Página 1
II Série — Suplemento ao número 78
Quinta-feira, 26 de Janeiro de 1984
DIÁRIO
da Assembleia da República
III LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1964)
SUMÁRIO
.Pfojectos de lei:
N."* 5, 6, 7 e 226/Ul —Parecer da Comissão de Saúde, Segurança Social e Família sobre os projectos de lei. N.° 265/1II — Parecer da Comissão da Condição Feminina sobre o projecto de lei. N.° 267/111—Parecer da Comissão da Condição Feminina sobre o projecto de lei.
'Perguntas ao Governo:
Apresentadas, respectivamente, pelo PS, pelo PSD, pelo PCP, pelo CDS, pelo MDP/CDE e pela UEDS.
ProcuradorJa-Geral da República:
Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria acerca da^xetensão do Secretário da Mesa da Assembleia da República Reinaldo Gomes relativa ao pagamento, por verba da própria Assembleia, da reparação do seu veículo automóvel danificado em consequência de distúrbios provocados por vizelenses aquando da discussão do projecto de lei acerca da restauração do Município de Vizela (homologado pelo Presidente da Assembleia da República).
Parecer da Comissão de Saúde, Segurança Social e Família sobre os projectos de lei n." 5/fll, S/Ill, 7/111 e 226/m.
A Comissão Parlamentar de Saúde, Segurança Social e Família, na sua reunião de 11 de Janeiro de 1984. analisou os projectos de lei n.os 5/III — Protecção e defesa da maternidade, 6/1II — Garantia do direito ao planeamento familiar e educação sexual, c 7/1II — Interrupção voluntária da gravidez, apresentados pelo PCP, • o projecto de lei n.° 226/III - - Planeamento familiar e educação sexual, apresentado pelo PSD.
A Comissão emitiu o parecer de que os referidos projectos obedecem às condições regimentais necessárias para a respectiva apreciação pelo Plenário.
Palácio de São Bento, 12 de Janeiro de 1984.— O Presidente da Comissão de Saúde, Segurança Social e Família, António fosé de Castro Bagão Félix.
Parecer da Comissão da Condição Feminina sobre
0 projecto de lei n.° 265/111 — Exclusão de ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez.
1 — Em reunião plenária da Comissão da Condição Feminina, realizada em 18 de Janeiro de 1984, foi designada uma subcomissão para elaboração do parecer sobre o projecto de lei em epígrafe, composta pelos Srs. Deputados Maria Ângela Pinto Correia (PS), Alexandre Correia de Carvalho Retgoto (CDS) e António Sérgio Barbosa (PSD), sendo relatora a Sr.° Deputada Odete Santos (PCP).
O citado projecto de lei dispõe sobre as causas de exclusão da ilicitude nalguns casos de interrupção voluntária da gravidez, optando-se por introduzir alterações no Código Penal.
Na verdade, condensam-se no artigo 139.° do Código Penal os artigos 139.°, 140.° e 141." do mesmo Código, dando-lhe nova redacção, da qual se destaca a diminuição para 1 ano do limite máximo da pena (actualmente de 2 anos), quando o aborto for praticado para ocultar a reprovção social da mulher (terminologia que substitui o actual conceito de desonra da mulher), e a aplicação da mesma atenuação, quando o aborto seja praticado por motivo que diminua sensivelmente a culpa do agente.
