto de confidencialidade, mas apenas para enraizar na Nação e na opinião pública o próprio conceito estratégico de defesa, parece-me uma conduta válida.
De resto, por exemplo, a lei espanhola de defesa refere explicitamente o papel das cortes na realização de debates gerais sobre a política de defesa.
Será muito mais produtivo, muito mais racional, fazer sobressair o papel do parlamento na elaboração deste conceito do que simplesmente remetê-lo para uma discussão vaga sobre as grandes opções da política de defesa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presi-
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dente, Srs. Deputados: O artigo 22.° suscitou em mim, desde o inicio, diversas preocupações, nomeadamente porque em seu torno se gerava a situação de se concederem poderes ao Governo, não se adivinhando uma real possibilidade de fiscalização por parte da Assembleia da República.
Foi nesse sentido que em sede de Plenário avançámos uma sugestão para uma diferente configuração do Conselho Superior de Defesa Nacional, solução que talvez não fosse muito na lógica da Constituição e dos órgãos que ela prevê, mas que tentava e conseguiria ultrapassar a situação pela via de um consenso obtido em sede do Conselho Superior de Defesa Nacional, no pressuposto de que nele estariam representados os diversos órgãos de soberania.
Creio terem aqui sido levantadas algumas hipóteses que ultrapassariam esta questão de se tratar de uma matéria da competência do Governo sem haver a possibilidade de fiscalização e de manifestação da opinião de outros órgãos.
Encarar a figura de um debate, tal como este resulta da proposta apresentada pelo PS, o que implicaria revisão da situação a nível do Regimento da Assembleia da República, um debate prévio que envolvesse a Assembleia nesta discussão e que chegasse ao próprio conhecimento da opinião pública, tal seria uma solução aceitável.
Mais do que delimitar uma questão de grandes opções, parece-nos, naturalmente, que no decorrer das próprias matérias surgirá o bom senso de se evitar a discussão de áreas contidas na confidencialidade, dentro do pressuposto de que a Assembleia da República terá poderes de fiscalização, mais que não seja através da figura de interpelação, interpelação que incidiria sobre a matéria concreta, ao contrário do que normalmente acontece.
Creio que não violaríamos muito a figura da interpelação ao darmos-lhe esta incidência concreta, reti-rando-lhe a característica de debate de politica geral.
Ouvidas todas as propostas em discussão, não temos qualquer rebuço em defender também a audição da Assembleia da República antes de o Governo delimitar o conceito estratégico de defesa nacional.
Creio existir uma questão importante a realçar da proposta do Partido Comunista, embora se trata de mera questão de forma e redacção. Refiro-me à associação da decisão do Governo, ou do Conselho de Ministros, como aqui se refere, à expressão «precedendo apreciação do Conselho Superior de Defesa Nacional».
A expressão «precedendo apreciação» ajudaria a esbater o aspecto — quanto a mim, chocante na hierarquia dos órgãos— de que um órgão presidido pelo Presidente da República se limite a ser um órgão consultivo do Governo, além de que aquela expressão não implica mais do que um recolher de opiniões expressas e manifestadas nesse órgão e não envolvendo posições concretizadas do mesmo órgão. Não ocorrerá a situação de o Governo vir a tomar posições contra um parceiro do órgão.
Seria, portanto, de aceitar a introdução daquela expressão no n.° 3, segundo a proposta de aditamento do n.° 3.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Ouvi com muita atenção a exposição do Sr. Vice-Primeiro-Ministro sobre esta matéria e dela exarei duas ideias.
Em primeiro lugar, existem dois níveis distintos no debate que se pretende da Assembleia da República: o nível da informação que o Governo fornece e um outro, talvez mais essencial, que é o nivel de tudo quanto os senhores deputados têm a dizer sobre a matéria.
Em segundo lugar, devo dizer que me apercebi de que na formulação da lei havia uma diferença entre conceito estratégico de defesa nacional e conceito estratégico militar, facto que, de certa maneira, correspondia ou procurava visar aqueles pontos de vista que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro focou em relação à reserva e à confidencialidade.
A expressão «conceito estratégico militar» foi elaborada em sede militar talvez por quem não tenha tido a exacta consciência da matéria em causa. Creio que ta! expressão obedece mais ao equilíbrio legislativo da lei — e está bem que assim seja— do que à realidade efectiva que urge atingir.
Lá bem no fundo, e utilizando uma expressão profundamente muito em voga no norte do País, quando alguém convida alguém para um casamento, casamento onde não se efectuará copo-d'água, tal se configura com um convite de «arreda-queixos»
Julgo que os chefes militares, ao elaborarem o conceito estratégico militar, o fizeram como se dissessem à classe politica portuguesa que aquele conceito era matéria da qual elas deveriam «arredar os queixos». _
A expressão «conceito estratégico militar» é uma expressão que não tenho como muito utilizada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio haver o necessário consenso quanto as linhas gerais das actuações a introduzir sobre esta matéria no texto do diploma em apreciação.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes, devo dizer que a sua interpretação não se me afigura correcta, uma vez que logo no artigo 23." da proposta de lei se estabelece que o conceito estratégico militar é confirmado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional. Significa isto que não fica excluída a participação de um órgão politico na decisão final sobre a matéria.
Por outro lado, se nós temos da defesa nacional uma visão global, visão essa que abrange não apenas o vector militar, mas também vectores civis, não poderemos jamais excluir a necessidade de concretizar e desenvolver uma estratégia de defesa militar —estratégia que diz respeito ao vector militar da defesa— que é, naturalmente, alguma coisa de mais específico e, logicamente, posterior ao conceito global de estratégia de defesa nacional.
Considero que a distinção tem, por conseguinte, razão de ser, considero gue os regimes de aprovação de um e outro conceitos devem ser distintos e considero ainda que nesta proposta não há a intenção de atribuir exclusivamente à competência dos órgãos militares a aprovação do conceito estratégico militar.
Finalmente, gostaria de acrescentar que estou plenamente de acordo com a proposta que visa substituir a expressão «apreciada no Conselho Superior de Defesa»
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pela expressão «precedendo apreciação do Conselho Superior de Defesa Nacional».
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições sobre a matéria do artigo 22.°, passamos à discussão do artigo 23.°
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: gostaria de expressar as nossas reservas em sede de discussão deste artigo 23."
Não pretendemos com isto significar que esta reserva se projecte exclusivamente no teor deste artigo. Nem, porventura, esta matéria é a área em que tal reserva mais se salienta.
Em vários aspectos desta proposta de lei se cometem, directa ou indirectamente, incumbências consultivas ou administrativas ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
Faz-se isto sempre que o artigo em questão veicula matéria que o requeira. Saiba-se que, sempre que assim seja, nada teremos a objectar.
Simplesmente, a nossa posição favorável ou desfavorável em relação a cada uma dessas disposições irá forçosamente depender da composição concreta que esse órgão venha a exibir. Qualquer competência ou incumbência deverá sempre enquadrar-se no pressuposto de uma composição.
Acontece que a composição do Conselho Superior de Defesa Nacional está estipulada no artigo 44.°
Sem pretendermos a inversão da discussão e a antecipação do debate daquele artigo — tal não seria necessário—, proporíamos, no entanto, que a votação de todos os artigos em que se encerrem incumbências ou competências administrativas do Conselho Superior de Defesa Nacional não se faça sem que previamente se tenha votado uma composição concreta para esse órgão.
Se assim se proceder, estaremos perfeitamente à vontade para, em sede de votação destas matérias tomarmos uma posição definitiva.
Neste caso, por exemplo, incumbe-se ao Conselho a confirmação do conceito estratégico militar.
Ora, esta confirmação é matéria relevante, pois que sem, ela não haverá aprovação desse conceito.
Creio estarmos neste momento justificados quando propomos o adiamento destas votações para sede posterior à discussão e votação do artigo 44.°
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, face ao método de trabalho aqui ontem aceite por todos nós e face à questão agora ventilada pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, sugeriria que mantivéssemos na íntegra o método que temos vindo a utilizar e, sempre que em sede de qualquer destes artigos se abordasse matéria de competência administrativa do Conselho Superior de Defesa Nacional, os senhores deputados tomassem as suas posições, reservando-se sempre nas mesmas para sede de discussão do artigo 44.° Assim jamais se viria a pôr em causa a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, nós não pomos em causa a discussão. A nossa proposta definitivamente é esta: quanto à discussão, requeremos a ordem que a própria proposta de lei suscita; quanto à votação, nomeadamente nesta questão, em que existe um órgão cuja composição só se encontra definida no
artigo 44.°, mas que vê as suas competências dispersas por vários artigos precedentes ao artigo 44.°, propomos a votação destes artigos em momento posterior à aprovação desse me?mo artigo 44.°
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Veiga de Oliveira, a sua proposta está na mesa, mantêm-se. No fim do debate de todo o articulado deste capítulo tomaremos uma decisão final. Entramos de imediato no debate do artigo 23.° Para este artigo existe uma proposta de alteração apresentada pelo Partido Socialista. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
De acordo com o conceito estratégico de defesa nacional definido, compete ao Conselho Superior Militar aprovar o conceito estratégico militar, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior, e ao Conselho Superior de Defesa Nacional a sua confirmação.
O Sr. Presidente: — Temos ainda uma outra proposta, esta de autoria da ASDI. Esta proposta vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
1 — Estabelecido o conceito estratégico de defesa nacional, o Conselho de Chefes de Estado-Maior elaborará o conceito estratégico militar.
2 — O conceito estratégico militar será aprovado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A justificação da nossa proposta é simples, atendendo ao n.° 1 do artigo 42.°
Reza esta disposição:
O Ministro da Defesa é politicamente responsável pela elaboração e execução da componente militar da política de defesa nacional, pela administração das Forças Armadas e pela preparação dos meios militares e resultados do seu emprego.
Face a esta competência atribuída ao Ministro da Defesa Nacional, julgamos não ser de maneira alguma curial que ele seja responsável e cominado em tal grau e de tal forma, enquanto, por outro lado, não tem, em relação ao conceito estratégico militar, qualquer outra intervenção senão como membro do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Parece-nos politicamente errado atribuir ao Ministro da Defesa Nacional uma responsabilidade política de tal envergadura, especificando-se também, por via directa ou indirecta, que ele nada tem a ver com a elaboração dos conceitos base, em relação aos quais responde.
O Ministro da Defesa Nacional, nestas condições, não passaria de uma figura decorativa, acrescido este senão de grave inconveniente de nós próprios estarmos a criar uma figura de interposição, capaz de servir exclusivamente como «bode expiatório». Jamais se deverá fazer viver a um ministro da República tal insustentável situação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota
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O Sr. Magalhães Moía (ASDI): — A proposta por nós apresentada tem o intuito de fixar o conceito de prioridade temporal de conceito estratégico de defesa nacional.
Só após a definição deste conceito é que competirá a elaboração do conceito estratégico militar.
A nossa proposta marca não só uma subordinação, como até um momento temporal de elaboração.
Tem ela igualmente em vista a tentativa de evitar a forma de confirmação de um conceito já pronto, evitar, inclusivamente, a própria possibilidade de conflito e, assim, ficar definido com clareza que a competência para a aprovação do conceito estratégico militar cabe ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Sr. Presidente: — Tem ã palavra o Sr. Vice--Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à proposta apresentada pelos Srs. Deputados do Partido Socialista, devo dizer que compreendo a preocupação nela expressa e penso que tem razão de ser.
Discordo, no entanto, da forma pela qual se lhe pretende dar solução.
Afirmo isto porque, na lógica desta proposta de lei, o Conselho Superior Militar não tem qualquer competência deliberativa. Este é um órgão apenas de concertação e consulta, e, além disso, o que ainda é mais relevante, a atribuição desta competência ao Conselho Superior Militar não permitiria resolver o problema que foi suscitado.
Uma vez que o Conselho Superior Militar é presidido pelo Ministro da Defesa e constituído pelos chefes de estado-maior, haveria sempre a possibilidade de ser aprovado um conceito estratégico militar em que o Ministro da Defesa ficaria vencido, o que me parece não ir de encontro à preocupação que foi expressa e que suponho ter razão de ser.
Proporia então uma outra solução: O Conselho de Chefes elaboraria a proposta, o Ministro da Defesa aprová-la-ia e o Conselho Superior de Defesa confirmá--la-ia. Penso que esta seria talvez a solução mais correcta, em termos de se ir de encontro às preocupações expressas.
Claro que, ao fazer isto, não poderíamos dar razão à proposta do Sr. Deputado Magalhães Mota, que se opõe à manutenção da figura da confirmação pelo Conselho Superior de Defesa. Julgo, porém, que essa figura é útil, até em função de outros efeitos, pelo que esta seria a minha contraproposta.
Quanto à proposta do Sr. Deputado Magalhães Mota, no sentido de uma referência expressa à necessária precedência cronológica da aprovação do conceito estratégico de defesa nacional relativamente à elaboração do conceito estratégico militar, devo dizer que tenho dúvidas a tal respeito.
É evidente que o conceito estratégico de defesa nacional tem precedência lógica sobre o conceito estratégico militar, mas admito que para se chegar à elaboração final do primeiro seja necessária uma previsão do que poderá vir a ser, em consequência dele, o segundo.
Há aqui um efeito de vaivém, pelo que seria favorável a uma redacção que, embora afirmando a precedência lógica do conceito estratégico de defesa nacional sobre o
conceito estratégico militar, não obrigasse, em termos explícitos, a uma precedência cronológica total.
A precedência cronológica tem de existir em termos de aprovação, mas seria imprudente estabelecê-la em termos de elaboração.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao artigo 24.° Este artigo não é objecto de qualquer proposta.
Passamos, por conseguinte, ao artigo 25."
Sobre este artigo impende uma proposta de alteração apresentada pelo PS ao seu n.° 2, que passaria a ter a seguinte redacção:
2 — O dispositivo dos sistemas de forças ê aprovado pelo Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a proposta do PS diz, embora por palavras diferentes, precisamente a mesma coisa, isto é, não altera o conteúdo do actual n.° 2 do artigo 25.° da proposta de lei.
Pela minha parte, dou-lhe o meu acordo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Estamos mais uma vez perante uma competência do Conselho Superior de Defesa Nacional em sede de n.° 1 do artigo 25.°
Qualquer votação sobre esta matéria carece, como é óbvio, de conhecimento prévio da composição deste mesmo Conselho.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao artigo 26."
Temos, para a parte final do n.° 1 deste artigo, uma proposta de alteração apresentada pelo PCP. Segundo esta, onde se lê «diploma especial» passaria a constar «lei especial».
Da autoria do PS, surge uma proposta de alteração aos n.M 4 e 5, números que seriam alterados nos seguintes termos de redacção:
4 — A elaboração das propostas de lei de programação militar e de orçamento anual das Forças Armadas é da competência do Conselho Superior Militar, de acordo [...]
5 — O exercício das competências próprias ou delegadas do chefe de estado-maior em matéria de administração financeira não podem prejudicar a competência atribuída à Assembleia da República e ao Governo de fiscalizarem a execução das leis de programação militar e dos orçamentos anuais, bem como a gestão patrimonial.
O Sr. Presidente: — Finalmente, temos ainda a proposta de alteração apresentada pelo Centro Democrático Social ao n.° 5 deste artigo e que preconiza a seguinte redacção:
S — Sem prejuízo das competências próprias ou
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delegadas dos chefes de estado-maior em matéria de administração financeira, o Governo orientará e fiscalizará a execução das leis [...]
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão lidas as propostas e em discussão. Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Suponho que no n.° 1 o que o legislador pretende é mesmo dizer «lei especial». Propomos, pois, uma mera correcção de forma.
Quanto ao resto, é óbvio que estas leis de programação militar terão também de ser previstas numa lei especial, a lei de enquadramento geral do Orçamento Geral do Estado.
Nessa lei se prevêem várias situações que podem, até certo ponto, vir a contrariar tudo isto.
O Governo deverá atempadamente —se o não fizer, fá-lo-ão os deputados— propor alterações à lei de enquadramento do Orçamento Geral do Estado, por forma a dar cabimento completo a estas chamadas «leis de programação militar».
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Em relação ao n.° 4, a nossa proposta decorre das propostas anteriores, porque nos parece ser esta a melhor forma de concretizar o que está enunciado na proposta de lei, no sentido de que a lei de programação militar e o orçamento anual das Forças Armadas são da competência do Conselho de Chefes de Estado-Maior, de acordo com a orientação do Governo.
Transferir esta competência para o Conselho Militar, cremos, é concretizar essa orientação.
Quanto ao n.° 5, pretendemos inverter a ordem do enunciado do mesmo, realçando o papel constitucional da Assembleia da República na fiscalização da execução orçamental.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Coutinho.
O Sr. Azevedo Coutinho (CDS): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Pretendemos com a nossa proposta o reforço da acção do Governo, levando-o a orientar a execução, para além da fiscalização da mesma.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à proposta do Partido Comunista, quero dizer que, efectivamente, a ideia da proposta de lei era a de que se tratasse de uma lei da Assembleia da República. O nosso completo acordo, portanto, com aquela proposta.
Quanto à preocupação exposta pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, julgo não haver dúvidas sobre a necessidade de alteração da lei de enquadramento do Orçamento e também da lei de enquadramento dos planos a médio prazo, ou então da necessidade de elaboração de
uma lei específica reguladora do planeamento a médio prazo em matéria militar.
Quanto à proposta do PS para o n.° 4, julgo devermos definir uma orientação respeitante à natureza que a Comissão pretende atribuir a este Conselho Superior Militar.
Surgiu já atrás este problema, surge agora e poderá surgir de novo adiante.
Temos de determinar se o Conselho Superior Militar deve ser um órgão deliberativo ou não — a ideia da proposta de lei é de que o não deveria ser.
Ressalvo, contudo, que, neste caso concreto, não me parece que a proposta do PS implique uma competência deliberativa. Admito que neste passo a aceitação da proposta do Partido Socialista não envolveria a atribuição de competência deliberativa àquele Conselho, mas sim, justamente, uma concepção do Conselho Superior Militar como órgão de concertação.
Em todo o caso, levanto o problema, com vista a uma cuidadosa análise das nossas posições.
Relativamente à proposta de alteração feita ao n.° 5 e apresentada também pelo PS, é óbvio que no n.° 5 da proposta de lei não havia a preocupação de excluir, no que quer que fosse, a competência de fiscalização da Assembleia da República. Havia, isso sim, a preocupação de explicitar um ponto — até aqui duvidoso — relativamente à competência do Governo.
Não me oponho a que se esclareçam igualmente as competências da Assembleia da República, mas creio que a redacção da proposta do PS não é talvez a melhor. Posteriormente, poderíamos pensar uma mais adequada e aperfeiçoada neste ponto.
Finalmente, quanto à proposta apresentada pelo CDS, julgo também que está de acordo com a melhor doutrina, uma vez que a execução orçamenta! não deve ser apenas fiscalizada pelo Governo, mas também orientada por ele, dentro dos princípios gerais que regulam a matéria.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao artigo 27.°
Em relação a este artigo, existe uma proposta de alteração da autoria do Partido Comunista Português.
Segundo esta proposta, pretende-se eliminar no n.° la expressão «bases gerais», bem como eliminar todo o conteúdo do n.° 2.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Este artigo foi por mim referido na intervenção que levei a efeito em sede de Plenário.
Parece-me que, tudo concluído, resultaria deste artigo que à Assembleia da República caberia uma competência vaga de definição das bases gerais do estatuto da condição militar e que a legislação referente a oficiais, sargentos e praças, no quadro definido por estatuto da condição militar — e é aqui que começa o vago — seria aprovada mediante decreto-lei.
O decreto-lei, diga-se em verdade, permitirá sempre que a Assembleia da República chame o decreto a ratificação.
Em todo o caso, não se nos afigura ser a mesma coisa ter a iniciativa e, originariamente, aprovar uma lei ou ter simplesmente o poder de ratificar um decreto-lei.
Por outro lado, dados os termos vagos desta redacção, poder-se-ia fazer daqui uma interpretação correcta, mas poder-se-iam igualmente exarar conclusões incorrectas e eventualmente contrárias ao espírito da Constituição.
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Pretendíamos que o que fique no artigo 27.° não possa jamais ser entendido como uma espécie de autorização legislativa sem prazo nem extensão definidos. Ficaríamos, caso contrário, sem saber o que será isto de «bases gerais do estatuto da condição militar».
Com este texto torna-se difícil darmos o nosso acordo, porque, na verdade, não sabemos com que é que estamos a concordar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que desta vez — e creio que pela primeira vez! — o Sr. Deputado Veiga de Oliveira se esqueceu de se referir nesta matéria à Constituição.
Se o Sr. Deputado Veiga de Oliveira estivesse de acordo, veríamos o artigo 168.°, n.° 1, alínea u), onde se diz que, salvo autorização ao Governo, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre «bases do regime e âmbito da função pública».
Não vou entrar aqui na discussão de saber se os militares são ou não elementos da função pública — admito que haja razões para que o não sejam—, mas poderemos talvez aceitar que, por analogia, se deve aplicar o mesmo regime.
Ora, se a Assembleia da República tem competência para legislar sobre as bases do regime da função pública, parece-me que, pelo menos por analogia, terá competência para legislar sobre as bases do regime da condição militar ou, numa expressão já mais duvidosa, que alguns utilizam, mas que eu não quereria utilizar, sobre as bases do regime da função pública militar.
Nessa matéria, Sr. Deputado — e aí a Constituição é mais generosa em relação ao Governo do que o Sr. Deputado estava a ser—, nessa matéria de bases do regime da função pública, a Constituição prevê a autorização legislativa ao Governo. Em tudo o que não sejam as bases desse regime conclui-se que a competência é exclusivamente do Governo.
O n.° 2 do artigo 27.° da proposta governamental não encerra uma autorização legislativa permanente, encerra, pelo contrário, a declaração do regime constitucional aplicável a esta matéria, não excluindo a possibilidade de no âmbito do n.° 1 se poder usar a figura de autorização legislativa.
Deste modo, salvo o devido respeito, creio que a única coisa passível aqui de alteração — para assim se sintonizar exactamente o preceito com a terminologia constitucional— seria no n.° 1, onde se diz «definição das bases gerais», se passar a dizer «definição das bases do regime da condição militar», ou «definição das bases do estatuto da condição militar», terminologias que, a meu ver, são idênticas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Naturalmente que as últimas observações do Sr. Vice-Primeiro--Ministro são de todo o modo pesadas, isto é, não se nos afiguram idênticas as expressões «bases gerais» e somente «bases». Convenhamos que o conceito de «bases gerais» implica a programação, a traço largo, daquilo que se pretende, enquanto que o conceito de «bases» é
tido geralmente como um instrumento bastante mais preciso.
Em todo o caso, não pretenderia entrar aqui em razões de hermenêutica, bem pelo contrário, faria um apelo à ponderação no tempo, ponderação sobre a nossa proposta de eliminação da palavra «gerais».
A questão que se nos põe só encontrará efectiva resposta quando a Assembleia da República concretizar as medidas do n.° 1 do artigo 27.°, isto é, a definição das bases do estatuto da condição militar. Obviamente que o conteúdo deste artigo 27.° se prende com o conteúdo que a Assembleia venha a dar à definição aqui prevista.
A dificuldade é simplesmente esta: dizer «bases do estatuto da condição militar» não é dizer suficientemente para que se saiba o que estamos a dizer. Daí insistirmos na nossa posição de não assentimento à aprovação deste artigo, embora possamos alterá-la, em função da aceitação ou não da nossa proposta de eliminação da palavra «gerais».
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas dois breves comentários a esta intervenção do Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
Se o Sr. Deputado tem quaisquer dúvidas quanto a este artigo, a verdade é esta: este artigo vem estender, por analogia, a competência de reserva relativa da lei atribuída no artigo 168.° à Assembleia da República. Se o não fizermos, ficará sempre em aberto a possibilidade da interpretação de que a alínea u) do n.° 1 do artigo 168.° não é aplicável e de que, portanto, toda esta matéria é da competência legislativa do Governo.
Ora, tal não é o propósito do Governo, e creio não ser igualmente o dos senhores deputados, pelo que talvez fosse útil aqui estipularmos qualquer coisa neste sentido. Não creio, no entanto, que se possa dizer mais do que aquilo que nos é dado extrair, por analogia, da Constituição.
Finalmente, um comentário: a afirmação que o Sr. Deputado fez de que este artigo é demasiado vago e só ganha conteúdo concreto depois de se saber o que a Assembleia da República legislou; tal afirmação é válida para todas as matérias incluídas no âmbito de aplicação do artigo 168.° da Constituição. Isto é, quando este artigo 168.° se refere às «bases gerais do regime e âmbito da função pública», às «bases da reforma agrária», etc, a observação do Sr. Deputado será válida em todos estes casos, pelo que não é invocável, a meu ver, contra a proposta do Governo. Não sei se o Sr. Deputado a quererá dirigir contra a Constituição...
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que esta matéria contida neste artigo 27.° não pode ser vista apenas na base de competências atribuídas constitucionalmente aos diferentes órgãos de soberania.
A citação da alínea u) do n.° 1 do artigo 168.° da Constituição, feita pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro, é pertinente — trata-se de matéria de competência exclusiva —, não implicando que, em termos de matéria de plano infe-
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rior, a competência não possa ser simultaneamente da Assembleia e do Governo.
Politicamente, esta matéria é melindrosa e polémica, melindrosa nomeadamente em relação às Forças Armadas, pelo que, mais do que o problema das competências constitucionais, o que aqui, de facto, interessaria é que não se houvesse de desencadear os mecanismos de ratificação em relação a este n.° 2, os quais poderiam ser desestabilizadores da instituição militar.
Concluindo, creio que, por critério politico, na minha opinião, o estatuto da condição militar, e não, digamos, as suas bases gerais, deveria ser discutido na Assembleia da República, naturalmente a partir de proposta do Governo.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, são 13 horas. A matéria referente a este capítulo ê ampla, vai até ao artigo 32.° Há nele artigos em relação aos quais surgem bastantes propostas de alteração, algumas das quais ainda estão a entrar na mesa. Se não apressarmos os trabalhos, correremos o risco de não concluirmos a discussão na especialidade na sexta-feira próxima.
Os trabalhos recomeçarão às 15 horas da tarde e, provavelmente, terão de se prolongar, excepcionalmente, um pouco para além das 20 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, apoio incondicionalmente o seu apelo à pontualidade, até porque sou uma das grandes vítimas da falta de pontualidade dos senhores deputados.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão suspensos os trabalhos.
Eram 13 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão reabertos os trabalhos da Comissão de Defesa Nacional.
Eram 15 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A questão que me faz regressar à polémica do artigo 27.° é a seguinte: há pouco, quando defendi a proposta que apresentámos, fui contraditado pelo Sr. Vice-Primeirc--Ministro, que me afirmou fundamentarem-se os n.os I e 2 do artigo 27.° da proposta de lei na aplicação da alínea «)don.° 1 do artigo 168." da Constituição.
Nessa base se concluía que, por um lado, a Assembleia da República não tinha mais que competência para definir as bases do regime e âmbito da função pública militar — embora se recusasse o emprego da expressão «função pública militar», por não se achar conveniente— e, por outro lado, uma vez que assim era, obviamente, caberia ao Governo o resto: aquilo que excedia as bases co regime e âmbito da função pública.
Conclui-se ainda que esta alínea u) susceptibilizava uma autoriação legislativa —o que é verdade—, pelo que as disposições do artigo 27.° da proposta de lei não correspondiam a qualquer expropriação das competências da Assembleia da República nesta matéria.
Finalmente, concluía-se que, caso aqui nada se dissesse em sede de lei de defesa, então depreender-se-ia
que do Governo dependeria ioda a matéria a este assunto referente.
Sucede, entretanto, que a Constituição, sem embargo de conferir ¿os militares unia situação paralela à dos funcionários públicos, quis que, para efeitos de funcionamento, organização e disciplina, as Forças Armadas fossem tidas, em matéria de legislação em condições diversas da restante função pública .
Entendemos que o que está na alínea n) do artigo 167.° da Constituição, quando este fala de «bases gerais da organização, do funcionamento e da disciplina das Forças Armadas», não pode ser senão justamente a questão também das carreiras, também dos direitos. Cremos que, uma.vez que se fala da disciplina, se fala, no fundo, na delimitação dos direitos, nesse sentido de funcionamento.
O que está na alínea n) do artigo 167." da Constituição só pode ter esta interpretação.
Em resumo, sendo certo que a Constituição não quer abrir um fosso entre o cidadão funcionário público civil e o cidadão militar, se torna mais exigente em matéria de estatuto militar que em matéria de estatuto civil, coloca na alínea u) do artigo 168.° da Constituição as bases do regime e âmbito da função pública e, em relação aos militares, estipula na alínea n) do artigo 167.° tratar-se da competência de reserva absoluta da Assembleia da República.
Daí a nossa proposta.
Após a nossa explicitação de agora, gostaríamos de voltar a ouvir as razões do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. ?3 O Sr. V£ce-Prlmsí70-R«!nistro e Ministro da Defesa NselocaC (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que tenho muitas dúvidas de que o estatuto dos militares — ou o estatuto da condição militar, como se diz na proposta de lei — caiba no conceito cie organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas. Julgo ter mais propriedade considerá-lo abrangido no conceito de função pública — directamente ou, pelo menos, por analogia. Vamcs admitir, contudo —sem conceder —, que a sede da matéria seria a alínea n) do artigo 167.° da Constituição e que, portanto, o estatuto da condição militar se inclui no conceito de organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas. Se assim for, a única coisa que é da exclusiva competência da Assembleia da República é legislar sobre as bases gerais dessa matéria, caso em que a redacção do n.° I do artigo 27.° estaria correcta — referindo-se à definição das bases gerais do estatuto da condição militar—, bem como estaria correcto igualmente o n.° 2, remetendo a legislação sobre os restantes aspectos, dentro do quadro definido por lei da Assembleia da República, para cecreto-lei. Suponho que ninguém duvidará de que o que não couber r.o conceito cie bases gerais da organização, funcionamento e disciplina ¿as Forças Armadas pode ser objecte ce legislação do Governo, por decreto-lei. Em resumo, se se reconduzir o estatuto da condição militar à organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas, estará correcta a redacção do artigo 27.°, ta! com está; se se reconduzir essa matéria ao regime de runção pública —embora por analogia—,
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então creio que haveria que eliminar o termo «gerais», deixando permanecer a palavra «bases», mas que também o resto estará correcto.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 28."
Para este artigo temos uma proposta de aditamento, apresentada pelo Partido Comunista Português, no sentido de que se adite no seu n.° 1 a expressão «precedendo parecer emitido por órgãos representativos eleitos» imediatamente a seguir à expressão «instituição militar»; pretende esta proposta ainda aditar um novo n.° 3, o qual apresentaria a seguinte matéria:
3 — As propostas referidas às promoções referidas no número anterior são apresentadas pelo chefe de estado-maior do respectivo ramo, precedendo parecer emitido por órgãos específicos, de que farão parte, obrigatoriamente, elementos eleitos.
Segue-se uma proposta de alteração da autoria da ASDI, proposta que é do seguinte teor:
1 — As promoções até ao posto de coronel ou de capitão-de-mar-e-guerra efectuam-se exclusivamente o âmbito da instituição militar.
2 — As promoções a que se refere o número anterior são efectivadas harmonizando critérios de antiguidade e competência, em termos a definir legislativamente, e implicam o parecer prévio dos conselhos das armas, serviços e ou especialidades, constituídas maioritariamente por membros eleitos.
3 — As deliberações acerca de promoções são definitivas e executórias e terão que ser fundamentadas.
Ainda apresentada pela ASDI, surge uma proposta relativa ao artigo 28-A, a qual se encontra redigida nos seguintes termos:
ARTIGO 28.»-A
1 — As promoções a oficial general ou de generais de qualquer dos ramos das Forças Armadas efectuam-se mediante deliberação do Conselho de Chefes de Estado-Maior, ouvidos os conselhos das armas, serviços e/ ou especialidades.
2 — A deliberação referida no número anterior carecerá, para se tornar executória, de confirmação do Conselho Superior de Defesa Nacional e será fundamentada.
Temos também uma proposta de eliminação da palavra «definitiva» no n.° 2 do artigo 27.° da proposta de lei,
proposta de eliminação aquela apresentada pelo MDP/CDE.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Faria, Sr. Presidente, antes da justificação da nossa, uma apreciação global a todas as outras propostas apresentadas pelos diferentes grupos parlamentares.
Creio existirem aqui propostas de duas naturezas distintas. Há, em primeiro lugar, propostas que visam consagrar a situação legal hoje existente, isto é, que as promoções até ao posto de coronel ou de capitão-de-mar-e--guerra se efectuem no âmbito da instituição militar e
que devem ter a audição de órgãos representativos por eleição interna.
Esta óptica corresponde, aliás, à afirmação do Sr. Vice-Primeiro-Ministro de que tal ê precisamente o sentido da expressão da proposta de lei, nos termos da legislação aplicável.
Seria preferível, já que se está a legislar para o futuro, usar uma formulação mais precisa do que esta e, nesse sentido, parece-me que a proposta da ASDI é a que melhor responderia, em termos de redacção, a este objectivo.
Depois há uma nova situação, esta referente às promoções a oficiais generais, isto é, brigadeiros e generais e aí, de facto, é introduzido um aspecto que já hoje existe, aspecto que se traduz na intervenção dos conselhos superiores do ramo.
Surgem, em segundo lugar, também propostas nas quais aparece um mecanismo de participação dos conselhos de armas, e/ ou especialidades.
Não concordamos com qualquer destes dois tipos de propostas, pois consideramos ser indispensável precisar a situação já existente em termos mais correctos que os expressos na proposta de lei. Julgamos útil avançar em termos desta ligeira inovação, pois pensamos serem estes os mecanismos capazes de assegurar a intenção governamental de preservação de aspectos de autonomia interna das Forças Armadas.
Quanto à nossa proposta, através dela preconizamos a eliminação da palavra «definitiva», porque julgamos existir uma contradição entre a utilização da expressão «deliberação definitiva» e o facto de depois a tornarmos não definitiva, através de um mecanismo executório, o qual não é um mecanismo simples e condicional, mas o mecanismo de uma segunda deliberação.
Em relação a esta matéria, cremos não haver conteúdo real para mecanismos de recurso e julgamos que esta contradição —que nos permitiria, humoristicamente, como outro dia o referi em Plenário, imaginar-se um general ou um brigadeiro em suspenso— deveria, pelas razões expostas, ser ultrapassada.
A eliminação da palavra «definitiva» resolveria tal contradição, isto é, haverá, de facto, uma deliberação do órgão militar competente, mas tal deliberação não tem forçosamente que ser adjectivada como «definitiva» — adjectivação que seria desnecessária — e só se tornará executória por sancionamento do Conselho Superior de Defesa Nacional. Este o sentido da nossa proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Temos 2 propostas, as duas com um sentido semelhante entre si.
Todos sabemos que hoje há, efectivamente, órgãos representativos eleitos nos ramos e nas armas, órgãos que participam no mecanismo das promoções até coronel ou capitão-de-mar-e-guerra.
Pelo menos na Marinha, segundo suponho, existem também já órgãos do tipo que aqui se propunham em relação aos oficiais generais.
Parece-nos ser esta uma forma de garantir o funcionamento democrático em torno das promoções, aspecto particularmente sensível, sem se pôr em causa qualquer dos princípios que habitualmente são defendidos em relação às Forças Armadas.
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O que se diz em sede do n.° 1 da nossa proposta destina-se a estabelecer a existência de um parecer emitido por órgãos representativos eleitos.
Nada mais dissemos sobre esses órgãos. Eles jà existem, tratar-se-ia apenas de em momento posterior estabelecer, através de legislação regulamentadora, as condições em que esses novos órgãos funcionariam.
Quando ao n.° 2 do artigo 28." da proposta de lei, devo chamar a atenção dos senhores deputados para o facto de em sede deste número se consagrar uma atribuição importante ao Conselho Superior de Defesa Nacional, matéria que gostaríamos de votar, como já o afirmámos, em momento posterior à votação da composição deste Conselho.
Também aqui a nossa proposta consome, de certa forma, outras propostas apresentadas, visto que, através dela, seria aditado um novo n.° 3, no corpo do qual se disporia matéria fundamentada no propósito de montar um esquema parecido com o que se encontra em funcionamento das Forças Armadas portuguesas.
Q Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sentido da nossa proposta vai na intenção de explicitar aquilo que, de algum modo, nos parece contido já no texto da proposta de lei.
O primeiro princípio seria o de que as promoções até ao posto de coronel ou de capitão-de-mar-e-guerra se efectuariam no âmbito da instituição militar, mas depois eram esclarecidas 2 ou 3 noções, todas fundamentais.
A primeira é a de que se exige o parecer prévio de órgãos, não o de quaisquer órgãos representativos, mas o dos conselhos das armas, serviços e ou especialidades. Não se trata, portanto, de órgãos novos, mas de órgãos fixados na própria terminologia legislativa.
Em segundo lugar, diz-se que tais órgãos são constituídos maioritariamente por membros eleitos, e explico que se diz «maioritariamente» porque, salvo erro, neste momento esses órgãos são constituídos apenas por 50% de membros eleitos. Inclusivamente, tenho dúvidas se na Marinha existem conselhos de especialidades, generalizadamente.
Portanto, quando se diz «maioritariamente» não se preconiza uma transição brusca do actual regime para o regime futuro, mas acentua-se a tendência para que a maior parte dos membros dos conselhos sejam eleitos.
O terceiro princípio consubstancia-se na ideia de que os critérios de promoção devem ser objectivos e tendem a resultar da harmonização de dois outros critérios: o da antiguidade e o da competência.
Finalmente, em sede de um novo n.° 3 dir-se-ia que as deliberações teriam que ser fundamentadas.
Relativamente ao artigo 28.°-A, também aí se trata, praticamente, de uma explicitação do contido no n.° 2 do artigo 28.° da proposta de lei. A única diferença, em relação ao artigo 28.°, que propomos para a substituição do constante da proposta de lei é o facto de se atribuir um carácter mais vago —propositadamente vago— à audição dos conselhos no caso das promoções a oficial general.
Enquanto que para as promoções até ao posto de coronel e capitão-de-mar-e-guerra se exige o parecer prévio, terminologia que confere um maior rigor, aqui exigir-se-ia, pura e simplesmente, a audição, permi-
tindo, assim, formas mais fluídas e mais elásticas para essa audição.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, entrou na mesa uma proposta de nova redacção para o n.° 1 do artigo 28.° da proposta de lei apresentada pela ASDI.
Esta proposta é a seguinte:
ARTIGO 28
1 — As promoções até ao posto de coronel e capitão-de-mar-e-guerra efectuam-se exclusivamente no âmbito da instituição militar, observando as funções dos conselhos de armas, serviços e/ou especialidades, nos termos da legislação aplicável.
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. Cesár Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando apresentei esta proposta da UEDS ao artigo 28.° desconhecia quer a proposta do Sr. Deputado Magalhães Mota, quer a proposta do Partido Socialista.
Acontece que não a irei retirar em favor das outras duas, porque, utilizando uma terminologia de intervenção menos comum, diria que o Governo e a maioria têm aqui três possíveis vias ligeiramente diferentes umas das outras perante as quais poderá pronunciar-se.
Se retirássemos a nossa proposta, a nossa conduta levaria a que fosse diminuído o leque das possibilidades de opção nesta matéria e inviabilizava a consagração neste diploma, nos termos da legislação aplicável, de algo que se traduz num instrumento importante.
Interpelava-me o Sr. Vice-Primeiro-Ministro em sede de Plenário sobre qual a verdadeira proposta da UEDS em relação a esta matéria. Respondo-lhe agora que uma das coisas que tenho a propor é exactamente isto, deixando larga latitude às várias hipóteses de composição.
Para nós o importante é que aqui se registe uma referência clara e específica, pelo menos em sede do n.° 1 do artigo 28.°, a esta matéria. Admito também que no n.° 2 se pudesse encontrar solução semelhante em relação aos conselhos superiores dos ramos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos ler a proposta de alteração apresentada pelo PS ao artigo 28.° da proposta de lei:
ARTIGO 28.«
1 — As promoções até ao posto de coronel ou capitão-de-mar-e-guerra efectuam-se exclusivamente no âmbito da instituição militar, ouvidos os conselhos de armas, serviços, classes e/ou especialidades, os quais deverão ser integrados, numa proporção não inferior a 50%, por membros eleitos e observando a sua competência, nos termos da legislação aplicável, designadamente o restante da condição militar.
2 — As promoções a oficial general ou de oficiais generais de qualquer dos ramos das Forças Armadas efectuam-se com audição dos conselhos superiores dos ramos, nos termos da lei, designadamente do estatuto da condição militar, mediante deliberação definitiva do Conselho de Chefes de Estado--Maior, que carecerá, para se tornar executória, da confiança do Conselho Superior de Defesa Nacional.
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Perguntaria ao Sr. Deputado João Cravinho se quer justificar.
O Sr. JoSo Cravinho (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: As nossas preocupações são, de um modo geral, idênticas às que aqui foram expressas.
O nosso objectivo fundamental foi o de explicitar melhor o conteúdo da proposta do Governo, tendo em conta a legislação em vigor nesta matéria, assegurando o mínimo de condições de democraticidade e pluralidade no processo das promoções e, por outro lado, tendo a preocupação de harmonizar as propostas de alteração introduzidas com o texto da proposta do Governo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Começaria por declarar, confirmando, aliás, o que foi dito por alguns senhores deputados, que não houve qualquer intenção por parte do Governo, na sua proposta, de eliminar a participação dos conselhos dos ramos, das armas, dos serviços ou das especialidades neste processo de promoções. Apenas se entendeu que, como essa matéria não era objecto de alteração, poderia dispensar-se a sua referência expressa e inclui-la numa remissão para a legislação aplicável. Isso explica, no n.° 1, a expressão «nos termos da legislação aplicável» e, no n.° 2 a expressão «nos termos da lei».
Mas, como já tive oportunidade de dizer no debate da generalidade em Plenário, não temos qualquer objecção a que se explicite o que estava implícito na referência à legislação aplicável.
Como fazê-lo? Em primeiro lugar, penso que seria mais correcto fazer uma referência aos órgãos competentes, mencionando a sua própria designação, em vez de se limitar a dizer que há órgãos com competência nessa matéria, não especificando quais. Penso que a especificação seria preferível.
Penso, em segundo lugar, que se justfica uma referência nesta lei à existência de elementos eleitos nos conselhos das armas, serviços ou especialidades, embora não nos conselhos superiores dos ramos, que são órgãos muito diferentes, com outra estrutura e funções.
Entendo que num artigo que se ocupa do processo das promoções não deveríamos introduzir elementos de regulamentação da composição desses órgãos. Portanto, as referências à presença de elementos eleitos em maioria, em 50% ou em número não inferior a este não se justificam neste preceito.
Também me parece, salvo o devido respeito, que não se justifica a referência aos critérios das promoções. Tra-tar-se-ia, necessariamente, de uma referência vaga, apenas apontando para a existência de critérios de antiguidade e de competência. Isto tem de ser regulado em termos mais desenvolvidos e precisos na legislação própria. Penso que aqui não viria a propósito fazê-lo.
Estaria de acordo, se se vir vantagem nisso, em separar o artigo 28.° em 2 artigos diferentes, como vem sugerido na proposta do Sr. Deputado Magalhães Mota.
Também concordo com a distinção que o Sr. Deputado Magalhães Mota propõe das duas formas de audição, conforme se trate de promoções até coronel ou capitão-de-mar-e-guerra ou de promoções a oficial general ou de oficiais generais.
Não me pronunciaria ainda sobre qual a melhor redacção para cada um destes preceitos. Deixaríamos para depois o estudo da forma mais correcta de os redigir.
Por último, gostaria de fazer um comentário à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Herberto Goulart. Do ponto de vista técnico-jurídico, o que aqui está na proposta de lei parece-me correcto. Os actos administrativos — e é o caso — ou são definitivos ou não definitivos, ou são executórios ou não executórios. E esta situação que aqui se prevê ê de actos que, sendo definitivos, ainda não são executórios, carecendo, para se tornarem executórios, da confirmação de um outro órgão.
Se a Comissão entender que para não fazer confusão aos não juristas que hão-de ler esta lei é preferível riscar a palavra «definitiva», embora esta seja a palavra correcta, apesar de ser especialista nesta matéria de direito administrativo, não me sentirei muito arrepiado...
Em todo o caso, preferia que a lei ficasse redigida com correcção técnica.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Segundo depreendo, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro propõe-se apresentar-nos, de acordo com as linhas do que aceita, uma redacção destinada a contemplar o que referiu na sua intervenção.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não me ofereci para o fazer, mas tenho muito gosto em corresponder à sugestão do Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Permitir-me-ia insistir em dois pontos que se me afiguram importantes.
Estou de acordo com o Sr. Vice-Primeiro-Ministro em que os critérios de antiguidade e competência, tal como se encontram definidos, são vagos. Simplesmente, marcam um balizar em relação à legislação que terá de explicitar não só estes como outros critérios. Marca, em todo o caso, um caminho a seguir e aponta 2 critérios, que são ambos de utilizar.
A segunda questão que pretendia retomar diz respeito à composição dos conselhos das armas, serviços e especialidades. E evidente que não vamos fixar neste momento e lugar a composição desses conselhos, mas temos que apontar a sua determinação, onde o número de membros eleitos seja metade ou superior a metade, dando assim ao conselho e ao seu parecer um peso de representatividade democrática completamente diferente da que teriam se nada disséssemos.
Preferia, portanto, que se apontasse desde já para uma noção de representatividade mínima que os conselhos deverão revestir, até para que o seu parecer se possa exercer no espírito do restante da lei.
O Sr. Presidente: — Artigo 29."
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
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O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não temos, e penso não haver, nenhuma proposta de alteração ou contribuição relativa ao artigo 29."
Apesar de ter feito serviço militar — durante 48 meses, 30 dos quais em Angola —, tenho aqui uma dúvida: o que é um comandante-chefe? Identifico alguns, mas parece-me que não consigo identificar todos. O comandante de uma região militar é um comandante-chefe?
Pedia ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro para elencar os comandantes-chef es.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nactoael (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quanto à definição, o comandante--chefe é aquele que tem sob o seu comando mais que um ramo das Forças Armadas.
Quanto ao elenco, na actualidade há apenas 2 — dos Açores e da Madeira. No passado recente, sempre que houve teatro de operações, houve um comandante--chefe.
O que se prevê neste momento é que continuem a existir estes dois em tempo de paz e, se houver situação de guerra, poderá haver designação de comandantes--chefes para o teatro das operações.
Os comandantes das regiões militares não são coman-dantes-chefes porque pertencem apenas ao Exército.
Relativamente ao artigo 29.°, aproveitaria a oportunidade para fazer 2 sugestões de proposta, no caso de alguém as fazer suas.
A primeira é apenas a correcção de uma gralha: no n.° 4, 2.* linha, há um ponto de interrogação que, obviamente, está a mais.
No que diz respeito à segunda —essa mais importante—, vem na sequência de uma resposta afirmativa do Governo a uma pergunta do Sr. Deputado José Luis Nunes, que pensei vir a traduzir-se numa proposta de alteração, mas que ainda não foi apresentada. Trata-se de alterar a redacção deste n.° 4 no sentido de alargar o sistema que aqui vem proposto a todos os casos em que houvesse nomeação de oficiais portugueses para cargos internacionais.
O Sr. Presidente: — Peço desculpa, mas na documentação do Sr. Deputado José Luís Nunes está uma proposta dos Srs. Deputados do PS, que passaria a ler:
1 — A nomeação e a exoneração de oficiais generais para os altos cargos militares, com excepção do Chefe do Estado-Maior-General, dos chefes de estado-maior e do Vice-Chefe do Estado-Maior--General, ou para cargos de comando em qualquer dos ramos das Forças Armadas efectuam-se mediante deliberação do Conselho Superior de Defesa Nacional, sob proposta do respectivo chefe de estado-maior.
2 — A nomeação e a exoneração do representante militar nacional na OTAN, bem como a indicação do oficial português como comandante--chefe do CIMCIBERLAND, em Oeiras, efectuam-se mediante deliberação do Conselho Superior de Defesa Nacional, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior, apresentada pelo Ministro da Defesa Nacional.
3 — Todas as restantes nomeações e exonerações de oficiais para cargos de comando em qualquer dos ramos das Forças Armadas efectuam-se exclusivamente por decisão definitiva e executória do respectivo chefe de estado-maior, nos termos da lei.
Voz não identificada.
O Sr. Presidente: — Então passaremos à frente e, como temos os artigos 18." e 19." para debater, vertamos também este artigo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Trata-se apenas de uma dúvida que gostaria de ver esclarecida.
O conceito de comandante-chefe tem maior conteúdo operacional, justif icando-se bastante mais o seu emprego numa fase de conflito do que numa outra fase.
Pergunto-me, portanto, se em tempo de paz se justificará e porquê a designação de comandantes-chefes com funções de coordenação dos três ramos das Forças Armadas.
A Constituição de 1838, por exemplo, proibia expressamente a existência de comandantes-chefes em tempo de paz no § 7.° do seu artigo 74.°. Estou a recordar-me da expressão da época, perguntando-me se, de facto, tem uma justificação absoluta e total e se haverá vantagens na existência deste cargo.
Se me pudessem ser dados alguns esclarecimentos sobre a justificação e o conteúdo desta função em tempo de paz, em face deles, gostaria de ponderar o assunto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro ds Eeíasa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Gostaria de pedir que me fosse consentido reservar para um momento ulterior uma resposta cabal à pergunta do Sr. Deputado Magalhães Mota, porque não tenho, pessoalmente, informações completas sobre a matéria.
Julgo, no entanto, saber que a razão fundamental se prende com a descontinuidade geográfica dos territórios insulares e com a necessidade daí decorrente de uma coordenação in loco da actuação dos três ramos das Forças Armadas.
Seja como for, vou procurar uma informação mais completa e trazê-la-ia aqui oportunamente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): — Irei tentar explicar a filosofia geral da nossa proposta relativa ao artigo 29."
No que toca a promoções, pensamos que, tanto quanto possível, elas se devem verificar no interior da instituição militar. Trata-se de gerir carreiras, de acordo com critérios que são específicos, e, uma vez obtidas as garantias necessárias, em termos do estatuto da condição militar e em termos de direito de vista do processo, bem como do princípio da não discriminação, pensamos que a instituição militar estará em condições de proceder á gestão das carreiras de modo adequado.
No que diz respeito a nomeações e exonerações, o problema é um pouco mais complexo, visto que, por força do artigo 42.°, há pouco citado, há uma grande responsabilidade cometida ao Governo e, por força de dispo-
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sições várias referentes ao Conselho Superior de Defesa Nacional, também se verifica que este assume responsabilidades bastante latas em matéria que se prende com questões operacionais.
Nestas circunstâncias, a nomeação e a exoneração de oficiais generais, com excepção dos altos cargos que estão expressamente mencionados na lei —nomeadamente Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, chefes de estado-maior dos ramos e Vice--Chefe do Estado-Maior-General —, para os altos cargos e para os comandos devem ser acauteladas, no sentido de se fazerem sob proposta dos chefes de estado-maior dos ramos —isso é uma condição lógica—, mas não sob a sua exclusiva responsabilidade.
Mantém-se, assim, a ideia de que os chefes de estado--maior têm uma palavra extremamente importante na escolha destes oficiais generais, mas que se trata de uma competência que deve caber ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
Aliás, em termos de direito comparado —como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro reconheceu na sua memória justificativa —, é este o procedimento geralmente adoptado, quando não se vai mesmo ao ponto de atribuir competências ao próprio Conselho de Ministros.
Relativamente ao n.° 1, nada mais preciso de acrescentar.
Quanto ao n.° 2, esta redacção é defeituosa, visto que foi transcrita e adaptada do artigo 29.° da proposta governamental. Talvez fosse de prever com maior generalidade situações idênticas, nomeadamente quanto à referência expressa ao oficial português como comandante-chefe do CIMCIBERLAND. Isto é, poderá haver oficiais generais portugueses designados para comandos no âmbito da OTAN.
Portanto, talvez fosse de adoptar uma redacção que se dirigisse à generalidade. O meu camarada José Luis Nunes está a redigir um proposta nesse sentido.
Quanto ao n.° 3, mantém-se o que estava estabelecido na actual proposta, já que não se vê razão alguma para que haja qualquer outra interferência.
O caso dos altos cargos militares, com a excepção dos que já foram referidos, que têm processo de nomeação específico, e dos comandos entregues a oficiais generais tem todo o interesse que seja feito sob proposta dos chefes dos ramos, mas decidido pelo Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Sr. Presidente: — De acordo com as informações que agora nos foram prestadas, o Sr. Deputado José Luís Nunes está a reelaborar a proposta em termos que não serão apenas de redacção.
De qualquer maneira, não sei se o Sr. Vice-Primeiro-•Ministro se deseja pronunciar.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Sem repetir as considerações que anteriormente fiz sobre esta matéria, gostaria de apresentar um ou dois comentários à intervenção do Sr. Deputado João Cravinho.
Em primeiro lugar, a atribuição da nomeação e da exoneração de oficiais generais para altos cargos militares, exceptuando os que têm outras competências, nos termos da Constituição, ao Conselho Superior de Defesa Nacional suscita diversas dificuldades.