2 — O projecto de lei exclui a ilicitude da interrupção voluntária da gravidez nos seguintes casos:
a) Aborto terapêutico praticado em qualquer pe-
ríodo de gravidez, sempre que constitua o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, exigindo, em princípio, um relatório subscrito por 2 médicos atestando a verificação daquelas circunstâncias;
b) Abono terapêutico praticado nas primeiras 12
semanas de gravidez, quando se mostre indicado para evitar perigo de morte ou de grave e /duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquisa da mulher grávida, exigindo-se que a verificação naquelas circunstâncias seja atestada por médico em documento por si escrito e assinado antes da intervenção;
Página 2
2068-(2)
II SÉRIE — NÚMERO 78
c) Aborto eugénico praticado nas primeiras 12
semanas, sempre que seguros motivos fundamentem a previsão de que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação. Coloca-se igualmente como condição para a prática legal do aborto atestado escrito e assinado por médico antes da intervenção;
d) Aborto praticado nas primeiras 12 semanas da
gravidez, quando se indicie seriamente que a gravidez resultou de violação da mulher, condicionando-se a legalização do aborto à existência de participação criminal da violação.
3 — Regulam-se o consentimento da mulher grávida para a prática do aborto e os casos em que tal consentimento deverá ser dispensado ou prestado por outrem (marido capaz não separado, representante legal, ascendente ou descendente capaz e quaisquer parentes da linha colateral).
4 — Prevê-se "a punição dos médicos que pratiquem a interrupção voluntária da gravidez fora dos condicionalismos previstos.
5 — Prevê-se ainda o recurso a estabelecimentos de saúde adequados para a prática da interrupção voluntária da gravidez.
6 — Assegura-se aos médicos e demais profissionais de saúde o direito à objecção de consciência, vin-culando-se ao dever de sigilo profissional.
Assim, face ao exposto, conclui-se que o projecto de lei n.° 265/11] respeita os dispositivos legais e regimentais para ser submetido ao Plenário.
O parecer teve o voto contra do CDS e os votos favoráveis dos restantes partidos, tendo os partidos reservado a sua posição para o Plenário em relação ao projecto de lei.
Palácio de São Bento, 20 de Janeiro de 1984.— A Relatora, Maria Odete dos Santos.
Parecer da Comissão da Condição Feminina sobre
0 projecto de lei n.° 267/111 — Educação sexual e planeamento familiar.
1 — Em reunião da Comissão da Condição Feminina de 24 de Janeiro de 1984 foi criada uma subcomissões a fim de elaborar parecer sobre o projecto de lei acima referenciado, composta pelos Srs. Deputados Alda Nogueira (PCP), Beatriz Cal Brandão (PS) e José Gama (CDS), sendo relator o Sr. Deputado Lemos Damião (PSD).
2 — O projecto de lei visa pôr termo aos tabus tradicionais da sexualidade existentes antes do 25 de Abril.
Pretende-se agora, dada a nova situação, colmatar com o presente projecto a falta de programas educativos, de centros de informação, tendentes ao esclarecimento dos jovens, dando-lhes a preparação adequada para uma vivência consciente e responsável.
3 — Entende-se a educação sexual como um acto de esclarecimento, de compreensão e apoio ao planeamento familiar, combatendo a ignorância e defendendo o equilíbrio e a saúde da família e dos seus membros.
4 — O presente projecto visa garantir o direito à educação sexual como componente do direito fundamental à educação.
5 — Tendo em vista uma boa formação integral, deverão os programas escolares incluir conhecimentos, psicologia, genética e sexualidade, em consciência com os diferentes níveis de ensino.
6 — Visa-se dotar os docentes de conhecimentos mínimos e da compreensão adequada da problemática da educação sexual.
7 — Promover-se-á a criação progressiva em todo o território nacional dc centros de planeamento familiar.
8 — Tem-se em vista a promoção e criação de centros de atendimento de jovens nas autarquias locais, onde estes possam obter respostas às suas interrogações no âmbito do planeamento familiar.
9 — Será função dos centros acima referidos prestar à família c aos estabelecimentos escolares a colaboração que lhes for solicitada.
Conclui-se que o projecto de lei n.° 267/111 foi considerado em condições regimentais e constitucionais para ser submetido a Plenário.
O parecer teve voto favorável de todos os partidos, tendo estes reservado as suas posições para o Plenário.
Palácio de São Bento, 24 de Janeiro de 1984.— O Relator", José Mário Lemos Damião.
Perguntas ao Governo apresentadas pelo PS
1 — Sistema de apoio às PME
O Governo tem reconhecido a necessidade de reforçar os apoios de natureza técnica e financeira para a dinamização e desenvolvimento das empresas privadas e cooperativas, em particular das PME, devendo dedicar-se especial atenção à região interior do País. Sabe-se que para actuação nesse âmbito existem organismos no MIE, como 6 o caso do IAPMEI e do LNETI; encontrara-se ainda em vias de lançamento vários centros tecnológicos sectoriais a instalar nas zonas de maior desenvolvimento industrial e há tambér" projectos para criar sociedades de desenvolvimento regional.
Foi, mais recentemente, anunciado pelo MIE a criação dos centros de desenvolvimento industrial do interior (CDII) e de uma rede de extensão industrial, privilegiando a região interior do País.
Considerando que será o Estado a suportar quase todos os custos de instalação e, também, praticamente todos os custos de funcionamento nos primeiros anos das novas estruturas técnicas (centros tecnológicos), em cuja gestão irão participar as associações empresariais e as empresas:
Ê indispensável haver um mínimo de coordenação e racionalização que evitem duplicações de esforços e esbanjamento de meios, tanto humanos como financeiros;
A eficácia de actuação exige um sisteme simples e desburocratizado de assistência técnica e tecnológica à indústria;
Pergunta-se:
o) O sistema de apoio às PME vai ser baseado no reforço e desenvolvimento coordenado da acção do IAPMEI, como seria natural, ou pretende-se a sua progressiva desactivação, como o parece deixar prever certas
Página 3
26 DE JANEIRO DE 1984
2068-(3)
iniciativas, como os CDI1 e a rede de extensão industrial, urna vez que as respectivas áreas de actuação são basicamente as mesmas do referido Instituto?
b) Se o Governo quer efectivamente reestruturar
e adaptar o 1APMEJ, nele fazendo participar as PME (ou as suas associações) e outros organismos com interesse na polí-t'ca de apoio às PME — LNETI, ICEP, l-EFP c banca —, não seria mais lógico começar por se reestruturar o IAPMEI e só então ver se novos organismos ou sistemas se justificam, para além dos referidos centros tecnológicos e SDR?
c) Que medidas foram já tomadas ou se pensa
vir a adoptar no sentido de promover a criação de novos empregos em PME — procurando-se, nomeadamente, potenciar a actuação dos IEFP e IAPMEI —, bem como publicar legislação adequada, estimulando o desenvolvimento de iniciativas empresariais geradoras de emprego?
Assemb'éia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do PS. Almerindo Marques.
2 — Plano Energético Nacional
O PEN tem sido objecto de frequentes referências nos meios de comunicação social e também na Assembleia da República, embora muitas vezes explicitando ideias, números e outras informações que não correspondem totalmente à verdade dos factos. Critica-se ainda o MIE, dizendo que não tem havido um debate público suficientemente estimulado e apoiado com material informativo e, ainda, que têm sido tomadas, por vezes, posições que pretendem privilegiar determinadas opções.
Pergunta-se:
a) Como se tem desenvolvido o debate e discussão do PEN (versão de 1982) e que nível de participação tem havido dos diferentes agentes económicos, sociais e culturais do País?
6) Quais foram as principais alterações introduzidas nos cenários em que assentava a versão dc 1982 do PEN, em resultado das discussões e pareceres a que foi submetido, nomeadamente quanto às necessidades de consumos energéticos da economia?
c) Existe já algum relatório oficial do Banco Mundial ou de qualquer outra instituição internacional sobre o PEN e, em caso afirmativo, quais as conclusões ou sugestões mais significativas que foram apresentadas?
Assembíeia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do PS, Amadeu Pires.