Uma primeira, que, não sendo a mais importante, em todo o caso, existe, é de natureza jurídica e constitu-
cional. O Conselho Superior de Defesa é presidido pelo Presidente da República. As suas deliberações definitivas e executórias, de carácter administrativo, teriam de ser assinadas pelo Presidente da República. E dos actos do Presidente da República não cabe, em princípio, recurso contencioso para nenhum tribunal. Isto introduziria pela primeira vez no direito constitucional português uma distorção que seria difícil enquadrar nos princípios da nossa Constituição. É por isso que em toda a proposta de lei não se encontra um único caso em que uma decisão definitiva de carácter administrativo seja imputada à competência do Conselho Superior de Defesa Nacional. Este aparece, para além das suas funções consultivas, a confirmar decisões de outrem, o que permite que os recursos contenciosos sejam interpostos dos actos praticados por outros órgãos que não o Conselho Superior de Defesa.
A segunda dificuldade é de carácter operacional ou de eficiência. Durante a preparação desta proposta de lei fez-se um exercício para ver o que é que daria a atribuição ao Conselho Superior de Defesa Nacional ou ao Conselho de Ministros —o que também foi pensado como hipótese —' destas competências para nomear e exonerar oficiais generais para cargos militares ou para funções de comando em qualquer ramo das Forças Armadas. Chegou-se à conclusão de que a lista, não sendo infindável, era no entanto, de tal maneira extensa e apontava para tantas dezenas de funções que tornaria absolutamente impossível compatibilizar isso com o princípio de uma reunião mensal, ou de 2 em 2 meses, do Conselho Superior de Defesa Nacional.
A terceira dificuldade é de carácter doutrinário. Tem-se entendido no nosso país — bem sei que apenas após o 25 de Abril, mas tem sido essa a doutrina que tem sido professada e ensinada — que a nomeação e a exoneração para cargos de comando são uma prerrogativa do comando. Por conseguinte, penso que, se nesta matéria se introduzirem alterações demasiado bruscas relativamente ao regime anterior, se pode correr o risco de provocar traumatismos numa evolução que se desejaria se processasse sem eles.
Foi por isso que na proposta do Governo se apresentaram as soluções que constam do artigo 29.° e que, no fundo, apontam para a atribuição aos chefes de estado--maior da competência de nomeação como prerrogativa do seu comando, embora em alguns casos, que poderiam, aliás, ser alargados, se faça depender essa nomeação da confirmação do Conselho Superior de Defesa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): — Sr. Vice-Primeiro-Ministro, em relação à primeira dificuldade, confesso que, sendo matéria jurídica, não me queria pronunciar sobre ela. Suponho, em todo o caso, que haverá uma solução no âmbito de alguma alteração a esta proposta. Apesar de ser presidido pelo Presidente da República, deverá ser possível encontrar uma solução.
No caso de isso não ser possível — é matéria sobre a qual só posso oferecer a minha ignorância—, resta a solução de conferir esta competência ao Conselho de Ministros, a exemplo do que sucede em quase todos os países. Não seria difícil fazer compreender aos nossos colegas no hemiciclo ou às Forças Armadas que estamos a adoptar uma solução de completíssima normalidade.
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Teremos de justificar, sim, a anormalidade de não adoptarmos essa solução.
Quanto à segunda dificuldade, parece-me que as soluções contempladas na proposta e no nosso projecto de emenda são substancialmente diferentes. Como se poderá verificar, no nosso projecto trata-se de nomeações e exonerações de oficiais generais, ao passo que na proposta de lei se trata de nomeações e exonerações de oficiais para cargos de comando, o que envolve comandantes de unidade, etc. Julgo até que, por razões ligadas à própria natureza da instituição militar, não deveriam ser atribuídas nem ao Conselho Superior de Defesa nem ao Conselho de Ministros. No caso de nomeação exclusivamente de oficiais generais, o reduzido número de oficiais generais que deveremos ter para o reduzido número de cargos envolvidos não gera qualquer objecção.
Quanto à terceira dificuldade —a nomeação para cargo de comando ser uma prerrogativa do comando—, poderá ser uma ideia que se criou depois do 25 de Abril. Mas, por força da argumentação que já expendi a propósito da primeira objecção, é evidente que, se a nomeação fosse uma boa prerrogativa do comando, teríamos de concluir que os exércitos de quase todo o Mundo estão mal comandados e apenas em Portugal estariam bem. Embora os chefes militares possam invocar essa situação, ela é de tal maneira absurda que espero que não haja qualquer chefe militar que nos queira dizer que passaríamos a ser o único exército da Europa Ocidental bem comandado, enquanto todos os outros estariam mal comandados, na medida em que as prerrogativas de comando não seriam exercidas.
Seria uma originalidade que não ficaria bem invocar a nenhum chefe militar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Gostaria de fazer dois rápidos comentários à intervenção do Sr. Deputado João Cravinho.
Em primeiro lugar, a Constituição Portuguesa prevê, no seu artigo 202.°, alínea e), que a nomeação ou a promoção de agentes do Estado possa não competir ao Governo e ser atribuída a outros órgãos do Estado. Portanto, o facto de na proposta se prever que essas competências não pertençam ao Governo nada tem de estranho, mesmo à face da Constituição Portuguesa.
Em segundo lugar, suponho que o Sr. Deputado está equivocado e que é precisamente o contrário do que diz. O que existe na generalidade, se não na totalidade, dos países democráticos, designadamente na Europa, è a competência do Conselho de Ministros para as promoções a oficial general ou de oficiais generais, não para a colocação em funções de comando militares. O que é regra é a intervenção do Conselho de Ministros para as promoções; o que ê excepção é a intervenção do Conselho de Ministros para as colocações.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): — Queria dizer que a cumulação dessas duas situações não é do interesse nem do Estado nem da democracia, por razões óbvias.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Minisíro èa IUefasa Nacional (Freitas do Amaral): — Queria perguntar ao Sr. Deputado se poderia esclarecer, porque, sinceramente, não percebo. Não sei a que situações se está, concretamente, a referir!
O Sr. JoSo Cravinho (PS): — O facto de as promoções a oficial general competirem, na economia da proposta, à própria instituição militar, embora sujeitas a confirmação e aos termos da lei...
Vozes.
O Orador: — Como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro acabou de salientar, esta proposta contém um regime de promoções. Supondo que a mesma faz vencimento, o regime que consagra faz excepção ao que se encontra noutros países da Europa Ocidental.
Se sobre esse regime de excepção formos construir um esquema de nomeação de comandos, embora possa ser curial, irá dar um sentido geral ao funcionamento, uma carga política diferente e uma concepção de cadeia de comando, de lealdades, de responsabilidades, coisas que todos sabemos como se desenvolvem.
Se acumularmos o regime excepcional de promoções, que terá a sua justificação em situações particulares, que devemos defrontar com bom senso, ponderação e dentro de um espírito que todos temos presente, com uma teoria geral, alegando que nós teríamos que situar dentro da tal doutrina das prerrogativas de comando, o resultado final seria uma situação perigosa para a democracia e para os interesses do Estado. Como são esses que nos guiam, e não a adesão firme, nuns casos, ao que é normal nuns países, com a ideia de, noutros casos, fazermos total excepção, consoante nem sei bem o quê, pois não foi aqui explicitado, considero que a cumulação desse tal regime excepcional de promoções com este regime, o qual tenho dúvidas de que seja curial —julgo, pelo menos, que há muitos países onde há excepções nas nomeações dos altos cargos militares, sendo da competência de órgãos que transcendem a pura instituição militar—, ainda por cima personalizado na vontade de um chefe de estado-maior, é um cocktail altamente explosivo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Mõrafetan» da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Queria pedir mais um esclarecimento ao Sr. Deputado. Gostaria que concretizasse a sua insinuação relativamente a intenções do Governo que não teriam sido devidamente explicitadas.
O Sr. João Cravinho (PS): — Não se trata de uma insinuação, Sr. Vice-Primeiro-Ministro. O debate decorre em termos cordiais...
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Decorria, Sr. Deputado.
O Orador: — E, da minha parte desejarei que assim se mantenha.
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Não vejo, porém, justificação neste texto, nem na sua memória justificativa, nem no debate em Plenário, para se poder entender por que razão é que esta situação absolutamente excepcional no caso português se deva manter.
Todos percebemos a delicadeza do problema. Simplesmente, não podemos deixar de ponderar que, se há assuntos que não se discutem extensamente, isso deve-se ao fundo da própria questão. Se para além desse fundo algo mais existir, será bom que se prestem as justificações necessárias.
Queria assegurar ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro que tenho a consciência de que esta é talvez a lei mais importante que foi discutida nesta Assembleia. Conheço bem os seus melindres. Não tenho intenção de ferir no que quer que seja a criação de condições absolutamente essenciais para que um debate desta importância decorra com a maior cordialidade.
Queria, pois, que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro interpretasse estas minhas palavras como a garantia de que assim seja. E, se alguma coisa induzir a outra conclusão, queria assegurar-lhe que não foi minha intenção e pedir-lhe que não leve em conta qualquer outra interpretação, que não é, com certeza, a minha.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Desde o início da apresentação desta proposta de lei todos estamos cientes da razão deste desdobramento entre as decisões definitivas e a transferência, sob a forma de confirmação, da executoriedade das mesmas para o Conselho Superior de Defesa Nacional. Percebemos qual o obstáculo que se procurou rodear.
Quanto a isso, não temos nada a objectar, embora possamos adoptar uma ou outra posição, consoante o conteúdo do próprio esquema. Não é o esquema que nos perturba, mas o seu conteúdo.
Em relação a este artigo, gostaria de chamar mais uma vez a atenção para que aqui se conferem competências importantes ao Conselho Superior de Defesa Nacional e que reservaríamos a nossa posição sobre estas matérias para depois do conhecimento da sua composição.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa: Queria dizer-lhe, em primeiro lugar, que esta nossa proposta e a posição que está contida na proposta governamental dependeram de uma questão que foi debatida durante a nossa reunião de ontem e que tem a ver com a noção de comando das Forças Armadas.
Em nosso entender, é da consagração ou não no diploma desse conceito que decorre um conjunto de opções quanto a toda a matéria subsequente.
Em segundo lugar, gostaria de sublinhar que nos parece irracional que o Conselho Superior de Defesa Nacional tenha papel e interferência final e executória no que se refere ao processo de promoção dos oficiais generais e nada tenha a ver com a nomeação desses mesmos oficiais generais para funções de comando. Parece-nos que há aqui uma discrepência de tratamento que só pode ser entendida como diminuição da própria capacidade
de comando e da independência nas funções de comando por parte dos oficiais generais.
Em terceiro lugar, queria dizer que em França, por exemplo, a designação dos oficiais generais para comandantes de teatros de operações é decidida per decreto, o que significa que é uma medida governamental. Não é decidida em termos de cadeia de comando que envolva os chefes de estado-maior, porque, em França, estes não são considerados o topo da cadeia de comando em situação de paz, com excepção do Chefe do Estado--Maior-General das Forças Armadas em situação de guerra.
Em último lugar, esta nomeação dos oficiais generais para comandantes de teatros de operações está intimamente ligada ao conceito de carta de comando. E das duas uma: ou, segundo a economia deste diploma, nas cartas de comando não há nenhuma intervenção do poder político, o que nos parece errado, ou há uma intervenção deste através do Conselho Superior de Defesa Nacional. Nesse caso, seria contraditório que c Conselho Superior de Defesa Nacional interviesse na fixação dos termos das cartas de comando e não tivesse qualquer interferência no processo de nomeação dos generais comandantes dos teatros de operações.
Mas esta matéria está ligada à discussão de ontem — o que representa o conceito de comando das Forças Armadas, se é que ele existe em legislação congénere, se é que ele existe em termos de direito comparado, e o que significa a sua introdução no direito militar por um acto muito recente do Conselho da Revolução.
Estamos a discutir esta matéria cem inteira liberdade e não gostaríamos de nos transformar numa câmara de ressonância de legislação feita muito recentemente e em época de cessação de funções por parte dc Conseiho tía Revolução.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Mtaisír® da HMesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queria chamar a atenção para o facto de que no preceito desta proposta de lei onde se faz referência às cartas de comando e que apenas vem referido para a situação de guerra —o que talvez seja uma lacuna, sendo necessário prever-se cartas de comando para outras hipóteses— não creio que exista a discrepância que o Sr. Deputado Jaime Gama pretendeu fazer surgir, na medida em que tanto a aprovação das cartas de comando como a confirmação dos corr.andantes--chefes vem ao Conselho Superior de Defesa. Trata-se, salvo erro, do artigo 62."
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Permita-me que enxerte uma pequena nota. Actualmente, as cartas de comando são assinadas também pelo Primeiro-Ministro. Não veria vantagem em que se mantivesse esse princípio, até pela solenidade que a assinatura do Primeiro--Ministro confere?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Queria pedir apenas um
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esclarecimento. O meu entendimento do artigo 62." é que o Conselho Superior de Defesa Nacional aprova as cartas de comando destinadas aos comandantes-chefes em estado de guerra. Não o faz em circunstâncias normais. Dai a razão de ser da minha intervenção.
Com efeito, parece-nos que, sendo os oficiais generais objecto de um processo especial de promoção que faz interferir conjuntamente a estrutura politica, através do Conselho Superior de Defesa Nacional, seria desfasado não introduzir o paralelismo para a sua designação enquanto detentores de poderes de comando. Isso poderia até ser interpretado como uma diminuição do próprio estatuto de oficiais generais, que seriam promovidos de acordo com um sistema e nomeados de acordo com outro hierarquicamente inferior, em termos de orgânica de lei de defesa.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estamos a aguardar a proposta que está a ser fotocopiada. Penso que não deverá demorar muito tempo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luis Nunes (PS): — A proposta que está a ser fotocopiada já foi discutida, embora com uma redacção singularmente diferente, de forma a abstracti-zar determinados pormenores que estavam concretizados.
Com efeito, abstractizamos o n.° 2, não falando em OTAN nem em CIMCIBERLAND, mas generalizando para qualquer aliança de que Portugal faça parte, e Portugal pode fazer parte de outra qualquer aliança, nomeadamente em sistemas de coordenação europeus ou regionais, por exemplo na união da Europa Ocidental.
Penso, portanto, que podemos passar à frente e lê-la na altura própria, se assim o entender o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Passaríamos então ao artigo seguinte. Como restam alguns artigos, aos quais temos que voltar, ver-se-ia da oportunidade de regressar ao debate deste artigo.
Aproveitando o facto de estar a ser distribuída, vou ler a proposta, na sua última formulação:
1 — A nomeação e a exoneração de oficiais generais para os altos cargos militares ou de comando em qualquer dos ramos das Forças Armadas efectuam-se mediante deliberação do Conselho Superior de Defesa Nacional, sob proposta do respectivo chefe de estado-maior.
2 — A nomeação e exoneração de representantes militares ou de oficiais com funções de comando junto da organização de quaisquer alianças de que Portugal seja parte efectuam-se mediante deliberação do Conselho Superior de Defesa Nacional, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior.
3 — As nomeações e exonerações de oficiais para cargos de comando em qualquer dos ramos das Forças Armadas não incluídas nos n.os 1 e 2 efectuam-se mediante deliberação do respectivo chefe de estado-maior.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaune Gama (PS): — Trata-se de um aspecto de pormenor. Queria realçar que em sede de redacção temos que acautelar um facto: é que este artigo 29.°, tal como está redigido, apenas prevê a situação estática de
haver comandos de ramos separados. Talvez fosse necessário salvaguardar a hipótese da existência de comandos conjuntos, cu interforças, não ao nível dos comandos chefes, mas de outros.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Gostaria de ouvir a opinião do Sr. Vice-Primeiro-Ministro sobre esta última proposta. Como foram apresentados sucessivos textos, receio não poder informar ninguém, porque eu próprio a desconheço, sobre a opinião do Governo.
O Sr. Presidente: — Antes disso, porém, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Megalhès Mota (ASDI): — Relativamente a esta proposta que acabou de ser apresentada, impressionou-me o argumento que foi há pouco invocado pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro, de acordo com o qual não seriam atribuídas competências deliberativas ao Conselho Superior de Defesa Nacional, porque o facto de ser presidido pelo Presidente da República impediria que as suas deliberações fossem recorríveis.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Minfstro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Eu não disse isso, Sr. Deputado. Apenas afirmei que não me parecia que se pudessem atribuir ao Conselho Superior de Defesa Nacional competências deliberativas que envolvessem a prática de actos administrativos definitivos e executórios e, portanto, recorríveis contenciosamente.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado quer continuar a sua intervenção?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Penso que o problema da nomeação e da exoneração, tal como consta da proposta agora apresentada pelo PS, não seria um acto administrativo susceptível de recurso.
A questão não se coloca, portanto, neste caso concreto. Pode, pois, ser clarificada pacificamente, já que não creio que caiba em nenhuma das interpretações a ideia de entender recorrível a nomeação de alguém para determinado posto de comando.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. V^-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
NecioraD (Freitas do Amaral): — Salvo o devido respeito, é precisamente o contrário; são, obviamente, actos administrativos definitivos e executórios e, portanto, recorríveis, nos termos da Constituição. Mas a Comissão decidirá como melhor entender.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — É evidente que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro tem razão quando diz que são actos administrativos definitivos e executórios. Mas para o recurso de um acto definitivo e executório não é só
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essa característica que é fundamental, mas também a característica da legitimidade. Ora, seria imediatamente indeferido um recurso desse estilo com fundamento em ilegitimidade. Se é possível recorrer da não promoção a um posto, já não é possível recorrer da não nomeação, para a qual não há legitimidade.
É neste sentido que penso que, de certa maneira, podem coincidir a posição expressa pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro e pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Presidente: — Tem a palawa o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de ©ílveíra (PCP): — Há pouco pedi uma opinião clara ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro sobre esta proposta. Talvez este meu pedido lhe tenha passado com esta troca de impressões.
O Sr. Vlce-Pritceizo-RGiaiLStas a RÇikíotec da EMesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tal como resulta da minha intervenção, a minha posição é contrária à proposta do PS.
Mas a Comissão decidirá como entender, no uso da absoluta liberdade que possui, como já foi aqui recordado, aliás escusadamente.
O Sr. Presiáscts: — Em relação ac artigc 30.°, não há qualquer proposta de alteração.
Relativamente ao artigo 28.°, tinha sido apresentada uma nova proposta e agora a ASDI apresentou ainda outra.
Se é isso que pretendem, então antes ce passarmos ao artigo 31." leria as duas propostas que entraram na mesa e que se reportam ao artigo 28."
A primeira é uma proposta do PS relativa aos n.os 3 e4:
3 — Nenhum militar poderá ser prejudicado na sua carreira em razão da ascendência, raça, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, situação económica ou condição social.
4 — Dos actos definitivos e executórios que decidam da não promoção de um militar a qualquer posto cabe sempre recurso para o Supremo Tribunal Militar, a interpor no prazo de 30 dias contados a partir da notificação ao interessado, tendo o recorrente direito à consulta do respectivo processo individual e que será sempre junto acs autos de recurso pela autoridade recorrida.
Há outra proposta apresentada peio Sr. Deputado Magalhães Mota, que seria um outro artigo a seguir ao artigo 28.°, do seguinte teor:
Dos actos definitivos e executórios que decidam da promoção ou não promoção de um militar a qualquer posto cabe sempre recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Icsé luís Nunes.
O Sr. José Luís Nuasa (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: No n.° 3 estatui-se uma definição, de resto constitucional, relativa a direitos individuais, dentro do princípio geral de que ninguém pcds ser prejudicado ou beneficiado na sua carreira por razões de
ascendência, raça, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, situação económica ou condição social.
Estes princípios são constitucionais. Impõem-se por si. A sua inclusão nesta lei terá ainda um ponto fundamental de justificação, quando ê certo que vamos ter como nossos concidadãos portugueses originários de Africa que optaram pela nacionalidade portuguesa.
Parece justo enunciar um princípio geral em relação a essa matéria.
Quando se enuncia o princípio do recurso, definem-se três princípios: um, que poderia não constar deste texto, mas que foi aqui colocado intencionalmente. É o prazo de 30 dias. Como se sabe, é o prazo genérico do artigo 51." ou 52.° do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, e está aqui porque se entende que, dado o destino importante que esta lei tem, é melhor que o seu destinatário tome conhecimento do facto na própria lei e não tenha necessidade de consultar outro diploma para o conhecer. Embora sendo desnecessário em termos gerais, afigurou-se como conveniente ser aqui colocado.
Em segundo lugar, há o problema do direito de consulta ao respectivo processo. Entende-se por este princípio a consulta ao respectivo processo na integralidade. Isto significa que a consulta diz respeito às informações positivas e negativas. Actualmente, apenas respeita às negativas. Ora, a vida de um homem é global. Uma informação negativa pode ser compensada por uma informação positiva, e vice-versa. Uma informação negativa é um acto de qualificação jurídica, e não um acto de facto. Por exemplo, no dia 18 de Março de 1974 ter colaborado no golpe das Caldas era uma informação negativa e no dia 25 de Abril de 1974 passou a ser uma informação positiva (pelo menos para alguns).
Portanto, não vem ao caso a qualificação de informação positiva ou negativa.
No que respeita ao processo, diz-se que o processo individual será sempre junto aos autos de recurso pela autoridade recorrida. Geralmente, isto acontece quando no processo administrativo se requer a junção aos autos do processo instrutor.
Penso, de qualquer forma, que é positivo que aqui fique para evitar qualquer espécie de discussões.
Importa, finalmente, sublinhar que a diferença que existe entre a nossa proposta e a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota reside no princípio de recurso para o tribunal ad quaem — qual será o tribunal para que se deve interpor recurso. Penso que neste momento e na lógica desta lei deve ser o Supremo Tribunal Militar.
Vários motivos justificam esta posição. Em primeiro lugar, não creio que o Supremo Tribunal Administrativo dê mais garantias que o Supremo Tribunal Militar, ou vice-versa. Infelizmente, a minha vida profissional como advogado ensinou-me que esse tipo de tribunais administrativos julga sempre de acordo com o poder que está. As ilusões que sobre isso possuía perdi-as há muito tempo.
Em segundo lugar, o recurso para o Supremo Tribunal Militar é o recurso para o tribunal institucional da instituição militar. Qualquer modificação nesta matéria deverá ser enquadrada numa visão global que inclua e enquadre todos os problemas, não podendo introduzir-se elementos estranhos na sistemática do discurso e da hierarquia militar.
Em terceiro lugar, o recurso para o Supremo Tribunal
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Militar tem uma vantagem: é a possibilidade do uso pelo Supremo Tribunal Militar de um conhecimento que é público e notório, onde essa publicidade e notoriedade é em relação a oficiais do Exército, mais comuns e possíveis no Supremo Tribunal Militar que no Supremo Tribunal Administrativo.
Em quarto e último lugar, o Supremo Tribunal Administrativo julga com direito a custas e o Supremo Tribunal Militar julga sem custas.
São estas as razões de fundo. De todas elas a mais importante é a sistemática, alicerçada na visão de que este problema de tribunais de recurso só pode ser enquadrado dentro de um plano global, e não resolvido em cada caso concreto. Foi por isso que optámos pelo Supremo Tribunal Militar como instância de recurso.
Uma última razão e também importante é a de que esta alteração corresponde a uma certa filosofía subjacente a esta lei e que, dentro de um princípio sistemático, importa respeitar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Apreciando conjuntamente as duas propostas, começaria por manifestar a minha discordância em relação à proposta do PS nos seus dois números.
O primeiro número afigura-se-me inútil face ao disposto no artigo 13.° da Constituição. É uma garantia genérica dos cidadãos que está aqui repetida. Não creio que valha a pena a sua reprodução a propósito das Forças Armadas.
Em relação à competência do Supremo Tribunal Militar — abordando aqui as duas propostas—, não creio que seja útil que o recurso dos actos definitivos e executórios relativos a promoções seja entregue ao Supremo Tribunal Militar. Pelo contrário, prefiro que seja entregue ao Supremo Tribunal Administrativo.
Não porque tenha qualquer parti pris em relação a qualquer dos tribunais, mas porque penso que a decisão entregue ao Supremo Tribunal Administrativo corresponde melhor ao espirito da organização judicial, tal como é definida na Constituição (artigos 212.° e 218.°), que aponta para uma acção específica e bem delimitada dos tribunais militares, nada tendo a ver com estes casos.
Em segundo lugar, o facto de o Supremo Tribunal Administrativo não conhecer os tais factos notórios e ser exclusivamente motivado na sua decisão pela apreciação da legalidade da promoção é para mim um argumento a favor de que seja o Supremo Tribunal Administrativo, e não o Supremo Tribunal Militar, a pronunciar-se sobre a questão.
O que está em causa é a mera apreciação da legalidade de uma decisão, dos vícios que poderão inquiná-la. Não mais que isso. O tribunal não vai promover uma nova decisão. Vai, quando muito, anular a decisão tomada, por ela estar inquinada por qualquer vício, e isso caberá muito mais na competência do Supremo Tribunal Administrativo do que na do Supremo Tribunal Militar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nscüocie! (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queria dizer que, na generalidade, con-
cordo com a proposta apresentada pelo PS para o artigo 28.°
Faria apenas duas observações de especialidade. Quanto à redacção do n.° 3, há, pelo menos, duas-diferenças em relação ao texto do artigo 13.°, n.° 2, da Constituição. Gostaria de perguntar se há ou não alguma razão especiai para isso.
Quanto ao n.° 4, penso que o princípio está certo e que a competência deve caber ao Supremo Tribunal Militar. Parece-me, no entanto, descabido que numa lei deste tipo se regulamentem aspectos de carácter processual que melhor deverão caber na nova legislação sobre contencioso administrativo militar que tem que ser feita na sequência da lei que estamos a discutir.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luis Nunes (PS): — Podia-me dizer quais são esses aspectos de regulamentação? E que há aqui um que consideramos essencial, pois tem sido controvertido — é a consulta do processo, por um lado, e a junção aos autos, por outro. Destina-se a evitar que se entenda que isso corresponde a um pedido discricionário.
Os outros não são essenciais.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Míkísíto da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Considero esses também como matéria processual. É essencial. Terá de constar da !ei. Penso, porém, que, salvo o devido respeito, é bastante despropositado nesta lei.
O Sr. Presidente: — Poderíamos concluir que tudo o que for para passar para a lei fosse objecto de uma reformulação, tal como ficou previsto no debate.
Artigo 31.° «Restrições ao exercício de direitos por militares».
Em relação a este artigo, o PCP apresentou uma proposta de eliminação e das restantes propostas apresentadas, penso que a sua discussão se deverá fazer número a número.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Apresentei uma proposta que se refere a todos os números. É apenas uma questão de redacção, que poderia ser já discutida.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado José Luís Nunes apresentou uma proposta do seguinte teor:
Eliminar a expressão «mencionados» em todos os números por «referidos».
Depois de lida esta proposta, relativa a todos os números, passaremos à leitura das restantes, número a número.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veõgc de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, por uma questão de método, se vamos discutir neste momento alterações eventuais à redacção, não sabendo qual o conteúdo que a Comissão resolve dar ao artigo 3L°, ou se o retira daqui, entraremos numa discussão que poderá ser uma pura perda de tempo.
Propunha, portanto, que se vissem as propostas pela
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respectiva ordem de precedência. Se há propostas de eliminação, estas serão discutidas em primeiro lugar...
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, propus a discussão número a número atendendo à complexidade das propostas. Reconheço, porém, que uma opção será a eliminação. Portanto, podemos desde já debater esse ponto.
Seguidamente, entraremos no debate de cada uma das propostas de alteração relativamente a cada um dos números da proposta de lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Este artigo 31.° é de duvidosa legalidade, uma vez que, em rigor, esta matéria não está coberta pelos artigos 244.°, 245. °e 248.° da lei de revisão.
Esta matéria, diferentemente da restante, exige que haja uma aprovação por uma maioria de dois terços. Já aqui levantamos a questão — e não a deixamos sem resposta, sejam quais forem as opiniões sobre ela— de saber qual é o reflexo da votação que houve na generalidade sobre esta determinação constitucional.
Finalmente, o que é mais importante, já que se trata da substância, este artigo 31.°, mesmo excluídas as questões que se levantam em volta da lei de revisão e das exigências constitucionais, ultrapassa claramente os limites fixados no artigo 270.° da Constituição a respeito das restrições ao exercício de direitos por militares.
De facto, a Constituição, que antes da revisão não previa as restrições (embora elas tenham existido, sabendo todos por que é que existiram sem nunca ter sido levantado o problema), vem permiti-las estando reguladas no artigo 270.° Este artigo diz:
A lei pode estabelecer restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, na estrita medida das exigências das suas funções próprias.
Parece-me, desde logo, que há um transbordar do que aqui está, quando não são apenas os quadros permanentes em serviço efectivo que são visados. Em nosso entender, foi-se muito além da estrita medida das exigências das suas funções próprias em alguns dos aspectos, como claramente se poderá verificar um a um.
Devo recordar que, quando este texto foi adquirido na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, foi alvo de uma grande discussão. Suponho que algumas das pessoas que aqui estão a discutir esta lei são responsáveis pela medida desta palavras.
Recordo-me, por exemplo, que houve um vaivém a respeito desta afirmação, de que se trata dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo. Lembro-me de que foi medido ao milímetro quem ficava dentro e fora desta definição.
Esta decisão foi tomada por uma maioria superior à de dois terços incluindo o PSD, PS e CDS e suponho que também a ASDI, a UEDS e o PPM. Não percebo, que, dias passados, por iniciativa ou com acordo dos mesmos partidos, se viole claramente o que aqui se disse e que foi medido ao milímetro — o Sr. Deputado Luís Beiroco, que se encontra ausente, participou activamente nesta
discussão— para se saber quem estava dentro dos quadros permanentes em serviço efectivo e quem estava fora.
E claro que a proposta que agora aparece por parte do Governo inclui muita gente para além dos quadros permanentes em serviço efectivo.
Há questões que se levantam em relação a pontos concretos do artigo 31.° Estas questões terão que ser discutidas, até para respeitar o método que propusemos da discussão ponto a ponto.
Adiantemos desde já que parece que algumas das medidas que aqui estão, que encerram uma opção geral, não são compatíveis com a estrita medida das exigências. Não se vê, por exemplo, que o cidadão que vai prestar o serviço militar obrigatório fique na situação de não poder ter uma filiação partidária. Os cidadãos que se encontram a prestar o serviço militar obrigatório ficam sujeitos ao dever de isenção política, partidária e sindical.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro acenou com o dedo, dizendo que não. Quer dizer que pode continuar a ter um partido, mas não a desenvolver qualquer acção partidária.
Faça favor.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro de Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Se me permite uma interrupção, gostaria de esclarecer esse ponto. De facto, houve o cuidado de redigir o n.° 10 em termos que marcassem claramente a diferença do regime aplicável a quem presta serviço militar em relação ao regime dos militares de carreira. Enquanto que em relação aos militares dos quadros permanentes em serviço efectivo se proíbe a filiação partidária, neste caso, precisamente pela diferença clara de situações, impõe-se apenas um dever de isenção política e partidária. Isto não exclui nem a filiação nem a actuação em certos termos, mas impõe que, enquanto cidadão a prestar serviço militar, tenha de se comportar com isenção, ou seja, não pode servir-se do seu posto, da sua arma ou da sua função para influenciar escolhas ou tomar decisões que privilegiem este partido em detrimento daquele ou vice-versa.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — A explicação diminui a gravidade do que dizíamos e como tal terá de ser considerada. Mesmo assim, em nossa opinião, deveríamos encontrar uma redacção que fosse mais explícita.
Há outras questões que envolvem as forças de segurança. Na Constituição todos tiveram a intenção de dar o apoio ao que cá ficou. Não é por acaso que fala em quadros permanentes, militares e agentes militarizados. Também aqui, na nossa opinião, se transbordou do que estava previsto na Constituição.
Em nosso entender, o artigo 31.° deveria sair. Isso não obstava a que num curto prazo de tempo o Governo apresentasse uma proposta de lei à Assembleia da República e a fizesse discutir e aprovar, usando os mecanismos de urgência.
Se o Governo entende que tudo o que quer fazer sobre restrições ao exercício de direitos dos militares se esgota no artigo 31.°, então apresenta este artigo como proposta de lei autónoma, recorrendo aos mecanismos regimentais pelos quais, no prazo máximo de uma semana a seguir ao dia 1 de Novembro, a Assembleia da República a aprove.
Apesar de isto parecer um mero formalismo, temos a certeza de que garantiria não só a legalidade deste
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artigo, como a sua constitucionalidade, permitindo, por outro lado, com um debate mais cingido à matéria em causa, que ela fosse devidamente considerada, o que desta forma não fica garantido.
Por tudo isto, insistimos em que este artigo 31.° é susceptível de ser impugnado por ilegitimo e inconstitucional. Além disso, não há condições para que seja estudado em detalhe dentro dos prazos a que estamos obrigados.
Assim, concluímos que deve ser retirado, podendo o Governo, em contrapartida, fazer uma proposta de lei sobre o assunto, que seria debatida e votada nos primeiros dias de Novembro.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Não sei se é de boa política dizer-se tudo o que se pensa nestas matérias. Como ainda acredito que a politica não é a arte da simulação permanente, vou dizer o que penso.
Quando no meu partido trabalhámos sobre esta questão, defrontei-me com duas alternativas: uma, a do PCP, com a qual se identifica, em termos de resultados práticos, a proposta do Sr. Deputado Magalhães Mota — enquanto o PCP advoga a eliminação, o Deputado Magalhães Mota propõe uma redacção diferente, que remete para um momento posterior um outro tratamento desta matéria — , ou tentar melhorar o artigo 31.°, na óptica própria do meu grupo parlamentar.
Optei pela segunda alternativa, tornada mais eficaz pela intervenção final do Sr. Vice-Primeiro-Ministro. É por isso que se propõe uma série de eliminações e alterações ao corpo do artigo 31.°
Há, contudo, duas ou três notas que gostaria de desde já enunciar. Em primeiro lugar a expressão «agentes militarizados», que vem no corpo deste artigo,...
O Sr. losé Lrnís Nunes (PS): — Sr. Deputado César Oliveira, para lhe evitar um discurso muito grande sobre esta matéria, gostaria de lhe dizer que esta expressão «agentes militarizados» define os agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo. Dizem respeito a uma realidade residual que ainda existe nas Forças Armadas. Como exemplo, no CEMEFDM (Centro de Educação Militar, Educação Física e Desportos de Mafra) existe um quadro de picadores de cavalos que, não sendo um quadro do Exército, é um quadro de agentes militarizados.
Estes quadros foram formados em certo momento da vida nacional, quando não havia contratação de tropas em serviço permanente.
Tem ainda os cabos-de-mar, os guardas de faróis, determinado tipo de pilotos. Todos eles são o que, normalmente, é designado por agentes militarizados.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Agradeço-lhe muito as suas explicações. Friamente, parece-me que às vezes é uma felicidade não ser licenciado em Direito. Era bom que o Sr. Deputado ouvisse o que é que as pessoas têm a dizer para depois fazer interrupções ou intervenções.
Parece-me que, embora esteja na Constituição, não seria contraditório com esta nem com o que acabou de dizer o Sr. Deputado José Luís Nunes substituir-se a
expressão «agentes militarizados» por «membros dos corpos especiais de tropas», que é a designação que afecta especificamente a Guarda Nacional Republicana e a Guarda Fiscal.
Por outro lado, penso haver aqui uma questão de fundo que gostaria de tratar e que tem a ver com a filosofia globâ! deste artigo 31.° Nas Forças Armadas, nos quadros permanentes em serviço efectivo, há médicos e engenheiros, que são, normalmente, médicos e engenheiros militares, sendo também membros da Ordem dos Médicos e membros da Ordem dos Engenheiros.
Argumentar-se-á que a Ordem dos Médicos não é um organismo sindical. Acredito que sim, e bem sei que não è. Mas todos sabem que ela tem promovido e enveredado por processos de luta profissional, alguns dos quais têm tido como instrumento o exercício do direito à greve.
Há também membros das Forças Armadas que são legitimamente proprietários rurais — grandes ou pequenos—, que são proprietários industriais — grandes, pequenos ou médios— e que pertencem, por essa via, à CAP, à CIP, à CNA, à CCP ou a outras formas de organização profissional.
Assim, o conteúdo deste artigo 31.° engloba a aplicação de dois critérios em relação ao militar: enquanto para um — os que não são médicos, engenheiros, proprietários, industriais, comerciantes— é aplicada uma série de medidas restritivas, permite ao médico militar, por exemplo, ser membro da Ordem dos Médicos, participar nas suas actividades, associar-se a uma greve que esta desencadeie, assim como a CIP, a CAP, a CNA ou a CCP.
Julgo, portanto, que as propostas que adianto visam um tratamento uniforme, que responde a esta pluralidade de situações existentes nas Forças Armadas, o que, a não ser feito, criaria situações de extrema desigualdade.
Por outro lado, as alterações e eliminações que propomos — nomeadamente as relativas às associações que têm um tratamento individualizado no final do diploma— enquadram-se na metodologia de actuação que adoptamos neste processo de discussão em especial, que consiste na tentativa de melhorar algo de que o Governo não iria abrir mão tão facilmente como em outras matérias. Julgo que elas poderiam resolver alguns problemas que, a não serem solucionados, são susceptíveis de gerar tratamentos diversificados e para algumas iniquidades, das quais saliento esta: pela interpretação literal do n.° 5 deste artigo, um militar não poderia assistir a um colóquio do Instituto Fontes Pereira de Melo, do Instituto Francisco Sá Carneiro, da SEDES ou de outras instituições que, certamente, os senhores deputados da maioria e o Governo terão de considerar benévolas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Vou-me cingir estritamente à intervenção inicial do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, no sentido de saber se é ou não de incluir nesta lei estes princípios gerais.
A minha opinião ê afirmativa, por três ordens de razões: primeiro, onde foram definidos direitos, também deverão ser definidos deveres; segundo, esta é a sede própria para regular este tipo de restrições, de direitos (preferiria que se dissesse incompatibilidades); terceiro, na
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sistemática desta lei, em atenção a um certo laxismo que reina nesta matéria, mal seria que se deixasse para momento posterior a definição de regras estritas neste ponto.
O problema de se ultrapassar ou não a estrita medida ê uma questão de conteúdo da lei. Já apresentámos propostas tendentes a melhorar os seus normativos. Pensamos que, se elas forem aprovadas, de forma nenhuma se ultrapassará essa estrita medida.
A intervenção do Sr. Deputado César Oliveira é bastante interessante. No respeitante à Ordem dos Médicos ou à Ordem dos Engenheiros, os argumentos não colhem. As ordens em Portugal, mal ou bem, conferem uma capacidade profissional. Um licenciado em Direito não é advogado, só o é quando obtém o cartão profissional da Ordem. Diga-se o mesmo a respeito dos licenciados em Medicina e em Engenharia.
No que respeita aos problemas que são levantados, é preciso ler em conjunção o que está escrito em relação à filiação sindical com o que está escrito no artigo 9.°
Pela nossa parte, pensamos que, ressalvando a nossa posição para uma análise do conteúdo concreto, devem aqui ficar referidas estas restrições.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, já que foram apresentadas muitas propostas relativas a este artigo, gostaria que sintetizassem as suas ideias em relação ao que está verdadeiramente em causa —saber se esta matéria se deve incluir ou não, atendendo à proposta de eliminação apresentada pelo PCP. Se virmos, como, aliás, deduzo do facto de todos os partidos, à excepção do PCP, terem apresentado propostas de alteração, que este artigo deve permanecer, procederemos ao debate número a número.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro-Ministro: Sem prejuízo de reexaminarmos esta matéria, por um conjunto vário de razões que têm a ver com a aplicação da lei e com a necessidade de evitar uma situação de indefinição, parece-nos haver vantagem em que um diploma desta natureza contenha alguns preceitos de princípio em matéria de restrições ao exercício de direitos por militares.
Esta matéria deverá ser desenvolvida em diploma especificamente vocacionado para tratar este assunto.
A restrição ao exercício de direitos por militares é simétrica à restrição do usoe porte de armas por parte dos cidadãos não militares. É um factor indispensável da estabilidade democrática do próprio funcionamento das FoTcas Armadas.
Ha, todavia, alguns pontos que gostaríamos de ver aclarados. Foi já esclarecido que por «agentes militarizados» se entende os agentes em serviço nas Forças Armadas. Não nos parece que a designação de corpos especiais de tropas seja a indicada para a qualificação da Guarda Nacional Republicana e da Guarda Fiscal, visto serem forças militares.
Relativamente à inclusão dos militares contratados nesta listagem de restrição de direitos, consideramo-la necessária, visto que, a não existir, criaria uma situação de discrepância absolutamente insustentável no interior das Forças Armadas. Na Força Aérea, na Marinha e no Exército há inúmeras praças, sargentos e oficiais contratados que não fazem parte dos quadros permanentes.
Seria, absolutamente inqualificável restringir os direitos aos militares dos quadros permanentes em
serviço efectivo e não equiparar, para esse efeito, os contratados militares — praças, sargentos e oficiais.
Também nos parece importante que haja uma inclusão da noção de patronal e profissional em aditamento às noções de politico, partidário ou sindical.
Em relação aos n.M 5, 6 e 7, temos algumas questões. No que diz respeito ao n.° 5, sendo claro que a ideia do legislador era a de impedir os militares de participar activamente no funcionamento normal das associações de natureza política, partidária ou sindical, não nos parece que esta redacção acautele um direito de esclarecimento, informação ou simples presença à paisana em algumas destas realizações.
Numa sociedade em que a televisão, a rádio e a imprensa apresentam a plenitude do debate político e ideológico, seria um pouco absurdo impedir os militares de se esclarecerem e de se informarem, embora fazendo-o à paisana.
É certo que a mim me parece claro que da própria condição militar do profissionalismo das Forças Armadas decorrerá um uso muito moderado dessa faculdade de esclarecimento e informação. Porém, penso que não será inteiramente legítimo que ela fosse coarctada em absoluto pé de igualdade com a participação activa no funcionamento interno das associações políticas partidárias ou sindicais.
A questão das associações referida no n.° 6 é uma questão complexa. Parece-nos excessivo conferir ao Conselho de Chefes de Estado-Maior uma capacidade de condicionar o exercício do direito de associação por parte de ex-militares. Não faz o mínimo sentido e, além disso, é manifestamente inconstitucional.
O mecanismo da autorização superior individual para a pertença a associações não será o mecanismo mais eficaz para assegurar qualquer espécie de condicionamento. Ao contrário, poderá gerar situações extremamente difíceis.
Assim, parece-nos que todo este problema de enquadramento do direito de associação deveria ser repensado.
Quanto ao n.° 7, há a ideia salutar na tradição da disciplina militar de proibir a apresentação de petições colectivas dirigidas a órgãos de soberania ou superiores hierárquicos. Mas quando se refere «ou a outras autoridades», por uma generalização, exclui-se, por exemplo, a faculdade de um militar subscrever com vizinhos seus uma carta dirigida à junta de freguesia a propósito de uma questão de arruamento ou de defender, através de petição, um direito que não colida com a sua condição de militar, por se tratar de um direito civil.
Relativamente ao n.° 8, entendemos que o Presidente da República deve ser incluído na listagem das entidades em relação às quais existe inelegibilidade para os militares no activo, embora considerando que esse objecto se não deva aplicar ao actual Presidente da República pela razão protocolar de não ter sido eleito nessas circunstâncias nem nelas se encontrar.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Jaime Gama já justificou a maioria das propostas feitas pelos deputados do seu grupo parlamentar.
Creio que o Sr. Deputado José Luís Nunes quer justificar uma proposta de alteração ao n.° 9.
Daria por reproduzidas essas mesmas propostas, dis-pensando-me de fazer a sua leitura.
Peço então ao Sr. Deputado José Luís Nunes que justifique a sua proposta de alteração ao n.° 9. Seguida-
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mente, veríamos as propostas de alteração apresentadas pela UEDS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. fflerbeirto Goulart (MDP/CDE): — Julgo que a sugestão do Sr. Presidente, bem como a intervenção do deputado Jaime Gama, que a antecedeu, foge um pouco à metodologia de trabalhos que tínhamos acordado.
O Sr. Prasléemte: — Sr. Deputado, depois do debate da proposta de eliminação do PCP, tínhamos combinado que a discussão seria feita número a número. Acontece que o Sr. Deputado Jaime Gama não terá prestado atenção a essa metodologia e justificou todas as propostas apresentadas pelos deputados do seu partido em relação aos oito primeiros números. Falta apenas justificar o n." 9.
Assim, o deputado José Luís Nunes faria essa justificação e para não perdermos tempo e não nos repetirmos dispensar-me-ia de ler o que já foi fundamentado.
A seguir à intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes apenas seria feita a leitura e consequente justificação das propostas da UEDS.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. Sosi Laís Nunes (PS): — O n.° 9 incide sobre o problema da passagem à reserva. Suponhamos que um cidadão militar pede a passagem à reserva com o fundamento de se candidatar a um destes órgãos eleitos. Pensamos que em tempo de paz não poderá ser recusado. Em tempo de guerra poderia ser uma forma de fuga à responsabilidade.
Portanto, se em tempo de paz não poderá ser recusado, em tempo de guerra podê-lo-á ser.
Consideramos importante que isto fique na lei, até porque, tratando-se de poderes individuais, dá aos chefes de estado-maior a possibilidade de estarem protegidos na aplicação da lei.
O Sr. Presidente: — Na ausência do Sr. Deputado da UEDS, proponho que se faça agora um intervalo de 15 minutos.
Está suspensa a sessão.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão. Srs. Deputados, vamns prosseguir no debate do artigo 31.°
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Preferia intervir antes de se lerem as restantes propostas particulares que foram apresentadas, ainda que a metodologia que foi adoptada, mas não seguida, me parecesse a mais correcta.
Há duas posições de fundo. Julgo que seria útil tomar-se uma decisão, mesmo que isso não implique uma votação.
O Sr. Presidente: — Creio que o Sr. Deputado se está a referir ao problema da inclusão ou não da matéria do artigo 31.°?
Já há pouco tinha feito referência a essa questão e não só em face das declarações aqui feitas, mas também em face das propostas apresentadas por todos os partidos, à excepção do PCP, concluí que, independentemente de não ser este o momento da votação, se deveria prosseguir
no debate do artigo, já que haveria predisposição de ser mantida esta matéria.
Foi nesse pressuposto que o debate se iniciou com a intervenção dos Srs. Deputados Jaima Gama e José Luís Nunes e prossegue com a leitura e justificação da proposta da UEDS.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Não tinha em conta esse pressuposto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Sr. Presidente, ouvi-o com certa surpresa, porquanto refere que só a nossa proposta põe em causa o artigo.
O Sr. Presidente: — Não. Disse que era a única proposta de eliminação do artigo.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Suponho que há uma proposta de substuição apresentada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota que, se não propõe a eliminação do artigo, propõe um regime diverso.
Parece-me que não foi retirada. Como tal, ela também põe em causa todo o artigo.
O Sr. Presidente: — De qualquer maneira, não põe em causa a maioria necessária para manter o artigo.
Mesmo assim, a rectificação não deixa de ser útil, a menos que o Sr. Deputado Jaime Gama dê outra interpretação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, a minha intervenção vinha precisamente nesse sentido: para além da proposta do PCP, já defendida, há uma proposta da ASDI, que ainda não foi abordada.
Além disso, partidos houve que ainda não se pronunciaram sobre esta questão. É o caso do MDP/CDE.
Entrando nas propostas, corresponde melhor ao nosso ponto de vista a formulação apresentada pela ASDI, por nos parecer mais precisa e conseguir ultrapassar alguns aspectos de interpretação legal do que a proposta de eliminação pura e simples que o PCP apresentou.
A nossa posição à partida é, de facto, a de apoiar com maior interesse a proposta que foi apresentada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, na suposição de que não venha a ser retirada, visto não ter havido comentários sobre ela. Penso não ser essa a intenção da ASDI.
Já foram invocados argumentos que podem suscitar questões de inconstitucionalidade. Não podemos dizer que esta matéria esteja em vigor senão 30 dias após a data da publicação da Lei Constitucional n.° 1/82.
Os próprios aspectos formais suscitados pela dúvida pertinente se, sendo esta matéria votada obrigatoriamente pela Assembleia da República por uma maioria de dois terços, faz sentido que isto esteja incluído numa lei que não se encontra submetida a essas mesmas formalidades...
Mas, para além destes aspectos de natureza legal, há aspectos de natureza política que obrigariam a meditar sobre esta matéria.
Se atendermos até à própria situação em que este artigo se encontra, vemos que tem 10 números e neste momento, para além das duas propostas iniciais
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— do PCP e da ASDI —, já estamos confrontados com cerca de 20 propostas de alteração. No caso de a Comissão entender que deve constar desta lei algum pormenor em matéria de restrição ao exercício dos direitos pelos militares, nós próprios apresentaremos 6 ou 7.
Este facto denota que se trata de matéria que carece de apreciação cuidada. É matéria polémica que se prenderia com a regulamentação de outros direitos.
Julgo que uma boa solução teria de responder a aspectos não estritamente de natureza jurídica, como sejam aspectos de celeridade de bem legislar pela Assembleia da República.
Por isso, penso que o isolamento de toda esta matéria em lei própria, havendo —se todos os partidos nisso acordassem — mecanismos especiais no sentido de que se agendasse com a celeridade possível na resposta ao pedido de urgência, seria a melhor solução.
Isso permitiria ir para aspectos de âmbito mais extenso, abordando-se questões que são mal debatidas — o caso dos contratados e, porventura, outras situações que necessitem de ser contempladas.
A nossa posição é a de que a solução prudente seria a aceitação de uma proposta nos termos da que foi apresentada pela ASDI. Será nessa que vamos votar. Se a maioria da Comissão não aceitar esse ponto de vista e quiser forçar a introdução desta matéria na lei...
O Sr. Carlos Robalo (CDS): — (Não audível na gravação.)
O Orador: — Estou de acordo com o Sr. Deputado Carlos Robalo em que o termo não é o adequadol
Penso, portanto, que é necessário incluir esta matéria na Lei de Defesa Nacional.
No caso de a maioria entender que esta matéria deve constar da referida lei, apresentamos algumas propostas de pormenor, tentando assim melhorar algumas das sugestões que foram apresentadas na mesa.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, há pouco tinha apenas referido a posição do PCP porque desconhecia a proposta da ASDI. Fundamentalmente, ela não altera a posição expressa pela maioria e pelo PS.
De qualquer forma, vou proceder à sua leitura e, em seguida, darei a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota para a poder justificar:
ARTIGO 31.» (NOVO)
1 — Lei especial de exclusiva competência da Assembleia da República estabelecerá as restrições ao exercício de direitos previstos no artigo 270.° da Constituição.
2 — Manter-se-á em vigor a legislação actual até ao início da vigência da legislação referida no número anterior.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães MOta (ASDI): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a proposta é suficientemente clara. Permitia-me, no entanto, acrescentar duas ordens de consideração.
Em primeiro lugar, penso que não poderíamos ficar, em termos de legislação sobre defesa nacional, sem nada dizer sobre a matéria do artigo 270.° da Constituição, sob pena de cairmos com facilidade no risco de poderem ser consideradas inconstitucionais algumas restrições que neste momento existem e estão a ser praticadas.
Julgo que a matéria é suficientemente melindrosa e justificaria, por isso, um debate suficientemente aprofundado, pelo que, independentemente de considerações de ordem metodológica, me pareceria preferível que a Assembleia da República viesse a deliberar sobre esta matéria no decurso de um debate próprio sobre este tema, e não enxertado num outro debate que iremos fazer um tanto ou quanto apressadamente.
Penso que poderíamos, com vantagem, rever todas as posições existentes e, perante elas, ponderarmos nas várias soluções a tomar.
Em vez da fórmula que utilizei: «Manter-se-á em vigor a legislação actual [...]», para maior clareza, poderíamos fixar uma data sobre essa legislação, evitando assim que a legislação em suspenso viesse a surgir neste contexto. Essa data poderia ser a da propositura da própria proposta de lei. Assim, todos saberíamos que disposições estávamos a manter neste contexto transitório.
Seria neste sentido que me pronunciaria, de acordo com a proposta que elaborei.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vou ler a proposta da UEDS:
ARTIGO 31.»
1 — [Idêntico ao actual.]
2 — [Eliminação do corpo deste número.]
3 — [Aditar a seguir à palavra «Ramos» bem como quaisquer declarações de carácter político.]
4 — [Aditar a seguir à palavra «sindical» a expressão «patronal ou profissional».]
5 — [Nova redacção:] Os cidadãos mencionados no número 1 não podem ser filiados em associações de natureza partidária, sindical, patronal ou profissional, nem participar fardados em quaisquer actividades por ela desenvolvidas.
6 — [Eliminar.]
1 — [Idêntico ao actual.]
8 — [Aditar no final nos termos da legislação aplicável.]
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. Cesar Oliveira (UEDS): — Algo do que de fundamental poderia dizer nesta matéria foi há pouco por mim referido.
Assim, queria justificar apenas a proposta de eliminação do n.° 6. Penso que, com vantagem, poderíamos tratar desta matéria num artigo autónomo que existe na proposta de lei referente a associações militares. Aí seria tratado este problema com maior justeza e correcção. E disso que se trata.
Em relação ao exemplo que o Sr. Deputado José Luís Nunes deu há pouco do advogado, ele não se refere ao que eu disse. Preocupa-me que se criem situações com tratamento diverso e até contraditório em relação a cidadãos que, neste caso, estão, objectivamente, nas mesmas circunstâncias e condições.
Suponha-se que a CAP ou a CNA ou a CIP decidiam barrar a estrada de Alcobaça, como já aconteceu...
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Se isso acontecesse, ninguém iria pedir autorização para o fazer!
O Orador: — Não se trata de uma questão de autorização!
Todos têm o direito, nos termos constitucionais, de
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fazer o que entendam que melhor serve a consecução dos seus interesses.
Hâ militares proprietários, comerciantes, etc. Conheço vários, embora não interesse citar os nomes. Não estamos numa sessão de coscovilhice militar!
Risos.
Mas é um dado adquirido que há militares que podem ser proprietários, comerciantes ou industriais.
A questão dos médicos é um outro problema que me parece importante.
O caso dos engenheiros é diferente, à luz da experiência que temos tido.
Se se vai pela restrição de direitos, então que se trate toda a gente de maneira igual e não se façam exclusões por omissão, que podem criar situações extremamente gravosas.
Diga, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Cautela! Há associações que são associações sindicais, mas a expressão «associação sindical» não é simétrica da expressão «associação patronal».
Há, por exemplo, associações de trabalhadores de carácter mutualista. Não vejo que haja algum inconveniente em que um militar faça parte da associação dos inquilinos ou da associação dos senhorios.
Portanto, a expressão «patronal» não é exactamente simétrica da expressão «sindical».
O Oiredoir: — Não faço finca-pé a qualquer expressão, nem se queira ver qualquer prevenção especial da minha parte contra esta ou aquela associação.
A minha preocupação é a de se encontrar uma fórmula que não implique tratamento diversificado a militares. Se se encontrar essa fórmula e lhe puder dar o acordo, encantado da vida! Não quero que na lei figure A, B ou C que tenha a marca indelével de César Oliveira. Não é isso que me move, mas sim que as minhas preocupações fiquem salvaguardadas, seja de que maneira for.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacíomaí (Freitas do Amaral): — É para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.
Sr. Deputado César Oliveira, não consegui compreender bem o seguinte: aquilo que o Sr. Deputado quer obter através da inclusão de qualquer coisa neste preceito é impedir a filiação dos militares no activo em outro tipo de associações ou impedir que, sendo filiados num outro tipo de associações, possam invocar essa filiação para o efeito de, por exemplo, poderem fazer greve ou participar em determinadas actividades?
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Vice-Primeiro--Ministro, há uma questão prévia à resposta da sua pergunta.
Em 1961 uma das pessoas que está aqui presente discutia com outra num café de Coimbra e argumentava que cortar ou não cortar o cabelo poderia ser, em determinadas circunstâncias, um acto político.
Não é um tipo de analogia que se aplique a este caso. Mas o ser politico é, em certas circunstâncias, extremamente difícil de definir.
Por isso, a formulação que aqui está não impede que
militares possam ser filiados em determinado tipo de organismos com uma natureza e actuação muito próxima ou quase identificável a organizações sindicais, nem impede também a segunda prevenção sobre a. qual V. Ex.0 acaba de me interrogar, ou seja que um militar possa invocar a sua filiação na CAP, na CIP, etc, coisa que é vedada a outros militares.
Tem que se encontrar uma fórmula que, passe a expressão, de «uma cajadada matasse os dois coelhos» que V. Ex.° acabou de levantar, com o devido respeito.
O Sr. Presliectíc: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Caritos leàtt© (PC?): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Ao ouvir o Sr. Deputado César Oliveira, que trouxe, na especialidade, preocupações que consideramos positivas e que acompanhamos e ao ouvir algumas considerações feitas pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, mais se radicou no meu espírito que esta matéria não deveria ser tratada desta maneira.
Sublinho a diferença de atitude que se adoptou em relação ao processo de revisão constitucional e a que se pretende agora seguir. Nc processo de revisão constitucional este foi uni dos pontes em que se procurou um grande consenso, tendo sido tratado com muito cuidado, conscientes como estávamos de que se tratava de matéria de muito melindre.
Ao estabelecer-se para esta matéria um processo legislativo especial, ímpar na Assembleia da República, traduziu-se essa preocupação. Devíamos entrar nesta matéria com o máximo de cuidado.
Pretende-se resolver agora esta questão no quadro de uma lei extremamente complexa, comportando problemas de difícil resolução, de que já tivemos uma pequena amestra quando se falou da questão das promoções, da questão do comando, aos quais adicionamos este, extremamente delicado. Para isso temos 2 dias de debate na especialidade.
Para além da nossa posição, que os senhores deputados consideraram basíar.te radical, afloraram preocupações que vão no sentido da nessa proposta. Não foi apenas o Sr. Deputado Magalhães Mota, mas também o Sr. Deputado César Oliveira, o Sr. Deputado Herberto Gouíart s até o Sr. Deputado Jaime Gama.
No funde, todos estarr.os embuídos da ideia de que se trata de uma matéria de grande melindre, merecendo, per isse xssrno, ponderação.
Embora certo de que não vamos votar hoje, atrevo-me a insistir na necessidade de ss considerar a vantagem de se voltar a esta matéria em lei especial —pode não mediar muito tempo até iá—, em completa cobertura constitucional e em completa legalidade processual.
Parece-me que r.enhum ser.hor deputado respondeu a esta questão — se o resultado da votação na generalidade não impede que o processo relativo a esta matéria seja para diante. Sobre isto ainda não foi feita qualquer discussão. Será cue numa matéria cue exige uma aprovação por maioria de dois terços não a deve conseguir logo na votação na generalidade?
Havendo estas objecções, tanto de natureza constitucional como de natureza processual, penso que melhor seria deixar esta matéria para o mês de Novembro, retirando-a agora ca !ei.
O Sr. ??es[álente: — Das posições tomadas pelos diversos partidos considerava que a eliminação iria ser
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um facto a arredar quando a votação se fizesse e, portanto, este debate teria utilidade. Nesse pressuposto, coloquei à discussão as propostas de alteração. Vejo, no entanto, que o PCP, através dos seus representantes nesta Comissão, levanta novamente a questão e, face a isso, apenas vejo um modo de a ultrapassarmos: fazermos desde já a votação da proposta de eliminação para que o ponto se considere definitivamente eliminado.
Ou o ponto se considera ultrapassado, na medida em que apenas o PCP e a ASDI pretendem a eliminação, isto é, não querem que se faça aqui a regulamentação, e deste modo, na previsão de que se vai votar, tem utilidade fazer o debate do conteúdo concreto do artigo, ou então, se vamos voltar sempre ao mesmo, procederemos a uma votação para esclarecer esse ponto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Sr. Presidente, não compreendo como é que a partir da minha intervenção, a qual comportava um apelo no sentido de reflectirmos sobre esta matéria até amanhã, se resolveu que o que importava era votar de imediato.
Mantenho o meu apelo de não votarmos agora, reflectindo sobre ela até amanhã.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, posso fazer-lhe uma pergunta concreta para orientação da mesa? Esse apelo é no sentido de não se prosseguir o debate, inter-rompendo-se a sessão?
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Isso não.
O Sr. Presidente: — Então podemos prosseguir o debate.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — O certo é que esta questão subsiste e o debate demonstra a sua razão de ser. E quero acrescentar que me parece não termos abusado da paciência da Comissão insistindo nesta questão.
O Sr. Presidente: — Então continuaremos o debate.
Deu agora entrada na mesa uma proposta do MDP/CDE ainda sobre esta matéria. Pretende eliminar no n.° la expressão «e agentes militarizados» e substituir a redacção do n.° 2 pela seguinte:
Os cidadãos mencionados no n.° 1 não podem fazer declarações públicas que desrespeitem o dever de isenção politica e de rigoroso apartidarismo das Forças Armadas.
No n.° 4 pretende incluir o inciso «quando uniformizadas», ficando:
[...] ou participar nelas quando uniformizadas, se as mesmas tiverem [...]
No n.° 5 acrescenta no final a expressão «salvo quando não uniformizados, assistir a reuniões ou manifestações de carácter público». Propõe a eliminação do n.° 6 e a seguinte redacção para o n.° 8:
Os cidadãos mencionados no n.° 1 carecem de licença especial, em termos a definir por lei, para se candidatarem a eleições para a Assembleia da República, assembleias regionais das regiões autó-
nomas, Assembleia Legislativa de Macau e assembleias e órgãos executivos das autarquias locais. A lei regulará ainda o regime de licença especial para o exercício do respectivo mandato, bem como para o exercício de funções governamentais.
Tem ainda uma alteração para o n.° 10, o qual passaria a ter na sua formulação o seguinte conteúdo:
Os cidadãos que se encontrem a prestar serviço militar obrigatório ficam sujeitos, no desempenho das suas funções militares, ao dever de isenção política, partidária e sindical, sem prejuízo da inscrição no partido ou sindicato a que pertençam aquando da incorporação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Creio que o sentido destas propostas é fácil de entender. Sem duvidar de que a expressão «agentes militarizados» pretende responder a situações residuais entre as Forças Armadas, a sua eliminação tem a ver com as preocupações de interpretação que esta expressão poderia ter.
Penso que o facto de uma situação residual ficar de fora não teria quaisquer problemas, nomeadamente quando na proposta de lei existe o n.° 1 do artigo 73.°, o qual merece a nossa oposição. Esta situação seria agravada se tomarmos em conta esse número e se por decisão maioritária ele se mantiver na proposta de lei. Isto é, visaria atingir também os agentes das forças de segurança.
O n.° 2 tem a ver com o facto de termos fortíssimas apreensões quanto a expressões de carácter tão vago e difícil de determinar como esta afirmação «declarações públicas de carácter político». Sabemos em que é que situações como esta podem desembocar. Quantas e quantas vezes uma intervenção assume foros de natureza pública, até porque è utilizada nos meios de comunicação social, podendo ter, essencialmente, uma componente profissional ou até de posição de comando aos seus subordinados, podendo ser encarada como uma declaração politica.
Em minha opinião, o que está em causa é o apartidarismo das Forças Armadas, da instituição; a sua isenção política e a limitação das declarações públicas devem ser encaradas exclusivamente em relação ao desrespeito do dever de isenção política e apartidarismo das Forças Armadas.
Quanto à alteração proposta do inciso no n.° 4 de «quando uniformizados», a meu ver, é óbvia. Trata-se, de facto, de uma violação do direito de informação. Um cidadão militar qualquer tem o direito de assistir a uma manifestação de um sindicato ou partido, assim como tem o direito de ler livros, de assistir a debates, colóquios, etc. O que, efectivamente, não pode é exibir uma situação militar, a qual está ultrapassada quando ele se apresenta à paisana.
Julgo que a situação do n.° 6 pode ter uma extensão cujo alcance é difícil de determinar. Tenho ideia de que no Plenário um senhor deputado chegou a citar a situação de todos nós sermos ex-militares! E isto poderá levar a questões um tanto difíceis. Até a nível de oficiais milicianos que pretendam constituir qualquer associação, fundamentalmente no sentido de congregar um período de presença em comum nas fileiras, isto poderá levar a uma situação de dependência de uma autorização do Conselho de Chefes de Estado-Maior.
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A meu ver, o n.° 6 é excessivo, devendo ser eliminado.
O n.° 8 é uma violação dos direitos constitucionais, os quais não podem ser cometidos numa lei destas. Creio que a situação tem de ser posta em sentido inverso. Inclusive, a situação da obrigatoriedade de passagem à reserva de um militar que pretenda candidatar-se a um qualquer órgão. Ter de prescindir de um direito essencial do cidadão parece-me inaceitável.
O que se impõe é a criação de um novo mecanismo de relação do militar nessas condições perante as Forças Armadas, isto é, uma situação de suspensão na vida do militar, uma licença especial, mas admitindo que, ultrapassada esta, quando o militar se tenha desligado da actividade politica no órgão electivo ou no Governo — e creio que a situação de exercício de um cargo governamental é a mesma, pois, por alguma razão, o exercício de um cargo governamental é também uma identificação com um dado programa politico e, como tal, uma identificação partidária —, possa ter uma situação normal na sua vida militar.
Naturalmente que todos os aspectos de carreira, promoções, etc, ficaram interrompidos, prejudicados, e, na certa, esse indivíduo irá ficar recuado relativamente a outros colegas de curso pelo facto de ter tido um interregno no exercício da actividade militar.
Esta matéria é complexa e terá de ser estudada com cuidado. Deveria haver legislação especial prevenindo esta situação, não coarctando aos militares este direito, mas, simultaneamente, impedindo-os de usarem o seu posto ou arma para uma actividade política, pois imediatamente ficariam desvinculados da sua situação no activo.
Em relação ao n.° 10, penso que, na lógica da restrição do exercício dos direitos militares, deve haver também uma reserva quanto aos militares a prestar o serviço militar obrigatório, no sentido de deverem ser igualmente obrigados a respeitar o apartidarismo da instituição. Portanto, a meu ver, deverá colocar-se uma formulação nos termos da que consta aqui na lei, com a reserva de considerar não ser este o momento próprio.
A proposta de alteração apresentada foi no sentido de formular melhor esta situação em dois aspectos: no aspecto de que isto não pode significar a ruptura no que se refira à inscrição num sindicato ou partido, por exemplo, na medida em que isso teria o grande risco de desmotivar cidadãos antes de irem para a vida militar do exercício de direitos de cidadania; por outro lado, esta limitação tem de ser entendida no exercício próprio das funções militares, e não para a globalidade da vida do cidadão que é obrigado a prestar o serviço militar e que, portanto, tinha já assumido responsabilidades sindicais, políticas, etc, antes dessa situação de incorporação.
Repare-se que na proposta não se faz uma abertura para uma iniciativa de inscrição no partido A ou B ou num sindicato, procurando-se antes prevenir a situação antecedente ao momento da incorporação nas Forças Armadas.
O Sr. Presidentes — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jskte Game (PS): — Não concordo de forma alguma com os pontos de vista tendentes a consagrar um regime de licença especial para a apresentação de candidatura e a eleição para determinados cargos políticos por parte de membros das Forças Armadas.
E não concordo com essa solução, em primeiro lugar, devido a entender que é contraditória com o dispositivo constitucional que obriga os militares a não usarem a sua arma, posto ou função para exercerem qualquer espécie de influência política.
Em segundo lugar, porque entendo que esse princípio é contraditório e ilude o que a Constituição pretendeu acautelar exactamente ao sujeitar a restrições os militares dos quadros permanentes em serviço efectivo.
Em terceiro lugar, porque considero que uma disposição dessa natureza seria totalmente insustentável, quer em termos de funcionamento normal de um regime democrático, quer em termos de funcionamento de isenção de disciplina das próprias Forças Armadas.
De resto, não conheço nenhum sistema político ou regime nem nenhumas forças armadas onde se verifique um mecanismo dessa natureza. Seria verdadeiramente um contra-senso assistirmos a uma campanha eleitoral para uma câmara municipal, para um círculo eleitoral ou para a Presidência da República em que se candidatassem um coronel do CDS, um brigadeiro do PSD, um general da UDP, um sargento do PS, um cabo miliciano do PCP, etc, e que, findo esse acto eleitoral, regressassem às Forças Armadas.
Tal situação seria perfeitamente inimaginável em termos de isenção, de dignidade das Forças Armadas e de transparência do próprio regime democrático.
Em minha opinião, esta noção não deverá ser aceite, pois a opção entre o desempenho de funções militares e o exercício de uma carreira ou actividade política não admite meio termo. Um militar opta por pertencer às Forças Armadas, a Nação confia-lhe as armas, mas, em contrapartida, restringe-lhe os direitos, do mesmo modo que um cidadão que não é membro das Forças Armadas vê restringidos os seus direitos de uso e porte de armas!
Essa é que é a noção de equilíbrio subjacente a esta limitação de direitos, que não é para os verdadeiros militares uma limitação de direitos, mas o exacto enquadramento da sua carreira militar em democracia.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Estando, no essencial, de acordo com o que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Jaime Gama, penso, no entanto, haver algumas dificuldades que não estão a ser abrangidas nesta problemática. Desse modo, temos de pensar nelas.
Há cargos desempenhados pelos militares que são cargos de confiança política, representando, portanto, a identificação do militar com determinadas forças políticas. Refiro-me, por exemplo, ao caso de um militar que desempenhe o cargo de governador civil de um distrito. Esse cargo pressupõe a confiança politica do governo que o nomeou.
Quando um militar é escolhido para fazer parte de um gabinete ministerial e esse lugar é da confiança política de quem o designou, como é?
Creio que se estamos a submeter os militares que se submetem a sufrágio a uma limitação dos seus direitos pelo facto de isso ter conotações políticas, então teremos de alargar essa restrição ao desempenho de quaisquer funções políticas e, obviamente, àquelas que dependem directamente, nem sequer do voto, mas da confiança política de um governo ou até de uma organização partidária.
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Só que isso levanta uma dificuldade e uma dificuldade necessária: se levarmos este princípio até às últimas consequências, dificilmente um primeiro-ministro poderá ter um oficial às ordens que seja um militar do quadro permanente! Estamos a alargar de tal modo as restrições que a lógica do sistema em que nos envolvemos conduzirá a situações como as que foram apontadas.
Creio, pois, estarmos em condições de justificar alguma ponderação deste tipo de propostas e da sua fundamentação para que a lógica, levada às suas consequências, não nos conduza a becos sem saída.
Ó Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Gostaria de fazer um pequeno comentário, na sequência das intervenções dos Srs. Deputados Jaime Gama e Magalhães Mota, depois da intervenção que fiz em justificação da proposta apresentada.
Estas duas intervenções apenas confirmaram a minha ideia de que a matéria não é fácil, nem é para ser vista com a celeridade a que, inevitavelmente, somos conduzidos pelos prazos de que dispomos.
O Sr. Deputado Jaime Gama, a partir de uma referência à licença especial, a qual, na minha ideia, ainda não tinha qualquer configuração concreta, tendo sido avançada meramente a nível de hipótese, levantou uma situação excessiva e até um pouco caricata.
Temos consciência de que um militar, se optasse por uma decisão de se candidatar, não seria para fazer campanha eleitoral, mas sim porque estaria interessado numa inversão da sua vida, e esses casos seriam necessariamente pequenos.
Por outro lado, o PS avança com uma sugestão que, em minha opinião, tem de ser vista com muito cuidado — a situação de passagem à reserva e concessão automática dessa pretensão do militar. Essa situação pode, na verdade, criar dificuldades a nível das Forças Armadas, pois isto quase que criaria um mecanismo de facilitação de qualquer militar, independentemente da idade que tivesse, para passar à reserva! Bastaria candidatar-se à freguesia X, pedindo ao partido Y que o colocasse como candidato a essa freguesia.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — O Sr. Deputado acha normal que numa sociedade normal a vocação dos militares deva ser a de se candidatarem a actos eleitorais para órgãos electivos do poder local e político? Acha que um regime democrático se pode fundar na base do exercício daquilo a que o Sr. Deputado considera, neste caso, um direito? Acha que isso é o desejável em matéria de funcionamento político?
O Sr. Deputado certamente que está a pensar num determinado leque de opinião, mas gostaria que pensasse igualmente que esses direitos podem ser exercidos por todo o conjunto do leque. E já pensou quais as consequências para a estabilidade do regime democrático se tivermos amanhã uma pulverização de candidaturas no conjunto do leque político envolvendo elementos das Forças Armadas em meras licenças, findas as quais regressam à instituição militar.
O Sr. Deputado pensa que dessa forma contribui para estabilizar o regime democrático, para garantir os direi-
tos dos cidadãos, para efectivar a isenção das Forças Armadas e garantir o seu apartidarismo?
Pela minha parte, penso que não e gostaria que o Sr. Deputado atendesse à razoabilidade destes simples argumentos de senso comum.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Evidentemente que, quando penso nestas situações, penso igualmente em todas as outras e no leque de possibilidades que contêm. Contra o que parecia insinuar, não estou a acenar em termos de leque político, mas tâo-só a pensar que esta situação carece de uma regulamentação precisa, não coarctando aquilo que, em minha opinião, são direitos dos cidadãos, embora militares, e garantindo que o exercício do posto, da arma, etc, não possa ser disponibilizado a favor de uma situação política.
Creio que a solução ideal para isto não é a que já aqui figura em alternativa, de passagem automática à reserva logo que é feito um pedido pelo respectivo militar. Daí que pense ser necessário encontrar um mecanismo que, por um lado, sendo justo para com o cidadão militar, seja, por outro, o mínimo possível gerador de factos de instabilidade. No entanto, não deverá gerar uma situação que possa ser de divórcio de um militar em relação às Forças Armadas, servindo-se de um pretexto para cortar esse laço que, naturalmente, o liga às Forças Armadas e aos compromissos que com elas detém.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Em primeiro lugar, não se argumente contra o facto de estarmos a decidir o que quer que seja apressadamente. Em nossa convicção, tanto o Governo como todos os partidos políticos aqui representados têm esses assuntos estudados há imenso tempo. Pela parte que toca ao PS, asseguramos que os assuntos estão estudados, pontificados e examinados há muito tempo. Fomos até dos primeiros partidos a colocar cá fora um projecto de lei de defesa.
No respeitante aos problemas aqui levantados, concordo com o que foi dito pelo Sr. Deputado Jaime Gama acerca da impossibilidade de se resolver este assunto por meras licenças.
Não existe nenhum país democrático ocidental que tenha esse tipo de regime, o qual está mais próximo de certos países da América do Sul, ou pior ainda, daqueles países imaginários em que a luta se trava entre o general Tapioca e o general Alcazar, que todos conhecem da leitura do Tintim.
Não se argumente também com a possibilidade levantada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota de levar até às últimas consequências determinados raciocínios, pois eles não são levados até esse ponto. As últimas consequências até não são aquelas que o Sr. Deputado Magalhães Mota colocou. Na aplicação da lei existe sempre uma determinada zona cinzenta. E essa zona cinzenta, por exemplo no caso dos magistrados, em determinados governos, destina-se muitas vezes a despartidarizar esses governos com vista a um fim concreto.
Há determinados governos ou determinados momentos em que os partidos políticos procuram aquilo a que se chama uma «aliança institucional» para resolverem um problema de eleições, para integrarem as
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Forças Armadas numa perspectiva não partidária, para integrarem a judicatura numa perspectiva não partidária, etc.
Posso até dar dois exemplos: um é o de um governo que se formou na Grécia a seguir à saida do actual presidente, Karamanlis, do Poder e que foi presidido por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, destinando-se apenas a realizar eleições, tendo tido a concordância de todos os partidos.
O segundo exemplo, mais trágico, mas que teve na altura toda a justificação, foi o do problema do segundo ou terceiro governo do presidente Allende, no Chile, em que incluiu os três chefes dos ramos das Forças Armadas, com o objectivo de despartidarizar certas coisas que se iam fazer.
Mas, normalmente, as coisas não se passam deste modo. E não me parece que se deva fechar, constitucionalmente, esse tipo de possibilidades dos executivos, possibilidades essas que a vida politica ensina serem usadas apenas em momentos de altíssima crise nacional. Este problema foi também examinado por nós e foi com alguma hesitação que não se adoptou a solução há pouco sugerida pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
No que se refere ao problema da passagem automática à reserva, os pedidos são individuais. E costuma-se dizer que «não importa que a mulher de César seja séria, é necessário também que o pareça». O que aconteceria se, por acaso, um oficial do activo pedisse para se candidatar, por hipótese, pelo PS, PSD ou CDS, sendo o pedido deferido, e se um outro oficial do activo que pedisse para se candidatar pela coligação APU visse o seu requerimento indeferido? Imediatamente se gritaria haver partidarização nas Forças Armadas, deixando que uns partidos concorram às eleições e outros não. E, de certo modo, a opinião pública poderia olhar o facto como uma efectiva partidarização!
Assim, com esta proposta, retira-se aos chefes militares a possibilidade — que estou convencido ser por eles encarada como um presente envenenado — de terem o poder de decisão sobre o caso. Um cidadão apresenta-se a eleições, pede a passagem à reserva para o efeito e, para esse efeito, isso poderá ser sempre indeferido, com um limite, que é o tempo de guerra.
Não se argumente, como fez o Sr. Deputado Herberto Goulart, quanto à possibilidade de se iludirem as questões, pois um militar qualquer pretende fugir ao cumprimento dos seus deveres militares, iludindo as leis que funcionam em relação à passagem à reserva. Temos plena confiança na instrução que a esse respeito é dada nas escolas militares do País e temos sobretudo confiança nos partidos políticos representativos da vontade do povo português, os quais não entrariam em farsas desse tipo.
Portanto, dentro deste ponto de vista, parece-me que esta proposta não terá cabimento nem merecerá o acolhimento do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. Césm OEvebsí (UEDS): — Não pretendia fazer nenhuma intervenção sobre esta matéria, mas o decurso da discussão obriga-me a isso. Ao ouvir toda esta discussão, aliás interessantíssima, e ao ler todo o articulado do artigo 31.°, gostaria de fazer umas perguntas ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Em primeiro lugar, um general qualquer que se queira candidatar à Presidência da República não está abrangido pelo n.° 8. Em segundo lugar, um senhor coronel qualquer que quer ser convidado pelo St. Dt. Francisco Balsemão ou por outro primeiro-ministro para ocupar o lugar de ministro da Defesa, numa interpretação à letra do artigo 31.°, pode aceitar perfeitamente a passagem à reserva.
Ou seja, este n.° 8 satisfaz-me, nos termos em que é aplicável, equivalendo isso para mim a passar à reserva. Mas devíamos então, por maioria de razão, abranger todos os cargos políticos deste país, e não apenas um, como disse o Sr. Deputado Magalhães Mota.
Gostaria de perguntar ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro qual a posição do Governo nesta matéria. Para a Presidência da República ou para cargos ministeriais aplica-se o disposto no n.° 8, e então não há razão para que essas duas eventualidades aqui não figurem, ou então para cargos políticos e civis, chamemos-lhe assim.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Correndo o risco de ser algo incompleto, na medida em que as intervenções foram muitas, irei dizer o essencial. Se por acaso deixar passar algum aspecto relevante, agradecia que mo assinalassem.
Penso ser necessário repetir hoje o que já ontem disse sobre o que me parece ser a conformidade à Constituição desta matéria, da sua inclusão nesta proposta de lei e do seu tratamento neste momento nesta Comissão.
Quanto à conveniência, creio haver toda a vantagem em que esta matéria seja tratada neste diploma, que, sendo o diploma base em matéria de defesa nacional e Forçar Armadas, mal ficaria se omitisse uma questão destas.
Começaria pela proposta da UEDS, referindo, em primeiro lugar, a ideia de eliminar o n.° 2 do artigo 31.° Creio não ter razão. Este n.° 2 condensa o essencial das restrições admitidas em toda a parte do Mundo ao exercício do direito de expressão por parte dos militares.
É, por palavras diferentes, aquilo que consta do Regulamento de Disciplina Militar, e penso que, de modo geral, é correcto e não vai longe de mais. Trata-se de um caso típico onde me parece cobrir-se o essencial sem se ir longe de mais.
A eliminação deste número tiraria qualquer conteúdo útil ao preceito constitucional que prevê restrições ao exercício do direito de expressão, pois o que consta do n.° 3, visando matéria completamente diferente da contida no n.° 2, não seria suficiente. A matéria do n.° 2 é até, em certo sentido, mais importante que a do n.° 3, não tendo, a meu ver, qualquer lógica que se eliminasse o n.° 2, deixando-se subsistir o n.° 3, pois, a ter que escolher entre um e outro, seria mais aceitável manter-se apenas o n.° 2.
Penso, no entanto, que ambos são necessários, justifi-cando-se, para além de toda a crítica possível.
A UEDS pretende aditar a expressão «patronal ou profissional». Creio que, com essas ou outras paiavras, esse aditamento terá de se fazer. Aí colocou-se, de facto, o dedo na ferida, devendo dar-se solução ao problema. O mesmo se passa quanto ao n.° 5; a proposta é no mesmo sentido.
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Quanto à sugestão de tirar a matéria do n.° 6 e tratá-la em disposições transitórias, não me parece correcto. O correcto, quanto a mim, é estabelecer aqui o que houver a estabelecer em matéria de principio e a título permanente, colocando nas disposições transitórias o esclarecimento de dúvidas sobre o modo de aplicar os princípios aprovados no artigo 31.°, designadamente se há aplicação imediata ou não desse preceito a associações já existentes.
O Sr. Deputado César Oliveira colocou ainda uma questão fora da sua proposta, mas que, no fundo, tem a ver com toda a filosofia subjacente — saber se não deveria também prever-se, ou se está incluída no n.° 8, a limitação de direitos para a nomeação de militares no activo como membros do Governo.
Devo dizer que, segundo a minha interpretação, isso não está no n.° 8 nem deve lá estar. Aí não se trata de apresentação de uma candidatura a um cargo electivo, nem se trata de fazer uma campanha eleitoral. A situação é diferente e a experiência mostra, como, aliás, já frisou o Sr. Deputado José Luís Nunes, que, em certas circunstâncias, essa possibilidade de participação pode ser útil, embora esteja paredes meias com outras situações proibidas.
Respondendo à intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota, diria que também não me parece de todo em todo admissível proibirmos que o Presidente da República, o Primeiro-Ministro ou o Ministro da Defesa possam ter nos seus gabinetes assessores militares ou ajudantes de ordens. Já me pareceria justificado que militares no activo não pudessem ser nomeados governadores civis ou para outros cargos deste tipo, pois aí, sim, há razões fortes para estabelecer uma incompatibilidade.
Passo agora às propostas apresentadas pelo PS. Estou de acordo com a proposta apresentada no sentido de substituir todas as expressões «mencionados» por «referidos» e também quanto à inclusão dos contratados. Não concordo com a proposta relativa ao n.° 2 do artigo 31.°, no sentido de suprimir a referência ao desrespeito do dever de isenção política e do apartidarismo dos elementos das Forças Armadas.
O dever de isenção política e apartidarismo consta expressamente da Constituição e, por esse facto, penso que deve ser aqui incluído. Repetindo um argumento que usei há pouco para outro assunto, diria que, a suprimir alguma coisa do n.° 2, não deveria ser aquilo que consta da Constituição, mas sim o que vai para além do estabelecido constitucionalmente. Em todo o caso, todo o n.° 2 é necessário e, desse modo, proporia que se mantivesse tal como está.
Quanto ao n.° 4 do artigo 31.°, faz-se uma proposta no sentido de se eliminar a expressão «mediante autorização superior». Creio tratar-se de uma proposta aceitável, embora a supressão da frase levante, na prática, alguns problemas. No entanto, julgo não serem de difícil resolução.
Quanto à proposta do n.° 5, coloca-se um problema, aliás abordado por vários senhores deputados, que vale a pena discutir com alguma profundidade, pois é um dos poucos pontos em que esta proposta de lei inova relativamente ao que está legislado e em vigor. De facto, a legislação actual, designadamente o Regulamento de Disciplina Militar, embora contenha uma proibição semelhante à que está aqui, permite aos militares no activo estarem presentes em manifestações políticas ou mesmo partidárias, desde que trajem à civil e não tomem parte activa na mesa ou no desenrolar dos trabalhos.
Por que propôs o Governo a eliminação dessa excepção e, portanto, a proibição da simples presença trajando à civil? Basicamente, por duas razões.
Em primeiro lugar, por um argumento invocado pelos Srs. Deputados do PS, mas que, a meu ver, joga contra a sua posição. Dizem que, hoje em dia a televisão, a rádio, a comunicação social, asseguram a plenitude da informação e daí deduzem a consequência de não haver qualquer razão para que o militar não possa estar em reuniões políticas ou partidárias.
Daí deduzo eu, porém, a conclusão contrária: se a televisão, a rádio e a comunicação social asseguram a plenitude da informação, então para quê reivindicar ou permitir a participação de militares? Não será com certeza para assegurar o direito à informação e ao esclarecimento, pois esse é assegurado plenamente pela rádio, televisão e meios de comunicação social. Então é para outra coisa. O quê?
A segunda razão: vejo, sinceramente, graves inconvenientes em se permitir essa presença, pois o militar no activo que participa, embora apenas com a sua presença, numa reunião partidária, por exemplo, num comício de um partido político, pode ser fotografado nessa reunião, pode ser associado pela imprensa e pela opinião pública ao partido em cujo comício está a participar. A menos que se fizesse fotografar nos comícios de todos os partidos políticos numa determinada campanha eleitoral, 1 caso em que ninguém poderia pôr em causa a sua isenção t política e apartidarismo!
Mas admitamos que isso não acontece. Admitamos que, por qualquer razão, esse militar no activo, por hipótese conhecido, vai apenas às reuniões de um partido político ou de um grupo restrito de partidos políticos mais ou menos próximos. Fica ou não profundamente afectada a isenção política e o apartidarismo desse militar? A meu ver, fica.
E, se nessas circunstâncias a isenção política e o apartidarismo desse militar ficam afectados e se a sua participação, como simples presença, nessas reuniões não é necessária para assegurar o seu direito à informação, uma vez que foi dito que a rádio, a televisão e a imprensa asseguram a plenitude da informação, então penso ser mais conveniente e prudente, satisfazendo melhor os fins previstos no artigo 270.° da Constituição, impedir esse tipo de participação.
Quanto ao n.° 6, trata-se também, em grande parte, de matéria delicada, sobre a qual admito que a redacção proposta pelo Governo não será talvez a melhor, podendo e devendo ser melhorada. Em todo o caso, creio que se impõe uma regulamentação cuidadosa desta matéria para evitar que a participação de militares no activo em associações possa resvalar para actividades de natureza política, que, por definição, devem ser vedadas aos militares no activo.
Julgo que a proposta do PS é talvez demasiado simplificante das diferentes modalidades de problemas que surgem no âmbito deste n.° 6, mas estou, naturalmente, aberto a considerar várias alterações possíveis, porventura desejável, à redacção proposta pelo Governo.
Queria só esclarecer aqui um ponto: penso ter ouvido o Sr. Deputado Jaime Gama dizer que se atribuíam aqui poderes excessivos ao Conselho de Chefes de Estado--Maior de intervenção em associações de ex-militares. Se foi isso, efectivamente, o que disse, em minha opinião, não tem razão. Não se concede nenhum poder de intervenção relativamente a associações de ex-militares. O que se diz é que os militares no activo não poderão, sem
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autorização superior, participar em associações de ex-militares. Tudo o mais neste artigo versa associações compostas exclusiva ou predominantemente por militares e, ainda aí, faz-se uma distinção entre as que tenham finalidades exclusivamente sociais ou culturais e as restantes.
Quanto ao n.° 7, penso que a proposta do PS é aceitável, havendo, obviamente, casos em que determinadas petições sobre matérias perfeitamente alheias à vida política ou à vida das Forças Armadas podem, sem qualquer inconveniente, ser apresentadas também por militares, não como tais, mas como cidadãos no exercício dos seus direitos civis.
Relativamente à inclusão no n.° 8 da candidatura à Presidência da República para o efeito de considerar inelegíveis os militares no activo, obrigando implicitamente à passagem à reserva, tem o meu acordo. Parece-me ser uma proposta positiva, embora chame a atenção para o facto de ir revogar um preceito que vigora na nossa legislação militar há muitos anos e que estabelece precisamente o contrário. Isto é, um militar na reserva que se candidate à Presidência da República e que seja eleito passa automaticamente ao activo.
Penso, no entanto, que a proposta do PS é a que corresponde àquilo que se pratica em todas as democracias do Mundo, indo assim no bom sentido.
Existe ainda um n.° 9, o qual suponho não se destina a substituir o n.° 9 da proposta do Governo, sendo antes um novo número a incluir a seguir ao n.° 8. Não é, Sr. Deputado José Luís Nunes?
Q Sr. José Luís Nunes (PS): — É, de facto, um aditamento.
O Orador: — Exacto. Estou inteiramente de acordo com o seu teor. Evidentemente que em tempo de paz o pedido de passagem à reserva com a finalidade de apresentar uma candidatura política não deverá poder ser recusado, por razões óbvias.
Quanto ao n.° 9 da proposta do Governo, creio que não foi objecto de qualquer proposta de alteração, correspondendo ao entendimento que na revisão constitucional se fez sobre esta matéria.
Relativamente ao n.° 10, há apenas uma proposta do Sr. Deputado Herbert Goulart, a qual, à primeira vista, me parece aceitável. No entanto, teria de a estudar um pouco melhor.
Entretanto, o Sr. Deputado Herberto Goulart apresentou outras propostas, que comentarei muito rapidamente.
Em primeiro lugar, eliminar no n.° 1 a expressão «e agentes militarizados» é, a meu ver, impossível, uma vez que se trata da terminologia constitucional.
Quanto ao n.° 2, pelas razões já apontadas, parece-me igualmente não ser de aceitar. A solução da proposta do Governo é preferível a esta última.
Relativamente ao n.° 4, trata-se de uma matéria em relação à qual já me pronunciei, o mesmo acontecendo quanto aosn.os5e6.
Quanto ao n.° 8, concordo com as críticas que lhe foram dirigidas pelo Sr. Deputado Jaime Gama. Penso que o regime de licença especial é impossível de aceitar. O regresso ao activo nas Forças Armadas de militares que estiveram a exercer uma actividade política parece-me altamente inconveniente. Seria, no fundo, a destruição de todo o regime previsto no artigo 270." e a sua redução a zero.
No geral, suponho serem estas as principais observações que tinha a fazer sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
OSr. Magalhães Mota (ASDI): — Ainda em relação ao artigo 31.°, gostaria de chamar a atenção para os seguintes pontos: julgo que as restrições para o exercício do direito de expressão, mesmo quando se referem a declarações públicas, não devem ser de tal modo ampliadas que impeçam que um militar escreva artigos de natureza técnica em publicações da especialidade sobre matérias que abordem assuntos necessariamente respeitantes às Forças Armadas ou até à vida interna dos ramos.
Introduzir uma limitação desta natureza parece-me demasiado drástica, podendo, inclusivamente, transformar-se num elemento de esclerose do pensamento das Forças Armadas e até do próprio pensamento militar.
Por isso, creio que ganharíamos se estas matérias fossem exceptuadas do âmbito destas limitações.
Quanto a um segundo ponto, de acordo com os critérios há pouco definidos, penso que, em relação ao n.° 6 do artigo 31.°, a formulação, quer da proposta, quer das alternativas que lhe foram presentes, justificaria uma ponderação do problema.
Não tenho neste momento nenhuma proposta, mas creio que (compreendendo o espírito subjacente às várias propostas) já existem algumas associações que dificilmente encontrariam uma fase de transição adequada se aplicássemos drasticamente este tipo de legislação. Muitas delas têm actividades que não me parecem contender de modo algum com o que se pretende em termos constitucionais e de limitação de exercício de direitos pelos militares.
Creio que associações como as do tipo da dos antigos alunos do Colégio Militar, que acabam por ser predominantemente constituídas por militares, têm um género de actividade que não me parece dever merecer todas estas cautelas legislativas. Pelo contrário, provocariam algum sobressalto.
Nessa matéria talvez ganhássemos em ter uma formulação menos rígida do que a que me parece estar presente nas várias propostas.
Apesar de já estarmos adiantados na discussão, mandaria para a mesa uma proposta relativamente à excepção de publicação de artigos de natureza técnica e também uma proposta mais ampla em relação à designação de funções por militares.
Penso que, para além do exercício das funções de governo, de que já falámos, existem outras que, por serem de natureza eminentemente política ou de confiança política —penso, por exemplo, nas funções de membro de gabinete ministerial, exceptuada a de assessor militar, de administrador de empresa pública, exceptuando as de interesse para a defesa nacional—, implicam incompatibilidades de natureza política e, como tal, devem também constar da lei.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Více-Prünelro-Mlnlstro e Min&rro êa Uefess Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas três breves comentários.
Quanto às declarações públicas de natureza técnica, queria dizer aos senhores deputados que não me parece
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conveniente que, a coberto ou a pretexto de declarações de natureza técnica, se possam fazer declarações públicas respeitantes às Forças Armadas ou à vida interna dos seus ramos sem autorização superior.
Quero lembrar ser este o regime que vigora em todos os países e gostaria até de dar o exemplo de um país bem nosso conhecido, a França, onde se vai muito mais longe, onde mesmo os militares na reserva só podem publicar artigos sobre problemas respeitantes às Forças Armadas e á vida interna dos seus ramos mediante autorização superior se quiserem mencionar o facto de serem militares e o seu posto. Isto prova que mesmo depois da passagem à reserva as limitações ao exercício deste direito existem em países cuja legislação não pode ser acusada de pouco democrática.
Relativamente às considerações do Sr. Deputado quanto às restrições ao direito de associação, penso que tem certamente razão. Se o Sr. Deputado pudesse apresentar uma proposta de alteração a esse ponto, seria com certeza bem-vinda.
Creio em todo o caso, como já disse, que devemos distinguir duas coisas: uma é regulamentar esta matéria no artigo 31.° do modo que considerarmos mais correcto, outra é de prever o modo como isso se vai aplicar a associações já existentes, coisa que, em princípio, se fará apenas nas disposições transitórias. Não me parece legítimo regulamentar-se de uma maneira menos correcta o artigo 31.° apenas porque na aplicação imediata da lei podem surgir problemas. Esses devem ser tratados em termos de disposições transitórias.
Por último, quanto à proposta anunciada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota relativamente à incompatibilidade com certos cargos, mantenho a posição sustentada, no sentido de que me parece poder haver (e há certamente) motivos para estabelecer aí algumas restrições. Apenas me pergunto se elas terão fundamento constitucional, pois no artigo 270.° não se previu nenhuma modalidade de restrição ao exercício do direito de acesso a cargos públicos.
Tenho, portanto, algumas dúvidas sobre se esse tipo de restrições, que, em tese geral, me pareceria, aliás, admissível e conveniente, terá legitimidade constitucional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Não queria ser maçador e também não queria que o que vou dizer a seguir fosse interpretado como qualquer forma de intervenção em bravata. Mas, tal como dizia um velhote da minha terra, por quem tenho muita consideração: «Sou franco a falar e falo», também eu sou franco a intervir e procuro fazê-lo naquilo em que penso ter razão.
Em relação ao n.° 5, vou dar a V. Ex.", Sr. Vice-Primeiro-Ministro, três exemplos: um militar que adora ouvir cantar a Joan Baez tem conhecimento de que ela foi convidada para a Festa do Avante, organizada pelo PCP. Compra o seu bilhete, vai a uma festa partidária apenas para ouvir a Joan Baez e é lá fotografado; um outro militar tem conhecimento de que o Herberé Pagani vem a Portugal trazido pelo PS no dia 24 de Abril de 1980 ou de 1984 e, como gosta muito de o ouvir cantar, participa numa manifestação ou vai à festa do PS; um terceiro militar, em Lamego, que nunca viu pessoalmente o José Cid, mas gostando muito de o ouvir cantar, vai com a
mulher e a filha, o primo, a mãe e com quem mais lá viver em casa a uma festa organizada pela AD onde este cantor participa.
Admito, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que haja o bem senso nas Forças Armadas para excluir casos deste género, de motivo ou justificação para qualquer sanção ou procedimento disciplinar. Mas, se não há, se o comandante embirra já com o militar em questão por qualquer coisa que tenha acontecido, ao abrigo do n.° 5 do artigo 31.°, enfia 5 dias de prisão disciplinar ao militar que foi ver, por exemplo, o José Cid.
Estes aspectos talvez sejam caricatos, mas a formulação do artigo 5.°, tal como está, abre a porta a certo tipo de perseguições, porventura do mais comezinho e corriqueiro que há nesta nossa sociedade.
Não gostaria de, com o meu contributo, abrir portas a este tipo de pequenas perseguições e talvez vingaçazinhas que poderão suceder em situações onde o bom senso muitas vezes não impera.
Relativamente às associações, perguntaria ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro como se determina que a associação A, B ou C é constituída predominantemente por militares? Que critérios se utilizam? Trata-se de outra questão que pode dar origem a muitas coisas.
Terceira questão: V. Ex.° admite perfeitamente que o coronel X, o brigadeiro Y ou o general Z possam ocupar o lugar do Sr. Secretário de Estado que está a seu lado (espero que não!). E estamos neste momento em pré--campanha eleitoral para as autarquias.
Já nem quero meter-me na discussão havida entre V. Ex." e o Sr. Deputado Jaime Gama de que os meios de comunicação social fornecem abundantíssima informação política, um manancial de informações para que o cidadão, no momento em que vota, o possa fazer com pleno conhecimento de tudo o que se passa! Mas como é que um militar do activo que ao mesmo tempo é membro do Governo se pode desligar da conotação partidária do Governo, do qual faz parte?
Suponha V. Ex.° que naquela nossa interpelação ao Ministro Angelo Correia o Ministro da Defesa era militar. E concebível que o Sr. Secretário de Estado da Defesa ou o Ministro da Defesa venham dizer publicamente que o que o Ministro Angelo Correia disse ou não disse na Televisão tem só a ver com a AD, o CDS e o PPM e que ele, por ser militar e estar nessa qualidade no Governo, não tem nada a ver com isso? Não é com certeza o plano de governo algum que um militar diga: «Anda agora a maré de inaugurações, mas nessa maré nada tenho a ver, pois trata-se de vésperas de eleições para as autarquias, e, como sou militar, r.ão pertencendo a nenhum partido político, desligo-me completamente disto!»
Há aqui uma série de situações que, em minha opinião, se resolveriam muito melhor dizendo «nem Presidente da República nem ministros». Ou então terá de se aplicar a mesma bitola a todas as situações para não se criarem situações equívocas e ambíguas que esta descrição um pouco caricatural possa significar.
Eram estas as questões que gostaria de colocar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da EMesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o Sr. Deputado César Oliveira me
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consentisse, trataria as questões pela ordem inversa daquela em que as colocou.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Se o Sr. Vice-Primeiro--Minístro me der licença, gostaria de fazer um complemento ao que disse o meu colega César Oliveira.
Em primeiro lugar, de acordo com o protocolo desta lei, os militares do Governo só podem desempenhar o papel de certos postos ministeriais, e não outros. Não podem, designadamente, ser ministros hierarquicamente acima do Chefe do Estado-Maior-General.
Em segundo lugar, com tantas restrições ao direito de informação e presença dos militares, porventura ainda se acaba com o próprio serviço de informação aos militares.
O Orador: — Prefiro não responder ao Sr. Deputado Jaime Gama. E estou certo de que ele próprio não quererá responder a si mesmo quando meditar no que disse.
Sr. Deputado César Oliveira, quanto ao problema do militar no activo que entra para membro do Governo, quero dizer-lhe apenas duas coisas. Em primeiro lugar, que numa democracia normal e em situação estável não há militares do activo membros do Governo. E nos paises democráticos isso não acontece, embora não esteja proibido em nenhum texto legal.
Se pode haver circunstâncias especiais em que isso se justifica, provavelmente, elas próprias se encarregarão de conferir uma legitimidade especial à situação. Por outro lado, o militar no activo que seja membro do Governo numa situação especial tomará, com certeza, algum cuidado para preservar o seu dever de isenção politica.
Recordo-lhe, por exemplo, que no I Governo Constitucional houve um militar no activo que foi ministro da Administração Interna, mas, quando se tratou de defender no parlamento a lei eleitoral apresentada pelo PS, não foi ele que o fez, mas sim o ministro do PS que era adjunto do Primeiro-Ministro, creio que justamente para não colocar aquele militar no activo na necessidade de ter de defender e debater uma lei que era partidária.
Em segundo lugar, afirmo-lhe que, mesmo que V. Ex." tivesse toda a razão, levantou tarde de mais essa questão, pois deveria tê-la feito em sede de revisão constitucional, ao redigir-se o artigo 270.° Não me parece que possamos ir agora para além desse artigo da Constituição, restringindo outros direitos dos militares que lá não estão previstos.
A segunda questão que colocou é a de saber como distinguir uma associação composta exclusiva ou predominantemente por militares. Pois, Sr. Deputado, trata-se de um problema de aplicação da lei, e não de elaboração. Julgo ser perfeitamente possível fazê-lo através da lista dos associados. Se a associação é composta exclusivamente por militares no activo, isso é fácil de ver através da lista; se o é predominantemente, pois será, com certeza, devido ao facto de a maioria dos associados serem militares no activo.
Iria agora responder à última questão, que foi a primeira a ser colocada por V. Ex." Começaria por sublinhar que o Sr. Deputado César Oliveira não rebateu um único dos argumentos que apresentei em defesa da proposta do Governo, limitando-se a acenar com alguns casos que, em sua opinião, invalidariam a solução proposta.
Embora me permita duvidar de que a Joan Baez fosse a uma festa dc Avante, dadas as posições anticomunistas que tem tomado recentemente, gostaria de lhe dizer duas coisas: a primeira é que a possibilidade de erros ou até mesmo de perseguições por má interpretação da lei sempre existiu e sempre existirá. Mesmo que V. £x.° coloque aí um número novo, dizendo não se aplicar o n.° 5 do artigo 31." a festivais musicais organizados por partidos políticos, subsistirão muitas outras situações em que haverá possibilidade de erros e perseguições por má aplicação da lei.
A segunda coisa que lhe queria dizer, e esta é mais séria, é que o Sr. Deputado argumentou com base numa situação que a todos pareceu jocosa. Mas gostaria de lhe fazer a seguinte pergunta: por que razão os partidos políticos organizam festas musicais, nelas chamando a exibir-se estrelas do mundo musical? Para quê? Será para contribuir apenas para o desenvolvimento das artes e da cultura musical ou será para atrair mais pessoas à militância naquele partido? Se é para isso —e todos militamos em partidos, sabemos, portanto, que é para esta finalidade —, o senhor deputado acha bem que os militares no activo sejam envolvidos nesse tipo de captação e propaganda política? Eu não acho.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Dentro do bom humor que tem caracterizado esta reunião, direi, numa concebida frase, que a minha intervenção vai ser do tipo bikini — curta, excitante e cobrindo os pontos essenciais.
Risos.
Em primeiro lugar, quero dizer ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro que irei retirar a proposta de alteração do n.° 2 do artigo 31.° Não porque pense que ela se justificava, pois a expressão «ou desrespeitem o dever de isenção política e apartidarismo dos seus elementos» estava consumida pela expressão «declarações públicas de carácter político». Simplesmente, houve um argumento do Sr. Vice-Primeiro-Ministro que me sensibilizou especialmente: isto é uma repetição da fórmula constitucional, quod abundai non nocet; portanto, a proposta está retirada.
Quanto a eliminar a expressão «mediante autorização superior», penso não ser necessária uma autorização superior para a presença de um militar numa cerimónia oficia!. E mais: isso poderia abrir caminho a uma atitude extremamente discriminatória das Forças Armadas em relação ao Governo. Desde que é oficial, parece-me que o assunto morreu, e isso poderia permitir atitudes que não se me afiguram prudentes.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e M3mfstan> £a Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — A razão pela qual penso que essa eliminação é aceitável, embora coloque alguns problemas, e que o que se passa, na prática, quanto â participação de militares no activo em cerimónias oficiais é que eles recebem ordens no sentido de participar. Portanto, nem sequer se coloca o problema de pedirem autorização, pois vão os que são escalados para o efeito.
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O Sr. Presnáecle: — Tem a palavra, o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Lieis PJtames (PS): — O que, como o Prof. Marcelo Caetano verificou naquela sessão na Sala antes do 25 de Abril, nem sempre dá bom resultado. Mas isso é outra história.
Vamos agora passar a um assunto mais sério que a participação. Estamos abertos a uma redacção, qualquer que seja. que salvaguarde alguns pontos de vista essenciais.
Em primeiro lugar, é evidente que os meios de comunicação social dão cobertura aos acontecimentos que se passam no País, mas há um direito à informação que também é importante. A política não é só a informação feita pelos meios de comunicação social. A lógica política, como todos sabemos, não é uma lógica cartesiana, mas sim tópica, de convencimento, e a presença de um militar do activo num comício pode ser importante para a formulação das suas opções políticas.
Simplesmente, o que acontece é o seguinte: deixa-se aqui alguma liberdade do bom ou mau uso dos direitos ao militar no activo. Há sítios onde o militar do activo, mesmo podendo, não deve ir. Ou então há momentos em que pretende mesmo ir lá para esse efeito.
O segundo aspecto, a meu ver, importante, que nos levou a fazer esta proposta de alteração e para o qual pedia a especial atenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro é o seguinte: em que medida uma restrição demasiado grande neste campo não abrirá caminho a um corte profundo entre as Forças Armadas e a sociedade civil? Por exemplo, sou uma pessoa conhecida como membro de um partido político, mas tenho amigos militares no activo. Em que medida o convívio que tenho com esses meus amigos os pode conotar?
Todas as questões são graves, não podendo ser encaradas numa fórmula absolutamente proibitiva, mas sim numa iòrmula de uso de direitos.
O terceiro ponto que me parece importante é o do problema das associações constituídas predominantemente por militares. Em minha opinião, tem de ter uma regulamentação. Todavia, não penso que e!a possa ser colocada no fim, mas antes no princípio.
Se o Sr. Vice-Primeiro-Ministro tiver ocasião de analisar a questão, verificará que a fórmula do PS é mais restritiva que a proposta pelo Governo. Vamos ao ponto de definir já o que são associações constituídas predominantemente por militares. E dizemos que até nem podem ser promovidas. A nossa fórmula, parecendo que não, é mais restritiva. Pode, no entanto, ser melhorada no sentido de uma maior clarificação.
O Sr. Vice-Prime;70-MÈnist?o e MÊnsstro cia Defesa NsicíoütEl (Freitas do Amaral): — Posso fazer-lhe uma pergunta, Sr. Deputado?
O Orador: — Faça favor, Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vâcs-FrcraeJro-Mlitistro s Mín£3írc is. Deíssa Nacional (Freitas do Amaral): — Gostaria de lhe perguntar, Sr. Deputado, se, no seu pensamento, a redacção da proposta que apresentou permite que cidadãos que não sejam militares no activo possam promover a constituição de associações compostas exclusiva ou predominantemente por militares?
O Orador: — Não. E por um motivo. É que, em minha opinião, uma associação constituída exclusivamente por militares é ilegal. É por isso que lhe digo que é possível dar-lhe uma fórmula, tornando-a ainda um pouco mais restritiva dentro da legalidade. A constituição de uma associação só de militares é, pura e simplesmente ilegal, tendo de ser imediatamente proibida.
Segundo ponto: retira-se ao chefe de estado-maior algo que considero inconstitucional — a capacidade de aprovação dos estatutos. Essa capacidade vai contra o direito de associação, que a Constituição defende.
Terceiro ponto: há uma faculdade que compete oxclusivamente, numa parte, ao Governo e, noutra parte, à magistratura — o controle da actividade das associações. Dar este poder ao chefe de estado-maior e à junta de chefes seria um presente envenenado, Sr. Vice-Primeiro-Ministro. É dar-lhes algo para o qual não têm vocação, obrigando-os a fazer determinado tipo de escolha que não devem fazer.
É o ministério público, como órgão do Governo (digo deste modo para simplificar as coisas, pois todos sabemos não ser exactamente assim), que deve actuar em relação a esse tipo de coisas.
Dito isto, penso dever estabelecer-se um regime transitório relativamente às associações já existentes. De resto, há algumas associações já existentes que não o são exactamente. Por exemplo, a Liga dos Combatentes é criada por decreto, não havendo o problema da associação como associação voluntária de cidadãos, a Revista Militar, que é uma cooperativa militar, o Clube Militar Naval e aquelas associações impropriamente designadas por «clubes de oficiais», as quais são, no fundo, messes.
No que se refere à vida interna dos seus ramos, isto não tem problemas. Havia uma lei de um pouco antes do 25 de Abril, a qual creio não estar revogada, prevendo que qualquer oficial general que assumisse a presidência da República fosse imediatamente promovido ao posto de marechal. Talvez tenha sido nela que se baseou o Conselho da Revolução quando fez recentes promoções a esse posto.
No que se refere às duas propostas do Sr. Deputado Magalhães Mota, ao contrário do Sr. Vice-Primeiro--Ministro, gostaria de introduzir duas alterações: o governo civil exerce um importante poder político de tutela. No entanto, a figura do governador civil é uma figura que está a ser posta em causa por todos os partidos, na base de uma ideia de descentralização. Quanto ao problema dos administradores das empresas, aí não. Passamos a vida a reclamar contra os saneamentos políticos da administração das empresas e evidentemente que o cargo de administrador de empresas não é um cargo de confiança política, mas sim de competência profissional. E, se não é exactamente assim, diria que o deveria ser e que a tendência é nesse sentido.
No referente aos artigos de carácter técnico, também não estou de acordo, pelo seguinte: o almirante Sanguinetti foi passado à reserva porque escreveu um artigo de carácter técnico a pôr em causa a opção do Governo em relação às armas nucleares. Um artigo que fizesse uma opção no plano meramente técnico, criticando a aquisição de determinado tipo de material e promovendo a aquisição de outro tipo, seria eminentemente político.
Assim, penso que a proposta do Governo nesse aspecto está perfeitamente certa.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao que foi dito pelo Sr. Deputado José Luis Nunes sobre o ponto 6 do artigo — associações—, estou de acordo com ele. O texto subscrito pelo Sr. Deputado não corresponde exactamente ao seu pensamento e teria talvez de ser alterado.
No entanto, gostaria de rebater o ponto em que o senhor deputado acusou de inconstitucional a proposta de lei do Governo. Disse que entregar ao Conselho de Chefes de Estado-Maior a aprovação dos estatutos destas associações era inconstitucional. Salvo o devido respeito, penso que não, pois o artigo 270.° prevê a possibilidade de restrições ao exercício do direito de associação. Portanto, o que esteja estabelecido noutras partes da Constituição sobre direito de associação naturalmente cederá perante esta cláusula do artigo 270.°
Penso que a solução talvez seja inconveniente e é certamente um presente envenenado. Assim estou pronto a concordar com o Sr. Deputado no sentido de se alterar a solução proposta, mas não penso que esta fosse inconstitucional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — A restrição dos direitos refere-se, essencialmente, a pessoas individuais, e não a pessoas colectivas. Mas há uma coisa ainda mais importante: iria dar à junta de chefes de estado-maior um determinado tipo de competências que até agora nem sequer pertence ao poder executivo e que penso não dever ser delegada.
Era apenas esta base que invocava a inconstitucionalidade.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, são 20 horas e 20 minutos e há ainda mais S senhores deputados inscritos. Acabaremos hoje o debate sobre o artigo 31.° ou vamos interromper, deixando o resto para amanhã?
Voz imperceptível.
Proporia para amanhã o seguinte horário: reuniríamos da parte da manhã, das 10 às 13 horas. À tarde temos a eleição da mesa; não podemos, por isso, reunir, mas fá-lo-íamos depois à noite, das 22 horas à 1 hora. Isso teria a vantagem de possibilitar a presença dos membros do Governo.
Voz imperceptível.
Seriam 3 horas de manhã e 3 à noite, de modo a perfazer as 6 horas. Portanto, de manhã reuniríamos das 10 às 13 horas, e à noite, das 21 às 0 horas ou das 22 horas à 1 hora, conforme se decidisse.
Então, Srs. Deputados, terminámos hoje os nossos trabalhos. Recomeçaremos amanhã, pelas 10 horas.
Reunião de 21 de Outubro de 1982
O Sr. Presidente jFernando Condesso (PSD)]: — Está aberta a sessão.
Srs. Deputados, estávamos no artigo 31.° Estavam inscritos os Srs. Deputados Borges de Carvalho, que se encontra ausente, e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Caríos Briío (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, tinha-me inscrito a seguir às considerações feitas pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro relativamente às propostas apresentadas para o artigo 31.°
A primeira observação que gostaria de fazer é a de que me parece que só por modéstia o Sr. Vice-Primeiro--Ministro pode dizer, como disse numa intervenção anterior, que apenas um dos números deste artigo tem matéria inovadora.
Se não fez esta afirmação, estamos de acordo. A nossa grande preocupação advém da circunstância de em todos os artigos se agravarem as restrições existentes.
Essas restrições, que, como bem sabemos, não tinham cobertura nem constitucional, nem legal, com a revisão da Constituição foram constitucionalizadas, e espe-rar-se-ia que tivessem uma cobertura legal correspondente. Porém, o que observamos é que em relação a todos os números há um agravamento das restrições.
Parece-me que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro não pode contestar esta nossa conclusão.
Relativamente às restrições agora impostas aos militares que desejem candidatar-se a órgãos eleitos, quer à Assembleia da República, quer aos órgãos das autarquias, que por proposta do PS passaria também a atingir os candidatos à Presidência da República, gostaria de fazer duas observações e uma pergunta.
Como primeira observação, penso que esta alteração, tendo em conta de quem parte a proposta — do PS — e de quem a aceita —o Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Prof. Freitas do Amaral—, é passível deste comentário: Mário Soares e Freitas do Amaral procuram, através de um golpe legislativo, eliminar possíveis concorrentes na corrida para Belém.
Creio que não é uma solução feliz. Sabe-se que existe o propósito de candidaturas a Belém. Se se introduz uma norma visando restringir quem se pode candidatar, eliminando a possibilidade de oficiais no activo se apresentarem como candidatos a Belém, está-se a restringir o número daqueles que se poderão candidatar e a eliminar concorrentes a Belém.
Esta é uma observação que pode ser legitimamente feita pela imprensa. Por isso mesmo, talvez não seja muito oportuno introduzir-se essa alteração.
Creio também que se pode pensar que com esta alteração se tem em vista «beliscar» (não quero dizer mais...) o actual Presidente da República.
Queria ainda perguntar quais as razões que levaram o Governo a agravar as limitações e condições que se colocam aos militares no activo?
Ontem, numa pergunta formulada pelo Sr. Deputado Jaime Gama ao Sr. Deputado Herberto Goulart, dizia que não seria desejável para a democracia portuguesa que todos cs partidos chamassem às suas listas militares e que estes começassem a pulular nas listas dos partidos para os competentes órgãos electivos — Assembleia da República e autarquias locais. Creio que não é desejável que isso aconteça. Porém, observo que isso não tem acontecido. O regime em vigor parece ser bastante para limitar quer a tendência dos partidos para irem buscar oficiais e outros militares no activo, quer dos militares que a tal se têm coibido. Observamos que na Assembleia
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da República não abundam os candidatos que fossem militares na altura em que apresentaram as suas candidaturas. Suponho até que não haverá nenhum.
Isso também se verifica em relação às autarquias. Os partidos não têm apresentado candidaturas de militares no activo e da parte dos militares também não se tem visto o desejo de serem candidatos e de se oferecerem para listas partidárias.
Parece-me, pois, que o regime actual é bastante razoável em relação ao objectivo que se pretende e que o deputado Jaime Gama referiu. Pensamos que isso está alcançado. Porquê introduzir um novo condicionamento? Quais os fundamentos da introdução de novas limitações?
Isso, por redução ao absurdo, pode levar a argumentos como os que aqui ouvimos — por que é que um militar no activo pode ser ministro se não pode ser deputado? Por que é que não pode ser deputado e pode ser presidente da RTP ou da RDP?
Esta argumentação é legítima porque se limita mais do que a vida torna exigível, como temos observado.
A minha pergunta era esta. Gostaria de a ver respondida, para vislumbrar melhor as razões que determinam esta inovação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Queria fazer um protesto contra a intervenção jocosa do Sr. Deputado Carlos Brito. Quem não tem ideias nem defende posições de princípio sobre aspectos relevantes da organização democrática do Estado tem necessidade de recorrer à dissertação sobre as questões conjunturais. Nesse ponto a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito foi particularmente infeliz.
Não é nenhuma razão de conjuntura nem de táctica política que nos leva a defender que, de futuro — isso ficou assente logo de início —, qualquer candidato a um cargo elegível do poder autárquico ou do poder político não possa ser um membro das Forças Armadas em serviço activo.
Trata-se de um princípio essencial para assegurar, por um lado, a independência, a isenção, o apartidarismo e a estabilidade das Forças Armadas e, por outro lado, para defender a normalidade de funcionamento do regime democrático.
As forças políticas que pretendem inundar as suas listas de tenentes-coronéis, coronéis ou de outros postos militares, procurando através disso granjear simpatias políticas ou interferir no que pensam ser a relação de forças da vida politica, não podem olhar com bons olhos esse tipo de soluções.
Mas é para assegurar a independência das Forças Armadas e a estabilidade do regime democrático, e não para facilitar a tarefa dos que assim pensam, que o PS, coerente com os seus princípios, apresenta esta proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavTa o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Num breve contraprotesto, queria dizer que não desejo polemizar com o Sr. Deputado Jaime Gama.
As suas acusações são falsas. Esta sua intervenção pesada e mal humorada diz tudo acerca da falta de razão que assiste ao comentário e ao protesto produzido.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defese Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, nunca disse que só havia um número do artigo 31.° que fosse inovador em relação à legislação actual.
Tive ocasião de dizer aqui, como já tinha feito no Plenário, que havia, pelo menos, 3 números deste artigo qm continham inovações: há inovações de fundo no n.° 4, non.° 5e no n.° 6.
A minha profunda convicção — e podemos discuti-la se for caso disso — é de que nos restantes números não há inovações de fundo, embora em alguns haja inovações de forma.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — No n.° 8 também!
O Orador: — Não, Sr. Deputado. No n.° 8 da proposta de lei não há. Haverá, sim, se for aceite a proposta de alteração do PS com a inclusão do cargo do Presidente da República.
Ontem, ao pronunciar-me sobre este artigo, tive ocasião de justificar —creio que em resposta ao Sr. Deputado César Oliveira — uma das alterações que suscitou mais dúvidas. Lamento que o Sr. Deputado Carlos Brito, não estando cá, não tivesse podido ouvir a justificação que me pareceu ter convencido muitas pessoas, inclusive na sua bancada.
Não é, portanto, verdade que todas as regulamentações que constam da proposta do Governo quanto ao artigo 31.° venham introduzir limitações mais graves das que existiam.
Quanto à proposta do PS, que o Sr. Deputado não ouviu fundamentar, ela foi apresentada mencionando-se a necessidade de uma declaração expressa de que não tinha aplicação ao actual titular do cargo. Penso, aliás, que nem será necessário fazer essa declaração, pois se tivesse aplicação ao actual titular seria dar efeito retroactivo à lei.
Essa proposta não se justifica por razões conjunturais. Justifica-se por uma questão de princípio, como pode ser comprovado por uma análise, mesmo sumária, do direito comparado, uma vez que é o regime que existe na grande maioria, senão na totalidade, dos países democráticos.
Por outro lado, ela não visa eliminar candidatos. Não há nenhum militar no activo que por esta disposição fique impedido de se candidatar à Presidência da República em 1985. O que fica é obrigado a passar à reserva, se o quiser fazer, e a concorrer em condições de igualdade com os candidatos civis que porventura se apresentem à eleição.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Reservando-me o direito de fazer um comentário à sua intervenção, gostaria de lhe colocar uma pergunta. Parece-me que é útil trocarmos algumas impressões sobre este ponto.
Sr. Vice-Primeiro-Ministro, se um professor catedrático concorrer à Presidência da República e for eleito para o cargo isso não prejudica a sua carreira académica. Pode continuá-la e fazer todos os seus graus. A sua carreira é apenas interrompida pelo exercício do cargo.
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Relativamente a um oficial, iríamos criar esta situação: pelo facto de ter sido Presidente da República não poderia regressar a oficial do activo.
O Otrador: — A resposta à sua pergunta é tão simples que estranho que o Sr. Deputado a coloque. Não há comparação entre funcionários públicos civis e militares no activo. A situação destes tem justificado em toda a parte, em muitas épocas, e é, hoje em dia, um princípio universalmente aceite, limitações à sua intervenção política.
Porquê? A resposta, Sr. Deputado, está no texto de 1976 da Constituição, que, nesse ponto, apenas foi alterado na sua redacção: os elementos das Forças Armadas não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política.
É só isto, Sr. Deputado.
Acrescentaria que, no caso das candidaturas à Presidência da República, a obrigação de passagem à reserva, com o que têm de definitivo e de irreversível, além de ser uma garantia da democraticidade do sufrágio e da igualdade dos candidatos militares com os civis, é ainda uma garantia do próprio candidato militar.
Recordo-me de que várias das forças políticas que em 1980 apoiaram a recandidatura do general Ramalho Eanes à Presidência da República, durante a campanha e até antes dela, esgrimiram contra a AD com uma argumentação pela qual faziam antever o que seria a vingança da AD relativamente ao general Ramalho Eanes se ele perdesse a eleição — que seria posto na prateleira, que nunca mais poderia ter carreira militar, que seria colocado no Supremo Tribunal Militar num lugar de vogal e não poderia aspirar a qualquer função que correspondesse aos seus méritos na carreira das armas, etc.
Estes argumentos foram esgrimidos contra a AD. O simples facto de o terem sido mostra que a proibição de um militar no activo se candidatar a Presidente da República e a obrigação de, para o fazer, ter que passar à reserva, além de todas as outras significações, tem ainda esta: a de fazer a separação entre a carreira militar e a carreira política e permitir que esse candidato, se for derrotado, seja um político digno na sua derrota eleitoral, e não um militar no activo perseguido por ter perdido uma eleição política.
A última observação que faria era de que as razões que levaram o Governo a, em dois ou três pontos, agravar o regime actualmente em vigor foram aqui devidamente explicadas e desenvolvidamente explanadas ontem.
O Sr. Deputado terá acesso a essas justificações. Dis-pensar-me-ia, assim, de as repetir ponto por ponto. Pode o Sr. Deputado estar certo de que todas as inovações — são basicamente três— foram devidamente justificadas e têm fundamento. Não quer dizer que estejam certas! A Comissão de Defesa decidirá. O Governo, ao apresentá-las, fê-lo de caso pensado, por motivos sérios que aqui justificou e que esta Comissão está, com toda a liberdade, a apreciar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Estão bem vincadas as diferenças de opinião. Por não ter dúvidas sobre a sua existência, quis deixar claro o meu ponto de vista, até para demonstrar que discutimos empenhadamente estas questões, ao contrário do que se pode julgar.
Queria, finalmente, sublinhar um ponto. Não me parece que exista algum princípio democrático que leve a alargar as restrições que a proposta de lei comporta, relativamente à situação actualmente existente, no que diz respeito à candidatura de militares a órgãos electivos. A experiência portuguesa tem sido uma boa prova de que isso não é necessário.
Por maioria de razão, o mesmo se diga em relação ao alargamento das restrições às candidaturas de militares à Presidência da República. Creio que não há algum princípio que a isso obrigue. Há também uma experiência portuguesa a esse respeito.
As situações nos paises da Europa Ocidental, e até nos paises da NATO, são muito diversas a esse respeito, até porque alguns há que são monárquicos.
Não se invoquem os princípios mais puros da democracia para fundamento da introdução desta norma na lei.
Por isso, todos os comentários a esta norma, todas as razões de ser de carácter político, incluindo razões circunstanciais, são admissíveis e legitimas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. Joio Cravinho (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação ao artigo 31.° tenho dois tipos de observações: uma questão de método em relação aos trabalhos da nossa Comissão, que reservarei para o fim, e um outro tipo de carácter secundário, destinadas a realçar o que vem sendo dito por outros deputados.
Creio que os números do artigo 31.° configuram restrições muito severas ao exercício de direitos por militares. É uma matéria muito delicada, onde todo o cuidado na sua redacção e nas situações envolvidas será pouco. Para apenas mencionar um caso, o n.° 2 está redigido em termos tais que abre lugar a interpretações altamente subjectivas.
Diz-se nesse número que «os cidadãos mencionados no n.° 1 não podem fazer declarações de carácter político ou que sejam susceptíveis de pôr em risco a coesão e disciplina das Forças Armadas».
A interpretação que se pode dar a «susceptível de» e «pôr em risco» é altamente subjectiva.
O «ser susceptível» está aberto às interpretações mais variadas, consoante quem está a examinar a situação. O próprio termo «susceptível» encerra em si uma ideia de apreciação e de estimação que depende de quem as faz.
Acrescenta-se, ainda, a noção de «pôr em risco». Ora, o risco é um conceito probabilístico, envolvendo uma avaliação de probabilidades, que é altamente subjectiva e complexa no processo de estimação.
A noção de risco, tal como aqui está, envolve ainda um outro conceito — o conceito de limiar crítico —, que está implícito na avaliação da situação. Ainda que as pessoas concorram numa certa estimação probabilística do risco teriam também de concorrer na determinação do limiar crítico quanto aos efeitos, no sentido de poder julgar da aplicação ou não da disposição, visto que a um risco elevado —no sentido de uma probabilidade de ocorrência elevada — poderá corresponder um limiar crítico muito alto ou muito baixo.
A combinação de probabilidade com a de limiar crítico determina uma enorme latitude de apreciação.
Se é antecedido pela susceptibilidade é quase que a licença de dizer — como o fazem os ingleses — que «a
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beleza está nos olhos de quem a vê». Aqui o risco e a susceptibilidade estariam em certos olhos e a lei se encarregaria^ de dizer que a aplicação desta disposição ficaria ao critério de quem tivesse o poder de a aplicar.
Outro exemplo de conceitos que precisam de ser aclarados reside no n.° 6. Diz-se aí que os cidadãos mencionados no n.° 1 não podem, sem autorização superior, ser filiados em determinadas associações, a menos que estas tenham uma finalidade exclusivamente social ou cultural.
Em primeiro lugar, o que é uma finalidade cultural ou social? Em segundo, qual o significado de «exclusivamente»?
Suponho que a inclusão destes termos vem no sentido de aclarar que determinadas associações estariam ao abrigo desta disposição, por ser-lhes reconhecida a sua bondade em termos da legislação em causa — por hipótese, a Cooperativa Militar, o Clube Militar Naval ou todas as associações dessa índole. Reconheço a boa intenção e o propósito de evitar perturbações em quem possa estar afectado por essa legislação. Mas estamos a legislar em termos gerais, não para o Clube Militar Naval nem para a Cooperativa.
Portanto, o que representa ter uma finalidade exclusivamente social ou cultural? Não quero afirmar que não exista uma tipificação legal que elimine a dificuldade. Aliás, estão aqui presentes especialistas que nos podem esclarecer essa dúvida.
Quanto ao direito de associação constante do n.° 6, já foi abordado pelo meu camarada José Luís Nunes. Ainda que seja possível ao Chefe do Estado-Maior, nos termos do nosso ordenamento constitucional, fiscalizar os estatutos e a sua aplicação às actividades das associações, não deve ser esse o caso. O direito de associação, mesmo que seja restringido, deve, na minha opinião, ser controlado pelos tribunais.
Quanto ao problema do direito de informação, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro virou com bastante argúcia e inteligência a argumentação ao dizer que, se os cidadãos aqui mencionados podem tomar conhecimento de qualquer reunião política ou de qualquer comício através dos meios de comunicação social, mais uma razão para que não seja considerada necessária a sua presença. ,
Esta argumentação poderia ser considerada se os meios de comunicação social fossem fiéis e neutros na reprodução exacta do que se passa. Há uma selectividade ditada pelas mais variadas razões e uma filtragem ou perda de informação ditada pelo meio de comunicação social.
Portanto, o direito à informação fica de certo modo coarctado nesse campo fundamental para que o cidadão em causa possa exercer o direito de voto, de opção e de participação na vida cívica, consoante a capacidade eleitoral que efectivamente tem.
Ao dizer-se que se os meios de comunicação social já dão notícia do acontecimento, isso chega e até pode ser aduzido no sentido favorável ao que aqui se propõe? Creio que não é o caso, porque pressupõe condições que não se podem realizar, independentemente da vontade e da boa orientação dos meios de comunicação social.
Relativamente ao n.° 3, gostaria de colocar um problema de redacção, que julgo simples. Diz-se aí que «os cidadãos mencionados no n.° 1 não podem, sem autorização superior, fazer declarações públicas que abordem assuntos respeitantes às Forças Armadas ou à vida interna dos seus ramos». Suponho existir aqui uma redundância — a vida interna dos ramos está compreen-
dida no que respeita às Forças Armadas. Se não é assim, gostaria que me fosse explicado.
Evitando repetir argumentos que já foram aduzidos em relação a outras matérias, gostaria de me reportar a um problema de fundo quanto aos nossos trabalhos. Trata-se da necessidade de não se considerar o problema da restrição ao exercício de direitos sem o parecer da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias. Essa Comissão existe no âmbito da Assembleia da República. Tem como missão própria examinar problemas deste domínio. São matérias de grande delicadeza e de grande alcance no que toca à lei em causa. Julgo, portanto, que esta Comissão não deveria dispensar de maneira alguma o parecer da outra comissão da Assembleia da República, cujo objecto é, precisamente, os direitos, liberdades e garantias.
O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra aos senhores deputados que estão inscritos queria esclarecer o seguinte: ficou definitivamente combinado, em sede de conferência de líderes, por acordo de todos os grupos parlamentares, que não se fariam consultas a qualquer outra comissão.
Esse problema foi suscitado relativamente à lei do Tribunal Constitucional, ao pôr-se a hipótese de se fazerem consultas à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias. Para se evitar a morosidade que uma tal solução implicava decidiu-se constituir uma comissão eventual.
Aqui, como não se colocou essa questão, não se adoptou igual procedimento.
Penso que essa questão se deverá considerar ultrapassada, até porque neste momento a Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias não está operacional. Foi fundida com a comissão eventual que se debruça sobre o Tribunal Constitucional.
Seguir esse processo implicaria não termos esta lei aprovada a tempo.
Faça favor.
O Sr. João Cravinho (PS): — Sr. Presidente, conhecia essa disposição da conferência dos líderes. Porém, o desenrolar dos nossos debates, a profundidade dos problemas que têm sido focados, a multiplicidade de soluções, a delicadeza de cada uma das opções envolvidas, leva-me a considerar que a conferência não terá sido feliz nessa disposição.
O que, portanto, coloco à consideração é se a matéria que já aqui foi debatida não demonstra que não se poderá ignorar a existência de uma comissão que tem uma missão fundamental a desempenhar neste campo e se, de facto, não terá sido excessivamente simplificadora a decisão que foi tomada pela conferência dos líderes.
Conheço bem a urgência, mas suponho que a matéria que estamos a debater justifica o atraso de um dia ou dois, no sentido de usar todos os recursos que temos à nossa disposição.
A excessiva simplificação facilita no momento, mas pode criar grandes complicações no futuro.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queria apenas fazer uma precisão. Não falei em decisão. A conferência não decide. Disse que a questão foi ventilada e as razões que levaram a aceitar-se a formação de uma comissão eventual — pelo menos por parte do meu grupo parlamentar — foi a de se evitar consultas de uma comissão a outra.
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Não falei em decisão, já que a conferência dos líderes não decide.
O Sr. loão Cravinho (PS): — Nesta hipótese de não poder ou não ser conveniente ou não ser oportuno consultar...
Faça favor, Sr. Deputado, se o Sr. Presidente o permitir.
O Sr. Presidente: — Para uma interpelação tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): — Sr. Deputado, desculpe, mas é só uma curiosidade. A Comissão iniciou os seus trabalhos na terça-feira. Desenvolveram-se na terça, na quarta e agora na quinta. Sobre o artigo 31.° foram apresentadas várias propostas subscritas pelo Sr. Deputado João Cravinho. Pergunto-lhe, pois, porque é que só na quinta-feira, de manhã, levanta o problema de fundo.
Não se trata de uma lei que tenha sido apresentada hoje. Foi submetida á apreciação dos partidos. Que me conste, o próprio PS tem contactado chefias, Presidência da República, etc, nunca tendo colocado essa questão.
É apenas uma curiosidade de entendimento.
Q Sr. Piresídemíe: — Para uma interpelação à mesa tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, pela informação que tenho da conferência e pela leitura das súmulas, a combinação a que o Sr. Presidente se referiu tinha em vista a discussão e votação na especialidade da lei sobre o Tribunal Constitucional. Foi nesse sentido que estivemos de acordo que, para evitar consultas a outras comissões, se constituísse a Comissão Eventual, tentando todos os grupos parlamentares ter ali os melhores especialistas na matéria, que interviriam em plenitude de competência e de representação sobre a lei do Tribunal Constitucional.
A questão não se colocou em relação à Comissão de Defesa.
Não me parece, portanto, que esteja prejudicada a questão que o Sr. Deputado João Cravinho levantou.
Q Sr. Presidente: — Sr. Deputado Carlos Brito, em resposta à sua interpelação, a questão foi colocada em relação à lei do Tribunal Constitucional. Foi por essa questão ter sido levantada a respeito dessa matéria, e não desta, que aceitámos que aí fosse constituída uma comissão eventual.
Na altura ninguém colocou essa possibilidade relativamente a esta matéria. Se assim fosse as coisas teriam de ser ponderadas de outra maneira.
Creio, portanto, que, independentemente daquilo que disse poder ser verdade, o que acabo de afirmar corresponde ao que se passou.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Posso esclarecer essa questão, já que me passou pelas mãos.
Com efeito, a interpretação do Sr. Deputado Fernando Condesso é exacta. Chegou até, por proposta de um dos representantes do PS, a ser encarada a hipótese de uma comissão eventual. Na base da ideia da criação
da referida comissão estava o problema que foi levantado pelo Sr. Deputado João Cravinho.
O assunto foi reconsiderado por nós e entendeu-se que a questão devia ser decidida aqui, e, como assumimos sempre as nossas responsabilidades, assentámos que se tratava de uma questão fechada.
Quanto ao problema da consulta à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, penso que seria uma solução interessante. Também se poderia consultar a Comissão de Assuntos Constitucionais. Porém, neste momento está ultrapassada, dado o debate. Teria que ser uma questão prévia relativamente a este problema.
Inclusivamente não seria só sobre este assunto que essas Comissões teriam uma palavra a dizer. Poderia ser sobre toda a lei. Simplesmente, nesta altura não se afigura como praticável.
Tem toda a razão o Sr. Deputado João Cravinho. É pena que não tenha sido possível fazer-se. Mas estamos confrontados com uma situação em que isso não é viável.
Há ainda um argumento fundamental. Foi considerado que a Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias já se tinha pronunciado, quando da revisão constitucional, através dos seus elementos e numa audição informal, acerca do inciso constitucional sobre esta matéria. Como muitos de nós fizeram parte dessa Comissão — o que não é o meu caso —, tínhamos presentes muitas das reservas que foram formuladas e que este artigo 31." não devia ser matéria inovadora, mas uma explicitação do que está constitucionalmente definido.
Foi na base deste somatório de fundamentos e de razões que se considerou perfeitamente aceitável prescindir desta consulta, não obstante o manifesto interesse que sla teria.
O Sr. Presidente: — Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): — A razão por que só hoje pus a questão é porque, em resultado da nossa discussão de ontem, quando iniciámos o debate deste artigo 31.°, em função da extensão e profundidade do debate e dos problemas levantados, ocorreu-me este problema.
Será um erro meu, pois deveria ter tido a previsão e, eventualmente, a própria conferência de líderes para em tempo se ter determinado um sentido diferente. Se foi, não tenho medo de dizer que dele me penitencio.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Creio que este artigo 31." é dos artigos mais importantes desta lei, na medida em que também prenuncia uma certa concepção sobre o papel dos militares na vida da sociedade portuguesa.
Começaria por dizer que a concepção que me parece estar expressa neste artigo 31.° a tenho por ultrapassada. Creio, de facto, que já não é do nosso tempo entendermos o militar como um homem limitado na sua capacidade porque exclusivamente destinado a fazer a guerra e a prepará-la.
Estaremos de acordo em que o exercício das actividades militares implica, para aqueles que as exercem, um acréscimo de poder de intervenção que, como tal, nos levará a todos a limitar a possibilidade desse uso ou
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abuso, mas que não deve essa limitação exceder a possibilidade de controle democrático do uso dos meios que lhe são postos à disposição.
O princípio constitucional de que não podem os militares utilizar-se do seu posto ou da sua arma ou da sua função deve regular-nos. Creio que, em relação a esse princípio e também ao artigo 270.°, este artigo 31.° excede largamente esses limites.
No fundo, está em causa entender-se que o militar, pelo simples facto de o ser, fica impedido de qualquer participação na vida política e social — essa concepção não é por mim perfilhada— ou, pelo contrário, que o militar não pode, no exercício da sua actividade cívica, utilizar-se do seu posto ou da sua arma ou da sua função. Essa segunda limitação tem a minha concordância e é a que está fundamentalmente em causa.
Vai longe o tempo em que o militar, só por sê-lo, tinha condições de exercício de poder na sociedade. Se, neste momento, compararmos a possibilidade de poder político que tem o presidente da RTP com a que é detida por qualquer coronel, vemos que são completamente diferentes, e a favor do Dr. Proença de Carvalho...
Nenhum de nós se lembrará de introduzir em qualquer lei a impossibilidade de o Dr. Proença de Carvalho se candidatar a qualquer cargo!
Creio que as limitações que são introduzidas, nos precisos termos do artigo 270.° têm a ver com a estrita medida das exigências das suas funções próprias. Passando a este crivo o que está no artigo 31.°, tenho que considerar que o facto de o n.° 2 impedir os cidadãos referidos de fazerem declarações públicas de carácter político é extremamente amplo. Uma declaração feita a um grupo de pessoas pode ser uma declaração pública. Estarão, assim, os militares, pelo simples facto de o serem, impossibilitados de fazer qualquer espécie de abordagem de qualquer assunto que diz respeito à vida nacional?
Penso que será ir longe de mais, como o é admitir que essas declarações públicas possam ser controladas por alguém, em nome da susceptibilidade que esse alguém lhes atribua de pôr em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.
Ou aceitamos uma limitação deste articulado e esta considera riscos efectivos ou controla esta posição, ou então o que está em causa é o próprio direito que não ficou limitado mas reduzido a zero.
Já ontem tive ocasião de me pronunciar sobre o n.° 3. Se também aqui reduzimos a possibilidade de haver discussão interna dentro das Forças Armadas sobre matérias de carácter técnico — foi ontem várias vezes utilizado o exemplo francês, que não é feliz, pois também na função pública existe essa restrição e todos sabemos como os franceses a ilidem, surgindo várias publicações com pseudónimo —, não vamos ao encontro da solução mais útil, que seria a de também nas Forças Armadas ser introduzida alguma discussão no campo das ideias sobre opções a tomar.
Poderíamos, agora sim, apontar o exemplo do próprio general De Gaulle, com a utilização das forças móveis e dos blindados na Segunda Guerra Mundial, contra a posição do Estado-Maior Francês.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Foi autorizado, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Como sabe, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, houve 2 edições do livro. A segunda edição, que falava também na Força Aérea e foi publicada na Argélia em 1943, não creio que tenha sido autorizada. A primeira versão foi objecto de várias reuniões não autorizadas, algumas com membros do PS francês.
Trata-se, porém, de um simples exemplo e só me interessa na medida em que revela a importância que pode ter a discussão de ideias no campo das próprias Forças Armadas.
Quanto aos n.°5 4,5 e 6, eles são inovadores em relação às disposições actualmente existentes, justificando ainda melhor ponderação da nossa parte.
Quanto à participação em reuniões, não vejo que o facto de um determinado militar participar numa reunião seja, por si só, limitador dos direitos dos outros cidadãos e seja suficiente para provocar qualquer convulsão nas Forças Armadas.
Penso que temos que modificar esta concepção de Forças Armadas, de acordo com a qual no seu seio não se podia falar nem da vida política nem da vida cívica, porque isso era entendido como factor de divisão. As Forças Armadas, numa concepção democrática e pluralista da vida cívica, têm que entender e assumir que o pluralismo é uma realidade, que a elas não lhes cumpre tomar partido como tal, mas que a defesa nacional reside na unidade que é pressuposta pelo próprio pluralismo.
Se as Forças Armadas vêm advogar a posição A ou B, aí, sim, elas estarão a ultrapassar o seu campo de actuação. Que elas aceitem e reconheçam o pluralismo como uma realidade da vida política da nação em que se integram é, para mim, um bem e não um mal.
Não vejo nenhum inconveniente em que possam participar em reuniões ou manifestações, como também não vejo inconveniente algum em que possam ser filiados em associações de natureza política ou partidária e participar nas suas actividades. Visto que aí participam como simples filiados, é uma questão que me parece nada ter a ver com a participação dos militares, utilizando a sua arma, o seu posto ou a sua função. Aí estão a agir como simples cidadãos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesc Nacional (Freitas do Amaral): — Queria perguntar se é correcta a interpretação das palavras do Sr. Deputado, como tendo demonstrado ser favorável a que militares no activo pudessem ser filiados em associações políticas ou partidárias.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Não via nisso inconveniente, desde que não se traduzisse num abuso do seu posto ou da sua função.
Porém, já veria inconveniente — e aí encontro-me con-sonante com a posição perfilhada pelo PS e pelo próprio Governo — em que o militar que se candidata a qualquer lugar da vida política, seja o de presidente da câmara ou de Presidente da República, não assuma a sua passagem à reserva.
Faça favor.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — O Sr. Deputado acha que um militar que se candidata á Presidência da República deve pedir a passagem à reserva, mas não vê incon-
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veniente em que um militar no activo seja secretário--geral de um partido político?
0 Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Vejo, Sr. Deputado. O exercício de funções directivas num partido político, numa organização cívica ou em qualquer associação dessa natureza poderá gerar a tal confusão entre o posto e as funções que desempenha. Mas, se for um simples militante que vá às reuniões, que receba as circulares, que almoce com o Sr. Deputado X, qual é o inconveniente...?
Faça favor.
O Sr. José Luis Nunes (PS): — O Sr. Deputado sabe, até por experiência própria, que existe uma realidade nos partidos políticos portugueses, mal ou bem, que se chama disciplina partidária. O militar que entra num partido político a qual das disciplinas obedece — à disciplina partidária ou à disciplina das Forças Armadas?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Deputado, vamos longe nessa confusão, até porque penso que alguns partidos abusam da militarização e da disciplina partidária excessiva.
Faça favor.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacõomal (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado, queria formular apenas mais uma pergunta, para esclarecimento completo do seu pensamento.
Se bem compreendo, o Sr. Deputado não veria qualquer inconveniente em que militares no activo, por exemplo chefes do Estado-Maior, aderissem a partidos políticos apenas no plano da filiação. Se amanhã, após a aprovação da lei que o Sr. Deputado aceitaria votar, cada um dos chefes do Estado-Maior das Forças Armadas Portuguesas comunicasse aos jornais que se tinha filiado no partido A ou B, o Sr. Deputado não veria nisso qualquer inconveniente?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Vice-Primeiro--Ministro, quando me referia às restrições ao exercício de direitos por militares, estava a referir-me ao exercício de direitos por qualquer militar e tive o cuidado de o especificar.
E evidente que, como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro concordará, o exercício de certas funções e de certos postos implicará mais limitações. Não creio, porém, que o simples tenente, capitão, major ou praça, estando todos abrangidos por estas limitações, tenha as mesmas restrições, as mesmas obrigações e o mesmo poder perante a sociedade que um chefe do Estado-Maior. Não creio até que haja alguém que tenha possibilidade de tornar exequível esta lei. Tal como ela está, é aplicável aos simples praças e ninguém vai controlar se o soldado 3527 da 3.« companhia de determinado regimento esteve ou não em certo comício, nem isso tem importância desde que estivesse desfardado, não usando da sua arma ou da sua função.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. losé Luís Nunes (PS): — Sr. Deputado Magalhães Mota, dei-me ao trabalho de tentar pôr o seu pensamento em lei. Resultava, mais ou menos, no seguinte:
«Podem-se inscrever nos partidos políticos oficiais até ao posto de capitão. Até ao posto de coronel poderão ser
militantes de base. Se, por hipótese, forem graduados em qualquer posto de comando, r.ão se poderão inscrever nos partidos políticos, tal como os oficiais generais.»
Haveria, portanto, uma limitação muitíssimo maior. Por exemple, um Sr. Capitão membro da ASDI tinha que passar a simples militante quando fosse promovido a major, a coronel ou a tenente-coronel e demitir-se do partido quando fosse promovido a brigadeiro ou a general. Mesmo assim, como coronel ou tenente-coronel, se exercer determinadas funções de comando, teria também que se demitir.
Penso que este esquema não nos conduz a lado algum.
Em segundo lugar, não conheço nenhum caso no mundo, à excepção dos países totalitários, em que os militares são inscritos nos partidos políticos obrigatoriamente, em que se verifique a existência de oficiais que se podem inscrever em partidos políticos. No mundo ocidental apenas conheço 2 casos, mesmo assim agora limitados — a Itália e a Noruega. Nesta podem fazer alguma política, ainda que limitada e o caso italiano tem uma explicação histórica— o case dos generais saídos da Resistência. Até há cerca de 10 anos, o Chefe do Estado--Maicr do Exército Italiano era um general membro da Comissão Central do PS.
Mesmo em relação a esses generais saídos da Resistência, por exemplo em França, imediatamente se exigem que os FTP e os FF! se afastassem dos partidos políticos em que estavam inscritos.
É curioso até o facto de, e convém apontá-lo, pois há muitas pessoas — não creio que seja o caso do Sr. Deputado Magalhães Mota— que pensam ser bastante de esquerda reclamar a politização das Forças Armadas, esses direitos terem sido exercidos pela direita e pela extrema direita, sobretudo por esta.
O Sr. V-sãgE de Oliveira (?CP): — (Não audível na gravação).
O Sr. Tose Lczs fiares (FS): — Desculpe, Sr. Deputado, dizia cue esses direitos foram usados essencialmente por pessoas de extrema direita. É o caso dos 2 generais FFI que foram cs autores dos atentados contra De Gauile.
Considero, portanto, que qualquer filiação política de um militar no activo mina as bases morais do Estado democrático, sendo absolutamente inaceitável e até punida. A quem clandestinamente se filiar num partido político deve-lhe ser aplicada a lei com o maior rigor, para evitar a partitíarização das Forças Armadas.
Uma das muitas coisas que fez cair a l República foi a partidarização das Forças Armadas, a inscrição dos militares em partidos políticos, a formação de partidos militares. Por exemplo, o general Gomes da Costa, na véspera do golpe militar da República, era filiado no partido mais extremista cue havia na República Portuguesa, o Partido Radical Republicano. Quando lhe perguntaram por que é que tinha aceite ser deputado por esse partido, a resposta fei inconcebível: «Foi o primeiro que veio falar comigo.»
O Sr. ?teo8derí2: — Srs. Deputados, estão ainda inscritos os Srs. Deputados Line Lima, César Oliveira e Máric Tomé.
Daria per encerradas as inscrições, pois o debate está-se a arrastar há muito tempo.
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Vou continuar a dar a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota, depois a cada um dos Srs. Deputados,r ordem respectiva, e finalmente o Sr. Vice-Primetro--Ministro fará as considerações que entender.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — A partir deste momento, não permitirei mais interrupções, na medida em que elas prejudicam os oradores inscritos pela sua ordem.
Creio que o Sr. Deputado José Luis Nunes já nos deu sucessivas mostras da sua inteligência, capacidade e imaginação para acreditar que fizesse uma lei muito melhor do que a que nos acabou de propor.
O que neste momento está em causa é saber se estas restrições são ou não demasiado amplas e todas justificáveis. Na minha opinião, elas são demasiado amplas e nem todas justificáveis.
Não são justificáveis porque excedem o comando constitucional, pelo qual só há restrições aos direitos na estrita medida da exigência de funções próprias. Tudo o resto excede o comando constitucional, como restrição de direitos que é.
É neste ponto que, creio, o artigo 31.° excede os comandos constitucionais. Excede-os no n.° 2, no n.° 3, no n.° 4, no n.° 5 e também no n.° 6, onde a finalidade exclusivamente social ou cultural das associações é extremamente difícil de determinar. No direito português já tivemos um mau exemplo de dispositivo similar —o Decreto-Lei n.° 520/71 — que exigia que as cooperativas não pudessem ter actividades culturais. Era uma disposição com o mesmo tipo de arbitrariedade, que recuso.
O princípio da petição colectiva — embora contido em restrições existentes — não me parece pôr em causa qualquer possibilidade de restrição, ainda que o artigo 270.° da Constituição aponte para «restrições ao exercício dos direitos». Porém, restrições não significa a impossibilidade de promover.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro terá que restringir o direito de petição colectiva, mas não que o traduzir em zero. Então não o estará a restringir.
Por último, como já tive oportunidade de sublinhar, perfilho a tese de que o militar que se candidate a funções políticas deve passar à reserva. Defendi isso em 1980 e verifico com agrado que, dois anos depois, essa tese foi generalizadamente assumida. Algumas lições de 1980 foram tiradas. Nesse aspecto, as vantagens da passagem à reserva, como, por exemplo, a não utilização de associações de ex-militares em campanhas políticas, são lições a recolher dessa campanha de 1980.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Luna (PCP): — Gostaria de fazer um breve comentário ao que designaria por filosofia da proposta.
Todos aceitamos que se estabeleçam restrições ao exercício dos direitos dos militares. As razões são óbvias. Estão ditas e reditas e não vale a pena insistir nelas.
O estabelecimento destas restrições pressupõe graus. E aí, ou tendemos a colocar num ghetto ou a integrá-los na sociedade civil, embora tendo sempre em conta as respectivas particularidades decorrentes da sua situação de militares. E uma ou outra opção.
A proposta tende a colocar os militares num ghetto, a isolá-los dos restantes cidadãos, agravando mesmo as
situações de restrições já hoje existentes. Para ilustrar o que acabo de afirmar, posso citar um exemplo: leva-se o desejo de pôr à parte os militares até ao ponto de se poder controlar as associações já existentes.
Parece-me ser evidente que o que está por detrás disto ê a concepção de que o militar é um perigo que, como tal, é preciso isolar e controlar.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para que daqui até chegarmos à conclusão de que um militar precisa de ser vigiado vai simplesmente um passo.
É esta nitidamente a tendência da proposta. Restringem-se os direitos dos militares de forma tal que está aberta a porta para a necessidade de se vigiarem os militares a fim de ver se estes actuam em conformidade com estas restrições.
Esta tendência parece-me extremamente perigosa, contrariando a filosofia da Constituição, onde se dá um cuidado muito especial aos direitos individuais e às garantias do seu exercício.
Pergunto-me se esta será a melhor forma de defender a democracia. Esta concepção, pela qual o militar é um perigo e como tal necessita de ser controlado e vigiado, parece-me que deve ser posta em evidência e tirarem-se daqui algumas conclusões.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Vice-Pre-sidente acaba de me chamar a atenção para que, ao passar para uma nova folha os nomes dos Srs. Deputados inscritos, me tinha esquecido do Sr. Deputado Jaime Gama.
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, já ontem, ao discutir este problema da filiação, disse que não estávamos a lidar com realidades mas com ficções.
O facto de um militar não poder assistir à festa da AD em Lamego ou, porque os mecanismos de captação são capciosos e subtis, não poder assistir à festa do Avante ou do PS ou não ser filiado ou não ser eleito, etc, não garante a não interferência dos militares na política.
Não é preciso para nada — e todos sabemos isso — que o militar A não seja inscrito, clandestinamente ou abertamente, no partido X ou Y para fazer política. Estamos aqui a lidar com ficções!
Proíba-se o que se quiser proibir, mas tenhamos a consciência de que este problema não é aquele que estamos a discutir. De facto, um militar pode não ter qualquer filiação, clandestina ou aberta, num sindicato ou associação, mas ser muito mais militante politico, em termos de obediência, do que um militar que esteja inscrito num partido político.
Todos sabemos que assim é. Resta proibir-se os militares de ter convicções políticas ou ideológicas e até de poder votar.
Há tempos, vi um filme na televisão intitulado O Planeta dos Macacos. Tratava de um conjunto de macacos que acabavam por escravizar uns animais com aparência de homens...
O Sr. José Luis Nunes (PS): — (Não audível na gravação.)
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Deputado, a consideração e a amizade que tenho por si há mais de 20 anos impedem-me agora de lhe responderl
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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado César Oliveira, agradecia-lhe que continuasse.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — A não ser que se transformem em animais que não pensem, não falem e não tenham raciocínio, não vejo como se pode impedir os militares, ainda que sem filiação política, de fazer política.
Ontem coloquei uma questão ao Sr. Vice-Primeiro--Ministro, que me parece fundamental para esta discussão: o que é politico e o que não é político no dia-a-dia de qualquer cidadão. Aqui surge a imensa dificuldade de delimitar o que é e o que não é político.
A minha grande preocupação relativa a este artigo não assenta nas restrições, mas sim no facto de esta lei — e não apenas no artigo 31.°— abrir a porta a medidas discricionárias e à pequena perseguição.
Faça favor.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado, queria-lhe chamar a atenção, bem como a toda a Comissão, para o facto de todas as leis empregarem conceitos que têm problemas de aplicação. Não é apenas esta, mas todas, sem excepção.
Os conceitos que esta utiliza não são muito diferentes dos que existem na legislação anterior e que ainda está em vigor. Que se saiba, estes não têm levantado um grande coro de protesto. Ao contrário, tenho verificado que a maior parte das intervenções dos Srs. Deputados propõem que se mantenha o que está, não se acrescentando o que esta proposta contém.
Este comportamento pressupõe que entendem que, de um modo geral, o que está é uma boa solução.
Ora, no que está empregam-se exactamente os mesmos conceitos. Por exemplo, no n.° 13 do artigo 4.° do Regulamento de Disciplina Militar estatui-se que «o militar no activo não pode exercer qualquer actividade política». Então aqui não levanta dificuldades e só esta lei vai abrir a porta a problemas de aplicação?
Penso, salvo o devido respeito, que estamos a exagerar na crítica a esta proposta, pelo menos na medida em que ela contém coisas que se considera que estão bem.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Vice-Primeiro--Ministro, a minha intervenção ia em parte no sentido do que V. Ex." acaba de dizer. Considero, com efeito, que grande parte desta discussão está a ter como objecto algo que é ficção.
Na minha opinião modesta, pouco versada em matérias de estratégia e defesa nacional — ao contrário de muitos dos presentes — , o essencial é termos a coragem de institucionalizar (e tenho propostas nesse sentido) o mecanismo de controle que obvie a eventuais situações decorrentes de uma prática discricionária e discriminatória ou da equivocidade própria da aplicação de certos conceitos.
Parece-me que nesta matéria esclareci as dúvidas que V. Ex." acaba de suscitar.
A questão fundamental é, pois, saber que tipo de controle democrático é possível institucionalizar para obviar às dúvidas e aos equívocos da aplicação de conceitos, equívocos esses que aqueles consubstanciam.
Não tenho quaisquer dúvidas em admitir certas partes do artigo 31.°, desde que as contrapartidas para o controle da aplicação do seu conteúdo sejam assentes em processos e metodologias de controle perfeita e claramente democráticos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Gostaria de dizer algo sobre esta matéria.
Parece-me que está subjacente a esta lei em geral e a este artigo em particular o conceito originário da direita, segundo o qual tudo o que é político é mau e que entrar na vida política é uma coisa má, principalmente para os trabalhadores e para os militares. Sem querer equiparar os militares aos trabalhadores, talvez seja melhor dizer-se para determinados grupos sociais que, pela sua actividade política, democrática e normal não permitam à direita levar por diante os seus projectos da forma como ela pretende.
A argumentação do Sr. Deputado José Luís Nunes leva-nos à conclusão de que, para impedir que a extrema direita tenha acesso a determinadas posições, ter-se-á que impedir a prática de direitos democráticos. Isto parece-me ser um contra-senso.
Também não concordo com a afirmação pela qual o problema consista em criar mecanismos democráticos que nos permitam controlar e impedir a prática da democracia. Não queremos impedir a prática da democracia através do controle democrático.
Penso que os militares, como qualquer cidadão, têm que ter o direito a uma prática de vida normal, a expressarem as suas opiniões políticas e a terem a sua actividade politica. E aqui presto a minha homenagem ao Sr. Deputado Magalhães Mota que, em termos de democracia burguesa —da qual me separo —, foi o único que fez uma intervenção consequente.
Vozes.
O Orador: — O Sr. Deputado Magalhães Mota de certo que não ficará apreensivo por estarem a ligá-lo à esquerda revolucionária. Esta bate-se com mais vigor dentro da democracia burguesa do que qualquer dos chamados democratas burgueses, porque quer levá-la até às últimas consequências, para a ultrapassar.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, agradecia que se cingisse ao tema em debate.
O Orador: — Com certeza, Sr. Presidente.
Podemos constatar que as situações em que os militares se tornam golpistas não são aquelas em que eles têm uma prática natural de política, vista esta em termos gerais.
Estou de acordo em que um militar não pode nem deve utilizar a sua arma, o seu posto e a sua função para uma intervenção política. Mas esta é a única restrição admissível, de acordo com o artigo 275.° da Constituição revista, apesar de já não ser assim. Não se permite mais nenhuma limitação aos direitos democráticos dos militares.
Vemos que é nas situações em que eles são escovados, escorraçados, limitados na sua actividade normal de cidadão, impedidos da prática política que existe o pro-
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blema do golpismo. Onde há golpismo? É em Espanha ou na Itália? E em Espanha ou na Noruega?
De facto, enquanto a sociedade não assumir o militar como um cidadão de corpo inteiro, a estrutura militar é sempre susceptível de utilização indirecta para missões que não lhe correspondem enquanto forças armadas.
Parece-me que esta questão é, para os democratas, evidente e que nos fará arrepiar perante propostas deste género.
Além do mais, quem é que aprecia que o militar teve ou não uma acção política? Como estão as Forças Armadas, é o comandante directo que numa perspectiva disciplinar diz: Você teve uma actividade política e, como tal, leva uma «talhada»! E intolerável que um comandante possa tomar esta decisão contra um militar!
Não concordando com qualquer limitação deste tipo de direitos, a própria possibilidade de acção disciplinar directa do comandante torna ainda mais arrepiante toda esta solução. Nem sequer são os tribunais normais que iriam apreciar um caso que poderia cair no âmbito do artigo 275.° da Constituição. É logo o comandante que decide se o militar teve actividade política e o manda para a prisão!
É assim que a estrutura das Forças Armadas permite que aconteça o que é inconcebivel.
Na nossa opinião, este artigo — bem como toda a lei, ainda que este seja o aspecto mais arrepiante— é de rejeitar liminarmente. Os militares não são, não querem, nem podem ser cidadãos amputados e não devem estar para admitir estas limitações aos seus direitos como cidadãos. Não há qualquer justificação que o permita.
Disse.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Gostaria de esclarecer que intervenho neste debate, não na perspectiva de quem tem militares a silenciar, ou militares a fazer falar, visto que este problema não deve ser analisado nem enquadrado na perspectiva pura dos grupos ou contragrupos de pressão, mas ao nível de uma questão essencial de organização do Estado democrático e da estruturação das Forças Armadas.
Parece-me — e gostaria de deixar esta sugestão ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro— que já há neste momento um debate suficientemente extenso. Existem diversas propostas formuladas. O assunto foi discutido em profundidade e, independentemente de qualquer deliberação que a Comissão entenda tomar no sentido de efectuar consultas suplementares seja a quem for, penso que seria um contributo para o avanço dos nossos trabalhos que, em face do debate travado e das propostas apresentadas, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro (se o entendesse conveniente) pudesse avançar uma reformulação da proposta governamental, para poder ser examinada seguidamente.
Quanto à discussão, parece-me que o ponto mais controverso deste artigo 31.°, em função do debate aqui travado, não veio a ser o problema dos direitos de expressão dos militares; não veio a ser o problema dos direitos de manifestação dos militares; não veio a ser, quanto ao direito de associação, o problema da participação dos militares em associações armadas, de tipo militar, militarizadas ou paramilitares — visto que esse
artigo já foi votado e adquirido—, nem o direito de participação dos militares em associações de natureza política, partidária ou sindical. Veio a ser, sim, o problema relacionado com as restantes associações.
Parece-me que das limitações estabelecidas para os militares no que se refere ao direito de expressão no plano político e até no dos assuntos respeitantes às Forças Armadas, das restrições estabelecidas quanto ao próprio direito de associação —associações políticas, partidárias e sindicais e associações de tipo militar, paramilitar e militarizadas — se pode inferir que o que se pretende salvaguardar através do artigo 6.° está adquirido. Era extraordinariamente difícil, sem colidir com o dreito de associação consignado na Constituição, cometer a qualquer entidade a destrinça quanto à natureza constitutiva ou ao facto societário das associações aqui envolvidas.
O controle não deve ter em vista a associação em si, mas sim a actividade que o militar desenvolve nessa associação. Como é óbvio, nada impede que um militar faça parte de uma associação de carácter desportivo e aí profira uma intervenção com fortes conotações ou incidências políticas ou partidárias.
Parece-me, portanto, que o controle não deve ser em relação às associações, com excepção dos partidos políticos, sindicatos e associações de tipo militar, mas sim em relação à conduta dos militares nas associações. É que penso ser impossível, o priori, e sem violação de alguns princípios constitucionais, tipificar as associações que poderiam ser susceptíveis de um regime de tutela por parte da entidade militar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.
Na intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama houve um ponto que não compreendi bem e, por isso, perguntava-lhe se manteria ou não a proibição da participação de militares no activo em associações políticas, enquanto figura distinta das associações de tipo partidário, isto é, de partidos políticos.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Políticas, partidárias e sindicais.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Pela minha parte e uma vez que o Sr. Deputado Jaime Gama fez a sugestão nesse sentido, não tenho qualquer dúvida em procurar reformular a proposta do Governo, no sentido de procurar ir de encontro a várias das observações e propostas aqui apresentadas.
Não poderei, naturalmente, aceitar todas, pois são contraditórias entre si.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jaime Gama: Queria pôr-lhe uma questão.
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Julgo que na sua intervenção sugeriu algo que transcende em muito aquilo que está na proposta. Pretende-se que, por exemplo, um militar não possa ser membro de uma cooperativa de consumo, pois esta pode ser uma forma desviada de expor pontos de vista políticos nos bailes ou nos chás-dançantes que ela dá, ou que não possa ser filiado no Benfica porque se constata que numa assembleia geral do clube ele aproveita para fazer politica.
Não sei se foi isto que quis dizer, ou até se o chegou a dizer. Por isso faço a pergunta. Só depois de obter a confirmação é que poderei fazer uma consideração que terá de ser feita, se for confirmado este acrescento de proposta feito pelo Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama, para responder se assim o desejar. Então, passamos ao artigo 32.° Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — O Sr. Deputado Jaime Gama não deseja responder? Se não quer responder é muito grave. Mas, depois se verá.
O Sr. Presidentei — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Estava a falar com o meu colega João Cravinho e não — ouvi o que disse o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
Se o Sr. Deputado se me dirigiu directamente e me fez uma pergunta, pedia-lhe que tivesse a gentileza de repetir, porque não ouvi e foi essa a razão por que não respondi.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Veiga de Oliveira quer resumir?
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Como a minha função aqui me obriga a ser o mais sério e correcto possível, vou repetir.
Na sua intervenção, pareceu-me ver uma subproposta, que consistiria não só em sindicar a filiação de um militar em associações determinadas, mas também, em todas elas, quaisquer que elas fossem — em cooperativas de consumo, no Benfica ou em qualquer outro clube—, sindicar a actuação desse militar em assembleias gerais e aquilo que diz ou faz nessas associações, que em si próprias — como o Sr. Deputado disse— não são sindicáveis.
Gostaria de saber se esta interpretação é correcta, porque, a ser assim, teria que demarcar claramente a minha posição.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Aproveito para esclarecer o Sr. Deputado Veiga de Oliveira. É exactamente o contrário do que ele concluiu.
Entendo que deve ser eliminado o n.° 6 do artigo 31.° da proposta governamental. Considero que a conjugação com outra redacção do n.° 2, do n.° 4 e do n.4 5 é suficiente para regulamentar toda a problemática referente aos direitos de associação por parte dos militares.
No n." 6 ou 7 deste artigo proibe-se a constituição de associações armadas de tipo militar, militarizadas ou paramilitares. Esse tipo de associações não se pode constituir abrangendo civis e militares. É uma restrição ao direito de associação.
Em segundo lugar, pelo n.° 5 do artigo 31.°, é vedado aos militares integrar associações de natureza política, partidária ou sindical. Concordo absolutamente com esta limitação.
Considero que em relação a todas as restantes associações, os militares são livres de se inscrever sem nenhuma espécie de autorização superior e que essas associações podem ser constituídas sem nenhum regime de aprovação ou de fiscalização dos estatutos e da respectiva actividade interna por nenhuma entidade militar, sendo certo que os militares filiados nessas associações estão abrangidos pelo dispositivo que os impede de proferir declarações de carácter político ou de participar ou promover manifestações de carácter politico.
Entendo que isto é suficiente. Para citar casos concretos, militares membros da Cooperativa Militar ou do Clube Militar Naval ou de outra associação recreativa ou cultural de militares podem aí não proferir declarações politicas e um militar membro de uma associação de pais ou de um clube desportivo pode, na respectiva assembleia gerai, utilizar essa instituição para proferir uma declaração politica insultuosa para os seus comandantes militares ou para os titulares dos órgãos de soberania. Entendo que não é através da restrição do direito de associação que se contempla essa situação, mas sim pelo princípio genérico da restrição dos direitos de expressão.
Penso que esta solução cobre inteiramente estes 3 requisitos:
1) Estabilidade do regime e transparência das insti-
tuições democráticas;
2) Estabilidade das Forças Armadas;
3) Direitos dos militares.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Segundo deduzo, o Sr. Deputado Jaime Gama propõe o desaparecimento do n.° 6?
O Sr. Jaime Gama (PS): — Proponho. E faço-o depois do mérito deste debate, ou seja depois de ter ouvido opiniões, com as quais estou em desacordo, que me fizeram considerar que esta situação está totalmente acautelada pela conjugação dos restantes dispositivos e que acarretaria grandes margens de indefinição fazendo recair sobre os chefes militares a prática de actos e decisões que poderiam ser, em certas circunstâncias, incompatíveis com a necessária isenção que têm que revelar nos seus postos de chefia e de comando.
O Sr. Piresldente: — Srs. Deputados, passamos ao artigo 32.°
Relativamente a este artigo, há uma proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado César Oliveira. Trata éa justiça e disciplina e propõe o aditamento de dois novos números:
2 — Os militares, salvo nas restrições constantes do artigo anterior, podem recorrer individualmente para o Provedor de Justiça, caso entendam ser objecto de violação expressa das disposições constantes tío presente diploma, das normas do Regulamento de Disciplina Militar e de toda a legislação aplicável à sua condição.
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a) O disposto neste número não é aplicável em caso de existência do estado de guerra.
3 — 0 Código de Justiça Militar e o Regulamento de Disciplina Militar serão aprovados pela Assembleia da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, como foram apresentadas outras propostas, talvez fosse proceder á sua leitura. No entanto, desde já me considero inscrito.
O Sr. Presidente: — Há, com efeito, duas outras propostas que se referem especificamente ao Provedor de Justiça.
Iria, então, ler as propostas.
Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Para uma questão de ordem, Sr. Presidente.
Penso que as propostas da UEDS, do PCP e do PS não visam substituir o artigo 32.° da proposta de lei do Governo, mas acrescentar um artigo novo. Assim, talvez fosse preferível ver primeiro se há alguma coisa a dizer sobre o artigo 32.° e depois discutir em conjunto as três propostas que se referem à matéria do Provedor de Justiça.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Na leitura que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro faz das propostas referentes a esta matéria, à qual adiro totalmente, tenho a impressão que fui o único a propor algo que cabe especificamente no artigo 32.°
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, quer então usar da palavra relativamente a essa matéria específica?
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Na minha proposta para o n.° 3, que pode ser redutível a uma forma mais simples, como seja a aprovação de um mero aditamento, não necessitando ser um novo número, tem a ver com o que há pouco disse e que se refere à tentativa de encontrar fórmulas que permitam um debate aprofundado e à adoção relativamente a este artigo de uma forma de discussão cujo pano de fundo seja uma transparência democrática.
Num artigo posterior, é proposta uma série de diplomas a elaborar, a discutir e a aprovar em breve. Julgo que estes diplomas se poderiam enquadrar nessa nova série.
O que toca a disciplina militar, na minha interpretação — e felizmente não sou jurista (penso que há juristas a mais na política portuguesa) — , é matéria de reserva exclusiva da Assembleia da República, como resulta da leitura há pouco feita pelo Sr. Vice-Primeiro-•Ministro de um artigo do Regulamento de Disciplina Militar.
Penso, portanto, que, como forma de corporizar e materializar a transparência democrática, de controle de aspectos relevantes que têm a ver com as liberdades individuais e com os direitos e deveres dos cidadãos que prestam serviço militar de um modo efectivo ou obrigatório pelas instituições democráticas, seria de máxima conveniência que estes dois diplomas fossem aprovados pela Assembleia da República.
Admito uma outra forma: através de decreto-lei e que por essa via sejam discutidos pela Assembleia da República.
De qualquer modo, parece-me melhor a fórmula que proponho. Na hipótese da sua recusa, admitirei que uma outra venha a ter vencimento. Nessa altura era bom que aqui ficasse a expressão «decreto-lei» para que fosse garantida uma possibilidade de interferência da Assembleia da República nessa discussão.
Deixo estas hipóteses em aberto. Relativamente à segunda, deverá ficar claro no corpo do artigo que a Assembleia da República poderá, mediatamente, ter uma interferência nesta matéria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queria dizer que, a meu ver, tanto o Código de Justiça Militar como o Regulamento de Disciplina Militar não devem ser aprovados pela Assembleia da República, e muito menos fazem parte da sua competência exclusiva. Basta ler os artigos 167.° e 168.° da Constituição para se chegar a essa conclusão.
O mais que se pode admitir que seja da competência exclusiva da Assembleia da Republica é a aprovação das bases gerais da disciplina das Forças Armadas, nos termos da alínea n) do artigo 167.°
É óbvio que tudo o que vá além disso terá de ser aprovado por decreto-lei. Não poderia, aliás, ser por outra forma que não tivesse natureza legislativa.
Se a Comissão entender que esta especificação deve ser feita, propor-me-ia redigir um n.° 2 para o artigo 32.°, especificando esta questão.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Neste caso concreto e apoiando a sugestão do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, retiraria a minha proposta se a formulação de V. Ex.° satisfizesse o segundo termo da alternativa que acabei de enunciar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavTa o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Queria dizer ao Sr. Vice--Primeiro-Ministro que temos um entendimento diferente. Aliás, são de constitucionalidade mais do que duvidosa o actual Código de Justiça Militar e o Regulamento de Disciplina Militar, elaborados e aprovados pelo Conselho da Revolução, mesmo em face da Constituição de 1976, antes da sua revisão.
Sendo da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre direitos, liberdades e garantias, definição dos crimes e penas, bem como do processo criminal e definição do regime geral da punição das infracções disciplinares, parece-me excessivo entender que esta matéria, envolvendo direitos fundamentais dos cidadãos e não apenas dos elementos das Forças Armadas, possa ser regulada por decreto-lei, a menos que a Assembleia da República, por autorização legisla via, conceda este poder ao Governo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estávamos descansados a este respeito,
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mas a intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro sobres-saltou-nos completamente.
Não imaginávamos, com efeito, que houvesse por parte do Governo o entendimento pelo qual o Código de Justiça Militar e o Regulamento de Disciplina Militar eram matérias para as quais a Assembleia da República não era chamada nem havida.
Se em relação ao Regulamento de Disciplina Militar há uma alínea no artigo 167.° da Constituição que prevê expressamente a intervenção da Assembleia da República, o que foi reconhecido pelo Sr. Vice-Primeiro--Ministro, o que mais nos perturba é que é em relação ao Código de Justiça Militar que a Assembleia da República não intervém.
Faça favor.
O Sr. Presidente: — Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado entendo que onde o artigo 167.° se refere a bases gerais da disciplina das Forças Armadas, «disciplina» está entendida num sentido amplo, tal como no artigo 32.° da proposta de lei, abrangendo tanto a matéria de disciplina em sentido estrito, como as matérias de justiça.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Então, o Código de Justiça Militar é matéria da competência da Assembleia da República. E é-o também por outras razões: os direitos, liberdades e garantias e a definição de crimes, penas e restantes sanções que têm que estar tipificadas no Código são matérias que são da reserva da Assembleia da República.
Assim, qualquer alteração ao Código de Justiça Militar terá de ser objecto ou de uma autorização legislativa ou de lei discutida pela Assembleia da República.
Se é este o entendimento, não devo ter percebido o que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro disse há pouco.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passaríamos à matéria relacionada com o n.° 2 da proposta da UEDS, proposta pelo PCP como artigo 32.°-A, e pelo Sr. Deputado Jaime Gama como novo artigo 33.°
Para justificar a sua proposta tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: É mais uma das formas de obviar às inconveniências de um poder que pode ser entendido como discricionário, a que há pouco tive oportunidade de me referir.
Esta proposta visa alargar o âmbito de acção do Provedor de Justiça actual às Forças Armadas.
Julgo que seria ofensivo para os militares criar-se um provedor de justiça militar. Sei que há um provedor de justiça com âmbito específico em alguns países (caso da Suécia). Penso que aqui não há necessidade disso e que poderia ser possível, nas condições que proponho, aos militares recorrerem para o Provedor de Justiça.
Prefiro a formulação proposta pelo Sr. Deputado Jaime Gama à que eu próprio apresentei. É mais clara e, porventura, menos restritiva.
Se o Sr. Deputado Jaime Gama aceitasse incluir a alínea a) da minha proposta retiraria a minha. Parece-me que em tempo de guerra não se compreende que os militares dirijam petições e formulem queixas ao Provedor de Justiça. Parece-me um pouco esquisito.
Diz-me o Sr. Deputado Alfredo Barroso que isso se passa no exército israelita, mas não somos israelitas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o St. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Contrariamente ao que o Sr. Deputado César Oliveira possa julgar, a minha concepção é a de que em tempo de guerra os direitos dos militares não são suspensos. Assim, entendo que o recurso aos tribunais e ao Provedor de Justiça, nos termos da lei, deve ser exercido pelos militares em ambas as situações. Não excepcionaria, portanto, esse recurso em nenhuma circunstância.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): — Apresentamos uma proposta que aponta para a criação de um Provedor de Justiça para as Forças Armadas.
Queremos, no entanto, dizer muito claramente que entendemos que, nos termos constitucionais, o Provedor de Justiça tem já hoje competência para exercer as suas funções no âmbito das Forças Armadas. Parece-me que esta questão é hoje pacífica.
Entendemos, porém, que haveria vantagem em criar um Provedor de Justiça para as Forças Armadas, dada a especificidade das matérias com elas relacionadas.
Como sabemos, não seria caso único. Em vários países, além do Provedor de Justça existem outros provedores de justiça que actuam em determinados ramos (militar, económico, etc). A experiência desses países levou-os à sua criação, em virtude da especificidade das matérias que ficam sob a sua competência.
É nesse sentido, com esse intuito e atendendo a essa circunstância que propomos que haja um provedor de justiça para as Forças Armadas.
Mas, uma vez mais repetimos que entendemos que o Provedor de Justiça, nas circunstâncias actuais e dado o disposto no artigo 23.° da Constituição, pode exercer a sua competência relativamente aos membros das Forças Armadas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Queria dizer muito rapidamente que a explicação dada pelo Sr. Deputado Jaime Gama sobre a alínea a) da minha proposta me satisfaz. Por considerar que a proposta do PS está mais clara do que a minha e que o n.° 3 desta ficou abrangido pela troca de opiniões em que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro participou, retiro a minha proposta para o artigo 32.°, em favor da proposta do PS.
O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Herberto Goulart, queria lembrar que a votação deste capítulo irá ser bastante morosa e que, como tal, nos estamos a atrasar em relação ao calendário que tínhamos previsto.
Como estamos perto da hora do almoço e séria conveniente dar por encerrado este capítulo antes de almoço, pedia aos senhores deputados que fossem rápidos nas suas intervenções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
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O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — As propostas que foram apresentadas correspondem às duas situações que tínhamos considerado.
A proposta do PS, que é subscrita pela UEDS, é legalmente dispensável. Consideramos, porém, útil que, decidindo-se maioritariamente por esta posição, na lei ficasse bem expressa esta interpretação.
Em relação à ideia de um provedor de justiça para as Forças Armadas, eleito pela Assembleia da República, consideramos que tem vantagens e alguns inconvenientes.
Tem inconvenientes na medida em que as situações de queixa terão a ver com decisões de comando, havendo a tendência para recrutar o provedor de justiça no seio da instituição militar, o que conduz à possibilidade da existência de uma identificação com a decisão da via hierárquica.
Tem vantagens, na medida em que se tratará de uma matéria especializada que pressupõe um conhecimento muito específico da instituição. Poderá ter, ainda, vantagens práticas imediatas na medida em que a sobrecarga dos serviços de provedoria de justiça já é bastante elevado, não se acentuando assim o grande trabalho que sobre eles recai.
Embora o Sr. Presidente tenha manifestado a vontade de passarmos ao artigo seguinte, penso que seria interessante ouvir-se a opinião da Comissão em relação a uma matéria com esta importância, sobre a qual poucos deputados intervieram. Por certo, todos terão a sua opinião e a sua análise ajudará a decidirmos da votação quando for o momento disso. Caso contrário, iremos para a votação na ignorância dos argumentos de uma e outra força.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não pretendo cercear o direito de intervenção. Fiz apenas um apelo, na medida em que estamos confrontados com um calendário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Consideramos que do actual ordenamento constitucional se deduz que a actividade do Provedor de Justiça é extensiva às Forças Armadas. Sabemos, por outro lado, que essa tem sido a prática corrente em relação às Forças Armadas. Mal ficaria num diploma desta importância que este aspecto não fosse referido e enunciado. Daí a razão de ser da nossa proposta.
Pensamos que a actividade do Provedor de Justiça em relação às Forças Armadas deve salvaguardar todos os requisitos decorrentes das classificações de segurança. O exercício de direitos por parte dos militares, em relação ao apelo ao Provedor de Justiça não deve envolver aspectos relacionados com a realidade operacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Mlnistro e Ministro da Defesa
NscüonsS (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Receio bem que não consigamos terminar a discussão até à hora do almoço, porque suponho que esta é uma das questões mais delicadas a respeito desta lei.
Devo, desde já, declarar a minha total oposição à ideia, quer de um provedor de justiça para as Forças
Armadas, quer da extensão da actividade do Provedor de Justiça actual às Forças Armadas.
Considero, em primeiro lugar, que é pura e simplesmente inconstitucional. É inconstitucional a proposta do PCP, na medida em que não pode uma lei ordinária criar um provedor de justiça para as Forças Armadas, quando se entender necessário que a existência do Provedor de Justiça em geral seja reconhecida e constitucionalizada no texto da Constituição.
Bem sei que o Provedor de Justiça foi criado antes da Constituição. A verdade é, no entanto, que a existência deste Provedor de Justiça tem hoje a sua sede e o seu fundamento na Constituição. Não é admissível, na minha opinião, que o Provedor de Justiça para a Administração Pública civil tenha a sua sede na Constituição e o Provedor de Justiça para as Forças Armadas a tenha numa lei ordinária.
Quanto à extensão do Provedor de Justiça existente, nos termos do artigo 23.° da Constituição, à actividade das Forças Armadas, penso que é também inconstitucional. O n.° 1 do artigo 23.° diz: «Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça [...}» As Forças Armadas não são poderes públicos. Talvez o fossem entre 1974 e a revisão constitucional. A partir desta, não são e ainda bem que não podem ser consideradas como tais. As Forças Armadas não são um poder do Estado, mas um serviço público subordinado aos poderes públicos.
Toda a tradição do nosso direito público até agora, e até na própria Constituição, aponta para se considerar que poderes públicos são os órgãos de soberania e, eventualmente, os órgãos das regiões autónomas e do poder local. Os serviços públicos não são poderes públicos. Fazem parte da Administração. Por conseguinte, não estão abrangidos pelo artigo 23.°
Talvez nem sequer os tribunais, apesar de serem órgãos de soberania, se possam considerar como poderes públicos. Daí que a lei da Assembleia da República que delimitou o âmbito do Provedor de Justiça tenha expressamente excluído quer a Assembleia da República — poder legislativo — quer os tribunais — poder judicial— na expressão poderes públicos, o que restringe ainda mais o sentido desta norma.
Se o Provedor de Justiça não pode intrometer-se na actuação do poder legislativo e do poder judicia] — o que me parece bem—, por maioria de razão não pode intervir no âmbito das Forças Armadas.
Não gostaria de me ficar apenas por esta argumentação em sede de constitucionalidade. Pretendo ir ao fundo do problema em termos políticos.
Considero altamente inconveniente e desestabilizador que neste momento se consagre um provedor de justiça para as Forças Armadas ou a extensão do Provedor de Justiça actual às Forças Armadas. Resulta do que já disse, a meu ver, que só em sede de revisão constitucional se poderá fazer essa extensão.
Considero que teria sido errado fazê-lo nesta revisão constitucional e que só depois de uma longa evolução, que vou tentar descrever, será possível equacionar esse problema.
Começo por lembrar que não há Provedor de Justiça para as Forças Armadas nem Provedor de Justiça geral que abranja, no âmbito da sua actuação, as Forças Armadas na maior parte dos países democráticos que conheço. Há em alguns. Reconheço que sim. E não me custa nada a admitir que a evolução nesse sentido seja
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desejável quando for oportuna, possível e constitucional. A verdade, porém, é que não há na maior parte dos países democráticos que conheço, com Forças Armadas bem mais sólidas, estruturadas e institucionalizadas do que as nossas e que não terão atravessado nenhum período de perturbação como o atravessaram em Portugal há poucos anos.
A aceitação deste princípio do Provedor de Justiça aplicado às Forças Armadas afecta gravemente o princípio da hierarquia que, como todos sabemos, é um princípio fundamental da organização e estruturação de quaisquer forças armadas. Representa a intromissão de um elemento exterior à instituição no seu funcionamento interno.
Na medida em que permite aos subalternos ignorar a existência da relação hierárquica, saltar por cima do superior hierárquico, apresentar queixas a uma entidade estranha à instituição, é evidente que o Provedor de Justiça para as Forças Armadas — e para simplificar com esta expressão abranjo as duas modalidades — significa uma entorse grave ao principio hierárquico.
Mas mais: não o é só pelo facto de permitir apresentar as queixas. É que, depois, o Provedor de Justiça vai ter que investigar a matéria que foi objecto da queixa. Essa investigação vai significar que uma entidade estranha à instituição, sem passar pelo canal hierárquico, vai exercer poderes de averiguação praticamente ilimitados no interior da instituição. E mais, vai permitir ao Provedor de Justiça fazer recomendações aos órgãos competentes, saltando por cima da hierarquia, significando isso que uma entidade estranha, que não é órgão de soberania nem superior hierárquico dos militares, lhes vai fazer recomendações sobre como devem actuar no exercício da sua actividade militar.
Considero isto uma grave entorse aos princípios em que assenta a organização das Forças Armadas e uma fonte de perturbações que pode ter consequências absolutamente imprevisíveis neste momento.
Argumentando noutro plano, pergunto que eficácia espera a Assembleia da República que venham a ter essas recomendações do Provedor de Justiça que, por natureza, não são vinculativas?
Um órgão exterior à instituição militar, que nenhum vínculo tem em relação às Forças Armadas, começa a dirigir recomendações não vinculativas aos órgãos militares. Que eficácia se espera desse tipo de intervenções? Era que situação ficam as Forças Armadas se não seguirem as recomendações do Provedor de Justiça?
Sublinho que nos termos constitucionais as recomendações não são vinculativas. Isso significa que as Forças Armadas terão o direito de não seguir as recomendações que lhe são feitas. Em que posição ficam as Forças Armadas perante a opinião pública cada vez que resolverem não seguir as recomendações do Provedor de Justiça? E em que posição fica o Provedor de Justiça se vir sistematicamente recusadas as suas recomendações feitas às Forças Armadas?
Argumentando ainda noutro plano, como os senhores deputados sabem, a figura do Provedor de Justiça, que nasce do Ommbunsdand escandinavo, generaliza-se nos países democráticos europeus, apenas a partir de uma determinada fase de evolução, em que as administrações públicas desses países se caracterizam por terem levado à fase final de aperfeiçoamento institucional ou a uma fase muito adiantada deste, quer a sua função inspectiva, quer o enunciado e desenvolvimento do sistema de recursos graciosos e de recursos contenciosos.
Não é isso, infelizmente, que se passa no nosso direito e organização militar. Estamos muito longe, em termos de organização das Forças Armadas portuguesas, de ter explorado até ao fim as virtualidades da função inspectiva nas Forças Armadas, de ter levado até um ponto aceitável o enunciado e a garantia dos direitos dos militares, de ter aperfeiçoado o sistema de recursos graciosos e contenciosos.
Parece-me prematuro introduzir este elemento estranho na organização militar, num momento em que os elementos ortodoxos, digamos assim, os elementos clássicos de definição e protecção dos direitos dos militares não estão explorados devidamente por aqueles canais que, sendo compatíveis com o princípio da hierarquia, não revistam qualquer melindre ou dificuldade em serem devidamente desenvolvidos e garantidos, antes que se venha a lançar mão deste último recurso, o qual só costuma surgir quando todos os outros estão devidamente organizados e aperfeiçoados.
Por estas razões, creio que o caminho a seguir seria necessariamente outro: seria o de — como já estamos a fazer, e muito bem, em sede de elaboração desta lei e como terá de ser feito em sede de elaboração de várias outras leis que se seguirão a esta — desenvolver até ao fim o aperfeiçoamento dos mecanismos inspectivos, dos mecanismos de declaração e garantia dos direitos dos militares e dos mecanismos dos recursos graciosos e contenciosos e, só então, após termos esgotado conscientemente as capacidades de actuação nesses planos, evoluirmos, se for caso disso, para a consagração de uma figura do tipo de Provedor de Justiça para as Forças Armadas, ou Provedor de Justiça que possa aplicar os seus poderes às Forças Armadas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, rogo, em nome do meu grupo parlamentar, ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro o favor de, logo à noite, nos trazer um informe acerca do estado actual da questão, designadamente o parecer da Procuradoria-Geral da República sobre a matéria. Seria isto uma boa ajuda.
O Sr. Presidente: — Dado o pouco tempo de que dispomos, só na continuação dos trabalhos de hoje à noite se poderão efectuar os pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados César Oliveira, Jaime Gama, Veiga de Oliveira, Lino Lima, Herberto Goulart e Mário Tomé.
Os trabalhos da Comissão serão retomados às 22 horas. Está suspensa a sessão.
Eram 18 koras.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 22 horas.
Aquando da última interrupção dos nossos trabalhos, encontràvamo-nos a debater a matéria respeitante ao Provedor de Justiça.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós retirámos a proposta referente a esta matéria, tal como está formulada, substituindo-a por outra, esta bastante diferente.
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O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado, aguardamos as fotocópias, para efeitos de leitura. Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção última do Sr. Vice-Primeiro-Ministro suscitou-me algumas dúvidas e a intenção de vários comentários.
Daí as questões que lhe gostaria de colocar.
Pergunto ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro qual a sua opinião sobre a possibilidade de um qualquer militar se dirigir, em nome próprio, a um órgão de soberania, apoiado no disposto no n.° 1 do artigo 52.° da Constituição.
Por outro lado, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, a alínea d) do artigo 202.° diz competir ao Governo, no exercício de funções administrativas, «dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre a administração autónoma».
Ora, o direito de recurso ao Provedor de Justiça não significa que se recorra contra esta ou aquela autoridade militar, contra esta ou aquela hierarquia militar, significa antes um direito a recurso, a petição e a representação perante o Provedor de Justiça, porque o Governo, ao fim e ao cabo, é a entidade máxima a superintender num poder público que a alínea d) do artigo 202.° torna extensível às zonas militares. Esta era a primeira das questões a expor-lhe.
Desenvolveu o Sr. Vice-Primeiro-Ministro também considerações, que aplaudo inteiramente, no sentido de justificar o carácter prematuro da fixação num texto legal da figura de recurso ao Provedor de Justiça, como possibilidade reconhecida a um militar.
Afirmou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro que haveria, antes disso, que aperfeiçoar as relações entre as várias hierarquias militares, definir e delimitar os direitos do militar no interior da instituição, etc.
Não será, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que, sendo assim, se deveria aproveitar a segunda posição, a defendida pelo Sr. Deputado Magalhães Mota quanto ao artigo 31.°, e então começarmos por regular, em sede da Assembleia da República, as bases gerais da disciplina militar, as restrições, os direitos e toda a matéria que temos vindo a tratar?
Se o Sr. Vice-Primeiro-Ministro afirma ser necessário aperfeiçoar, se afirma tal ser possível e factível em tempo útil, se afirma ser viável iniciar-se um percurso que leve ao aperfeiçoamento das relações existentes no coração da instituição militar, então, façamo-la já. Só que, sem iniciarmos tal caminho, não nos é lícito coarctar possibilidades, estatuindo conteúdos como o constante no artigo 31.°
Escandalizou-se o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, em sede de Plenário, quando afirmei conter esta matéria da proposta de lei uma prussianização das nossas Forças Armadas. O certo é que aqui se restringem direitos e se conferem poderes, sem controle de quem de direito.
Fiz 48 meses de serviço militar, dos quais muitos em Angola. Ali presenciei cenas e vivi situações incríveis, nomeadamente ocasiões em que capitães esbofeteavam militares.
São estes os problemas que me preocupam, são estes os problemas que urge solucionar em termos de consagração de direitos dos militares no quotidiano das Forças Armadas.
Não me preocupam tanto, e do mesmo modo, os direitos do senhor capitão e do senhor major, senhores estes que se defendem sempre das situações que lhes são mais desvantajosas. O soldado instmendo, esse sim, é merecedor de protecção legal.
Considero urgente a institucionalização da possibilidade de controle da hierarquia militar — que tem tendência à autoprotecção dos seus integrantes — do exterior. Caso contrário, contribuiremos para a efectiva prussianização das Forças Armadas e — o que é muito pior — meteremos o militar num ghetto.
Finalmente — e desculpar-me-à o Sr. Vice-?rimeiro--Ministro que eu volte à «vaca fria» —, mais uma breve questão: referiu-se V. Ex.4, ontem, ao direito de antena, a propósito das festas musicais patrocinadas por partidos.
Vi, dias atrás, a transmissão de um tempo de antena de um dos partidos da AD, transmissão muito bem feita e atraente. Estas transmissões requerem-se bem feitas — aliás, como V. Ex.4 o referiu — para captação de atenções.
Pergunto agora: Quererá o Sr. Professor Freitas do Amaral dizer ser um dever dos militares desligar o aparelho de televisão, sempre que lhes surja pela frente a transmissão de um tempo de antena feito por uma menina muito bonita e simpática?
Vejamos este exemplo: suponhamos que um militar me visita em minha casa, ou visita quem quer que seja em casa de quem for, e, à saída, repórteres o fotografam e publicam a sua fotografia num jornal. Ao fim e ao cabo, todos nós podemos, em nossa casa, receber a visita de um militar. Que sistema estamos nós a criar em relação aos militares?
Perdoar-me-á V. Ex.' a franqueza com que lhe coloco os problemas, mas urge que assim o faça. Todos eles se desdobram a partir deste outro problema base: Recusando o Sr. Vice-Primeiro-Ministro a extensão do serviço para o Provedor de Justiça — e vindo a recusar certamente outras propostas de que adiante nos ocuparemos—, legislando-se como se está a legislar, que garantias descobre V. Ex.° na lei, nesta e na legislação militar aplicável, capazes de funcionar como contraponto do poder discricionário exercido pelos chefes militares?
Sem dúvida alguma que os militares têm, e devem, ter poderes discricionários. Apenas ressalvo que tais poderes deveriam ser controlados.
Peço desculpa por qualquer fait divers que haja introduzido na minha intervenção, como a do tempo de antena, por exemplo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Não posso concordar com parte substancial da filosofia expendida pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro acerca da relação entre o Provedor de Justiça e Forças Armadas.
As Forças Armadas mais disciplinadas dos países da Europa Ocidental são, porventura, as da República Federal da Alemanha — estão submetidas à acção e à fiscalização de um provedor de justiça—, e isso não representa, nem representou, qualquer colisão com os princípios da disciplina, nem da hierarquia, nem da operacionalidade desse corpo militar.
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Consideramos, em primeiro lugar, importante e necessário que a acção do Provedor de Justiça se estenda às Forças Armadas, por iniciativa dos cidadãos. Tal faculdade não pode ser negada, já que recusá-la seria inconstitucional.
É certo que a acção do Provedor de Justiça se refere apenas a acções ou omissões dos poderes públicos, mas é necessário referir os poderes públicos com autoridade sobre defesa nacional e as Forças Armadas.
O raciocínio do Sr. Vice-Primeiro-Ministro levaria a subtrair da acção do Provedor de Justiça um sector do Governo — que seria representado pelo Ministério da Defesa Nacional e por toda a estrutura que integra, de harmonia com o disposto nesta lei: o Ministério da Defesa Nacional.
Em segundo lugar, parece-nos importante assegurar aos próprios militares o direito de recurso ao Provedor de Justiça.
Naturalmente que esse direito seria facultado para todas as matérias —a própria Constituição o diz—, colocando-se o problema de saber se esse direito deve igualmente tornar-se extensível às acções ou omissões dos poderes públicos com autoridade sobre a defesa nacional e as Forças Armadas.
Pela nossa parte, o entendimento é o de que esse direito é de facto extensível, com duas limitações: a ressalva da matéria operacional e classificada, por um lado, e, por outro lado — e aqui nos parece irmos ao encontro das preocupações da não transformação do instituto do Provedor de Justiça em algo de incompatível com a hierarquia e a disciplina militares —, a aceitação dessa extensão apenas quando e se tiverem sido esgotadas as vias hierárquicas, ou judiciais se for caso disso, de recurso.
Seria inconstitucional e difícil de justificar a não extensão da actividade do Provedor de Justiça às Forças Armadas, quer por parte dos cidadãos, em geral, quer por parte dos próprios cidadãos militares, com a ressalva apontada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Alguns breves comentários: o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, em intervenção desta manhã, tentou demonstrar que não havia lugar à extensão do Serviço do Provedor de Justiça às Forças Armadas e muito menos haveria a hipótese de considerar a existência de um provedor de justiça específico à defesa nacional e às Forças Armadas.
Fê-lo baseado em duas linhas de defesa — chamemos--lhe assim —, já que estamos a tratar matéria de defesa nacional: uma das linhas de defesa pretensamente de direito comparado e uma outra claramente inserida no direito constitucional português.
A linha do direito comparado não colhe, uma vez que o próprio Sr. Vice-Primeiro-Ministro admitiu a existência de provedor de justiça, com funções alargadas ao âmbito das Forças Armadas, em alguns países.
Deixemos, no entanto, proceder tal argumento, mas vejamos a nossa situação particular, isto é, aludamos à linha de defesa baseada em considerações sobre a nossa experiência constitucional: o Sr. Vice-Primeiro-Ministro afirmou, desde logo, não serem as Forças Armadas poderes públicos, mas um serviço público.
Bom, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais é um serviço público, os CTT são um serviço público, e muitos outros serviços públicos poderia enunciar, nos quais o Provedor de Justiça tem a possibilidade de actuar sobre todos os actos administrativos com carácter definitivo e, portanto, susceptíveis de recurso — ou mesmo qualquer outro acto administrativo, acto não necessariamente deste tipo.
O Sr. Vice-Primeiro-Mintstro, homem devidamente formado para o efeito, sabe que qualquer acto administrativo é susceptível, ao abrigo do artigo 23.° da Constituição, de ser sindicado pelo Provedor de Justiça.
Sendo certo que as Forças Armadas são um serviço público —como muito bem o afirmou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro —, sendo certo também que nesse serviço público se geram múltiplos actos administrativos susceptíveis de serem sindicados por esta via, perguntaria-. Qual a razão do impedimento da extensão do Serviço do Provedor de Justiça a esses actos? Por que se há-de considerar inconstitucional — usando a terminologia utilizada pelo próprio Sr. Vice-Primeiro-Ministro— a existência de um provedor de justiça específico?
De acordo com o conteúdo do artigo 23.°, qualquer cidadão poderá apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos, sendo certo que o Provedor de Justiça, sem poder decisório, as apreciará. De acordo com o conteúdo deste artigo, não é excluída a possibilidade da existência de um serviço de provedor de justiça específico. Aliás temos igualmente presente exemplos, em sede de direito comparado, os quais provam que, mesmo existindo um provedor de justiça genérico, pode existir um tal provedor de justiça específico a certas matérias, sem prejuízo dos poderes genéricos do primeiro.
Falou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, por outro lado, em hierarquia. Urge que se faça, entretanto, uma análise a tal matéria.
Não atacamos a disciplina e a hierarquia em lado algum e muito menos nas Forças Armadas.
Contudo, hierarquia e disciplina correm paralelas contra qualquer prepotência, contra qualquer abuso da autoridade, contra qualquer desvio de poder.
A aplicação do serviço do Provedor de Justiça às Forças Armadas ou a criação da figura de um provedor de justiça específico à defesa nacional e as Forças Armadas não são, de forma alguma, contrárias nem ao principio da hierarquia nem ao princípio da disciplina. Muito pelo contrário, aqueles princípios são os garantes destas figuras.
Não será necessário recorrermos ao direito comparado, porque a nossa própria experiência constitucional nos ensina muito bem que a disciplina e a hierarquia são minadas quando a prepotência se instala.
Dai que não vejamos, tão claramente como o vê o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que a disciplina e a hierarquia sejam incompatíveis, quer com a extensão do Serviço do Provedor de Justiça, quer com a criação de um serviço de provedor de justiça específico das Forças Armadas.
Tenho aqui uma nota da provedoria de justiça, nota publicada no Diário da Assembleia da República, sobre o processo referente a um major do exército português que àquela provedoria reclama de circunstâncias e decisões do Chefe do Estado-Maior do Exército — concretamente a negação da autorização de deslocação ao estrangeiro.
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Apôs a argumentação, sem ter sido contestado, pelo menos publicamente, conclui o redactor que nem a Constituição da República nem a lei, expressa ou implicitamente, colocam as Forças Armadas ao abrigo da intervenção da provedoria de justiça; conclui ainda que o Provedor de Justiça pode aceitar reclamações de cidadãos civis ou militares contra actos de administração praticados por autoridades militares; conclui que pode aquele levar a sua intervenção, com vista à modificação ou revogação de tais actos, até ao ponto de dirigir recomendações ao Conselho da Revolução — neste caso não seria ao Conselho da Revolução, seria talvez ao Ministério da Defesa Nacional, ao Governo ou à Assembleia da República, consoante a questão; conclui que nenhuma autoridade militar pode impedir o Provedor de Justiça de usar dos seus poderes de inspecção e fiscalização, poderes determinantes ao apuro de factos relativos a uma ilegalidade ou injustiça por si cometida, através de um acto administrativo; conclui, finalmente, que a circunstância de as Forças Armadas estarem sujeitas à possibilidade de intervenção do Provedor de Justiça em nada ofende o equilíbrio constitucional dos vários órgãos de soberania.
Vem este depoimento reforçar o nosso argumento de que o controle de provedoria não afecta a disciplina e a hierarquia das Forças Armadas.
Não entendemos o calor posto por V. Ex.* na defesa dos princípios da hierarquia e da disciplina, os quais não estão em causa; não entendemos a recusa imediata do reconhecimento legal de poderes válidos do Provedor de Justiça sobre actos administrativos praticados no âmbito das Forças Armadas, isto é, em sede do chamado serviço público das Forças Armadas — opinião defendida nas propostas apresentadas pelo PS e UEDS; não entendemos a recusa à eventualidade da criação, por força desta lei, de um serviço específico de provedoria de justiça, em relação às Forças Armadas.
A criação de uma provedoria de justiça, nos termos em que a propomos, não está de facto prevista na Constituição; contudo, nem tudo o que ali não se encontra previsto é inconstitucional.
Peço ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro que, à luz da minha presente intervenção, esclareça melhor os termos em que se exprimiu.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Algumas considerações à última intervenção do Sr. Vice--Primeiro-Ministro.
Não me debruçarei sobre a acusação de inconstitucionalidade que V. Ex.* fez à extensão do Serviço do Provedor de Justiça à instituição militar e à criação de um provedor de justiça específico.
Segundo o raciocínio do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, seríamos levados a crer que a acção da maioria dos provedores de justiça tem caído no espaço da inconstitucionalidade. Isto, porque a maioria das queixas apresentadas e apreciadas se prendem muito com decisões no plano dos serviços públicos, e não directamente no plano dos poderes públicos. Estas queixas referem-se, estou certo, na maioria dos casos, a decisões de direcções-gerais, problemas de promoções, concursos públicos, etc.
Dos relatórios dos provedores de justiça que tenho apreciado, a ideia que me ficou é a de que, de facto, esta é a área principal de intervenção do Provedor de Justiça. Creio que ninguém alegou pisar o Provedor de Justiça, nesta matéria, terrenos inconstitucionais.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro desenvolveu uma argumentação, tentando contrariar esta ideia, argumentação essa baseada no seguinte: por um lado, constituiria ela um grave entorse ao principio da hierarquia; por outro lado, haveria canais mais compatíveis com este princípio da hierarquia, canais que, esses sim, deveriam ser explorados.
Quanto ao primeiro ponto da argumentação, julgo que não se poderá afirmar haver aqui qualquer entorse ao principio da hierarquia, já que precisamente a característica do Provedor de Justiça é o facto de ele não actuar sobre as decisões dessa hierarquia, senão no simples plano das recomendações e, por conseguinte, jamais pondo em causa o próprio princípio da hierarquia, nos seus efeitos concretos e práticos. Naturalmente que as recomendações de um provedor de justiça são referidas de acordo com os critérios de apreciação do receptor das respectivas e mesmas recomendações.
Creio também que, dentro das instituições militares, o princípio da hierarquia está associado à possibilidade de abuso de um poder discricionário. A existência de uma provedoria de justiça, para a qual se poderiam enviar queixas, fora dos recursos gracioso e contencioso, é, a meu ver, um facto moralizador do próprio principio da autoridade, enquanto atenua os riscos de um poder discricionário por vezes imposto.
Depois, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro levantou duas questões, pertinentes as duas no plano teórico, mas que considero sem a acuidade que aquele interventor lhes reporta, quando vistas à luz do plano da prática da actividade do actual Provedor de Justiça.
A primeira questão que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro colocou foi a de que poderes desta natureza, nas mãos de um provedor de justiça, poderiam ser desestabilizadores da instituição militar.
Creio que, após 5 anos de existência de provedoria de justiça, basicamente para assuntos civis, poderemos concluir que as acções deste se têm desenrolado com grande cuidado e serenidade, permitindo-me inferir não virem a trazer elas qualquer desestabilização à instituição militar.
Quanto ao carácter não vinculativo das recomendações — outra questão levantada—, julgo que a eficácia destas se mede precisamente pela vantagem de não desencadearem acções punitivas que, por algum modo, estão ligadas à função inspectiva, às acções de recurso, etc, enquanto que as recomendações de um provedor de justiça servem essencialmente de alerta e em termos de as próprias decisões poderem ser rectificadas, seja no caso concreto, seja em relação a casos futuros, por quem as tomou, sem quebra do princípio da autoridade.
Estará o princípio da hierarquia, a meu ver, sem qualquer dúvida, melhor defendido com este mecanismo do que com o mecanismo da função inspectiva.
Outra questão levantada pelo Sr. Vice-Primeiro--Ministro foi a da existência de outros canais mais compatíveis com o princípio da hierarquia, pelo que só se deveria explorar a hipótese de um provedor de justiça quando estivessem exploradas todas as potencialidades que estes canais comportam.
Há, julgo, toda a vantagem em melhorar o funcionamento destes canais dentro da instituição militar, mas
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creio que estas duas situações divergentes são, contudo, complementares, e que a existência de um provedor de justiça atenuaria, inclusive, muitas situações.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A argumentação do Sr. Vice-Primeiro-Ministro não colhe, na medida em que os serviços públicos dependem dos poderes públicos, estes são responsáveis por aqueles. A própria Constituição o diz e, como já o referiu o Sr. Deputado Herberto Goulart, o Serviço do Provedor de Justiça tem incidido sobre queixas em relação a serviços públicos.
Contudo, se há serviço público no qual a acção'de um provedor de justiça se justifica plenamente, este serviço é, de facto, o das Forças Armadas.
O carácter que as Forças Armadas assumem, carácter marcadamente fechado, não é um entrave, mas sim uma justificação da existência de um provedor de justiça.
Uma das características das Forças Armadas é a da sua tendência à arbitrariedade, à prepotência, à existência de situações como aquelas que o Sr. Deputado César Oliveira descreveu.
Uma organização destas, fechada sobre si mesma, sem qualquer fiscalização democrática do tipo de provedoria de justiça, cai forçosamente no ciclo vicioso da prepotência e da arbitrariedade, quanto à qual se tem que lutar.
Existe aqui como que ainda um complexo em relação aos militares, pretendendo-se civilizar a sociedade — na medida em que se submete o poder militar ao poder civil—, mas, no fundo, cede-se e capitula-se perante aspectos como este. Poucos momentos atrás, o Sr. Vice--Primeiro-Ministro até afirmou que o Provedor de Justiça não se pode intrometer nos poderes legislativo e judicial e muito menos no militar. Não há aqui comparação a fazer-se: o legislativo e o judicial têm características que justificam tal modo de ser; agora, o poder militar não pode ser equiparado àqueles outros dois.
No fundo há aqui como que um compromisso com a hierarquia militar, permitindo-se que ela permaneça com todos os seus tiques, formas antigas e tradicionais, o seu perfil militarista e antidemocrático. Há um compromisso entre a direita e a hierarquia militar. O Governo fica com a sua tutela sobre as Forças Armadas, mas garante que «lá dentro» ninguém tocará e os chefes de estado-maior continuarão com a sua sociedade fechada e estruturada, à antiga.
Apoiamos a opinião que vai no sentido de que a acção do Provedor de Justiça se deve estender às Forças Armadas e consideramos esta solução mais capaz que a da criação de um serviço de provedoria especifica para as Forças Armadas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luis Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Não podemos ignorar a existência da figura do Provedor de Justiça no nosso ordenamento constitucional. Ele existe, é uma figura oriunda do direito anglo-saxónico.
O Sr. Deputado Borges de Carvalho — que agora se dedica à análise do direito sindical — gostará de saber
que a figura do Provedor de Justiça tem origem no bill of right e ê típica da monarquia inglesa. Esta figura era o chamado grito do are. Quando se gritava 3 vezes a palavra ore, era investigada a acção praticada contra tal autoridade.
Pergunta-se se essa figura deve ou não ser consagrada em relação às Forças Armadas.
Ouvi com muita atenção a exposição do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, e na nova formulação que demos à nossa proposta procurámos responder a algumas críticas por ele feitas.
A minha formação de advogado, mais do que a minha formação jurídica — formações idênticas, mas distintas—, levou-me a uma análise aprofundada da situação.
Mesmo proibindo-se expressamente o recurso ao Provedor de Justiça, por parte de um militar, haveria sempre uma possibilidade de iludir o cumprimento da lei. Tal far-se-ia por intermédio da mulher ou de outro elemento da família.
Nada impede que uma cidadã, mulher de um militar, faça uma exposição ao Provedor de Justiça dizendo o seguinte: «O cidadão A, meu marido, acaba de ser discriminado desta seguinte forma:... O senhor, que defende o interesse público e faz recomendações para o exercício de determinados poderes, resolva o problema».
Nada impede — e o Sr. Deputado Mário Tomé deve recordar-se de casos deste género ocorridos nos nossos quartéis— que os pais façam exposições aos chefes de estado-maior, exposições às vezes colectivas, sobre a situação de determinado militar.
A nossa proposta visa, portanto, uma intervenção ordenada do Provedor de Justiça contra uma intervenção anárquica. É nesse sentido que sublinhamos dois pontos essenciais: em primeiro lugar, esse recurso só poderia ser promovido após se haverem esgotado todas as vias hierárquicas, ou judiciais, se for caso disso.
Jamais ambicionei ser provedor de justiça, porque sempre tive e possuí um espírito de parte; simplesmente, admitamos que há um recurso ao Provedor de justiça de um militar que não respeita as vias hierárquicas e não exerce o seu direito de queixa. Caso eu exercesse funções de provedor de justiça, recusar-me-ia a receber esse recurso, porque quando um sujeito que não recorreu internamente, pura e simplesmente recorre externamente, o muito que se pode dizer é que praticou um acto ilegal para obtenção de uma reparação moral.
Em segundo lugar, a referência a matéria certa ou a matéria confidencial. E desde o momento em que se discipline a intervenção do Provedor de Justiça dentro das Forças Armadas, evitar-se-à a intervenção anárquica — mas perfeita e legalmente possível— dentro das mesmas.
Portanto, recorrendo a esta minha dupla formação de jurista e de advogado, pensando nos conselhos que daria no meu escritório a um constituinte que me expusesse uma questão deste teor, é que teorizei tal tipo de situações.
E habitual, no que respeita, por exemplo, às presenças em actos públicos, este tipo de expediente: um oficial general, desejando fazer uma manifestação pública, não a faz, mas esta vem a ser promovida pelas esposas de um conjunto de oficiais generais.
Pouco antes do golpe de estado militar no Chile, golpe levado a efeito pelo general Pinochet — a quem muitos tratam por general, mas eu considero o mais especializado constitucionalista no momento actual — ,
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houve 4 ou 5 manifestações das mulheres de todo o corpo de generais do exército chileno.
Neste sentido, no sentido de um disciplinamento da actuação do Provedor de Justiça, é que fizemos a proposta que levámos a cabo, contemplando nela muitas das críticas, que considerámos positivas, feitas pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro. E é neste sentido também que nbs ousamos esperar o consenso geral a obter pela mesma.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro Ministro, Srs. Deputados: Uma pequena nota para reflexão: independentemente da interpretação do artigo 23." da Constituição, poderemos cometer aqui o erro de pensar um sistema abstracto, sistema que consideramos justo mas que representa o ponto de chegada de uma evolução, por vezes longa. E isto, sem termos a consciência de que, ainda recentemente, em sede de revisão constitucional, se deu o primeiro passo dessa mesma evolução.
O primeiro passo nessa evolução foi havermos considerado uma limitação importante ao poder disciplinar: o de as penas disciplinares privativas da liberdade —as penas de prisão— passarem a ser passíveis de recurso para os tribunais. Considero este passo uma verdadeira revolução dentro do direito disciplinar, cujas normas têm vindo a reger o exercício do poder disciplinar nas Forças Armadas em Portugal ao longo dos tempos.
Este dispositivo constitucional já será, só por si, susceptível de impedir, na prática, algumas situações de arbitrariedade e exercício discricionário dos poderes, aos quais se referiu o Sr. Deputado César Oliveira.
Valeria a pena ponderar se as nossas Forças Armadas estão neste momento em condições de, além de receberem esse choque, receberem também um outro, que se traduziria na intervenção do Provedor de Justiça — embora meramente por intermédio de recomendações.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem dúvida alguma foi útil o debate. Aliás, a viragem de quase 180 graus da maior parte dos Srs. Deputados, em matéria de Provedor de Justiça, quanto às Forças Armadas, creio que revela ter sido vantajoso havermos aprofundado este tema.
Foi útil a apresentação dos argumentos que, a meu ver, podiam, podem e devem ser apresentados contra esta figura, tal como vinha apresentada na generalidade das propostas referentes a este ponto.
Mantenho tudo quanto disse sobre a matéria: se por provedor de justiça específico das Forças Armadas, ou por extensão do seu serviço às Forças Armadas, tal como está previsto no artigo 23.° da Constituição, se quer significar a possibilidade de qualquer militar se dirigir ao Provedor de Justiça, sem passar pelos mecanismos próprios das garantias existentes na instituição militar, designadamente sem esgotar a via hierárquica.
Se com essas propostas se pretende dar ao Provedor de Justiça a possibilidade de entrar pela instituição militar dentro, averiguando tudo o que quiser, como quiser e
sem quaisquer limitações, se com tais propostas se pretende que o Provedor de Justiça emita recomendações a qualquer órgão das Forças Armadas, situe-se este a que nível se situar, saltando para isso por cima da hierarquia, mantenho tudo aquilo que afirmei.
Agora, se, pelo contrário — tal como parece resultar da proposta do PS —, todos estes aspectos e outros ficam acautelados, aí as coisas serão diferentes, embora tal não signifique que, à partida, estejam resolvidas todas as dificuldades.
Em primeiro lugar, o que resulta, a meu ver, da redacção do n.° 2 da nova proposta do PS será algo como isto: caso tal norma se viesse a aplicar, qualquer cidadão — incluindo cidadãos militares — só poderão apresentar queixa ao Provedor de Justiça, por acção ou omissão do Governo, no que diz respeito à defesa macional e às Forças Armadas. Isto, porque a via hierárquica só está esgotada quando se haja chegado ao Governo e quando este decidir, sim ou não, relativamente a um recurso hierárquico.
Se é isto, evidentemente que concordo. Jamais foi nossa intenção, do Governo ou minha, pretender que o Ministro da Defesa Nacional ficasse subtraído ao controle do Provedor de Justiça, tal como está previsto no artigo 23.° Tal seria manifestamente inconstitucional.
Contudo, o princípio da exaustão necessária das vias graciosas, designadamente da via hierárquica, conduz obrigatoriamente —caso venha a ser aprovado o esquema desta proposta de lei, nomeadamente a dependência das chefias militares em relação ao Governo — a que isto se reconduz à possibilidade de qualquer cidadão, militar ou não, apresentar queixas por acção ou omissão do Governo, em sede de matéria de defesa nacional e Forças Armadas.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Dá-me licença, Sr. Vice--Primeiro-Ministro?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Gama (PS): — No nosso entendimento, esse mecanismo só é aplicável aos militares e não já também aos restantes cidadãos, igualmente abrangidos pelo n.° 1.0 n.° 2 só refere os militares.
O Orador: — Sim, sim, com certeza, Sr. Deputado. O cidadão em geral, não fazendo parte da instituição militar, não goza de legitimidade para interpor recurso hierárquico.
Então, se é este o entendimento, creio termos aqui terreno próprio para acordo, embora pressinta que, mesmo assim, há nesta sede várias questões, as quais precisariam de ser esclarecidas, pelo que rogo a possibilidade de um maior tempo de reflexão sobre esta redacção, bem como de eventualmente sugerir modificações.
Todavia, isto não é aquilo que constava das propostas desta manhã, ou seja, a submissão directa das Forças Armadas à actuação do Provedor de Justiça, sem limites, sem canais, sem esgotamento das vias normais, portanto uma verdadeira intromissão, a todos os níveis e formas, na hierarquia militar, com quebra da mesma.
Congratulo-me, naturalmente, pelo facto de o Sr. Deputado José Luís Nunes ter aqui afirmado que a nova proposta do PS tinha tomado em consideração tanto os argumentos por mim utilizados como as cautelas que eu havia realçado. Nestes termos, poderíamos tentar encontrar uma solução de consenso.
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Aproveitaria igualmente para fazer alguns comentários a certas intervenções aqui desenvolvidas, intervenções que, de certo modo, fugiram um pouco a este âmbito.
O que até agora referi responde, em grande parte, às perguntas suscitadas pelo Sr. Deputado César Oliveira. Gostaria ainda de lhe dizer que não me parece que faça sentido sustentar que não devêssemos limitar certos direitos dos militares enquanto não tivéssemos podido ser completos e exaustivos no aperfeiçoamento das garantias dos mesmos.
A verdade é que sobre a matéria de limitação de direitos há um corpo de doutrina e de jurisprudência tradicional, bem como a necessidade urgente de legislar sobre tal matéria, sob pena de as normas que actualmente estão em vigor poderem vir a ser consideradas inconstitucionais — algumas nem sequer têm natureza legislativa—, enquanto sobre a outra matéria há estudos profundos a fazer. É intenção do Governo —e com certeza também desta Assembleia — avançar nessa senda rapidamente, mas creio não devermos colocar os dois factores no mesmo plano e condicionar um ao outro.
Quanto aos exemplos referidos pelo Sr. Deputado, é evidente que não os levo a mal, nem tinha nada de os levar a mal, mas creio serem eles casos muito marginais, casos em que mesmo o Sr. Deputado não acreditará, a avaliar pelo próprio tom jocoso com que a eles se referiu.
Não acredita com certeza que nós considerássemos incluído no âmbito da proposta que fizemos, por exemplo, o dever de desligar a televisão em casa quando passasse a transmissão de um direito de antena. Suponho que estamos já de facto em matéria de intervalo, e não em matéria de debate.
Houve uma pergunta, contudo, importante feita pelo Sr. Deputado e à qual gostaria de responder. A pergunta foi a seguinte: se, por acaso, não houver actuação do Provedor de Justiça, que outras garantias restam ao militar contra o poder discricionário ou o abuso de poder, no âmbito das Forças Armadas?
Que eu saiba, Sr. Deputado, há, pelo menos, as seguintes: o funcionamento dos mecanismos da função inspectiva, o exercício do direito de reclamação, o exercício do direito de queixa, o exercício do direito de recurso hierárquico, o exercício do direito de recurso contencioso, a propositura de acção de responsabilidade civil e a queixa crime. Creio que, em todo o caso, é um leque vasto, significativo, onde há muito a aperfeiçoar e a desenvolver, mas não me parece justo acusar a legislação em vigor de, só por não consagrar a existência de provedor de justiça, não possuir qualquer mecanismo ou qualquer conjunto de garantias que possam ser utilizados para controlar, e eventualmente rectificar, o uso do poder discricionário.
Pelo que disse, creio ter mais ou menos igualmente respondido à maior parte das afirmações do Sr. Deputado Jaime Gama. Contudo, não me parece que o facto de se poder invocar um exemplo do direito comparado — a República Federal da Alemanha— signifique que essa é necessariamente a melhor solução, a solução a adoptar. Isto porque desde já existem muitos mais exemplos de direito comparado contários à existência de um provedor de justiça específico para as Forças Armadas. Não existe essa figura, tanto quanto sei, nem em França, nem na Grã-Bretanha, nem em Itália, nem na Espanha, nem na generalidade dos países europeus; não existe nos Estados Unidos da América, não existe — salvo o erro —
no Canadá; portanto, a tendência do direito comparado não é hoje ainda favorável a esta figura.
Por outro lado, restar-nos-ia ainda saber em que termos concretos está regulamentada a figura do provedor de justiça para as Forças Armadas na República Federal da Alemanha. Quer-me parecer, do que conheço do espírito jurídico alemão, que se tratará de um texto muito longo, um texto muito bem preparado, um texto cheio de cuidados. Não sei, sinceramente, se nós não deveríamos ter o cuidado, ao entrarmos por esta via, de estabelecer aqui uma norma indicativa, mas sem deixar de exigir uma regulamentação, por lei da Assembleia da República, da extensão das competências do Provedor de Justiça às Forças Armadas, mesmo dentro dos termos limitados em que aqui a questão foi agora posta. Admito que haja mil e um problemas de natureza jurídica, de natureza institucional, de natureza processual, que valesse a pena meditar seriamente, cautelosamente, em vez de, numa penada, em 2 ou 3 números, lançarmos imediatamente a exequibilidade imediata este sistema.
Também a figura do Provedor de Justiça, prevista no artigo 23.°, foi regulamentada por lei da Assembleia da República, regulamentação que demorou o seu tempo a fazer, onde se tomaram vários cuidados. Creio que, por maioria de razão, deveríamos prever tal hipótese, no caso de chegarmos a acordo sobre a extensão ao sector das Forças Armadas da actuação do Provedor de Justiça.
O Sr. Deputado Veiga de Oliveira começou por argumentar em matéria de direito administrativo —está, naturalmente, nesse sede à vontade para o fazer, pela sua experiência. Em todo o caso, permitirá que lhe diga ter, a meu ver, cometido alguns erros.
Em primeiro lugar, cometeu erros quando evocou sempre como fundamento da intervenção do Provedor de Justiça a prática de um acto administrativo por qualquer órgão da Administração. Ora, acontece que não é assim, acontece que o Provedor de Justiça se caracteriza, designadamente, por poder actuar sem precedência de acto administrativo e, nomeadamente, em caso de omissão.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado invocou o exemplo...
Pausa.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Dou inteiramente razão ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro, mas, quando fiz tal afirmação, fi-la convencido de que me faria entender. O que eu pretendia era dizer que, por acréscimo, haveria nesses casos lugar para a intervenção do Provedor de Justiça.
O Orados"; — Em segundo lugar, creio não poder invocar, para daí extrair argumentos quanto ao sector das Forças Armadas, o exemplo dos serviços públicos que assumem a natureza de administrações autónomas, porque as Forças Armadas não são administração autónoma — pertencem à administração directa do Estado— e, portanto, são um serviço público integrado.
Disse também o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, contra a minha argumentação de que seria inconstitucional criar um provedor de justiça específico para as Forças Armadas, através de lei ordinária, que há países —e aqui, sim, quis invocar a seu favor o direito compa-
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rado — onde, para além de existir um provedor de justiça genérico, hâ simultaneamente outros específicos, designadamente para as Forças Armadas.
Evidentemente não nego tal afirmação, o que afirmo é que em Portugal me parece não ser isso possível, uma vez que, se a Constituição entendeu constitucionalizar a figura deste provedor de justiça, é porque exclui automaticamente a possibilidade da criação, por lei ordinária, de outros provedores de justiça.
Disse depois o Sr. Deputado que lhe parecia que a existência do Provedor de Justiça não é contrária ao princípio da hierarquia e da disciplina, porque estas não podem ser sinónimos de prepotência.
Suponho, em todo o caso, que o problema não está ai. E evidente que a hierarquia e a disciplina não podem ser sinónimo de prepotência. O problema é que haverá efectivamente uma quebra de hierarquia, caso o superior hierárquico seja privado do poder disciplinar. Isto porque a relação hierárquica pressupõe um complexo de poderes e deveres, dos quais faz parte essencial o poder disciplinar. Donde, se se admitir o Provedor de Justiça em termos de poder haver um apelo directo à sua pessoa, saltando por cima da hierarquia, aí haverá claramente uma entorse ao princípio hierárquico, entorse que se nos afigura grave. E grave, na medida em que significa um corte na relação hierárquica; grave, na medida em que significa uma desautorização a priori do superior hierárquico; grave, na medida em que implicará, necessariamente, em relaxamento da autoridade disciplinar.
O Sr. Deputado citou depois um estudo da provedoria de justiça, estudo que naturalmente vale o que vale, mas que não pode ser invocado contra a liberdade de opção do legislador ordinário que esta Assembleia da República é e que tem todo o direito de não concordar com o que se diz nesse parecer.
Quanto ao Sr. Deputado Herberto Goulart, também algumas notas: afirmou o Sr. Deputado que o Serviço do Provedor de Justiça não iria afectar a hierarquia, porque as suas recomendações não são vinculativas.
Tive ocasião de dizer aqui, esta manhã — e repeti-lo-ia rapidamente—, que aquilo que afecta a hierarquia é, desde logo, o facto de se permitir, se for esse o regime, que um militar se dirija directamente ao Provedor de Justiça, sem passar através do canal hierárquico.
Esse facto, em si, muito antes ainda do uso do poder de recomendação, é um facto que afecta o princípio hierárquico em todas as suas conotações. Afecta, em segundo lugar, também a hierarquia o poder de averiguação, se existir sem limites e comportando uma intromissão no funcionamento interno da instituição.
Só num terceiro momento é que se coloca o problema de se saber se a recomendação afecta, ou não, a hierarquia.
Creio que, mesmo nesse terceiro momento e para além dos outros dois, o poder de recomendação afecta a hierarquia se se vier a traduzir em recomendações feitas a órgãos subalternos, e não ao órgão colocado no topo da hierarquia.
Se o Provedor de Justiça, como instituição estranha às Forças Armadas, puder emitir recomendações ao coronel X, ao capitão you ao sargento Z...
Vozes.
Pausa.
«Se*, St . Deputado, eu estou a dizer «se».
Sei muito bem não ser esta a proposta do PS, mas
hoje, de manhã, nas intervenções que houve, ninguém ressalvou esse problema, pelo que me julgo no direito de chamar à atenção para as consequências que advirão, caso for essa a versão que se dê à intervenção do Provedor de Justiça nessas matérias.
Efectivamente, aí haverá um facto grave a afectar profundamente a hierarquia.
Por último, o Sr. Deputado referiu —o que é verdade— que a instituição da figura do provedor de Justiça nesta área é compatível com a existência e p aperfeiçoamento dos outros mecanismos —a que chamei clássicos — de garantia de direitos dos militares.
É evidente que é compatível, mas o problema não é o de se saber se é ou não compatível, mas o de se determinar se neste momento será oportuna, antes de todos esses mecanismos serem repensados, modificados e melhorados até ao limite da sua perfeição, se será oportuna, dizíamos, a consagração de um outro mecanismo — o do Provedor de Justiça—, que é, como de manhã afirmei, normalmente o ponto de chegada de uma longa e lenta evolução, e não o ponto de partida da mesma.
Por último e em relação ao Sr. Deputado Mário Tomé, gostaria de lhe dizer não ter gostado nada de o ouvir afirmar que as Forças Armadas têm uma tendência natural para a prepotência e a arbitrariedade. Não é esse o juízo que faço das Forças Armadas.
Há, com toda a certeza, casos condenáveis em sede das Forças Armadas, como os há, Sr. Deputado, em muitas outras instituições. Não apenas nas Forças Armadas, mas em todas as instituições humanas, e não somente naquelas que assumem estrutura hierarquizada do tipo militar.
Não é só nas Forças Armadas, não é só nas forças de segurança, Sr. Deputado. Prepotência e arbitrariedade, há-as em todas as instituições. Pense o Sr. Deputado, por exemplo, nos colégios internos; pense o Sr. Deputado nas famílias, onde muitas vezes isso acontece mesmo nos ambientes mais íntimos.
Creio, Sr. Deputado, ter sido injusto ao afirmar dessa maneira aquilo que afirmou.
Gostaria igualmente de lhe esclarecer que não fiz qualquer equiparação, em termos constitucionais ou políticos, das Forças Armadas ao poder legislativo e ao poder judicial.
O argumento que utilizei foi este: se em relação ao poder legislativo e ao poder judicial — onde não há, nem tem de haver, com tanta intensidade a consagração do princípio hierárquico — não se prevê a intromissão do Provedor de Justiça, parece que, por maioria de razão, relativamente às Forças Armadas — onde esse princípio hierárquico é o princípio básico da organização— se deve ter, pelo menos, o mesmo cuidado.
O Sr. Mário Tomé (UDP): — De facto, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, não é só nas Forças Armadas que existe hierarquia. A hierarquia existe em todos os serviços, em toda a parte. A actuação do Provedor de Justiça não liquida os pressupostos da hierarquia nem o funcionamento da mesma.
O Orador: — Não é isso, Sr. Deputado. Desculpará, mas não é isso. É que nos outros serviços a hierarquia é um princípio técnico da organização, que pode existir ou não. Mas nas Forças Armadas aquele é um princípio essencial, sem o qual as Forças Armadas não terão nem coesão, nem disciplina, nem prontidão, nem capacidade operacional e, portanto, não alcançarão o seu fim.
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O Sr. Mário Tomé (UDP): — Como qualquer outra instituição.
Pausa.
Bom, está bem. Há um grau superior, digamos assim, do papel da hierarquia. Não é verdade, Sr. Vice-Primeiro-Ministro?
O Oraste — Mas não é só isso, Sr. Deputado, não é só quantitativamente superior. É porque é essencial e conatural à instituição, em função dos seus fins, circunstância que não acontece nos outros casos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Desejo também congratular-me com a discussão. Julgo que da discussão nasceu a luz e que, através das palavras do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, estará aberto o caminho à fixação, em sede desta lei, da extensão dos serviços de provedoria de justiça às Forças Armadas ou da criação de um provedor de justiça específico às mesmas.
Entendo que devo fazer algumas correcções: entre elas não citei somente a administração autónoma, citei igualmente a Direcçâo-Geral dos Serviços Prisionais, a qual não cabe na administração autónoma do Estado.
Quando citei uma e outra, fi-lo propositadamente, como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro pode imaginar. Quis propositadamente estabelecer a ideia de que este critério tanto era válido para serviços autónomos como para administração directa do Estado. E, naturalmente, para o grau intermédio, que também existe.
A nossa proposta pode ser móbil de muitas acusações, visto criar a figura de um provedor de justiça específico. Certos militares acusam-na, inclusivamente, de ser mais um elemento constitutivo do gueto das Forças Armadas.
Contra este argumento só tenho um outro: o do pragmatismo. Entendo mais fácil chegar por esta via ao resultado que pretendemos obter do que através de outra. Esta, no entanto, é uma opinião que virá a ter vencimento ou não e que não traduz a questão essencial.
Na nossa proposta temos tanto em atenção a delicadeza da questão que, em sede de n.° 3 da proposta, dizemos que o estatuto do provedor de justiça para as Forças Armadas será regulamentado em lei especial.
Não se trata de matéria simples e plana, trata-se de uma matéria delicada. De delicadeza do tratamento que demos à questão ressalta que não somos contra a hierarquia, não nos opomos ao princípio da hierarquia — princípio fundamental na essência das Forças Armadas— nem à disciplina. Por essa mesma razão é que pretendemos que tudo seja feito sem prejuízo daqueles princípios.
Contudo, entenderíamos benéfico para todos nós — a começar pelas Forças Armadas, mas para todos nós — que fôssemos por uma ou outra via, aquela que for julgada mais conveniente, e se estendesse às Forças Armadas ou se criasse para elas um serviço de provedoria de justiça.
Desejamos expressar de modo bem claro que não gostaríamos de ver o Provedor de Justiça a recomendar seja o que for a qualquer grau intermédio da hierarquia
militar. Tal seria perfeitamente inaceitável e não está previsto na nossa proposta. Jamais poderíamos aprovar una fórmula desse teor.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Três rápidas observações a esta intervenção do Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
Em primeiro lugar, para dizer, Sr. Deputado, que aquilo a que eu abri a porta não foi a extensão do Serviço do Provedor de Justiça às Forças Armadas, mas sim a inclusão no âmbito da actuação do Provedor de Justiça daqueles poderes públicos que tenham competência relativamente às Forças Armadas.
Em segundo lugar, afirmo ter compreendido a distinção feita pelo Sr. Deputado entre as administrações autónomas e a Direcçâo-Geral dos Serviços Prisionais. Onde eu queria chegar é que, no caso da Direcçâo-Geral dos Serviços Prisionais —como no caso de qualquer outra direcção-geral —, entendo que, embora saiba que não tem sido essa a prática, não deve haver reclamação ou queixa directamente da actuação da direcção-geral, mas sim da posição que o ministro respectivo tomar sobre a questão da direcção-geral. Estamos de acordo.
Finalmente e em relação à hipótese de consagração da figura de um provedor de justiça específico para as Forças Armadas, digo-lhe, Sr. Deputado, que, se se tivesse a concepção de que o Provedor de Justiça, no âmbito das Forças Armadas, podia intervir a meio da hierarquia — como de manhã supus que se pretendesse e agora à noite, felizmente, ficou esclarecido que ninguém pretende—, se se pretendesse isso, creio que a única maneira de poder considerar a eventualidade do provedor de justiça para as Forças Armadas seria na modalidade, que o PCP propôs, de um provedor específico.
Agora, se nós entendemos que o que irá ficar sob a alçada directa da actuação do Provedor de Justiça são as acções ou omissões dos poderes públicos, e, portanto, em princípio, o Governo, então, creio não se justificar a existência de um provedor de justiça específico. Deverá ser, nesse caso, o Provedor de Justiça genérico, previsto em sede do artigo 23.°, quem deve actuar.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, este capítulo aparecia-nos constituído por 18 artigos. Provavelmente, virá a ter mais um, este referente ao Serviço do Provedor de Justiça; destes 18 artigos um deles —creio que o artigo 18.° — ficou para debate de correcção, 11 têm alterações que poderiam vir a ser aceitáveis com novas redacções, algumas já apresentadas à Mesa pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro; para o artigo 19.°, contido nesse lote de 11, ainda não há qualquer proposta de redacção.
Pergunto aos Srs. Deputados se pretendem que se faça a discussão desses artigos, designadamente daqueles que tínhamos pensado voltar a debater, ou se se entra já em sede de votação, ressalvando a hipótese de, intercalar-mente, debatermos a redacção deste ou daquele artigo ou saltarmos a votação de qualquer um ainda não merecedor de consenso.
Pausa.
Entretanto, anuncio ter o PS retirado todas as suas propostas e apresentado uma nova formulação global ao
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artigo 31.°, sob a epígrafe «Restrições ao exercício de direitos por militares». Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, seria talvez mais produtivo e menos susceptível de erro que, ou em sede de subcomissão, ou por outra via qualquer, se apresentassem os artigos discutidos em função da matéria discutida e por fim se votasse. Não vemos qualquer vantagem — até pode resultar em inconveniente — em fazer agora a votação.
Propomos que, por apresentação pelo Governo daquilo que entende como linha de mínimo ou de máximo, em relação aos artigos já discutidos, ou pela subcomissão, que o faça com a presença do Governo, se elabore um trabalho tipo relatório. A nossa votação recairá então sobre esse trabalho.
Agora, continuaríamos a discussão dos artigos subsequentes.
De outra forma, dada a quantidade de propostas que enfrentamos, correremos o risco de perda de tempo e de, eventualmente, virmos a votar coisas que ninguém quer. A esta hora da noite será sempre um risco.
O Sr. Presidente: — Vejo esta dificuldade, Sr. Deputado: estamos confrontados com um tempo muito escasso, a constituição de uma subcomissão levaria à mobilização de senhores deputados que apresentaram e pretendem defender as suas propostas e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro não poderia estar presente em sede desta Comissão e, simultaneamente, de subcomissão. A não ser que a subcomissão viesse a funcionar em tempos durante os quais não funcionasse esta Comissão.
Não sei se esse será o melhor método; no entanto, os Srs. Deputados o dirão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, esse trabalho de subcomissão seria muito rápido, porque tudo está discutido, cada um sabe exactamente aquilo que foi debatido e, naturalmente, haveria simplesmente que acertar redacções.
Não me importaria até que houvesse relações múltiplas de resumo. Preferiria, no entanto, um resumo único final, que tornaria a nossa votação última mais fácil.
Assim se procedeu em sede de elaboração da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, pelo que nada obstaria a que também constituíssemos uma subcomissão. Ou então nos fosse concedido tempo bastante à consideração de todas as propostas que aqui se nos deparam.
Tenho aqui, Sr. Presidente, um grosso in-fólio de propostas e não gostaria de as ver votadas de forma anárquica.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, gostaria de o recordar terem ficado no ar matérias referentes ao Código de Justiça Militar e ao Regulamento de Disciplina Militar, matérias sobre as quais há propostas susceptíveis de serem retiradas.
Tenho, por exemplo, uma série de propostas relativas aos artigos 28, 30.° e 31.°, salvo erro, propostas que poderei retirar, ficando essa conduta dependente de um trabalho tipo relatório.
Só se ganhará tempo e eficácia em utilizar um método que permita, por um lado, nós sabermos o que é que a maioria aceita ou não das propostas feitas pela oposição e, por outro lado, obtermos uma síntese-resumo de tudo aquilo que, ao fim e ao cabo, fica pendente para a votação.
Doutro modo, não estarei em condições de votar matéria alguma.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Freitas do Amaral.
O Sr. Vice-Prlmelro-Mlntstro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela minha parte, gostaria apenas de afirmar que estou de acordo com esse método. Se for esse o entendimento da Comissão, estarei na disposição de fazer esse trabalho, sem prejuízo da manutenção das propostas não contempladas nos textos que eu elaborar. No fim de contas, já o comecei a fazer, já elaborei e apresentei alguns. Seria agora como que ir até ao fim do capítulo com esse método.
Para o efeito, talvez precisasse da manhã de amanhã — pelo menos de uma parte da manhã—, porque hoje, quando chegar a casa, confesso já não dever estar em condições de o fazer.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Visto que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro concorda com as propostas dos Srs. Deputados César Oliveira e Veiga de Oliveira, não vemos inconveniente algum em que se siga tal método.
Uma questão, no entanto: surge-me um problema, em sede do artigo 32.°, para o qual não tenho propostas nem soluções, mas que apresenta a sua gravidade.
O Código de Justiça Militar integra nos seus normativos um conjunto de leis substantivas e de leis processuais.
A prática ensina-nos que o processo penal militar, do qual é supletivo o processo penal comum, tem uma série de posicionamentos que efectivamente se não justificam. Mais, haveria vantagem evidente em que o processo penal fosse expurgado, em relação ao Código de Justiça Militar, das normais disposições processuais.
Em primeiro lugar, chamo a vossa atenção para o formulário de culpa, figura que vem do nosso antigo direito processual penal e que é altamente contestada.
Em segundo lugar, requeiro a vossa atenção para a diferença de tratamento dada pela lei civil, a lei penal comum e a lei penal militar em relação ao julgamento de presos à revelia. ,
Em terceiro lugar, requeiro a atenção dos Srs. Deputados para alguns problemas ligados com os sistemas de prazos, que dão lugar a uma jurisprudência flutuante e os quais não estão devidamente estabelecidos.
Em quarto lugar, temos um sistema demasiado permissivo de nulidades, que o processo penal comum já pôs em causa e que levam à cassação no Supremo Tribunal Militar de inúmeros julgamentos.
Se aprovarmos o que aqui está, esta tendência positiva da evolução no sentido de o processo penal comum passar a ser aplicado integralmente no tribunal militar, com todas as vantagens que tem e sem qualquer inconveniente — já que está muito mais evoluído que o direito
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processual militar— e ainda com a possibilidade de se consultar um único código, desaparece.
Tenho já em vista uma redacção no sentido de que as exigências contidas no Código de Justiça Militar sejam, em princípio, as do direito meramente substantivo.
Isto teria todas as vantagens, na medida em que daria a hipótese de se manter durante um período de transição o direito processual actual.
A evolução vai inexoravelmente no sentido de que se aplique ao Supremo Tribunal Militar o direito processual penal comum.
Gostaria de, em sede deste artigo, ver ressalvado este princípio: ser apenas obrigatória a contenção no Código de Justiça Militar das disposições de lei substantiva.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Pri-meiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em matéria de direito processual penal militar, não tenho os mesmos conhecimentos que o Sr. Deputado José Luís Nunes e muito menos a sua prática como advogado dessa área.
Por isso mesmo, confesso não me sentir muito à vontade para colocar aqui, com toda a prontidão, uma norma pragmática quanto à evolução do Código de Justiça Militar.
Admito que o Sr. Deputado tenha razão, mas creio talvez mais prudente estudar essa matéria, aquando do estudo a fundo da revisão do Código. Nessa altura, caso fosse esse o entendimento, então tomaríamos tal orientação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Laís Nunes (PS): — Sr. Vice-Primeiro-Ministro, apenas desejava salientar que a redacção do artigo 32.°, tal como se encontra, fecha as portas a essa matéria. Só alterando a lei.
Proponho que se faça uma redacção suficientemente souple, redacção que não feche as portas a essa matéria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado José Luís Nunes, proponho a seguinte redacção, redacção que talvez vá ao encontro das ideias do Sr. Deputado, sem, no entanto, me comprometer: em vez de se dizer «as exigências do ordenamento específico aplicável às Forças Armadas» dizer «as exigências específicas do ordenamento aplicável às Forças Armadas».
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma proposta processual — uma vez que estamos a tratar de matéria afim—, proposta mais ou menos nestes termos: prepararíamos hoje o nosso trabalho aqui; recomeçá-lo-íamos amanhã, pontualmente às 11 horas,
dando assim tempo ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro de organizar um trabalho de ordenação.
Temos ainda meia hora de trabalho —havíamos estabelecido a 1 hora da manhã como ponto limite—, pelo que...
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, permita-me que o interrompa.
Creio termos um capítulo a seguir, referente ao Ministério da Defesa Nacional e apenas constituído por 3 artigos: o artigo 33.°, sob a epígrafe «Atribuições», o artigo 34.°, sob a epígrafe «Integração das Forças Armadas no Estado» e, finalmente, o artigo 35.°, sob a epígrafe «Outros órgãos, serviços e organismos do Ministério da Defesa Nacional».
Em relação a este capítulo há apenas 1 proposta ao artigo 34.° e 2 ao artigo 35.°
Creio que ainda entrarão mais algumas propostas na Mesa referentes ao artigo 34." De qualquer maneira, proporia que amanhã de manhã não houvesse reunião. Assim, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro teria toda a manhã para o citado trabalho de organização de propostas e posições debatidas.
Pausa.
Terminaríamos, por hoje os nossos trabalhos, recome-çando-os, como alguns senhores deputados o desejam, amanhã, às 11 horas e 30 minutos.
Pela maneira como os nossos debates se estão a processar, creio que os Sr. Deputado, amanhã à noite, concluirão virmos a precisar da próxima segunda-feira para a continuação e conclusão doi mesmos.
Os trabalhos continuariam na segunda-feira, em princípio, de tarde.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Era 1 hora.
ReunÜo de 22 de Outubro de 1982
O Sr. Presidente [Fernando Condesso (PSD)j: — Srs. Deputados, alguns membros desta Comissão estão neste momento a receber parlamentares americanos do Senado e do Congresso.
Há um outro Sr. Deputado impedido de estar aqui presente, por dia de trabalhos de direcção, em sede de plenário.
De qualquer maneira, estão presentes deputados de todos os diferentes grupos parlamentares, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 11 horas e 30 minutos.
Vamos iniciar, Srs. Deputados, o debate do capítulo IV.
Uma proposta do PCP, relativa a todo este capítulo, pretende eliminar os artigos 33.°, 34.° e 35.°, substituindo-os por um artigo único, com a seguinte redacção:
As atribuições, competências e estrutura orgânica do Ministério da Defesa Nacional serão regulamentadas por decreto-lei, nos termos gerais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: As razões que nos levam a propor a matéria lida são já do conhecimento público: entendemos que a matéria constante dos artigos 33.°, 34.° e 35.° se esgota na competência do Governo.
O que aqui está em causa é a lei orgânica do Governo. Sempre foi, aliás, muito defendida, pelo próprio Sr. Vice-Primeiro-Ministro, a ideia de que tal matéria não deveria ser objecto de discussão em sede de Assembleia da República.
Lembro-me de casos em que se pretendeu — às vezes com uma justificação concreta— discutir alguns aspectos de leis orgânicas que foram promulgadas e publicadas. Nessa altura, as posições do CDS e do Sr. Vice-Primeiro-Ministro foram muito claras, no sentido de que tal seria matéria de reserva do Governo e que, portanto, não deveria ser questionada pela Assembleia da República.
Em sede de artigo 33.°, versam-se as atribuições do Ministério da Defesa Nacional e enumeram-se questões meramente de divisão e organização de trabalho do próprio Governo.
O artigo 34.° trata das competências do Ministro da Defesa Nacional no que à matéria respeita.
Evidentemente que isto poderia ser uma repetição de uma lei de organização do próprio Governo, mas cremos ser também matéria da competência de reserva legislativa do Governo.
No artigo 35.°, mais uma vez temos em pleno a estrutura orgânica do Ministério da Defesa Nacional.
A primeira frase do n.° 1 do artigo 35.° mostra claramente de que matéria se trata.
Vem, por vezes, a argumentação de que a inclusão desta matéria em sede de Lei de Defesa Nacional, em primeiro lugar, facilitaria a organização de todo este ramo de defesa nacional e, em segundo lugar, daria um carácter de maior importância ao ministério que assume as principais competências nesta matéria.
Não nos parece ser merecedora de atendimento tal argumentação, porque, no primeiro caso afigura-se como manifestamente irrelevante e, no segundo, julgamos um pouco a contrario afirmar-se que os diplomas emanados do Governo têm menos valor, menos significado, menos importância — mormente se se trata de um decreto-lei sobre matéria de reserva de competência do Governo.
Sendo assim, propomos que, embora na discussão dos artigos seguintes se venha a considerar tudo quanto se contém nos artigos 33.°, 34." e 35.° — e na medida em que alguns aspectos aqui presentes sejam de incluir por outra via—, e que estes três artigos sejam eliminados, já que manifestamente deslocados.
Quando nos referimos à inclusão de quaisquer aspectos presentes em qualquer destes artigos, significávamos a aceitação de um artigo que pudesse remeter todos esses aspectos para uma lei sobre matéria da competência exclusiva do Governo.
Esta a razão pela qual propomos aqui não só a eliminação destes 3 artigos, como também a sua substituição por um artigo único, no qual se diria qualquer coisa como: «As atribuições, competência e estrutura orgânica do Ministério da Defesa Nacional serão regulamentadas por decreto-lei nos termos gerais.»
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É perfeitamente admissível que não haja uma Lei de Defesa Nacional aprovada pelo Parlamento e que, entendendo-se que as Forças Armadas têm uma inserção plena na Administração e no Estado através do Governo, a Lei de Defesa Nacional mais não seja do que a lei de organização do Governo, em relação ao sector da defesa nacional e das Forças Armadas, isto é, que a Lei de Defesa Nacional seja, no fundo, a Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional.
É, aliás, essa a concepção francesa, segundo me parece. Em França não existe uma lei de defesa nacional aprovada pelo Parlamento. Há uma lei orgânica reguladora das competências do governo nesta matéria, particularmente as competências do Ministro da Defesa Nacional, bem como um diploma que regula o sistema de poderes do chefe de estado-maior.
Todavia, uma vez que a filosofia adoptada pela Constituição é a de cometer à Assembleia da República a aprovação da Lei de Defesa Nacional, bem como a aprovação das bases gerais da organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas e, uma vez que há que regular neste diploma todo o problema da inserção das Forças Armadas no Estado — e esta inserção tem naturalmente o próprio Governo por elemento preponderante—, parece-nos que este capítulo é absolutamente necessário à economia do próprio diploma.
Cometer exclusivamente ao Governo a capacidade legislativa neste ponto seria enfraquecer substancialmente a resolução legislativa desta matéria. Daí que defendamos a inclusão do capítulo IV e, para além de algumas alterações de pormenor, somos favoráveis à generalidade do conteúdo deste capítulo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice--Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por dizer que é verdade que o meu partido e eu próprio temos defendido a ideia de que a matéria relativa à organização do governo e dos ministérios deveria ser matéria da competência exclusiva do governo.
No entanto, essa orientação não foi perfilhada, designadamente em sede de revisão constitucional, e o que ficou foi apenas o que já estava, ou seja, que è da exclusiva competência legislativa do governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento. O que significa, por um lado, que não cabe nesta reserva de competência tudo o que tenha a ver com a organização e funcionamento dos ministérios, enquanto realidades diferentes do governo; por outro lado, significa também não caber nesta reserva de competência tudo quanto diz respeito ao governo, mas apenas o que diz respeito à sua organização e funcionamento. Designadamente, as atribuições e competências do governo ou dos membros do governo não são, na minha interpretação, matéria da competência exclusiva do governo, porque não são organização nem funcionamento.
Creio existir uma área importante, coberta por estes três artigos —artigos 33.°, 34." e 35.° da proposta de lei—, área que não tem a ver com a organização e o funcionamento do governo, mas sim com as atribuições e competências deste, em matéria de defesa nacional e Forças Armadas.
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Há, por outro lado, como já referiu o Sr. Deputado Jaime Gama, um problema central em toda esta lei, o problema da inserção das Forças Armadas no Estado, que aqui se propõe seja resolvido dentro do espírito da revisão constitucional, isto é, através da sua integração no Ministério da Defesa Nacional.
Sobre esta matéria, a Constituição não regula expressamente, mas creio que decorre de vários preceitos introduzidos na revisão constitucional que será necessariamente assim.
Deparamos, também, com o problema de saber se os chefes de estado-maior e o Conselho de Chefes de Estado-Maior dependem ou não do Ministro da Defesa Nacional — matéria que, obviamente, excede em muito um problema de simples organização ou funcionamento do Governo.
Entendo que, quer por razões constitucionais, quer por razões de natureza legislativa, temos de manter o essencial do conteúdo deste capítulo, sem embargo de, como é evidente, podermos examinar, caso a caso, se haverá algum dos números destes artigos que em si invada a competência exclusiva do governo. Admito que algum possa haver, sobretudo no artigo 35.° Todavia, esse seria um ponto a examinar caso a caso, porque, no essencial, este capítulo contém matéria de suma importância na economia da proposta de lei e sobre a qual me parece que o Governo não poderia nunca legislar, através da forma de decreto-lei.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. MagaUiães Mota (ASDI): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos nós concordaremos que nesta proposta de lei se contemplam matérias que, pela sua importância, justificariam que a Assembleia da República sobre elas se pronunciasse.
Creio, no entanto, que a apreciação de tais matérias pela Assembleia da República estabeleceria um precedente interpretativo, em termos da competência do governo, em relação ao qual tenho muitas dúvidas.
Na verdade, tudo se passa em termos de delimitarmos rigorosamente o significado do n.° 2 do artigo 201." da Constituição.
Se entendermos que da organização e funcionamento do governo estão excluídas matérias referentes, quer à sua competência, quer às atribuições de cada membro do governo, poderíamos encontrar, para o efeito, algum fundamento constitucional, designadamente nos artigos 200.° a 204.° Todos estes artigos tratam da competência do governo em geral e até das competências de alguns membros do governo em particular.
Estaríamos, por essa forma, creio bem, a poder encontrar um meio de evitar que o Governo exercesse a sua competência exclusiva, em matéria da sua própria organização e funcionamento. Isto é, se por acaso a Assembleia da República definisse por lei, como sendo da competência, por hipótese, do Ministro da Indústria a actividade relacionada com as indústrias militares, o governo estaria impedido de se organizar e estabelecer o funcionamento nessa matéria, visto que estaria condicionado pela orientação fixada pela Assembleia da República, ao atribuir a esse membro do governo esse sector.
Do mesmo modo, se a Assembleia da República definisse por lei que o governo não poderia ter mais do que x membros, não poderia ter, por hipótese, Ministro
da Indústria ou da Defesa, estaria a invadir por esta via, creio eu, o campo da organização e funcionamento do Governo.
Inclinar-me-ia para uma forma suficientemente genérica e consideraria que as matérias de organização do governo, em relação à defesa nacional e às Forças Armadas, deveriam constar necessariamente de decreto--lei; mas não iria mais longe do que isto, para evitar aquilo que me parece uma fonte de conflitos entre a Assembleia da República e o governo, quanto à interpretação do n.° 2 do artigo 201.°
Tudo somado, seria esta a orientação mais prudente, já que duvido que, uma vez estabelecido este precedente, fosse possível evitar que a Assembleia da República viesse a legislar sobre várias outras matérias, também repartindo competências e atribuições entre membros do Governo, também estabelecendo caminhos para a sua própria definição e introduzindo-lhe, inclusivamente, severas limitações na sua acção.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice--Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me que o Sr. Deputado Magalhães Mota apontou algumas dificuldades ao critério proposto, mas não rebateu as razões de fundo pelas quais considero que é indispensável dizer algumas das coisas contidas nos artigos deste capitulo. Designadamente, o problema da inserção das Forças Armadas no Estado, através do Ministério da Defesa, e o problema da dependência das chefias militares em relação ao Ministro da Defesa não são manifestamente problemas de somenos, nem são meros problemas de organização e funcionamento do governo.
Sobre isso creio ser absolutamente indispensável que seja esta lei a providenciar.
É evidente que esta questão —como todos os problemas de delimitação de fronteiras— é um problema difícil, que não se resolve de uma penada apenas, mas que implica um certo aprofundamento de critérios.
Penso, em todo o caso, que os exemplos que o Sr. Deputado deu não provam, porque uma coisa é a delimitação horizontal de competências e outra é a delimitação vertical das mesmas.
A primeira, isto é, a questão de saber se uma determinada matéria entra na competência do ministro A, do ministro B, ou do ministro C, é obviamente uma questão que cabe na competência reservada do governo. Este tem todo o direito de criar ministérios, fundir ministérios, transferir competências do ministério A para o ministério B e, portanto, neste trânsito horizontal das competências só o governo deve intervir. Se as leis da Assembleia da República, por qualquer outra razão, tiverem necessidade de fazer referência aos ministérios ou aos ministros existentes, fá-lo-ão em relação àquilo que estiver em vigor no momento em que forem feitos e, depois, se tal for alterado, nos termos da reserva de competência do governo, as remissões feitas em leis da Assembleia da República entender-se-ão transferidas para os órgãos que sucederem nas competências àqueles que existiam ao tempo em que a lei foi feita.
A segunda, isto é, a dimensão vertical das competências, é uma dimensão externa, e aqui o que está em causa não é o problema de saber se uma dada competência pertence ao ministro A ou ao ministro B dentro do
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governo, mas o de se saber o que é que o governo pode fazer, ou que poderes tem, em relação aos cidadãos, em relação às empresas, em relação ao sector privado, em relação a outras entidades públicas não estaduais.
Obviamente, em sede de delimitação vertical de competências, já nos encontramos perante um problema de organização e funcionamento do governo. Trata-se, sim, de um problema que tem a ver com a amplitude da intervenção lícita do Estado —aqui, neste caso, representado pelo governo— face a outras entidades exteriores ao Estado.
Sucede que as Forças Armadas não eram, até agora e durante o período de transição, uma entidade exterior ao Estado, estavam localizadas no Estado mas não se encontravam subordinadas nem à Assembleia da República, nem ao governo. Encontravam-se apenas subordinadas ao Presidente da República e ao Conselho da Revolução.
O problema mais importante que se coloca nesta lei — e que a revisão constitucional, repito, não resolveu expressamente, embora tenha dado, a meu ver, indicações suficientes sobre qual era o espírito com que encarava este problema—, o problema mais importante, dizia, é o de saber se as Forças Armadas se integram, ou não, num departamento governativo da administração central, designadamente o Ministério da Defesa Nacional.
É evidente que, no plano técnico, seriam concebíveis outras soluções.
Esta matéria não pode ser considerada matéria da competência exclusiva do Governo. Trata-se, pelo contrário, de uma opção de fundo, uma opção absolutamente fundamental em toda esta questão, uma opção que tem de ser feita pela Assembleia da República.
Em resumo, entendo, tal como o Sr. Deputado Magalhães Mota, que a Assembleia da República não tem nada que dizer se as competências sobre certas matérias pertencem ao ministro A, ao ministro B ou ao ministro C, mas tem de dizer quais são as competências do governo, para o efeito representado por um determinado ministro —aquele que ao tempo é competente sobre essas matérias—, ou seja, quais são as competências que o governo tem, representado por esse ministro, relativamente a um certo número de assuntos. Assuntos onde o que interessa não é a questão de saber se é esse ou outro ministro que tem tais competências, mas a de saber se o governo as tem.
No fundo, a questão não é a de saber qual é a competência do Ministro da Defesa face aos seus colegas, mas sim qual é a competência do governo em matéria de defesa nacional e Forças Armadas. Isto ê assim, embora, por uma questão de simplicidade e de clareza, se imputem essas competências ao ministro da pasta, em tudo aquilo que não seja da competência do Conselho de Ministros,
Não creio que se possa contestar a legitimidade da Assembleia da República de, no texto das leis que elabora, se reportar a este ou àquele ministro, se são ministros que existem na orgânica em vigor do governo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Não irei repetir tudo quanto afirmei ao apresentar a proposta do meu grupo parlamentar sobre esta matéria.
Em todo o caso, para poder acrescentar alguns argumentos, ver-me-ei obrigado a sobrepor afirmações anteriormente já feitas.
Naturalmente que fico um pouco perturbado quando ouço o Sr. Vice-Primeiro-Ministro discorrer da maneira que discorreu, a respeito da competência reservada do governo — interpretando o artigo 201.°— e, ao mesmo tempo, me lembro de um projecto de lei, salvo o erro com o Sr. Vice-Primeiro-Ministro como primeiro signatário, projecto no qual se pretendiam transferir algumas competências aqui previstas para sede de portaria do próprio ministro. Atraiçoa-me um pouco a memória, contudo creio mesmo ter havido uma proposta de V. Ex.a neste sentido.
A questão de se saber o que de facto é, ou não é, da competência reservada do governo é uma questão não decidida, uma questão ainda em suspenso.
A argumentação agora aduzida pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro afigura-se-me um tanto contraditória, senão reparemos: efectivamente, na lei da organização de defesa nacional deve estipular-se tudo quanto compete ao governo. No entanto, não é isso que temos em sede destes 3 artigos. As competências do governo vêm consagradas adiante.
Quando estivermos em sede de matéria sobre os órgãos de soberania, não iremos referir o que é o funcionamento da Assembleia da República ou do Presidente da República, excepto quando a participação de qualquer desses órgãos se faça em órgãos de enlace. Será o caso do Conselho Superior de Defesa Nacional — previsto na Constituição—, havendo que dizer como é que os diferentes órgãos de soberania, participantes num mesmo órgão em sede de defesa nacional, exercem esta sua participação.
Está fora de causa que a lei deve enunciar quais as funções do governo. Porém, as normas constitutivas dos artigos 33.°, 34.° e 35.° são, em meu entender, matéria não desnecessária na totalidade, mas em parte. Aceitamos que algo desta matéria deve cá permanecer. Deveríamos, pois, seguir não a regra de tirar algumas coisas, mas a de manter algumas. Aliás, o próprio Sr. Vice-Primeiro-Ministro já admitiu existirem matérias a expurgar desta sede.
Cremos ser a nossa a proposta mais límpida, a que melhor resolve o problema, já que remete para decreto--lei aquilo que é competência do governo. Em todo o caso, aguardamos as contrapropostas subjacentes à opinião do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Tenhamos por certo que os argumentos do Sr. Deputado Magalhães Mota são relevantes; poderemos, com um erro de cálculo aqui, abrir precedentes interpretativos para o artigo 201da Constituição, que de todo em todo se revelem não aceitáveis ou negativos para o funcionamento das instituições democráticas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo haver uma aproximação dos diferentes pontos de vista.
Esta aproximação é traduzida por dois pontos: o Sr. Vice-Primeiro-Ministro reconheceu existirem matérias que devem sair deste articulado; não me custará igualmente reconhecer existirem matérias que devam ficar.
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Repita-se, contudo, que se a Assembleia da República viesse a adoptar um texto semelhante ao que está proposto, tal seria vazio de sentido. Isto porque quando por lei a Assembleia da República atribuísse, por exemplo, competências ao Ministro da Defesa Nacional, o Governo poderia à sua vontade alterar tais preceitos, já que estes consubstanciariam competência horizontal, logo matéria de reserva absoluta do governo. Estaríamos, por conseguinte, a constituir matéria aqui que amanhã poderia vir a não ser respeitada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado Magalhães Mota, o governo só poderia alterar o disposto na lei de defesa na estrita medida em que se tratasse de uma modificação de competência horizontal; já não poderia alterar outros aspectos, como, por exemplo, vir afirmar que as Forças Armadas não se integram em qualquer ministério e constituem um departamento autónomo, dependente da Assembleia da República. Isso o governo não poderia fazer.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Exacto, o que atribui conteúdo útil a esta disposição a definição da competência do governo em geral, visto que depois o governo distribuirá essa competência genérica como bem entender.
Não iremos mais longe que esta fórmula, porque tal é uma atitude prudente.
Aguardaria a redacção de propostas alternativas ao texto da proposta de lei, para me poder voltar a pronunciar sobre este tema.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como afirmou o Sr. Deputado Magalhães Mota, também creio que nos estamos a aproximar, em termos de convergência de opiniões.
Discordo dele, no entanto, na medida em que não se trata apenas de definir a competência do Governo — ou, noutra expressão, a competência vertical do Ministério da Defesa Nacional. Não se trata apenas disso, porque o problema da inserção ou não das Forças Armadas no Ministério da Defesa e da dependência ou não dos chefes militares em relação ao Ministro da Defesa não é, a meu ver, um problema de competência do governo. É mais do que isso: é um problema de organização do Estado.
De qualquer modo, creio estarmos a chegar a acordo sobre a orientação a seguir.
Assim, a proposta que eu faria, melhor, a posição que me parece deveríamos tomar sobre esta matéria seria a seguinte: primeiro, manter o artigo 33.° — na medida em que define atribuições do Ministério da Defesa na perspectiva da articulação com a política de defesa nacional, o que não me parece ser somente um problema de organização e funcionamento do Governo; segundo, manter o artigo 34.°, aquele que expressamente aborda o problema central da inserção das Forças Armadas na
administração directa do Estado, através do Ministério da Defesa, e o da dependência das chefias militares em relação ao órgão competente; terceiro, reduzir por forma drástica o artigo 35.°, porque, aí sim, há matéria da competência exclusiva do governo, já que se refere à organização e funcionamento do mesmo.
Quanto ac artigo 35.°, propunha a manutenção dos a.01 1,5 e 6 e a eliminação dosn.0' 2,3e4.
Proponho a manutenção do n.° 5, porque nele se pretende dar ao Ministério da Defesa funções que o governo, por si só, não pode chamar a si; proponho a manutenção do n.° 6, porque este número tem a ver com um problema de competência vertical, relativamente a entidades que não fazem parte do Estado, nem dependem do Governo, caso nenhuma lei estabeleça a sua sujeição a tutela administrativa ou à fiscalização do Estado.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): — Sr. Presidente, apenas um pedido de esclarecimento sobre qual o entendimento do Governo a respeito do n.° 6.
Existe alguma filosofia ou tomada de posição do Governo, quanto ao que poderá vir a acontecer aos estabelecimentos fabris das Forças Armadas? Estes envolvem cerca de 12000 pessoas, e destes estabelecimentos apenas 2 estão integrados na INDEP. Os mais importantes em termos de pessoal não estão ali integrados.
Não é claro, suponho, que todos esses estabelecimentos fabris sejam, do ponto de vista da sua melhor gestão, necessariamente integrados nas Forças Armadas — poderiam ter estatuto de empresa pública semelhante.
Trata-se de uma matéria que tem levantado alguns problemas, pelo que inquirimos se pensará o Governo, ou não, vir a abordar este assunto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Mktsto da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado, o Governo já iniciou o estudo dessa questão, embora ainda não tenha chegado a uma conclusão definitiva.
Pensa o Governo, em todo o caso, que se virá a orientar por uma de duas linhas: ou a evolução desses vários estabelecimentos para o estatuto de empresa pública e sua colocação numa situação idêntica à da INDEP, face ao Ministério da Defesa, ou, pelo menos, o estabelecimento de um organismo coordenador de todo o sector fabril militar dc Estado, uma vez que nos parece que, por razões de gestão e até por razões de fomento da exportação, se torna indispensável poder ter uma visão global deste sector e do que ele pode representar para a nossa economia.
O Sr. Soão Cravinho (PS): — Muito obrigado, Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Caso não se importe, apenas mais um pedido de esclarecimento, este adicional.
Na proposta 32-A, da autoria de V. Ex.*, relativa a matéria referente ao Provedor de Justiça, diz-se no n.° 2: •elementos das Forças Armadas».
Pergunto se acaso os trabalhadores civis dos estabelecimentos militares, integrados actualmente nas For-
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ças Armadas, se encontram abrangidos por esta designação.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado, quero confessar-lhe que tenho alguma dificuldade em lhe responder. A razão dessa minha dificuldade é a seguinte: a expressão «elementos das Forças Armadas» foi utilizada por ser a que o n.° 4 do artigo 275.° da Constituição usa precisamente para se referir, de um modo geral, aos militares.
Só que importa ponderar sobre se se deve ou não adoptar aqui a mesma expressão, porque, enquanto no caso do Provedor de Justiça não tenho dúvidas de que deveríamos também ai abranger os elementos civis, já, por exemplo, para efeitos de restrições ao exercício de direitos, é evidente que eles não têm a mesma situação dos militares.
Sendo assim, importaria taívez ponderar se convirá utilizar a mesma expressão, ou não.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados. Permaneço com algumas dúvidas no tocante a esta matéria. Dúvidas essas que se me levantaram com a primeira intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota.
Compreendo que a matéria contida no artigo 34.° se enquadra na competência vertical de um órgão do governo — como lhe chamou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro— e creio que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro já foi de encontro a algumas das preocupações aqui colocadas, ao referir as alterações por ele propostas, nomeadamente a eliminação dos n.os 3 e 4 do artigo 35.° Já agora, creio que a parte final do n.° 5 também trata de matéria de exclusiva competência do governo.
A questão que aqui se me continua a colocar é, porém, esta: julgo que este governo, quanto à sua organização e funcionamento, relativamente a matéria de defesa nacional e das Forças Armadas, parte de uma opção, que pode ser diferente da opção de um outro qualquer governo.
Este governo parte da opção de que deve existir um Ministério da Defesa Nacional, Ministério que engloba, por um lado, toda a orientação política de defesa nacional e, por outro lado, todo o enquadramento das Forças Armadas.
No entanto, creio que um qualquer outro governo pode entender ser mais eficaz para a sua organização a constituição de um Ministério de Defesa Nacional e um ministério de enquadramento das Forças Armadas. Esta é uma situação com a qual poderemos concordar ou discordar, mas é uma situação possível.
Com esta formulação, com a formulação que o Governo dá a estes artigos da proposta de lei, cremos poder-se gerar, pelo menos em teoria, uma situação grave, isto é, um novo governo vít a ter de confrontar-se com uma deliberação da Assembleia da República.
Se assim for, ou a Assembleia viola o texto constitucional — invadindo, nesta perspectiva, quanto a mim, competências específicas do governo— ou, numa outra situação, quiçá mais grave, o novo governo entende não ter de se submeter a uma lei da Assembleia e, por decreto-lei, se estrutura em termos diferentes, criando os dois ministérios que crê necessários à sua organização.
Coloco esta questão em termos de dúvida, dúvida que não me parece encontrar por parte do articulado desta proposta de lei uma resposta satisfatória.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A proposta que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro acaba de apresentar retira de facto daqui alguma coisa. Não retira, em todo o caso, aquilo que cremos essencial retirar.
Deveríamos sempre reconduzir tudo às condições limites que se podem verificar, no sentido de determinar qual a validade do que cá fica. Validade, diga-se, sempre que a matéria que aqui se consagre interfira com a competência reservada do governo.
E quais serão essas condições limites?
Imaginemos que um primeiro-ministro, perante esta lei, no sentido de evitar problemas, acumula a pasta da Defesa ou, porventura, transforma o Ministro da Defesa em Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.
Existem mil e uma maneiras de retirar toda a validade de interferência na organização e, sobretudo, nas competências do primeiro-ministro, competências que ele tem nos termos constitucionais.
Assim sendo, perguntaria se se ganhará alguma coisa com a abertura de um precedente, em interferências deste tipo na organização do governo. Cremos nada se ganhar e preferiríamos aqui consagrar só aquilo que deve ser consagrado —porque competência constitucionalmente cometida à Assembleia da República—, isto é, a estipulação clara de quais as competências e as atribuições do governo nesta matéria. Preferiríamos aqui consagrar qual a parte que cabe às Forças Armadas, bem como quais as formas de interferência, quer da Assembleia da República, quer do Presidente da República, embora neste último caso a lei esteja limitada pelo facto de não lhe poder atribuir competências que a Constituição não lhe atribua já.
Deste modo não se criariam problemas no futuro. Tudo aquilo que aqui se contém capaz de vir a transformar o Ministro da Defesa Nacional de um futuro governo num ministro um pouco acima dos outros pode sempre vir a ser obstado pelos meios que atrás expus.
A exclusão do n° 3 melhora, evidentemente, o texto, contudo esta proposta nova do Sr. Vice-Primeiro-Ministro não elimina toda a matéria que deveria ser eliminada.
Aguardaremos outras contrapropostas e, após isso, pronunciar-nos-emos definitivamente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria —como em todas, mas muito particularmente nesta—, as concepções podem variar, inclusivamente de governo para governo.
Esta variação pode não ser desejável —já que, em matéria de defesa nacional e Forças Armadas, quanto maior for o consenso e o sentido de continuidade, em termos organizativos, melhor—, mas é evidente que ela pode existir. A Constituição, aliás, permite tal variação.
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Nâo nos deveremos preocupar com isso, dever-nos-•emos preocupar com estabelecer neste momento a organização que for considerada mais adequada ao que julgamos dever ser a solução ou o esquema para o momento actual e para o futuro previsível.
É certo que, porventura, amanhã o primeiro-ministro poderá resolver acumular a pasta da Defesa —como, aliás, sucede actualmente na Grécia. Tal não tem significado orgânico, porque não representa a supressão do Ministério da Defesa: tratar-se-ia de uma união pessoal, não de uma fusão de departamentos.
Temos agora a hipótese levantada pelo Sr. Deputado Herberto Goulart sobre a possibilidade de o governo, amanhã, poder querer promover o desdobramento do Ministério da Defesa Nacional em dois departamentos — Ministério da Defesa Nacional e Ministério das Forças Armadas.
De facto, embora não conheça qualquer pais — pelo menos, democrático— onde isso aconteça, a verdade é que pode, teoricamente, acontecer. Poderia a divisão, até, ser feita em quatro — Ministério da Defesa Nacional, Ministério da Marinha, Ministério do Exército e Ministério da Força Aérea, por exemplo.
Há países onde é assim. No Brasil, por exemplo, o Presidente da República assume —sem ter o título— as funções de Ministro da Defesa e, depois, tem no seu governo um ministro da Marinha, um ministro do Exército e um ministro da Força Aérea.
Tudo isso é, por conseguinte, possível. Simplesmente, nós estamos neste momento colocados perante uma situação sui generis: não estamos apenas a repensar a organização dos departamentos militares, mas sim a concretizar uma transformação institucional profunda, resultante da revisão constitucional, transformação que implica uma transferência das Forças Armadas da posição institucional que ocupavam para uma posição diferente, esta agora com subordinação ao poder político, bem como com inserção orgânica na administração central, na administração directa do Estado.
Tudo isto põe um problema especifico, problema que não se resolve, apenas, no capítulo das competências — dizendo-se qual é a competência do governo—, nem é científico e teoricamente um puro problema de competência do governo. Não vejo como possa este problema encontrar solução noutra sede que não esta lei. Poderia ter sido resolvido expressamente na revisão da Constituição, mas não o foi, pelo menos de uma forma explícita. Não o tendo sido, não vejo que outra solução possamos descobrir, além daquela que nesta proposta de lei se prevê.
Vamos supor, por um instante, que vingava a proposta da total eliminação destes três artigos. Como poderíamos nós, então, nesta lei, fazer referências ao Ministro de Defesa Nacional, partindo do princípio de que este governo, por decreto-lei, pode resolver constituir dois ministérios: um da Defesa, outro das Forças Armadas?
Daí, seguir-se-ia imediatamente —para sermos rigorosos — que nós não poderíamos nesta lei fazer qualquer referência ao Ministro da Defesa Nacional. Teríamos, pelo contrário, de referir sempre o «governo» ou «membro do governo competente», o que já iria introduzir um elemento assaz complicativo num processo que se está a desenrolar, que tem um prazo de 30 dias —prazo que tem o seu fim na próxima semana — e em que há todo o interesse de Estado, no sentido de que estes trâmites se processem rapidamente.
Como iríamos nós, por exemplo, estabelecer a dependência das chefias militares? Seria incorrecto, mesmo impossível, não dizer nada. Também a remissão de tal matéria para um decreto-lei do governo levaria os Srs. Deputados da oposição a bramar e a afirmar que o governo estava a invadir competências da Assembleia da República e a intrometer-se numa questão vital da organização do Estado, que, obviamente, nâo seria apenas uma questão de organização e funcionamento do governo.
Mas há mais. Suponhamos ainda que deixávamos toda esta matéria para um decreto-lei do governo. Suponhamos que esse decreto-lei — que naturalmente versaria muitas outras questões e não somente estas duas ou três que estou aqui a enumerar — era vetado pelo Presidente da República, por qualquer razão— que até podia nada ter a ver com esta questão, poderia ter, por exemplo, a ver com as atribuições da Direcção Nacional de Armamento ou qualquer outro aspecto secundário.
Estaremos dispostos a subscrever uma tese que poderia adiar indefinidamente a entrada em vigor desta lei, só porque também poderia haver uma qualquer discordância relativamente a um ponto não essencial? Creio que não será uma atitude prudente e que o sistema que resulta da Lei de Revisão Constitucional não comporta uma actuação que conduza à situação de todo este sistema só entrar em vigor quando se viesse a aplicar o decreto-lei contendo a organização do Ministério da Defesa Nacional.
No fundo, seria a uma situação de adiamento indefinido que nós iríamos parar. Quer dizer, a Lei de Revisão Constitucional estabelece um sistema de certo modo de suspensão de competências legislativas, em matéria de defesa nacional, enquanto nâo estiver publicada e em vigor a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas; esta, por sua vez, estabeleceria um sistema de suspensão da sua própria entrada em vigor, até que fosse publicado e entrasse em vigor o decreto-lei com a lei orgânica do Ministério da Defesa; este, por seu lado, poderia estabelecer só entrar em vigor aquando da publicação do decreto regulamentar sobre a lei orgânica do Ministério da Defesa. De degrau em degrau, estaríamos assim a fugir completamente ao espírito da Lei de Revisão Constitucional, espirito que foi o de fazer entrar em vigor o novo esquema 30 dias depois da publicação da lei de revisão.
Julgo que, ao levarmos longe demais essa concepção, entendida de uma determinada forma demasiado restritiva, iríamos cair em consequências muito negativas, consequências que manifestamente não estavam no espírito do legislador da revisão constitucional, nem penso que devam estar no espírito da Assembleia da República.
Resumindo e concluindo: uma vez que esta é uma proposta de lei do governo, proposta que o Governo actual entende veicular o melhor conceito de organização, creio que tudo se passa no fundo como se o Governo, por decreto-lei, estipulasse passar a existir um Ministério de Defesa Nacional, onde se integrariam as competências que da Constituição e da lei resultam para o Governo, em matéria de defesa nacional e Forças Armadas. Tudo se passa, no fundo, como se implicitamente isso se tivesse feito.
Creio que não estaremos a violentar coisa nenhuma — e muito menos a violar a Constituição — ao considerarmos haver uma tomada de posição implícita do governo sobre essa questão, aquando da apresentação da
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proposta de lei sobre esta matéria. Podemos portanto, considerar licito à Assembleia da República legislar sobre esta matéria, no pressuposto de que a estrutura do governo é e será esta.
Se vier um novo governo e alterar essa estrutura, isso em nada afecta o prestígio ou a competência da Assembleia da República, na medida em que se sabe que o governo pode alterar essa estrutura.
Volto a perguntar como é que se havia de resolver o problema prático de querer um decreto-lei sobre esta matéria antes de a lei de defesa estar em vigor. Antes, não é possível, porque, por definição, não há competência para o fazer; depois, é tarde. A única forma válida e lógica de resolver o problema é a de se considerar que está implícita na proposta de lei a tomada de posição do actual Governo sobre esta matéria. Isto levando a análise a esse grau de pormenor e de profundidade que talvez não fosse necessário, mas, uma vez que a questão foi levantada, suponho tratar-se da melhor maneira de se conseguir uma solução harmónica com o espírito da lei de revisão e com a necessidade de o sistema entrar em vigor.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos interromper aqui os nossos trabalhos. Voltaríamos de tarde, pelas 15 horas e 15 minutos, iniciando o debate pelo artigo 33.°
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, talvez valesse a pena perdermos agora uns segundos a saber qual o método na continuidade de trabalho na Comissão. Estamos sensivelmente a meio do debate da proposta de lei, cada um terá inevitavelmente os seus compromissos —eu, por exemplo, tenho de tomar algumas decisões à hora do almoço—, pelo que seria vantajoso termos, pelo menos a nível indicativo, a ideia do que seria o calendário de trabalhos a prosseguir, designadamente hoje.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, julgo que, independentemente de debate com ou sem votação, hoje talvez não devêssemos ir muito além das 19 horas. Há um ou outro Sr. Deputado que quererá utilizar algum comboio para o Norte. Segunda-feira retomaríamos os nossos trabalhos pelas 15 horas.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão. Retomaremos os nossos trabalhos às 15 horas.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, continuemos o debate em relação ao capítulo iv da proposta de lei. Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de O&tveka (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A última intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro de alguma forma desvendou as ideias essenciais que levam o Governo a pretender incluir aqui estas normas.
Sendo certo que continuamos a acreditar não deverem elas permanecer, cremos não valer a pena aprofundar mais a questão. Na hora oportuna, em sede de votação, veremos o sentido do nosso voto, sentido a determinar segundo a proposta concreta apresentada nessa sede.
O Sr. Pieotóteialte: — Srs. Deputados, o Partido Socialista propõe um aditamento final à redacção do
artigo 33.°, aditamento da seguinte expressão: «e demais serviços, órgãos e organismos nele integrados». Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — A nossa proposta resulta num acrescento, que dirá respeito àquelas unidades industriais e organismos integrados nas Forças Armadas — e que não são propriamente Forças Armadas— e visa a clarificação absoluta dos poderes do Governo nessa matéria. Isto, embora a proposta de lei verse este assunto em sede de outro artigo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro ãa Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concordo com a alteração proposta pelo PS, tanto mais que o artigo onde essa matéria se desenvolve sofrerá uma grande redução.
Proporia apenas que, em vez da expressão «serviços, órgãos e organismos», se adoptasse a expressão «órgãos, serviços e organismos», que segue uma ordem mais correcta.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em discussão o artigo 34.°
Em relação ao n.° 2 deste artigo, surgem duas propostas de alteração do PS.
A primeira propõe a alteração da ordem de indicação dos chefes, contida na alínea b) desse número. Em vez de «Os Chefes do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea», ficaria «Os Chefes do Estado-Maior do Exército, da Armada e da Força Aérea».
A segunda, proposta de aditamento, pretende o acrescento de uma nova alínea entre as alíneas b) e c), alínea com a seguinte redacção:
A inspecção-geral. Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, nós consideramos que a integração de todos estes serviços no Ministério da Defesa Nacional justifica plenamente que desse Ministério faça parte uma inspecção, meio adequado a que o Ministro da Defesa Nacional possa averiguar da execução de política, no âmbito do seu Ministério.
Naturalmente que esta possibilidade está contida na proposta de lei, quando se refere que «do Ministro da Defesa Nacional dependem os responsáveis dos demais órgãos, serviços e organismos de carácter militar colocados na sua dependência». Contudo, na nossa filosofia de organização de um ministério nacional cabe naturalmente esta função de inspecção.
Quanto à proposta de aditamento referente à alínea b), consideramos que devem depender do Ministro da Defesa Nacional não apenas o Chefe do Estado--Maior-General das Forças Armadas e os chefes de estado-maior de cada um dos ramos, no tocante à sua competência própria, mas o Chefe do Estado-Maior--General das Forças e cada um dos chefes de estado--maior dos ramos.
Esta nossa posição é coerente com a não apologia de um comando único e colegial das Forças Armadas.
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Por entendermos que o Chefe do Estado-Maior-Gene-ral das Forças Armadas é tào-só o presidente do Conselho de Chefes em tempo de paz e que a relação hierárquica do comando entre o Chefe do Estado-Maior-Gene-ral e os chefes de estado-maior dos ramos apenas passa a efectiva em tempo de guerra —o Chefe do Estado--Maior-General é apenas um coordenador inter-ramos e do Conselho de Chefes—, nós pretendemos que o relacionamento entre o Ministro da Defesa Nacional e cada um dos ramos das Forças Armadas não deve ser exclusivamente canalizado pelo Chefe do Estado-Maior-Gene-ral. Não deve, visto que, ao entender-se assim, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas passaria a ser um ministro das mesmas.
Dai, o sentido da nossa proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta apresentada pelo PS, no sentido de criar uma inspecção-geral no Ministério da Defesa Nacional e sob a autoridade directa do Ministro, afigura-se-me conter uma decisão prematura, na medida em que não está estudada, no âmbito da administração militar, a função inspectiva.
Já ontem, a propósito da matéria relativa ao Provedor de Justiça, tive ocasião de dizer que uma das linhas de aperfeiçoamento do sistema actual a trilhar seria a de se reorganizar de cima a baixo a função inspectiva.
Será prematuro, por conseguinte, sem que tal função seja devidamente estudada e ponderada, tomar aqui uma decisão.
Relativamente à proposta referente à alínea b), como o próprio Sr. Deputado Jaime Gama afirmou, ela está directamente relacionada com o problema de saber qual o modelo de relação que deve existir entre o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os chefes de estado-maior dos ramos, matéria sobre a qual não há ainda acordo e conclusão definitiva.
A posição a tomar aqui, creio, deve resultar, como corolário lógico, daquela que for tomada em geral quanto a esse problema.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em discussão o artigo 35.°, sob a epígrafe «Outros órgãos, serviços e organismos do Ministério da Defesa Nacional».
Para este artigo surgem duas propostas de alteração, uma de aditamento, apresentada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes. Esta proposta visa inserir a expressão «ao Conselho Superior Militar», a seguir a «Conselho Superior de Defesa Nacional», em sede de n.° 5.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, entendemos que, como do Conselho Superior de Defesa Nacional faz parte o Ministro da Defesa, igualmente deve ser o Ministério da Defesa Nacional a prestar o apoio técnico e administrativo necessário ao Conselho Superior Militar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Salvo o devido respeito, creio que não
tem razão neste ponto o Sr. Deputado José Luís Nunes, já que o n.° 5 deste artigo apenas refere os casos em que o Ministério da Defesa presta apoio técnico e administrativo a organismos exteriores ao Ministério. Como o Conselho Superior Militar, segundo o artigo anterior, faz parte do Ministério da Defesa, parece não ser necessário dizer nada acerca dele.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Nós retiramos a proposta, Sr. Presidente. Não tinha percebido o que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro agora explicitou.
O Sr. Presidente: — Uma outra proposta referente ao artigo 35.°, proposta apresentada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, pretende a eliminação do n.° 3.
Como sabem —já aqui o foi dito pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro— existe disponibilidade do Governo a que se elimine este número, bem como os n.01 2 e 4 deste artigo. Perguntaria ao Sr. Deputado Magalhães Mota se não vai retirar a proposta.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, existe ainda uma outra proposta não formulada, a proposta do próprio Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mote (ASDI): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, de acordo com as declarações feitas, hoje de manhã, pelo Sr. Vice--Primeiro-Ministro, creio ser a minha proposta prejudicada por aceite.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar no debate do capítulo v, capítulo que versa a «estrutura superior de defesa nacional e das Forças Armadas».
Está em discussão o artigo 36.°, sob a epígrafe «Enunciado».
Em relação a este artigo, existem 2 propostas de alteração. Uma, de substituição apresentada pelo PS, segundo a qual este artigo passaria a conter 2 números, ficando os mesmos com a seguinte redacção:
1 — Os órgãos do Estado directamente responsáveis pela defesa nacional e pelas Forças Armadas são o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo, o Conselho Superior de Defesa Nacional e o Conselho Superior Militar.
2 — No âmbito das Forças Armadas, os órgãos do Estado directamente responsáveis por estas e pela componente militar da defesa nacional são o Conselho de Chefes de Estado-Maior, o Chefe do Estado--Maior-General das Forças Armadas e os Chefes do Estado-Maior da Armada, do Exército e das Forças Armadas.
Temos ainda uma outra proposta de substituição, esta apresentada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e prevendo igualmente a contenção de 2 números, cuja redacção é a seguinte:
Os órgãos do Estado directamente responsáveis pela defesa nacional são os seguintes:
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Presidente da República; Assembleia da República; Governo;
Conselho Superior de Defesa Nacional.
2 — Além dos órgãos referidos no n.° 1, são directamente responsáveis pelas Forças Armadas:
a) O Conselho Superior Militar;
b) O Conselho de Chefes do Estado-Maior;
c) O Chefe do Estado-Maior-General das For-
ças Armadas;
d) Os chefes de estado-maior dos ramos.
Em relação ao artigo 36.°, não está mais nenhuma proposta aqui entregue na Mesa.
Srs. Deputados, entrou agora na Mesa uma proposta apresentada pelo Partido Comunista Português, proposta de eliminação da alínea e) — «Conselho Superior Militar» — deste artigo 36.° da proposta de lei.
Para justificação da proposta do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Será importante referir neste artigo os órgãos do Estado elencados na proposta do Governo.
Neste ponto, damos o nosso assentimento à proposta de lei, contudo consideramos importante distinguir, dentro da enumeração desses órgãos, 2 planos diferentes: o plano dos órgãos do Estado que, por revestirem natureza política, são exteriores à própria estruturação das Forças Armadas e o plano de outros órgãos que, sendo órgãos internos das Forças Armadas, naturalmente têm outra inserção na organização do Estado.
Levanto a questão de saber, embora tal não conste da nossa proposta, se numa enumeração desta natureza haveria ou não lugar para a referência ao Supremo Tribunal Militar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: As diferenças existentes entre as propostas do PS e a minha — embora todas tenham dado entrada na Mesa num pequeno espaço temporal — são, em todo o caso, do meu ponto de vista, importantes.
São importantes, em primeiro lugar, porque, embora a filosofia de base seja idêntica, se todas distinguem órgãos de Estado directamente responsáveis pela defesa nacional e órgãos directamente responsáveis pelas Forças Armadas, só na minha proposta surge o Conselho Superior Militar como um órgão de Estado não directamente responsável pela defesa nacional.
Independentemente das razões de fundo que nos levem a concordar ou a discordar com a existência desse órgão, o Conselho Superior Militar é constituído na maioria dos seus membros, pelos chefes de estado-maior. São os chefes de estado-maior que predominam na constituição desse órgão, o qual, para além daqueles chefes, só apresenta como membro o Ministro da Defesa que a eles preside.
Não é, portanto, este órgão necessariamente um órgão político e, como tal, no meu entendimento, não deve ser um órgão de Estado directamente responsável pela defesa nacional.
A segunda grande diferença entre as propostas do Partido Socialista a este artigo e a minha própria proposta diz respeito ao problema seguinte: no n.° 2 da proposta apresentada por deputados do PS refere-se que, «no âmbito das Forças Armadas, os órgãos dè Estado directamente responsáveis por estas e pela componente militar da defesa nacional...»
Ora, a meu ver, não se afigura correcto afirmar-se que esta responsabilidade se exerce no âmbito das Forças Armadas. A exercer-se, esta responsabilidade transcende naturalmente a latitude deste âmbito.
Creio também que mesmo a componente militar da defesa nacional é uma óptica que se integra natural e necessariamente no âmbito mais vasto da defesa nacional—e dai a distinção entre órgãos do Estado responsáveis pela defesa nacional e órgãos directamente responsáveis pelas Forças Armadas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Quando examinámos este artigo 36.°, pôs-se-nos a nós igualmente a questão de saber se todos estes órgãos deveriam estar incluídos sob a mesma epígrafe, sob o mesmo conteúdo, simplesmente com uma ordem.
Algumas objecções, já aqui levantadas, têm fundamento, têm razão de ser.
Aquilo que despoletou a nossa proposta foi a existência deste Conselho Superior Militar. Julgamos que este órgão, no fundo, não é mais do que uma fórmula encontrada com vista a permitir-se ao Ministro da Defesa a audição dos principais chefes militares —o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os chefes de estado-maior dos três ramos—, quando o entender, sem a obrigação de que nessa reunião exista aquilo que mais abaixo se refere, isto é, o Conselho dos Chefes de Estado-Maior. Isto é, trata-se exclusivamente de uma reunião consultiva.
Contudo, esta necessidade sentida pelo Governo não justifica a criação de um órgão, órgão que não é mais do que a reunião dos mesmos chefes de estado-maior, para efeitos meramente consultivos; órgão que, ainda por cima, fica situado como responsável entre o Conselho Superior de Defesa Nacional e o Conselho dos Chefes de Estado-Maior.
Daí que propúnhamos a sua eliminação. Cremos ser possível encontrar, em sede de outros artigos, formas de resolver este problema, o problema da permissão ao Ministro da Defesa Nacional da audição conjunta, sempre que o entenda, dos chefes de estado-maior, sem ser necessária a criação deste órgão, órgão que nos parece postiço e inútil, prejudicial à economia do documento.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação às propostas do Sr. Deputado do Magalhães Mota e do Partido Socialista, estou de acordo com a ideia de se fazer uma separação em 2 números do elenco a que se refere o artigo 36.° da proposta de lei do Governo e estou também de acordo com o
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critério de base que preside à separação entre órgãos políticos, por um lado, e órgãos militares, por outro.
Falando com franqueza, parece-me, todavia, que a redacção de qualquer das propostas não será a mais correcta. Por um lado, creio que valem contra a redacção apresentada pelo Partido Socialista algumas das criticas feitas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, mas creio também que a redacção da proposta deste Sr. Deputado não é inteiramente correcta, pelo menos na medida em que no n." 1 faz o elenco dos órgãos políticos directamente responsáveis pela defesa nacional, quando pareceria mais correcto dizer que esses órgãos são directamente responsáveis pela defesa nacional e pelas Forças Armadas.
De qualquer modo, poder-se-ia tentar uma redacção de consenso quanto a este ponto. Resta-nos a questão do Conselho Superior Militar.
Esta última questão poderia ser desdobrada em duas: por um lado, a sub questão de saber se deve ou não existir um Conselho Superior Militar; por outro lado, a sub-questão de saber se aquele órgão deve ou não ser aqui referido e como.
Quanto à primeira questão, embora se possa dizer que existe um certo artificialismo na criação legal de um órgão que, no fundo, não é mais do que a reunião do Ministro da Defesa Nacional com o Conselho de Chefes de Estado-Maior, julgo que tal criação é útil. Em primeiro lugar, para separar os órgãos políticos dos órgãos militares. O Conselho de Chefes de Estado-Maior é um órgão militar, reúne por si e não sob a presidência do Ministro da Defesa. O Conselho Superior Militar reúne sob a presidência do Ministro da Defesa e é mais um órgão misto, um órgão de concertação entre o Governo e os chefes de estado-maior, do que um órgão político.
Isto traz grandes vantagens; e permite sublinhar outro ponto, que comporta grandes consequências práticas: a diferença entre um órgão deliberativo — como é o Conselho de Chefes de Estado-Maior — e um órgão de simples consulta e concertação, como é o Conselho Superior Militar.
Questão diferente desta é a de saber se esse órgão (o Conselho Superior Militar) deve ser mencionado no artigo 36.° Neste momento propendo a crer que não, porque não me parece que seja um órgão directamente responsável, quer pela defesa nacional, quer pelas Forças Armadas, se tiver apenas funções consultivas e de concertação. Não possuindo funções deliberativas, não se pode dizer que seja um órgão responsável pela defesa nacional, pelas Forças Armadas ou por ambas as coisas.
Assim, ficar-nos-iam duas hipóteses: ou se riscaria a referência ao Conselho Superior Militar neste elenco, embora mantendo-o como órgão de estrutura do Ministério da Defesa e tratando-o mais adiante a esse propósito, ou então, dar-se-ia uma redacção diferente, de modo a que o elenco destes órgãos não aparecesse encimado pela expressão «órgãos responsáveis pela defesa nacional e pelas Forças Armadas», mas, por uma outra expressão, na qual coubesse igualmente um órgão sem funções deliberativas, como o Conselho Superior Militar.
Se a Comissão estivesse de acordo, eu poderia meditar um pouco nesta questão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS):. — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de que a eliminação do Conselho Supeíior Militar, órgão que, no fundo, ê o Conselho de Chefes presidido pelo Ministro da Defesa — e, repito, em França o Conselho de Chefes só pode reunir quando presidido pelo Ministro—, essa eliminação, dizíamos, significaria uma alteração substancial à filosofia deste diploma, bem como representaria a consagração da ideia de que os órgãos de Estado responsáveis pela defesa nacional e pelas Forças Armadas seriam o Conselho Superior de Defesa Nacional e o Conselho de Chefes.
Se estamos dispostos a avançar para uma concepção de estruturação de defesa nacional, em que o Conselho Superior Militar, isto é, o Conselho de Chefes presidido pelo Ministro, seja apenas um organismo consultivo do Ministério da Defesa Nacional, pois terá que se optar nesse sentido, se bem que essa não é a nossa posição. Consideramos imprescindível que o Conselho Superior Militar seja equiparado em dignidade, na economia deste artigo, ao Conselho de Chefes e ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Tudo aquilo que o Sr. Deputado Jaime Gama diz não vai contra o que afirmei. Teremos, então, é que decidir uma das duas vias possíveis: ou se atribuem noutros preceitos funções deliberativas ao Conselho Superior Militar — restando-nos saber quais—, ou, mantendo-se a configuração que resulta desta proposta, será preciso, então, alterar a forma do proemio do artigo, de modo a não se dizer que ele trata de «órgãos directamente responsáveis».
O que me pareceria tecnicamente errado era considerar directamente responsável um órgão apenas com funções consultivas.
No entanto, não se trata de um problema de difícil solução, pelo que encontraremos certamente uma outra redacção capaz de o superar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, gostaria apenas de sublinhar que, de acordo com as normas constitucionais, o Conselho Superior de Defesa Nacional é também um órgão consultivo. As suas funções predominantes ou essenciais são de natureza consultiva e só acessoriamente — e muito acessoriamente— de natureza administrativa.
Julgo que um bom propósito de integração das Forças Armadas no Estado e de hierarquização deste conjunto de órgãos levaria a fazer aqui referência expressa ao Conselho Superior Militar, sob pena de, uma vez não constando o Conselho Superior desta enumeração, ele ser desprovido de qualquer conteúdo útil.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Até que qualquer coisa mude, temos que considerar o Conselho
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Superior Militar tal como aí está consagrado, em sede de artigos 46.° e 47.°
Ora, a competência do Conselho Superior Militar é efectiva e estritamente consultiva. Este órgão dá pareceres, sempre que, sobre várias matérias, para o efeito seja solicitado. Pronuncia-se ainda sobre outros assuntos, quando ouvido pelo Ministro da Defesa Nacional, sobre matéria de competência do Governo, relacionada com a defesa nacional. Trata-se de facto, de um órgão de natureza consultiva. Aliás, em sede artigo 46.°, é definido como o principal órgão consultivo militar do Ministro da Defesa Nacional.
Para além da nossa proposta — proposta que mantemos, porque consideramos desnecessário este artifício—, não há dúvida de que este órgão não se pode comparar a nada do resto que cá está, quer com os órgãos políticos, quer com os órgãos militares.
Em nosso entender, justifica-se claramente que a sua consagração saia desta sede, além de entendermos que ele é um órgão desnecessário.
Por outro lado, em relação ao Conselho Superior de Defesa Nacional, não só a Constituição prevê que ele tenha competências deliberativas, como a lei proposta pelo Governo lhas dá — dá-lhe inclusivamente funções muito importantes.
Realmente, o Conselho Superior de Defesa Nacional está numa posição muito diversa da do Conselho Superior Militar. Trata-se de um órgão com funções muito importantes, órgão que assume responsabilidades de grande projecção na defesa nacional. Daí que não pensemos existir qualquer paralelo entre uma e outra situação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, creio que a proposta de lei do Governo resolveu bem este problema do Conselho Superior Militar.
O Governo, ao criar este órgão, órgão que liminarmente me mereceu as mesmas críticas agora aduzidas pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, pretendeu responder a este problema: como colocar na junta do Chefe do Estado-Maior o Ministro da Defesa, através de uma forma institucional?
Para dar resposta a esta pergunta-problema, decidiu o Governo criar um órgão novo. Foi isto que o Governo fez e fê-lo bem. Fê-lo através de um projecto equilibrado e correcto.
Ora, o facto de este órgão ser meramente consultivo não o impede, de forma alguma, de ser um órgão responsável pela politica de defesa nacional. Sê-lo-á com certeza, apenas que a sua responsabilidade se situa ao seu nível próprio, o mesmo será dizer, ao nível da consulta.
Ninguém dirá, por exemplo, que o Conselho de Estado, órgão consultivo previsto nos artigos 144.° e seguintes da Constituição, não é um órgão importante na organização do poder político.
A reforço daquilo que afirmou o Sr. Deputado Jaime Gama, creio que este proposta de lei apresenta uma determinada filosofia de equilíbrio e que, pô-la em causa num ponto destes, será negativo para a própria filosofia da proposta governamental, sendo certo que essa responsabilidade directa é feita ao nível da competência. Estes homens serão responsáveis directamente pela politica
nacional, ao nível da sua competência de órgão consultivo.
Sendo assim, com outra redacção e dentro daquilo que foi proposto, no sentido de que se faça esta separação, creio ser de rejeitar a proposta do Partido Comunista Português e de manter a proposta do Governo, na redacção que de certa maneira lhe é dada pelas propostas do Sr. Deputado Magalhães Mota e do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, independentemente da redacção que venha a ser dada ao artigo 47.°, existe uma clara abertura, por parte do Governo, no sentido de se considerar uma nova redacção para o artigo 36.°
Está em discussão o artigo 37.°, Srs. Deputados, artigo sob a epígrafe «Presidente da República».
Em relação ao n.° 1, surge uma proposta apresentada pelo Sr. Deputado Herberto Goulart. Esta proposta preconiza um n.° 1 com redacção igual à do n.° 4 da proposta de lei, com eliminação da alínea/). Deduz-se daqui que o conteúdo actual do n.» 1 seria outrossim eliminado.
Para o mesmo n.° 1 do artigo 37.« temos também uma proposta de alteração, apresentada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e segundo a qual este número passaria a conter a seguinte redacção:
1 — O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições e exerce as funções de comandante supremo das Forças Armadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a alteração por nós proposta tem a ver com o seguinte: parece-nos que o actual n.° 1 do artigo 37.° tem um conteúdo um pouco despropositado, em relação à Lei de Defesa Nacional.
Este actual n.° 1 parece limitar-se a repetir despropositadamente a definição constitucional da figura do Presidente da República. Trata-se de uma consagração deslocada, pelo que propomos a eliminação do actual conteúdo e a sua substituição pela redacção do actual n.° 4.
Deverá este artigo precisamente abrir pela consagração das competências especificas, competências que a proposta de lei insere em sede de n.° 4.
Quanto ao impedimento temporário do Presidente da República, julgamos que, de facto, em termos de Lei de Defesa Nacional, interessa acentuar as particularidades do Presidente interino, acento que nos parece faltar no n.° 3 deste artigo desta proposta de lei. E, por isso mesmo, viremos a propor um novo n.° 2, veiculador do condicionamento que nos chega do n.° 2 do artigo 142.° da Constituição.
Trata-se, por conseguinte, de uma questão de natureza sistemática, enquanto a eliminação da alínea/) se impõe, na medida em que existe um certo desfasamento entre esta e todas as outras alíneas. Enquanto todas as outras alíneas respondem a questões concretas, apresentam um conteúdo próprio no campo da defesa nacional e das Forças Armadas, esta alínea /) versa uma questão genérica e abstracta.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhies Mote (ASDI): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, o sentido da minha proposta é o da clarificação do exercício das funções de comandante supremo das Forças Armadas, reproduzindo integralmente o texto da Constituição.
Creio que a definição, tal como constava do n.° 1 da proposta de lei, poderia suscitar a dúvida sobre se se estava exactamente a adoptar o texto constitucional. O texto que preconizo visa exactamente evitar essa questão, reproduzindo ipsis verbis o teor da alínea a) do artigo 137.° Trata-se do exercício de uma função, cujo conteúdo deve ser delimitado e constar desta lei. Para o efeito, tenho em vista uma proposta complementar, não se tratando, portanto, de alguma coisa que deva ficar desprovida de conteúdo útil.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Deputado apresentou a sua proposta de alteração, como se a redacção constitucional que ela reproduz fosse a única sobre a matéria.
Acontece que há duas: há uma — a do artigo 123.°—, que a proposta de lei do Governo recolheu; há uma outra, que em parte o Sr. Deputado foi recolher do corpo do artigo 137.°
Gostaria de lhe perguntar, Sr. Deputado, qual terá sido a razão pela qual o Sr. Deputado optou por uma e não por outra.
O Sr. Magalhães Mote (ASDI): — Usei exactamente da mesma liberdade de escolha que o Governo.
O Orador: — Perdão, Sr. Deputado, o Governo teve uma razão que o levou a optar por uma e não por outra. Gostaria de saber se o Sr. Deputado optou por essa via, por uma razão inversa ou simplesmente diferente.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Possivelmente, mas como não conheço as razões que levaram o Govçrno a fazer a sua opção, já agora gostaria também de as conhecer.
O Orador: — Não tenho qualquer dúvida em explicar--lhe, Sr. Deputado: para o Governo, de facto, como diz o artigo 123.° da Constituição, o Presidente da República é, por inerência, comandante supremo das Forças Armadas. Essa é que é a característica fundamental, que, aliás, já vinha do texto de 1976, não acrescentando nada de novo. Já em 1976 a Constituição afirmava ser esta função uma inerência do cargo de Presidente da República. Por conseguinte, aqui nem sequer há uma alteração, mas tão-somente uma continuidade no texto constitucional.
Sendo assim, porque assim está na Constituição e porque entendemos que está bem, reproduzimos na íntegra o artigo 123.°
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Continuamos com bastantes dúvidas quanto às vantagens e desvantagens aduzidas da repetição de conteúdos de uma lei, neste caso concreto uma lei hierarquicamente superior àquele que a reproduz.
Não insistiremos mais na questão, mas rogaremos que, a repetir-se o texto, o façamos sic. Isto aplica-se não só ao n.° 1, como também a outros números deste artigo, designadamente ao n.° 4.
O n.° 1, tal como se apresenta enunciado, não é mais do que a definição do Presidente da República, nos termos do artigo 123.° da Constituição.
No entanto, a principal dúvida que se nos levanta é a de se saber se o que aqui importa é definir o Presidente da República ou ir buscar tudo quanto especificamente a Constituição aponta, no domínio das Forças Armadas, para esse órgão.
Em todo o caso, conviria que, uma vez que a nossa posição de não à repetição não vai obter acolhimento, ficasse claro aquilo que se vai repetir e que, caso se venha a manter este texto, ele apenas define e não enuncia competência alguma especial ou própria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Apenas desejo acrescentar um esclarecimento à minha intervenção de há pouco.
Efectivamente, a ideia do n.° 1 do artigo 37." é a de reproduzir a definição que consta da Constituição e, a título de definição, cremos que aquilo que se deve reproduzir é a matéria contida no artigo 123."
A referência ao exercício das funções de comandante supremo das Forças Armadas, como função a exercer pelo Presidente da República, vem na Constituição num artigo que trata da competência do Presidente da República e, por isso mesmo, nos parece fazer sentido que aqui, no artigo 37.° da proposta de lei, aquela seja consagrada no n.° 4, número onde se definem as competências do Presidente da República.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Creio que, quando numa lei desta natureza se trata de utilizar conceitos que vêm do diploma constitucional, não se trata certamente de reproduzir por reproduzir, mas sim de reproduzir conceitos úteis à própria eficácia da legislação que temos em causa.
Neste caso, não tenho dúvidas de que o conceito útil não é o do artigo 123.° — que se limita a definir o papel global do Presidente da República — , mas é o do artigo 137.a, que atribui a necessidade de, em termos de defesa nacional, se outorgar um conteúdo últii à alínea a) do artigo 137.°
É, portanto, à alínea a) do artigo 137.° que nós deveremos recorrer, atribuindo-lhe um conteúdo. Sobre a natureza do conteúdo a atribuir, necessariamente as opiniões se devidirão; porém, há que fazê-lo para que as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas não sejam um título honorífico, título sem qualquer significado prático. Essa é a questão com que nos defrontamos.
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Devo ao Sr. Deputado Jaime Gama a amabilidade de me ter dado a conhecer uma proposta bastante mais radical e drástica do que a minha, e que vem na sequência da Constituição de 1911.
Julgo que o conteúdo exacto destas funções tem a ver, de facto, com alguma coisa contida em sede de artigo 123.° As funções de Comandante Supremo devem ser exercidas no sentido de permitir não só a sobrevivência da independência nacional como também, em caso de invasão do território nacional, a manutenção da possibilidade do exercício independente da soberania e até da manutenção de uma cadeia de comando.
Essas razões são importantes, pelo que, a meu ver, existe um conteúdo a dar às funções de comandante supremo das Forças Armadas, funções que não haverão de se confundir com as restantes competências do Presidente da República, constantes das outras alíneas do artigo 137.°
Ora, o que verifico é que na proposta governamental foram contempladas as restantes alíneas do artigo 137.°, mas não foi dado qualquer conteúdo útil à função de Comandante Supremo das Forças Armadas. E essa lacuna que cumpre colmatar e é esse o sentido da minha proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de chamar a vossa atenção para uma situação que me parece chocante.
Em sede de artigo 39.°, sob a epígrafe «Governo», faz-se uma definição na lógica da definição constitucional, mas perfeitamente ajustada à matéria de defesa nacional e Forças Armadas. Contudo, ao nível do órgão de soberania Presidente da República, faz-se uma definição, na qual só a parte final tem directamente a ver com as Forças Armadas, quando este aspecto consta das próprias funções específicas, no âmbito desta matéria, depois enunciadas no n.° 4.
Há uma notória e ilógica diferença de critérios nos tratamentos dados ao Presidente da República, ao Governo e à Assembleia da República.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Julgo que o Sr. Deputado Magalhães Mota tem alguma razão, mas não propriamente no modo como coloca a questão.
A proposta de lei mostra aqui, de facto, uma lacuna, já que se devem dizer duas coisas, isto é, o que ressalta dos artigos 123.° e 137.° da Constituição.
Chamo a atenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro para este facto: de certa maneira, a proposta governamental é mais extensiva que a Constituição.
A alínea a) do artigo 137.° da Constituição traduz uma explicitação da inerência, e este poder de exercer o comando supremo das Forças Armadas não pode vir a confundir-se com qualquer papel de exercício concreto de um comando. Portanto, a enumeração do n.° 4 vai um pouco além daquilo que na boa doutrina se consagrava na Constituição
Se se adoptar uma redacção que mais ou menos conjugue estes dois factores, isto é, que contenha a transcrição completa do teor constitucional respeitante à
figura do Presidente da República, acrescida da enunciação dos seus poderes concretos, ficaremos mais por dentro do espírito constitucional e, ao mesmo tempo, responder-se-á a algumas das críticas do Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não concordo com esta interpretação e com esta proposta do Sr. Deputado José Luis Nunes.
Se fizéssemos como o Sr. Deputado pretende, creio que ficaríamos com uma redacção muito coxa ao dizer: o Presidente da República é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas e compete-lhe exercer as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas.
Salvo o devido respeito, isso não é possível. Ou definimos as coisas pela inerência, ou as definimos pela função e pela competência. Manter as duas no mesmo artigo, no mesmo número, isso creio que é completamente impossível.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Estaríamos inclinados a que nesta lei se desse algum conteúdo à noção de comandante supremo das Forças Armadas, noção que foi introduzida no texto da Constituição de 1976, por força do pacto MFA-Partidos, noção que apresenta a trajectória mais controversa na história do direito constitucional português anterior.
Não nos oporíamos a que se desse algum conteúdo àquilo que se deva considerar adequado para caracterizar as funções do Comandante Supremo das Forças Armadas. Assim se harmonizaria o todo nacional com as Forças Armadas, através da figura do Presidente da República, tendo em conta particularmente as situações de guerra.
Para nós é claro que o Presidente da República é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas, ou seja, nós deduzimos as funções do Comandante Supremo das Forças Armadas do facto de o Presidente da República desempenhar essa função por inerência. Não pretendemos atribuir ao Presidente da República quaisquer funções, pelo facto de o Comandante Supremo das Forças Armadas se entender ser, por inerência, o Presidente da República.
Quer dizer, para nós, o conceito prevalecente é o de Presidente da República; o conceito derivado é o de Comandante Supremo das Forças Armadas. Entendemos que se não deverá distorcer a realidade constitucional e os poderes constitucionais do Presidente da República, através de um engrossamento abusivo das funções do Comandante Supremo.
Por outro lado, julgamos não ser de vazar no conceito de comandante supremo das Forças Armadas qualquer conteúdo capaz de distorcer o sistema constitucional de repartição de poderes e que faça colidir a figura constitucional do Presidente da República com a figura constitucional do Governo, através do Ministro da Defesa Nacional, e com a própria figura constitucional do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas.
É necessário que fique claro o âmbito de acção de cada
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uma destas entidades, sem que, naturalmente, elas invadam os espaços recíprocos.
Daí que nós sejamos favoráveis a uma elucidação do que se entende por funções de comandante supremo. Somos favoráveis a que fique claramente determinado na lei que essas funções não colidem com os poderes do Governo, do Ministro da Defesa Nacional, do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, dos chefes de estado-maior dos ramos e dos comandantes das regiões e zonas militares e ainda para que fique bem claro que as funções de comandante supremo são exercidas por inerência do cargo de Presidente da República e que as funções militares do Presidente da República não são derivadas ou extrapoladas de uma abusiva interpretação do conceito de Comandante Supremo das Forças Armadas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nacional! (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como tive ocasião de afirmar durante o debate em Plenário, tenho as maiores dúvidas de que este título atribuído pela Constituição ao Presidente da República seja mais do que um titulo. Tenho dúvidas sobre se será possível determinar um conteúdo de poderes, juridicamente definidos, para a função de Comandante Supremo das Forças Armadas. Em todo o caso, estou receptivo à consideração de propostas que venham nesse sentido.
Às precisões que adiantou o Sr. Deputado Jaime Gama gostaria de acrescentar mais algumas, que me parecem dever condicionar qualquer tentativa de se encontrar um conteúdo jurídico concreto para tal função.
A primeira delas é a de que me parece não ser possível, à face da Constituição, reconduzir à noção de Comandante Supremo das Forças Armadas aquelas competências que a Constituição atribui ao Presidente da República como Presidente da República, mesmo que se refiram a problemas de defesa nacional e Forças Armadas.
A Constituição é clara ao atribuir determinadas competências, nessa área, ao Presidente da República, totalmente fora da noção de Comandante Supremo das Forças Armadas. Será o caso, por exemplo, da presidência do Conselho Superior de Defesa Nacional, da nomeação e exoneração dos chefes de estado-maior sob proposta do Governo, da declaração da guerra e da paz, etc.
A outra precisão que me parece ser importante fazer é esta: só me parece aceitável a tentativa de definir um conteúdo concreto e determinado para a função de Comandante Supremo das Forças Armadas se esse conteúdo for compatível com a eventualidade do desempenho da função por um civil.
Não me parece legítimo tentar definir o conteúdo desta função à luz da circunstância de, num determinado momento, ou mesmo de acordo com uma certa constante histórica, o Presidente da República ser um militar.
Caso seja possível encontrar um conteúdo concreto para esta função na base da hipótese —perfeitamente normal em democracia — de o Presidente da República poder ser um civil, e respeitando a outra condicionante, pois naturalmente não terei qualquer razão para fechar a
porta ao estudo dessa possibilidade. De outra maneira seria impossível e, em qualquer, caso inconstitucional.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, em relação ao n.° 2, não temos qualquer proposta de alteração. Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: De facto não apresentámos qualquer proposta de alteração ao n.« 2 do artigo 37.°, mas não queríamos deixar de comentar o adjectivo «externo» — quanto a nós perfeitamente dispensável —, adjectivo que surge a qualificar o substantivo «inimigo».
De qualquer modo, não nos pareceu ser esta questão tão relevante que merecesse uma proposta de eliminação. Oralmente, aqui fica o reparo, contudo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o que está em causa, em relação ao n.° 1, é a precisão e a atribuição de um conteúdo útil ao preceito constitucional.
Não creio possível —e aqui discordo do Sr. Vice-Primeiro-Ministro— interpretar um dispositivo constitucional claro — integrado na alínea a) do artigo 137.°, em termos de competência e que pressupõe a produção de actos próprios—, não creio possível, dizíamos, interpretá-lo de forma a confundi-lo com um título. Pelo contrário, creio bastante claro tratar-se de uma função.
Encontramos, a meu ver, vantagens em que, independentemente de qualquer situação conjuntural, no âmbito desta lei se encontre o tal conteúdo útil para esta função de Comandante Supremo das Forças Armadas, seja o Presidente da República um militar, seja um civil. E o Sr. Vice-Primeiro-Ministro sabe muito bem que, pelo menos desde o projecto constitucional n.° 6/10, defendo esta tese.
Julgo que, dentro desta óptica, deveríamos tentar determinar que tipo de funções competirão a este exercício.
Das várias declarações ouvidas, fácil será intuir que dentro destas funções não caberá o chamado comando operacional, nem qualquer linha nesse sentido. Aí, poder-se-ia encontrar uma base de consenso.
Em que se consubstanciarão estas funções de Conselho Superior das Forças Armadas, uma vez que excluímos — pelo menos, eu excluo— as funções de comando operacional?
Essas funções forçosamente se traduzirão em algumas actuações. Preocupar-me-ia, portanto, em dar, desde já, conteúdo concreto aos actos possíveis do exercício de tais funções, sob pena de, caso contrário, criarmos uma indefinição constitucional.
A possibilidade aberta pela alínea a) do artigo 137.» permite todos os actos e todas as interpretações, inclusive aquelas que neste momento aqui estamos a recusar, isto ê, as de comando directo das Forças Armadas — daí a vantagem da sua delimitação.
Creio que essas acções estão relacionadas cora algumas coisas relativamente simples: a primeiro é a definição, perante a situação de guerra eminente, da mobilização geral ou parcial. Trata-se de um acto a exercer com grande rapidez, com vista à sua eficácia.
Ora, este acto, para que possa ser assumido em termos
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de compromisso nacional, deve competir a estas funções de Comandante Supremo das Forças Armadas.
Prevejo, em todo o caso, que essa declaração, num prazo curto, deva ser submetida a confirmação de um órgão mais vasto, órgão que proponho seja a Assembleia da República.
A segunda função deste cargo seria o chamado exercício do alto comando. Tratar-se-ia, portanto, de uma conjugação entre a direcção política e a direcção militar de guerra, numa coordenação perante esta situação. Aliás, esta conjugação está prevista no artigo 61.° da proposta governamental.
A terceira função seria o reconhecimento do termo da guerra.
Uma quarta função —enfim, esta menos importante— tem a ver com a concessão de títulos e distinções.
Finalmente, uma quinta função — esta muito importante, já que justifica o próprio exercício desta função — seria um poder-dever, atribuído ao Presidente da República, no exercício das funções de Comandante Supremo, o assegurar a fidelidade das Forças Armadas às suas missões constitucionais e a sua observância aos objectivos do povo português, consagrados em sede de Constituição.
Dir-se-á que esta última é uma função que só se exercerá em situações limite, mas a ligação do comandante supremo a este dever de integração das Forças Armadas na sua fidelidade à Constituição e à democracia parece-me importante de assinalar.
Dentro do mesmo sentido, poderíamos ainda definir como integrante deste conteúdo a obrigação de assegurar a vinculação das Forças Armadas à independência nacional. Para assegurar esta vinculação é que teria sentido a retirada do País, com vista a reconstituição da cadeia de comando.
Estou, evidentemente, a pensar em situações limite, situações que todos esperamos não se venham a verificar, mas que me parecem conferir um significado não só útil como importante em relação ao conteúdo desta função.
Repito que não vejo como se possa confundir tal função com um mero título. Pelo contrário, trata-se de uma verdadeira função, à qual corresponde uma competência própria, traduzível em actos, por força do próprio artigo 137.°
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer a seguinte pergunta ao Sr. Deputado Magalhães Mota: Como é que consegue construir essa obrigação de o Comandante Supremo das Forças Armadas assegurar a fidelidade destas às suas missões constitucionais sem implicar com a esfera de competência própria da Assembleia da República e do Governo em matéria de Forças Armadas? Por que meios assegura o Presidente da República essa fidelidade das Forças Armadas às suas missões constitucionais?
Gostaria ainda de lhe perguntar o que são os objectivos do povo português consagrados na Constituição.
O St. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Creio haver dois sentidos úteis dentro desta expressão. Em primeiro lugar, quando se faz uma ligação em relação às funções de Comandante Supremo das Forças Armadas, e se diz que essa competência se traduz em «assegurar a fidelidade às missões constitucionais», penso que o sentido resulta claro por duas vias: primeiro, por uma via negativa, que é o impedir que o exercício das funções de comandante supremo possa ser exercido no sentido de fazer apelos de qualquer natureza às Forças Armadas para uma intervenção que ultrapasse os seus limites constitucionais e a obrigação, ao mesmo tempo, para o Presidente da República, decorrente desta função de comandante supremo, de ele próprio se integrar na linha de absoluta fidelidade das Forças Armadas às suas missões constitucionais.
Quanto à segunda questão colocada, julgo que todos podemos ter dúvidas em relação a um sentido da Constituição. No entanto, tal como a temos redigida estabelece alguns princípios bastante claros, os quais também implicam com fundamentos da vida democrática tal como a entendemos, devendo ter expressão numa lei destas como obrigação a assumir pelas Forças Armadas e personalizada através de um poder de ver conferido ao seu comandante supremo.
O Sr. Presidente; — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota demonstra a dificuldade que existe em encontrar um conteúdo concreto, aceitável, para a função de comandante supremo das Forças Armadas.
Começando pelo fim, de facto, que saiba, a Constituição não traça quaisquer objectivos do povo português. Traça, sim, alguns objectivos e tarefas do Estado, mas parecer-me-ia, por um lado, de menos ligar o comandante supremo apenas a tarefas do Estado e, por outro lado, de mais ligar, através do comandante supremo, as Forças Armadas ao cumprimento das tarefas fundamentais do Estado, porque no fundo isso seria manter a mesma concepção do período de transição.
As tarefas das Forças Armadas são hoje as que a Constituição estabelece como sendo os objectivos da defesa nacional. Esses objectivos vêm no artigo 273.°, dizendo depois o artigo 275.° que às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República. Fazer uma ligação das Forças Armadas, através do seu comandante supremo, a qualquer coisa de diferente disto, nomeadamente aos objectivos políticos, económicos, sociais, culturais, históricos do País, parece-me não fazer muito sentido.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Vice-Primeiro-Ministro?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Perdoe-me a interrupção, mas queria apenas recordar que, nos termos do n.° 4 do artigo 275.°, as Forças Armadas estão ao serviço do povo português, havendo portanto uma ligação directa com os objectivos do povo em termos nacionais, e nos próprios termos do n.° 5 podem colaborar em tarefas
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relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida.
Deste modo, a sua argumentação não è inteiramente exacta, Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Orador: — Mas isso são funções acessórias e secundárias das Forças Armadas. Se o Sr. Deputado quer construir a noção de comandante supremos das Forças Armadas a partir das funções secundárias e acessórias destas, iremos por mau caminho.
Quanto à ideia do n.° 4, de que as Forças Armadas estão ao serviço do povo português, pois estão de facto, no sentido de não estarem ao serviço de grupos ou facções do povo mas sim da totalidade do povo, para cumprirem a sua missão fundamental, e não para cumprirem ou contribuírem para cumprir os objectivos não militares do povo português ou da Nação. Esta é a minha interpretação.
Quanto à primeira questão colocada pelo Sr. Deputado, aí ainda me parece mais claro que não iremos longe se tentarmos seguir o seu caminho. Se bem compreendi, o Sr. Deputado disse que a função de Comandante Supremo das Forças Armadas, enquanto consistisse em assegurar a fidelidade destas às suas missões constitucionais, traduzir-se-ia em duas coisas: por um lado, a proibição para o Comandante Supremo das Forças Armadas de fazer a estas quaisquer apelos no sentido de uma intervenção que excedesse as suas funções constitucionais e que por alguma forma violasse a Constituição; por outro lado, o dever para o próprio Comandante Supremo das Forças Armadas de se integrar, ele mesmo, na fidelidade devida pelas Forças Armadas à Constituição.
Se bem compreendi, foram estas as expressões utilizadas pelo Sr. Deputado.
Ora bem, estes dois aspectos que salientou não consistem em assegurar a fidelidade das Forças Armadas às suas missões constitucionais, mas sim em assegurar a fidelidade do Presidente da República às suas missões constitucionais, o que é completamente diferente daquilo que o Sr. Deputado pretendia obter.
Se assegurar a fidelidade das Forças Armadas às suas missões constitucionais é proibir o Presidente da República de fazer apelos ao golpe e obrigá-lo a integrar-se na fidelidade devida à Constituição, isto é assegurar a fidelidade do Presidente da República à Constituição! E pergunto: a função de Comandante Supremo das Forças Armadas é assegurar a fidelidade do Presidente da República à Constituição? Sinceramente não me parece que por ai possamos lá chegar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Vice-Primeiro--Ministro, se me permite dir-lhe-ei que em minha opinião, quando utilizamos a lógica temos de o fazer até às últimas consequências ou, pelo menos, não a podemos utilizar aos saltos. Quando o Sr. Vice-Primeiro-Ministro deforma aquilo que procurei exprimir, evidentemente que as conclusões terão de ser mais adequadas à sua tese que à minha.
Não irei seguir o mesmo princípio, mas permitir-me-ei salientar que não é tão inocente, quanto V. Ex.* procurou traduzir, aquilo que se reveste como a intervenção do Comandante Supremo das Forças Armadas. Se puder utilizar um exemplo próximo, referir-me-ia à inter-
venção, em 23 de Fevereiro, do Rei de Espanha. Penso que essa sua intervenção foi feita não tanto como Rei de Espanha mas sim como Comandante Supremo das Forças Armadas. Por isso apareceu, inclusivamente na utilização dessas funções, e teve, por esse mesmo facto, uma intervenção e um grau de intervenção completamente diferentes das que teria no uso da sua função institucional.
Na argumentação do Sr. Vice-Primeiro-Ministro ainda se falou na iniciativa do Presidente — Comandante Supremo das Forças Armadas—, no sentido de desencadear o golpe, mas não se falou no papel inverso, no sentido da desmobilização de qualquer golpe da iniciativa das Forças Armadas. Creio que este segundo aspecto é complementar e importante, tornando claro que é no exercício dessas funções que se assegura, por exempío — é apenas um exemplo, não vamos argumentar com casos pontuais—, essa função de controle e garantia de que a actuação das Forças Armadas se exerce no próprio âmbito constitucional.
Não irá certamente V. Ex.* argumentar-me que nestas situações poderá intervir também o Ministro da Defesa Nacional, o Chefe de Estado-Maior-General, ou qualquer outra personalidade semelhante. Em meu entender, conferir, em termos de legislação sobre defesa nacional, um papel ao Comandante Supremo das Forças Armadas em situações desta natureza —que tive o cuidado de definir como limite—, tem vantagens e não somente os inconvenientes apontados por V. Ex."
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e MbJoCr® da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Magalhães Mota per-doar-me-á, não pretendo prolongar excessivamente o debate, mas penso que se trata de uma questão importante, valendo a pena ponderarmos bem no que poderemos resolver sobre ela.
Pela minha parte estou convencido de que não caricaturei nem adulterei a intervenção inicial do Sr. Deputado, mas de qualquer modo a gravação o dirá, quando for traduzida em texto.
Se bem compreendi, o Sr. Deputado apresentou agora um outro aspecto ou, melhor dizendo, o reverso da medalha. O Presidente da República, como Comandante Supremo das Forças Armadas, terá a função de procurar evitar, impedir, a todo o custo, qualquer intervenção inconstitucional das Forças Armadas, designadamente um golpe de estado.
O Sr. Deputado citou o caso espanhol. Não sei em que se baseia para dizer que o poder persuasivo exercido pelo Rei de Espanha no golpe de 23 de Fevereiro surtiu efeito não na qualidade de Chefe de Estado mas sim na de comandante supremo das Forças Armadas. Não sei porquê. Creio serem duas qualidades inerentes, e por mim não sei distinguir se foi numa ou noutra que conseguiu persuadir as Forças Armadas. Sei, sim, uma coisa que joga contra a sua tese, Sr. Deputado: o Rei de Espanha não tem o título de Comandante Supremo das Forças Armadas. Como V. Ex." deve saber, tem aquilo a que a lei espanhola chama o «Mando Supremo das Forças Armadas», mas não é o seu comandante supremo.
O Sr. Magalhães Moto (ASDI): — Dá-me licença?
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O Orador: — Faça favor.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Como o Sr. Vice--Primeiro-Ministro também sabe, a questão foi de algum modo discutida em Espanha, tendo-se invocado precisamente essa distinção e, com base nela, situou-se o próprio facto televisivo de o Rei se ter fardado com a farda correspondente ao grau superior das Forças Armadas espanholas para fazer essa intervenção.
Isso foi entendido, na altura, pelos comentadores poli-ticos espanhóis, como correspondendo à inexistência do grau de comandante supremo que forçou o Rei, para justificar em termos físicos e concretos, por imagens, essa função de comandante supremo e assumi-la através de uma farda. Se ele tivesse essas funções não precisaria de se fardar para as poder exercer e utilizar.
O Orador: — Creio que a sua intervenção me vem dar mais razão. Se para encontrarmos um conteúdo útil para a noção de Comandante Supremo das Forças Armadas temos de fazer apelo a exemplos em que o Chefe de Estado se tem de fardar para evitar um golpe, então isso não obedece ao requisito que propus, e que o Sr. Deputado aceitou, de que o conteúdo útil da função de Comandante Supremo das Forças Armadas tinha de ser definido em função da hipótese de o Presidente da República ser um civil.
Come é que um Presidente da República civil pode dar esse sinal na televisão, de aparecer fardado para impor a obediência das Forças Armadas? Mas vou ainda mais longe, Sr. Deputado. Como é que o Sr. Deputado entende que em todos os países onde o Chefe do Estado não tem nem o título nem a função de Comandante Supremo das Forças Armadas, tem precisamente a mesma obrigação de tudo fazer para evitar golpes de estado? Em que é que o facto de o Presidente da República, em Portugal, ser, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas, lhe dá o que quer que seja a mais de obrigação de evitar golpes militares, do que teria se fosse apenas Presidente da República de um país democrático?
É isso que, sinceramente, não vejo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Também não tenho desejo de prolongar excessivamente um diálogo que teria muito gosto em travar, mas noutras circunstâncias.
Em todo o caso gostaria de salientar o seguinte: o que ainda há pouco recordava era que a imagem espanhola da farda terá sido, pelo menos na análise de alguns comentadores, uma consequência do facto da inexistência da função de comandante supremo das Forças Armadas. Se essa função constitucional existisse não seTia preciso mais senão invocá-la.
O ponto é discutível, mas tinha-o abordado e apenas queria repeti-lo para que não ficasse nenhuma confusão nessa área.
Mas o que creio ser o ponto mais importante, é saber se no caso concreto português, na situação portuguesa, é ou não útil a introdução de um preceito desta natureza. Não se trata de saber se acrescenta algo a um governo democrático, mas sim se o preceito é ou não útil uma situação concreta como é a portuguesa.
Como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro recordará, temos aí uma tradição longa no nosso direito constitucional e
temos também alguns apelos a fazer ao direito comparado, nesta situação e nesta emergência.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — A esta última pergunta do Sr. Deputado Magalhães Mota penso que se deveria contrapor uma outra, que é a seguinte: como é que essa função, se for atribuída ao Presidente da República, pode ser exercida? Ou melhor, se for atribuída ao Comandante Supremo das Forças Armadas a função de assegurar a fidelidade destas à Constituição, em que é que isso se traduz? Em que poderes, em que competências, em que actos se pode traduzir?
Se o dissermos apenas por essa forma, sem especificar nada mais, isso tem um risco — que a fórmula possa ser invocada amanhã por qualquer Presidente da República para se intrometer na esfera de competência de outros órgãos constitucionais.
Assim, ou conseguimos definir um conteúdo próprio dessa função sem invadir a esfera de competência de outros órgãos constitucionais, ou não conseguimos! Se conseguirmos, tudo bem; mas se não conseguirmos, impor apenas essa missão, essa função ou essa responsabilidade, sem nada mais, é obviamente perigoso, também em termos de defesa da Constituição.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Magalhães Mota: Depois de ouvir várias intervenções suas, gostaria de lhe recordar alguns passos da discussão havida sobre esta matéria durante o processo de revisão constitucional, passos esses que não foram completamente concludentes mas que levaram a algumas modificações, como, por exemplo, aconteceu no artigo 123.°, em que se dizia: «O Presidente da República exerce as suas funções de Comandante Supremo das Forças Armadas» e onde se passou a dizer «por inerência», e depois, mais adiante, na alínea o) do artigo 137.°, onde se dizia «exerce o cargo» passando a dizer-se «exerce as funções».
Penso que a evolução resultou de se ter chegado, durante os trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e depois no Plenário, à conclusão de que não se conseguia definir o conteúdo para as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas. Talvez por isso, sendo um dos objectivos da política de defesa garantir a independência nacional e competindo ao Presidente da República garantir também a independência nacional, quando se procurou definir o órgão Presidente da República, foi enquanto Presidente da República que se definiu esse objectivo e não enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas.
Aliás, no decorrer desses trabalhos o seu próprio companheiro de bancada e eminente constitucionalista Dr. Jorge Miranda renunciou, quando interrogado mais do que uma vez, a definir um conteúdo do Comandante Supremo das Forças Armadas, pelo que, e embora tenha de admitir que isso não foi expressamente consagrado, nem houve um entendimento unânime nesse sentido. A evolução que se seguiu correspondeu um pouco a uma aceitação, senão total pelo menos parcial ou implícita, de que as funções de Comandante Supremo das Forças
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Armadas derivavam mais de uma qualidade que historicamente andava associada à função de Chefe de Estado do que «i unv conteúdo concreto que era extremamente difícil de definir.
Por isso creio que, se em sede de revisão constitucional não se conseguiu definir esse conteúdo, apesar de se ter feito um debate muitíssimo alargado sobre a matéria, será um pouco perigoso tentar agora, em sede de Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, voltar a essa questão extremamente controvertida.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): — Sr. Presidente, pretendia fazer apenas um pequeno comentário. Esta expressão «Comandante Supremo das Forças Armadas*, a que alguns pretendem atribuir um grande conteúdo e outros nenhum, não pode circular, nem circula, nas leis como sendo uma locução vazia de qualquer sentido. E, de facto, tem um sentido tradicional.
Em primeiro lugar, a expressão «Comandante Supremo das Forças Armadas» não é tradicional na legislação militar portuguesa, nem nunca apareceu esta designação em qualquer texto constitucional.
Tem um significado politico muito preciso e um conteúdo que pode ter implicações muito sérias, pois as Forças Armadas, em toda a parte, fazem uma distinção claríssima entre a «hierarquia de dignidade» e «hierarquia de jurisdição». É muito importante que o Chefe de Estado seja considerado perante as Forças Armadas como tendo a suprema hierarquia de dignidade, pois isto, na cadeia de comando, nos hábitos militares, nas tradições, tem uma importância extraordinária.
Por exemplo, os marechais têm uma hierarquia de dignidade inferior à do Chefe do Estado. Este, seja civil ou militar, na hierarquia de dignidade passa à frente de todos os chefes militares, o que não significa que tenha qualquer hierarquia de jurisdição sobre as tropas.
Mas isso tem um conteúdo político em momento de crise nacional extremamente importante, que depende de usos e tradições constitucionais e das circunstâncias do caso. A própria enumeração do artigo 37.° não torna inútil o afirmarmos que o Chefe de Estado tem a suprema dignidade de hierarquia, embora não tenha de jurisdição. Designadamente no caso de ter de abandonar o território nacional, de os órgãos de soberania ficarem impossibilitados de funcionar, o conteúdo dessa dignidade, que o vai transformar num ponto de referência na crise, tem uma grande importância.
Por isto, apenas pretendia acentuar que não é o facto de não se atribuírem competências específicas a esta qualidade que transforma a atribuição deste título «Comandante Supremo das Forças Armadas» em algo totalmente vazio de conteúdo. Não é totalmente vazia de conteúdo, com a tradição militar e o significado que as expressões têm nesse contexto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — A intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira clarificou bastante as posições em causa. A minha tentativa iria precisamente no sentido de traduzir legislativamente o conteúdo que acabou de referir.
Recordaria, inclusivamente, que a questão foi muito
discutida aquando da revisão constitucional de 1971. Fui subscritor de um projecto em que se procurava constitucionalizar a função de Comandante Supremo das Forças Armadas com um significado político claro. O parecer então apresentado pela Câmara Corporativa explicou ser inútil essa constitucionalizaçào, mas não teve dúvidas em atribuir-lhe um significado e um conteúdo claros, baseados precisamente na tradição militar portuguesa invocada pelo Professor Adriano Moreira e na Lei de Defesa Nacional.
Recordaria ainda, por último, ao Sr. Deputado Luís Beiroco que ele próprio, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, foi uma das pessoas que mais se bateu para que se atribuísse um conteúdo útil à expressão.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): — Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: — Faça favor.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): — Gostaria de recordar (pois isto tem alguma importância) que uma das dificuldades do casamento da Sr.* D. Maria II com D. Fernando foi a da qualidade em que ele entrava no País, no que toca à hierarquia e dignidade militar. Isto levou a longas negociações, pois D. Fernando não queria jurisdição, mas sim dignidade e hierarquia.
Existe uma célebre carta de D. Maria II para o embaixador que negociava o assunto, dizendo-lhe o seguinte: «Resolva isso, porque estou com muita pressa.»
O Orador: — Bom, creio que ultrapassa o campo protocolar. Trata-se de uma dignidade com um conteúdo que importaria regularizar e teríamos apenas vantagens em a legislar.
Mas também estou como D. Maria li: tenho pressa.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, em relação ao n.° 3 existe uma proposta de eliminação por parte do PCP e uma outra vinda do Sr. Deputado Herberto Goulart que pretende acrescentar o seguinte: «(...)cujas competências, no âmbito da matéria do presente diploma, estão sujeitas ao condicionalismo do n.° 2 do artigo 142." da Constituição da República.»
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Confesso nâo ter entendido bem. Em relação ao n.ft 3, tenho uma só proposta, que è de eliminação. Ejà agora lembraria que ficou oralmente feita a sugestão de retirar a palavra «externo» a seguir a «inimigo».
O Sr. Presidente: — Peço desculpa, Sr. Deputado, mas estava a referir-me ao n.° 3, em relação ao qual existe uma proposta de eliminação por parte do seu partido.
O Orador: — Desculpe, mas não tinha percebido bem.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Deputado, agora sou eu que não entendo bem. A sua sugestão em relação
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ao ri." 2 era no sentido de suprimir a expressão «em face do inimigo externo» ou apenas a palavra «externo»?
O Sr. Presidente! — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Era apenas suprimir a palavra «externo».
Naturalmente que a nossa proposta de eliminação do n.° 3 se justifica por si. Se bem que aceitemos poder ter interesse a repetição de algumas disposições constitucionais de carácter genérico em relação ao Presidente da República, nâo nos parece que todas elas tenham igual justificação.
Em nosso entender, a do n.° 3 não se justifica de todo em todo e, desse modo, propúnhamos a sua eliminação. Não faz uma falta especial, nem se liga directamente com o texto da lei nem com as competências do Presidente da República. Portanto, parecer-nos-ia melhor que fosse daqui retirada.
Em todo o caso, a proposta foi feita, acima de tudo, por um sentido mais de perfeccionismo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Quanto há pouco referenciei a alteração de sistemática, citei a razão do inciso. Também pensamos que este número é um pouco desnecessário e o sugerir que houvesse uma referência ao facto de as competências serem no condicionalismo do n.° 2 do artigo 142.° da Constituição, era no sentido de que se se reportava à Constituição, pois então reportar-se-ia na globalidade do aspecto.
Está na sequência do que já referimos quanto ao n.° 1, que este n.° 3 não é necessário. O nosso acrescento era no sentido de que a manter-se, então que se mantivesse na totalidade dos aspectos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, relativamente ao n.° 4 existem propostas do PCP. Uma, pretende substituir o corpo do número.
A proposta vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
No âmbito da matéria da presente lei, o Presidente da República tem as competências fixadas na Constituição e designadamente:
Depois manter-se-iam as alíneas propostas pelo Governo. Além disso, pretendem ainda substituir as alíneas e) e /), com os conteúdos constantes da proposta e acrescentar mais três alíneas.
Dispensar-me-ia de ler as propostas, pois creio que todos os Srs. Deputados têm fotocópias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — O sentido da nossa proposta é evidente, claro e óbvio.
Em primeiro lugar, tratando-se das competências do Presidente da República, parece-me que, uma vez que não somos exaustivos mesmo em relação aquelas que são relevantes para os efeitos desta lei, melhor será a redacção por nós proposta que a constante do texto. Quando digo não sermos exaustivos, isso significa haver competências do Presidente da República que não
constam da lei e que nem sequer o PCP propõe, mas que são extremamente relevantes em matéria de defesa nacional. Estou a pensar; por exemplo, na competência de nomear e exonerar o primeiro-ministro e sob proposta deste nomear o Ministro da Defesa.
Não propomos que isso conste da lei, pois julgamos ter um sentido mais vasto e lato, mas parece-nos que a referência a «designadamente» se torna obrigatória, uma vez que se não é exaustiva.
No tocante à enumeração das competências na alínea d), parece-nos de uma grande importância a promulgação e a publicação das leis e as competências do Presidente da República neste domínio. No que toca à alínea e), a nossa proposta vai no sentido de um maior rigor na transcrição do texto constitucional.
No tocante às novas alíneas que propomos, a alínea 61) tem a ver com a configuração que, em nosso entender, deve ter o Conselho Superior de Defesa Nacional (mas melhor ficaria fazermos a defesa desta proposta em sede de Conselho Superior de Defesa Nacional). A nova alínea que propomos com a designação de /) tem que ver ainda com a atribuição de competências decorrentes da Constituição, o mesmo acontecendo com a alínea designada por cl). Esta também tem que ver com o dar acolhimento a importantes competências constitucionais do Presidente da República, a meu ver relevantes para os efeitos desta lei.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concordo com as propostas do PCP constantes dos n.08 2, 3, 4 e 7 da sua proposta. Quanto ao n.° 5, parece-me melhor discuti-lo quando tratarmos da composição do Conselho Superior de Defesa Nacional. Quanto ao n.° 6, suponho que não deve ser incluída uma nova alínea: em primeiro lugar, porque não representa, nesta matéria, qualquer aditamento em relação aquilo que o Presidente da República pode fazer; em segundo lugar, porque não sendo uma competência jurídica, mas sim o exercício da liberdade de opinião e expressão, não me parece que deva ser explicitada.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, em relação a esta matéria, ultrapassando questões sistemáticas, a ASDI propunha que o artigo tivesse apenas os 3 primeiros números, autonomizando-se o n.° 4, que passaria a n.° 1 do artigo seguinte, juntando-se-lhe mais 3 números.
Um deles já aqui foi objecto de debate e teria o conteúdo que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
2 — No exercício das funções de Comandante Supremo das Forças Armadas compete ao Presidente da República, nomeadamente:
a) Decretar a mobilização geral, ou parcial, ou
a prevenção; 6) Declarada a guerra, exercer o alto-
-comando;
c) Ausentar-se do território nacional para salvaguarda do livre exercício da soberania e assegurar a liberdade de comando das Forças Armadas;
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d) Proceder ao reconhecimento do termo da
guerra;
e) Conceder títulos, honras e distinções em
recompensa de serviços prestados no âmbito da Defesa Nacional.
3 — Compete ao Presidente da República, no exercício das funções de Comandante Supremo das Forças Armadas, assegurar a fidelidade destas às suas missões constitucionais e a sua observância aos objectivos do povo português consagrados na Constituição.
4 — A decisão da mobilização geral è obrigatoriamente sujeita a confirmação pela Assembleia da República no prazo de 5 dias.
A maior parte desta matéria foi já objecto de debate, havendo apenas para discutir a questão da mobilização geral ou parcial.
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
NacionaS (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de dizer que não me parece possível, à face da Constituição, atribuir esta competência ao Presidente da República e muito menos ao Comandante Supremo das Forças Armadas.
Relativamente à pretensão de atribuí-la ao Comandante Supremo das Forças Armadas, chamaria a atenção para o facto de este não poder praticar actos sob a forma de decreto. Essa competência pertence ao Presidente da República e não ao Comandante Supremo das Forças Armadas.
Quanto à imputação dessa competência ao Presidente da República como tal, parece-me igualmente impossível, na medida em que os decretos do Presidente da República não podem estar sujeitos a ratificação ou confirmação da Assembleia da República. E como o Sr. Deputado propõe, a meu ver bem, que essa decisão seja sujeita a confirmação da Assembleia da República, creio que não pode ser assumida como competência própria do Presidente da República. Terá de o ser como competência do Governo, única forma de permitir, nos termos gerais, a sujeição a ratificação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado M agalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Em relação a este artigo e à competência do Governo especialmente quanto à parte final, no sentido de que o mecanismo da ratificação resolveria o problema, quero dizer que não me parece que tal possa acontecer. O mecanismo da ratificação ê extremamente lento, tendo uma prioridade regimental mas de acordo com a prioridade das próprias ratificações.
Em minha opinião, esse instrumento é de todo em todo inadequado para a confirmação de uma decisão de mobilização geral, a qual penso que deverá ser tomada em prazo extremamente curto. Daí que não me satisfaça.
Quanto ao primeiro aspecto, aguardaria por uma proposta de alteração para me pronunciar.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, em relação ao artigo 36.°, que trata da Assembleia da República, não há qualquer proposta de alteração para o n.° 1.
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era apenas uma chamada de atenção para o facto de que se vier a ser aprovada a proposta de uma nova redacção para o artigo relativo à definição da política de defesa nacional, por mim apresentada hoje de manhã, este n.° 1 não terá razão de ser nesta sede, pois já terá ficado no outro lugar. Assim, haverá que eliminar o n.° 1 aqui ou encontrar uma nova forma de dizer qual a função essencial da Assembleia da República nesta matéria, de modo a não repetirmos a mesma coisa em dois pontos diferentes.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, relativamente ao n.° 2 há uma proposta de alteração da ASDI para a alínea a).
A proposta vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
2 — .................................
a) Aprovar os tratados que versem matéria da sua competência legislativa reservada, os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa e de rectificação de fronteiras, os respeitantes a assuntos militares e ainda quaisquer outros que o Governo entenda submeter-lhe ou que a Assembleia da República considere no âmbito da sua competência.
O Sr. Presidente: — Haveria ainda uma proposta da ASDI e do PS para se eliminar as alíneas d) e h) e uma outra proposta da ASDI no sentido de se eliminar a alínea m).
Por parte do PS existe uma proposta para a alínea n). Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
n) Exercer as demais competências políticas, legislativas e de fiscalização e ainda as atribuídas às comissões no artigo 181." da Constituição.
O Sr. Presidente: — A ASDI propõe também duas novas alíneas. A proposta para a alínea m'), vai ser lida.
Foi lida. Éa seguinte:
m) Confirmar no prazo de 5 dias a decisão de mobilização geral.
A prooosta para a outra alínea vai ser igualmente lida.
Foi lida. E a seguinte:
Conceder ou negar a entrada ou trânsito de Forças Armadas estrangeiras em território nacional.
O Sr. Presidente: — Da parte do PCP existe uma proposta de 8 novas alíneas para este número. Como
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constam da proposta dactilografada e perfeitamente legível, dispensar-me-ia de as reproduzir.
A UEDS tem uma proposta para um novo número, com 3 alíneas, a qual também me dispenso de ler devido a todos terem a proposta dactilografada.
Para início deste debate daria a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota, se quiser justificar as suas propostas de alteração.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — As propostas de eliminação das alíneas d) t h) não oferecem qualquer dificuldade. Trata-se de matéria relativa à definição do estado de sítio e de emergência e, portanto, são consequentes com a posição que definimos desde o inicio do debate.
Relativamente a outros problemas focados em propostas nossas, propõe-se uma nova alínea para o n.° 2 do artigo 38.°, que transfere para a Assembleia da República a competência para conceder ou negar a entrada ou trânsito de forças armadas estrangeiras em território nacional.
Creio não carecer de grandes justificações, resultando de uma competência que parece dever pertencer ao Parlamento. E ou resulta de um tratado internacional que como tal tem de ser visto pelo Parlamento ou, se é casuística, dependerá também, necessariamente, de autorização do mesmo.
Quanto à confirmação da decisão de mobilização geral, já há pouco tive ocasião de me pronunciar sobre ela, restando agora uma outra alteração respeitante aos tratados. O sentido da nossa proposta é apenas o de não conferir ao Governo, em exclusivo, o critério de ser ele a definir qual o âmbito de um tratado e o de saber se é ou não da competência da Assembleia da República, deixando também à própria Assembleia da República a possibilidade de querer pronunciar-se sobre um tratado por entender, por exemplo, contrariamente ao Governo, ser matéria da sua competência.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa
Nccional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à proposta de aditamento de um preceito em que se reconheça à Assembleia da República o direito de considerar no âmbito da sua competência determinados tratados, em minha opinião não deve ser aceite. Esta alínea é a reprodução ipsis verbis de um preceito constitucional e não se deve alterar, mesmo por aditamento, esse preceito.
Relativamente à concessão ou recusa da entrada ou trânsito de forças armadas estrangeiras em território nacional, julgo que esta matéria foi discutida em sede de revisão constitucional, tendo sido uma proposta idêntica recusada. Portanto, pelas mesmas razões o deveria ser agora.
Quanto à eliminação das alíneas relativas ao estado de sítio e ao estado de emergência, estou de acordo com ela.
Quanto à eliminação da alínea m), salvo o devido respeito, suponho que o Sr. Deputado a não fundamentou. Por mim não faço questão, depende do que a Comissão considerar preferível. A ideia pela qual o governo incluiu a alínea foi a de que, a partir da entrada em vigor da revisão constitucional, não há uma substituição automática do Presidente da República pelo Presidente da
Assembleia da República em todos os casos de simples ausência, o que pode criar um determinado vazio, obrigando a considerar esta competência como bastante relevante em termos de defesa nacional.
Em todo o caso não se trata, para mim, de uma questão fechada. Se se considerar ser preferível retirá-la, não me oporei.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — A nossa proposta para o artigo 38.° já foi apresentada ou não? Se não foi, apresento-a agora.
O Sr. Presidente: — Estão inscritos os Srs. Deputados Magalhães Mota, a seguir o Sr. Deputado Veiga de Oliveira e depois o Sr. Deputado César Oliveira, que são os autores das propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — A nova alínea que pretendia aditar sobre a concessão ou negação de entrada ou trânsito de forças armadas estrangeiras em território nacional é extremamente simples, mas creio que os meus objectivos são inteiramente contrários àqueles pensados pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro e desse modo queria explicitá-los.
Em relação à Constituição e à revisão constitucional, o problema é inteiramente diverso. Neste momento não temos nenhum dispositivo constitucional. Temos, pelo contrário, um dispositivo constitucional que é o n.° 2 do artigo 8.°, que nos manda introduzir na ordem jurídica interna convenções e tratados internacionais, o que transforma esta nova alínea em exclusiva aplicação relativamente a situações casuísticas. Nada mais que isto! Apenas situações novas não contempladas em tratados ou convenções.
Daí que no meu entendimento haja não os inconvenientes apontados pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro, mas todas as vantagens em que esta alínea figure na lei de defesa nacional.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de recordar que esta matéria foi discutida no Plenário, em duas versões diferentes. Numa primeira versão, com um âmbito mais vasto, e numa segunda, exactamente com o âmbito que o Sr. Deputado Magalhães Mota quer dar agora à sua proposta, isto é, nos casos não previstos em convenções internacionais em que Portugal fosse parte.
Mesmo nessa versão mais restrita, a proposta que, se bem me lembro, era da UEDS, foi rejeitada não apenas com o argumento formal de não ser matéria que devesse ser constitucionalizada, mas mesmo com o argumento substancial de que...
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Dá-me licença?
O Orador: — Faça favor.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — O que queria precisamente recordar é que a minha proposta se situa no pós-quadro de revisão. Em termos de revisão constitu-
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cional estaríamos de acordo em não a incluir (inclusivamente o meu grupo parlamentar votou contra a inclusão). Mas já estamos no âmbito em que fizemos a revisão constitucional, em que os tratados e convenções mantêm eficácia plena na ordem jurídica portuguesa e em que, por via destas duas situações, este dispositivo só teria aplicação a casos futuros e casuísticos.
O Oradors — Mas creio que na discussão constitucional se considerou que, mesmo em casos restritos, havia razões de ordem substancial que não aconselhavam o acolhimento de uma disposição deste tipo.
Sendo hoje, nos tempos que correm, as ameaças globais, é extremamente difícil prever todas as hipóteses em que uma ameaça se pode concretizar. Nesses casos, seria uma grave limitação dos poderes que constitucionalmente cabem ao Executivo na condução da política de defesa fazer depender de uma autorização parlamentar uma tomada de decisão que muitas vezes terá de ser tomada num lapso de tempo muito curto para ser eficaz.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Na nossa proposta a alínea b) apenas terá sentido quando se discutir a composição do Conselho Superior de Defesa Nacional, pelo que neste momento não valerá a pena perdermos tempo com ela.
Quanto à alínea c), uma vez que parece vir a ser acolhida a ideia de que o Provedor de Justiça tem também poderes no domínio militar, esta alínea perde o sentido, não valendo a pena perdermos tempo com ela.
Quanto à alínea a), trata-se efectivamente de uma das competências da Assembleia da República. A fórmula não é rigorosamente a constitucional, não nos oporíamos a que a fórmula constitucional aparecesse tal qual, visto que o que aqui está é já um pouco a interpretação do texto constitucional, mas o que nos parece é que devia cá estar qualquer coisa que se reportasse à competência da alínea a) do artigo 165.° da Constituição. Claro que tudo isto, neste caso, se aplicará em matéria de defesa nacional e organização e funcionamento da disciplina das Forças Armadas.
Em relação às outras alíneas não designadas por letras (pois não nos parece importante a sua ordem de entrada), também elas são evidentes. Quer a legislação sobre direitos, liberdades e garantias dos oficiais, sargentos, praças e agentes militarizados, bem como sobre os respectivos deveres, quer a legislação sobre organização, funcionamento e competência e processo dos tribunais militares, bem como sobre o estatuto dos respectivos juízes, não estão recobertas.
Trata-se de questões importantes nestes domínios e trata-se de uma competência da Assembleia da República.
A legislação sobre definição de crimes essencialmente militares, respectivas penas e pressupostos também é da competência da Assembleia da República e portanto deveria estar aqui coberta, o mesmo acontecendo com o contencioso administrativo e militar e com o regime de mobilização e requisição.
Todos estes assuntos parecem-nos dever ser unia importante competência da Assembleia da República a
mencionar nestas alíneas e as razões são de tal forma evidentes que nos dispensamos de usar de mais tempo da Comissão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — No seguimento do que foi dito pelo meu camarada Veiga de Oliveira, gostaria de acrescentar que a nossa proposta se integra numa orientação que aqui afirmámos desde a primeira reunião da Comissão. É a seguinte: pretendemos contrariar a tendência governamentalizante da proposta de lei que tivemos oportunidade de pôr em evidência no debate na generalidade e também de assegurar o respeito por todas as competências que nesta matéria estão constitucionalmente reservadas à Assembleia da República.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar fundamentar a minha proposta e aproveito já o momento, pois eia é um pouco coincidente com a alínea n) proposta pelo Sr. Deputado do PS, no que toca a fixar as funções fiscalizadoras da Assembleia da República em relação às Forças Armadas.
Antes, porém, queria justificar a alínea c) desta proposta que para alguns senhores deputados poderá ser chocante. Está aqui de uma forma explícita talvez aquilo que alguns possam interpretar como sendo uma desconfiança permanente em relação à adequação de alguma preparação cívica e do ensino ministrados nos estabelecimentos militares, de instrução, etc, em relação ao projecto e modelo de sociedade implícitos na Constituição.
Porventura apenas um partido com as características da UEDS pode dizer isto da forma que dizemos. Pensamos ser importante uma função fiscalizadora à Assembleia da República e também que esta é uma boa oportunidade para institucionalizar funções de fiscalização através das comissões parlamentares.
Creio não ser da praxe parlamentar portuguesa pós 25 de Abril nem da anterior ao 28 de Maio, a existência institucionalizada de práticas fiscalizadoras por parte das comissões parlamentares. Suponho que uma das razões que poderá prestigiar o Parlamento poderá fundar-se nestas funções institucionalizadas de fiscalização.
Admito alguma harmonização com o que está proposto na alínea n) do PS e que recobre praticamente estas 3 alíneas que aqui tenho, porventura de uma forma mais elegante, menos chocante. De qualquer modo gostaria que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e os outros parlamentares aqui presentes se pronunciassem sobre esta questão.
Será útil encetarmos, ainda que incipientemente, com esta ou outra formulação, o percurso de um caminho que institucionalize, por parte da Assembleia da República e das suas comissões, uma função fiscalizadora mais activa, pois as comissões da Assembleia da República até agora têm tido uma função passiva. Isto é, as comissões parlamentares têm mais um papel de «caixa de correio», agindo sobre o que é solicitado, do que um papel de tomada de iniciativa, de dinamizar e fiscalizar. Seria bom que se pudesse começar a atribuir, ainda que inci-
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pientemente, alguma iniciativa, de modo a transformar as comissões parlamentares, como órgãos passivos que actuam sobretudo por solicitação de, em órgãos que imprimam uma dinâmica à função fiscalizadora que cabe na totalidade à Assembleia da República e, especificamente em determinados aspectos, às próprias comissões.
Era esta a questão, foi isto que tentei introduzir na discussão com as reservas que eu próprio coloquei. Talvez houvesse possibilidade de encontrar uma fórmula que satisfizesse esta exigência, a meu ver importante, de conferir à Assembleia da República e às suas comissões uma função que não têm tido e poderiam ter, sem prejuízo seja do sistema de regime, seja de funções de que acredito que os parlamentares não exorbitariam.
O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Jaime Gama para justificar as propostas apresentadas, designadamente a que fez presente à Mesa neste momento.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As nossas propostas têm em vista o seguinte: em primeiro lugar assegurar a representação da Assembleia da República no Conselho Superior de Defesa Nacional. Essa representação parece-me importante na economia geral dos órgãos de soberania e parece-nos tanto mais importante quanto a proposta de lei consagra a presença dos presidentes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira nesse órgão consultivo.
Em segundo lugar, as nossas propostas visam esclarecer, tendo em vista os destinatários directos deste diploma, que as competências do Parlamento em relação à defesa nacional se não esgotam na mera aprovação desta lei de defesa e das Forças Armadas nem na aprovação da legislação genérica sobre as bases gerais da organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas. Isto é, a Assembleia da República, quer pela iniciativa dos seus deputados, quer pelo poder da ratificação de decretos-leis, quer por propostas que o Governo entenda submeter-lhe, continuará a manter a plenitude do poder legislativo que a Constituição lhe consagre.
Pretende-se ainda eliminar as referências ao estado de sitio e de emergência e, por último, pretende-se ainda deixar claro no diploma que os poderes da Assembleia da República em matéria de defesa nacional e de Forças Armadas também se exercem através dos poderes das respectivas comissões, designadamente das comissões eventuais de inquérito previstas na Constituição.
É este o conjunto de objectivos das nossas propostas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — A nova proposta sobre o artigo 38.° apresentada pelo Sr. Deputado Jaime Gama coincide parcialmente com uma proposta que faço ao artigo 44.° E gostaria de colocar o seguinte problema ao Sr. Deputado Jaime Gama: o Sr. Vice-Primeiro--Ministro referiu, no debate no Plenário, como argu'-mento para a não inclusão de representantes da Assembleia da República no Conselho Superior de Defesa Nacional, o facto de que, tendo este, entre outras atribuições, algumas administrativas, portanto deliberativas e executivas, não seria bom colocar nesse órgão represen-
tantes de um órgão de soberania cujas funções são apenas legislativas.
Mas, como no artigo 45.°, salvo erro, as funções do Conselho Superior de Defesa Nacional estão em números e alíneas diferentes, algumas definidas como consultivas e outras administrativas e deliberativas, perguntaria ao Sr. Deputado Jaüne Gama se pode entrever a possibilidade de uma outra solução, que, indo ao encontro do argumento do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, resolvesse a questão. Por exemplo, talvez se pudesse adoptar a fórmula que proponho, que ê a de os representantes da Assembleia da República não tomarem parte no Conselho Superior de Defesa Nacional onde se exerçam funções administrativas.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, sugere o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, e creio que todos concordarão, que este assunto deve ser deixado para o debate sobre a composição do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já tive ocasião de me pronunciar antes do intervalo sobre as propostas do Sr. Deputado Magalhães Mota quanto a este artigo, pronunciar-me-ia agora relativamente às outras propostas.
Quanto à proposta do PCP, estou de acordo com a alínea a). Quanto às alíneas b) e c), não me pronuncio por razões óbvias. Quanto às outras propostas, entendo que a redacção da primeira deveria ser harmonizada com o que viermos a aprovar relativamente ao artigo sobre a condição militar. Sublinho que esta redacção não é harmónica com a da proposta do Governo nessa matéria. Veremos depois em que se fica, para fazermos a harmonização. Quanto às 4 restantes alíneas, estou também de acordo com elas.
Relativamente à proposta do Sr. Deputado César Oliveira, concentrar-me-ia na alínea c), começando por dizer que estou de acordo com a ideia de que é necessário velar por esta adequação do ensino e da formação dos militares aos valores democráticos e constitucionais, mas não concordo com a atribuição desta competência à Assembleia da República ou à sua Comissão de Defesa e explicarei porquê.
Em primeiro lugar, penso que, a dizer-se aqui alguma coisa, não nos poderíamos referir apenas à adequação do ensino e da preparação cívica ministrados nos estabelecimentos militares, pois um dos problemas com que se debatem as Forças Armadas no nosso país é o do baixíssimo nível de preparação cívica com que os indivíduos em idade de prestar serviço militar ingressam nas fileiras.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Dá-me licença, Sr. Vice-Primeiro-Ministro?
O Orador: — Faça favor.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — O que está na alínea c) não se refere apenas aos estabelecimentos militares.
O Orador: — Sim, mas são os estabelecimentos de ensino dependentes do Ministério da Defesa, o que
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exclui o ensino ministrado no âmbito do Ministério da Educação. E um dos problemas mais graves com que se debatem as Forças Armadas, dizia eu, é que, querendo ministrar uma preparação cívica de certo grau, recebem os mancebos incorporados no serviço militar sem um mínimo de preparação cívica que já deviam trazer do sistema de ensino.
Mas, independentemente desta observação, penso não ser curial —por razões que têm bastante a ver com aquilo que aqui expus em relação ao Provedor de Justiça — que atribuamos competências de fiscalização à Comissão Parlamentar de Defesa ou à Assembleia da República em geral sobre segmentos ou escalões intermediários das Forças Armadas, saltando por cima da hierarquia militar.
Penso que a Comissão de Defesa e a Assembleia da República em geral podem e devem fiscalizar este aspecto, como muitos outros, através da responsabilidade política do Governo perante a Assembleia da República. Não vejo qualquer inconveniente, antes pelo contrário, vejo vantagem e necessidade de que nesta matéria, como noutras, a Assembleia da República tome a iniciativa. Nesse ponto estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado: a Assembleia da República não deve ter uma função passiva, mas sim activa, fiscalizando, chamando o Governo, pedindo elementos, discutindo, controlando. E depois, se o Governo, por sua vez, entender que, para melhor explicitação das matérias, responsáveis directos por esses pelouros aqui venham depor, ou se a Comissão Parlamentar de Defesa sentir necessidade de fazer determinadas visitas, perguntas ao Governo, requer elementos, etc, não vejo nisso qualquer inconveniente, mas antes vantagem e necessidade.
Agora, institucionalizar a intervenção da Assembleia da República a meio da hierarquia, entrando directamente nos estabelecimentos de ensino militares, sem que as coisas se processem sempre através do canal hierárquico, não creio que seria aceitável.
Por último, redigir a alínea desta maneira seria, efectivamente, como aliás admitiu o Sr. Deputado, plasmar uma lei da Assembleia da República um certificado permanente de desconfiança, que suponho não se justificar.
Quanto às propostas do PS, concordo com as eliminações sugeridas, com a cláusula final de remissão para as competências genéricas da Assembleia da República e que por isso se aplicam nesta matéria. Quanto à questão da composição do Conselho Superior de Defesa Nacional, vê-la-íamos quanto lá chegássemos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao artigo 39.°
Há uma proposta do PCP pretendendo eliminar do n.° 3 a seguinte expressão «ou noutras situações de excepção».
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Estas outras situações de excepção não estão configuradas. Isto é demasiadamente vago: ou diz de mais ou de menos. Preferiríamos que aqui se explicitasse claramente aquilo que não oferece dúvidas. Se o Sr. Vice-Primeiro-Ministro pudesse esclarecer...
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Esta expressão «situações de excepção» era usada em vários pontos ao longo da lei para significar por outras palavras o mesmo que estado de sítio e estado de emergência. Uma vez que estamos a eliminar todas as referências ao estado de sítio e ao estado de emergência, penso que se deve eliminar também aqui esta referência.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Desejava fazer duas notas em relação a este assunto. Uma era uma pergunta dirigida ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro, pois dá-me ideia poder existir um conflito aparente entre o artigo 33.° e o n.° 1 do artigo 39.°
O artigo 33.° diz «O Ministério da Defesa Nacional é o departamento governativo da administração central ao qual incumbe preparar e executar a política de defesa nacional» e o n.° 1 do artigo 39.° dispõe que o Governo é o órgão de condução da política de defesa nacional. E, quando digo poder existir um conflito aparente, entendo o que a proposta quer dizer, mas estes dois conceitos de execução e condução são talvez pouco expressivos, podendo levar a equívocos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — A expressão «em devido tempo» é manifestamente fora de tempo! Será melhor retirá-la.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e fVILransliro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta última observação, estou de acordo quanto à inutilidade da expressão referida.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, a expressão utilizada no artigo 39." «órgão de condução da política de defesa» é a adaptação à defesa nacional da expressão utilizada pela Constituição no seu artigo 185.°, que define o Governo como sendo o órgão de condução da política geral do País. Fez-se a adaptação, ficando «órgão de condução da política de defesa nacional».
O que está no artigo 33.° é uma coisa diferente. Aí fala-se, não do Governo, mas do Ministério da Defesa, portanto um departamento da Administração Pública, e não um órgão de soberania, não lhe competindo conduzir a política, mas sim prepará-la, através dos estudos e propostas necessários, e executá-la, uma vez definida por quem de direito. Suponho que isto estará correcto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): — Desejaria chamar a atenção para o n.° 3 do artigo 39.° Creio que está correcto com a referência a outras situações de excepção, pois há situações de excepção típicas e atípicas ou estados de crise.
Afigura-se-me que nesses estados de crise caracterizados por não haver declaração de guerra, por não haver
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uma clara definição do inimigo, por haver um tactear das energias morais e materiais através de actos que roçam a agressão sem se consumarem, portanto de pura provocação, esta referência genérica tem cabimento.
Mas há duas questões graves, sobre as quais gostaria que reflectíssemos: em primeiro lugar, diz-se que o Governo tomará em devido tempo as providências. Que tipo de providências? São providências que me parecem ser a expressão «em devido tempo», meramente tácticas, circunstanciais, de normas de execução permanente, de despacho em face de um perigo, ou são quadros relativos? Se são providências meramente tácticas, não se compreende a possibilidade de mudança de capital de um país.
O segundo ponto que me parece muito importante, e que praticamente vincula o Governo, é que ele deve prever a possibilidade de mudança. Penso que ele não a deve prever, mas pode prevê-la nesse acto legislativo.
Quanto à mudança de capital de um país, se o Sr. Vice-Primeiro-Ministro me permite, penso que a fonte deste normativo é originária de uma determinada concepção de guerra patente até à Primeira Guerra Mundial e que era a seguinte: a tomada da capital por um estado significava de certa maneira a vitória na guerra. A tomada da capital ou a prisão do rei. Com a transferência dos órgãos de soberania para outros locais, esse problema ficou um tanto resolvido. Parece-me que este artigo pode ser importante devido a esta referência às outras situações de excepção que não são necessariamente estados de guerra nem estado de sítio ou de emergência, mas sim aquelas situações atípicas a que me referi, as quais devem, todavia, referir-se a disposições legislativas a tomar num âmbito de uma lei quadro. E parece-me que a referência a prever a possibilidade de mudança de capital não deve ficar aqui como vinculativa, mas apenas como uma mera possibilidade, podendo prever uma mudança de capital.
Eram estes pontos que se me afiguravam úteis para um debate, sem ter ainda propostas concretas para fazer.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): — Apenas um complemento ao que disse o meu camarada José Luís Nunes. Parece-me que este, tal como outros, é um dos pontos em que a proposta governamental é muito subsidiária do espírito e da letra da Lei n.° 2084/56, assentando a noção da organização da Nação em tempo de guerra num conceptualismo bastante clássico de oposição entre paz e guerra, sem prever as situações de crise. A mudança da capital para outro ponto do território nacional entendia-se naturalmente de acordo com aquilo que era então a geografia do território português.
Penso que hoje o assunto deve ser repensado, devendo prever-se, se é que deve haver uma referência clara a esta matéria, se se deve prever não apenas a mudança de capital como a própria constituição de um governo no exilio ou na reconstituição da soberania e da independência a partir do exterior do território nacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O St. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Relativamente à referência a outras situações de excepção, a expressão foi aqui colocada, como noutros locais do diploma, a pensar no estado de sítio e no estado de emergência. A esse título, penso que não se justifica a sua manutenção, embora admita que no diploma sobre estado de sítio e estado de emergência se haja de dizer a mesma coisa. Não temos é de o dizer aqui.
Quanto a prever outras situações, que não são guerra mas sim situações de crise no âmbito da problemática da defesa nacional, admito que faça sentido, mas então deveríamos dizê-lo por essa forma; creio haver outro ponto da proposta onde já foi sugerido por alguém que se dissesse algo do género: «a situação de crise relacionada com a defesa nacional». Não é isso? Portanto, proporia que aqui se dissesse a mesma coisa nos mesmos termos.
Já não me parece muito fundada, o Sr. Deputado Jaime Gama perdoar-me-á que lho diga, a crítica de que esta redacção é tributária de uma concepção meramente dicotômica entre guerra e paz. Se se prevêem justamente aqui outras situações, é porque não será tão dicotômica como isso! De qualquer modo, este ponto não é o mais importante.
Quanto à possibilidade da mudança de capital, creio que não tem apenas a ver com a geografia que o País tinha no tempo do Império, mas também com outras realidades.
Em primeiro lugar, e como prova a experiência francesa há pouco citada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, pode haver necessidade de mudar a capital do País dentro da mesma área de contiguidade geográfica. No Continente, por exemplo, se houvesse uma invasão do território nacional a partir do Sul e fosse necessário levar a capital do País mais para o Norte, ou vice-versa, pois isso seria perfeitamente admissível, sobretudo se pensarmos não só na guerra nuclear mas numa guerra convencional de tipo localizado ou regionalizado, coisa que pode perfeitamente acontecer, embora todos desejemos que nunca suceda.
Também temos de pensar que há um triângulo territorial — Continente, Açores e Madeira— e que a possibilidade de mudança da capital do País para qualquer das regiões autónomas pode ser uma solução, aí já até com maior amplitude geográfica.
O Sr. César OUveira (UEDS): — Dá-me licença?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Nos anos quarenta há uma experiência portuguesa de negociações entre Portugal e a Inglaterra e no interior do País sobre a mudança de capital e de Governo para fora do continente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Lub Nunes (PS): — Gostaria de reforçar o que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado César Oliveira. Existiu, efectivamente, uma negociação com vista á mudança de capital ou do Governo para Ponta Delgada, tendo sido até colocadas instalações nessa cidade para importantíssimos meios militares. E à guisa de nota gostaria de referir ainda que existe um relatório de um almirante americano encarregado pelo Presidente Roosevelt
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II SÉRIE — NÚMERO 39
de preparar a tomada dos Açores no qual é dito expressamente o seguinte:
As Forças Armadas americanas actuarão de acordo com as ordens recebidas, mas, dado o impressionante recurso de meios existentes nós Açores, queremos dizer ao Sr. Presidente dos Estados Unidos da América que prevemos muitas baixas e que não será certamente um passeio militar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Apenas umas breves notas sobre isto. Penso ser um dever elementar de previsão organizativa, em termos de defesa nacional, a necessidade de prever a possibilidade de mudança de capital. Tanto faz dizê-lo aqui como não — é necessário prevê-lo. E, salvo o devido respeito, Sr. Deputado José Luis Nunes, penso que o que a lei deve dizer é que se deve prever a possibilidade, pois dever prever a possibilidade não significa que se tenha de fazer a mudança — significa que há um dever de preparação das coisas para esse efeito.
Não me parece também que a preparação de uma mudança de capital deva assumir natureza legislativa. Em primeiro lugar, não estou a ver uma lei a dizer: «Nos casos tais e tais a capital passa para a cidade A, B ou C». Por outro lado, parece-me que seria dar um trunfo ao inimigo estar desde já a dizer para onde se muda a capital, em que circunstâncias e em que casos. Creio que este è o caso típico de uma matéria que deve ser reservada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama
O Sr. Jaime Gama (PS): — Colocar-lhe-ia agora uma questão que figura nos diplomas e que se relaciona com esta. O Sr. Vice-Primeiro-Ministro entende que o mecanismo de substituição na mais alta hierarquia do Estado, previsto para a impossibilidade de o Presidente da República agir nestas circunstâncias, e da transferência destes poderes para o Presidente da Assembleia da República e depois para os Vice-Presidentes em exercício ê o suficiente?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Penso que não, Sr. Deputado. Simplesmente, creio que é uma necessidade decorrente da Constituição. Tentei, por várias formas, encontrar soluções para além do disposto na Constituição, uma vez que não poderiam ser contra o que nela se dispõe, mas esbarrei sempre com a conclusão de que tudo o que se previsse fora do âmbito da substituição do Presidente da República pelo Presidente da Assembleia da República, ou por quem o substitua, seria inconstitucional. É claro que pessoalmente considero uma solução inconveniente, sobretudo em tempos de crise ou de guerra, mas a verdade é que penso que nâo poderemos ir por outra via.
Para finalizar, comentarei a sugestão do Sr. Deputado Jaime Gama, da previsão aqui de =í>nst:t\:57a-o de governos no exílio.
Creio que não deveríamos fazê-lo, pois essa é já claramente uma matéria que tem a ver mais com a política geral do País e com a política externa do que com a política de defesa nacional. Criar ou não um governo no exílio não me parece que seja um acto de política de defesa nacional: é, sim, um acto de política geral e de política externa, ou, melhor dizendo, é um acto de política geral com condicionantes e implicações de politica externa. Nâo me parece que seja de política de defesa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luis Nunes (PS): — V. Ex.', Sr. Vice-Primeiro-Ministro, estará de acordo, para além daqueles pontos que já vimos, que se dissesse «devendo prever, nomeadamente, a possibilidade de mudança de capital do País para qualquer outro ponto do território nacional», de modo a sublinhar tratar-se de uma medida meramente enunciativa, e não taxativa?
O Sr. Vlce-Primeiro-Minlsrro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Estou de acordo com o «nomeadamente».
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, devido à hora, creio que deveríamos dar por terminados os trabalhos de hoje, para os recomeçarmos na segunda-feira, às 15 horas.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Se o Sr. Presidente me desse licença, gostaria apenas de fazer um pedido. Devo dizer que estou um pouco apreensivo, pois na próxima semana não teremos talvez muitos dias e vamos ainda a meio da proposta de lei com artigos grandes por ver. Gostaria assim de fazer duas perguntas: em primeiro lugar, se não seria possível agora ou, o mais tardar, no início da sessão de segunda-feira fixarmos os dias e as horas das nossas reuniões. Isto porque na próxima semana terei muita dificuldade em ter abertas em alguns dias. Terça-feira chega o Ministro da Defesa Nacional de Moçambique e terei de o acompanhar em certas horas do dia; estará também em Lisboa, na próxima semana, o Sr. Governador de Macau, que terei de receber.
Portanto, se fosse possível tentarmos, na segunda--feira, fazer o programa dos trabalhos da próxima semana, ser-me-ia muito vantajoso.
Em segundo lugar, pergunto se não seria possível que a totalidade das propostas de alteração ou, pelo menos, a maior parte delas fossem entregues na segunda-feira, para que as pudéssemos estudar conseguindo com isso um maior rendimento.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Perguntaria também ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro, tendo ele a posse de todas as alterações propostas pelos vários grupos e partidos, se seria possível fazer um esforço suplementar no sentido de «desbravar», fazendo como que uma síntese daquilo que o Governo está disposto a considerar e discutir e daquilo que não está. Isso far-nos-ia ganhar tempo a partir de segunda-feira.
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15 DE JANEIRO DE 1983
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Terei uma total disponibilidade para isso, com o único limite do tempo que me for consentido.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, expresso fica aqui o pedido de que na segunda-feira, na medida do possível, todos os grupos parlamentares apresentassem as propostas que pensassem dever fazer relativamente a toda a matéria, sem prejuízo de durante o debate outras propostas poderem ser feitas.
Faltam cerca de 30 artigos para discutir. Em princípio, teremos de ter a lei pronta no dia 28. Dia 27 será para preparar o relatório. Portanto, teremos apenas segunda, terça e quarta.
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): — Só mais um ponto, Sr. Presidente. Haveria uma coisa para a qual eu me poderia oferecer, se a Comissão estivesse de acordo. Como vamos agora entrar numa parte em que muitos artigos enunciam competências que são pura transcrição de soluções que terão ficado resolvidas antes, escusávamos talvez de estar a fazer propostas concretas de alteração de tudo aquilo que é consequência de soluções que já estão decididas para trás. Posteriormente, encar-regar-me-ia de fazer as adaptações. Creio que não haverá objecções, uma vez que o texto final acabará por vir aqui, podendo ser corrigido se houver algo que não esteja bem.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminamos aqui os nossos trabalhos para os retomarmos na segunda-feira, pelas 15 horas. Faria ainda um apelo à pontualidade.
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