3 — Medidas de apoio ao sector da construção ctvH e obras públicas
Dada a importância deste sector no conjunto da economia nacional — pelas suas ligações com as mais
diversas actividades industriais, situadas quer a montante, quer a jusante, e ainda pelo elevado volume de emprego que afectam—, solicita-se ao Governo para explicitar as medidas concretas de política já adoptadas ou a adoptar para a revitalização deste sector, que se encontra, paradoxalmente, na situação de excesso de oferta em relação à procura, traduzido por elevado número de edifícios construídos sem comprador, quando o País se defronta com uma carência de necessidades básicas em matéria de habitação social.
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do PS, Amadeu Pires.
4 — Politica de compras do sector público
Tendo presente que todos os países —independentemente do seu tipo de organização económica e social — procuram usar uma política de compras do sector público administrativo e empresarial que permita a defesa e a dinamização de actividades produtivas nacionais, e atendendo ainda ao peso que as actividades ligadas com o sector público empresarial apresentam no nosso país, gostaríamos de conhecer com pormenor ■ as medidas que o Governo já tomou neste domínio e as que tem eventualmente em preparação, por forma a:
1) Assegurar a defesa da indústria nacional e
viabilizar novas actividades industriais no País, em estreita ligação com as organizações empresariais representativas;
2) Aumentar e diversificar as possibilidades de
exportação dos produtos nacionais utilizando regimes de compensações, dado haver grandes volumes de importação de certos bens (petróleo, cereais, bens de equipamento) a concretizar por empresas públicas.
Concretamente, que contributos/resultados foram ou podem ser obtidos nesse sentido pela Petrogal, EPAC e TAP, nomeadamente, ou através de empresas de trading?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do PS, Amadeu Pires.
5 — Saneamento económico e financeiro das empresas industriais
O Governo deu publicidade, há já bastante tempo, à tomada de posição quanto à necessidade de se apoiar o saneamento financeiro de empresas industriais.
Até ao momento, porém, desconhecem-se quaisquer desenvolvimento e concretizações das acções a empreender para a resolução dos problemas financeiros com que se debate um número significativo das nossas mais representativas empresas industriais.
Igualmente se previa no Programa do Governo a tomada de medidas visando o saneamento económico e financeiro de empresas públicas neste sector.
Nesta conformidade, entende-se solicitar ao Governo o esclarecimento das seguintes questões:
1) Que soluções foram adoptadas ou que medidas estão a ser implementadas para apoiar a
Página 4
2068-(4)
II SÉRIE — NÚMERO 78
resolução das graves situações em que se encontram várias dezenas de empresas com importância relevante no sector industrial, pondo em risco de desemprego milhares de trabalhadores e arrastando para a falência muitas pequenas e médias empresas? 2) Nas empresas industriais do sector empresarial do Estado quais as medidas tomadas, especificando caso a caso os resultados obtidos e ou as linhas de orientação seguidas para conseguir o seu saneamento económico e financeiro ou reestruturação?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do PS, Eurico Figueiredo.
Perguntas ao Governo apresentadas pelo PSD
1
No domínio de uma política de apoio à infância existem presentemente 2 sistemas abrangendo o mesmo par etário: a educação pré-escolar (ou pré-primária), dependente do Ministério da Educação, e a dos jar-díns-de-infância, dependente do Ministério do Trabalho e Segurança Social, muitos destes a cargo de instituições privadas de solidariedade social, legalmente reconhecidas como instituições de utilidade pública.
Em princípio, uns e outros são orientados por educadoras de infância, o que logo faz presumir que as crianças que frequentam uns ou outros estabelecimentos estão a receber uma mesma, ou, pelo menos, muito semelhante, orientação.
Os estabelecimentos de ambos os sistemas implicam despesas para o Estado e por vezes coexistem numa mesma freguesia, facto que inegavelmente provoca um redobrado dispêndio de dinheiro do Orçamento do Estado.
Acresce que as educadoras de infância, com os mesmos cursos, obtidos por vezes na mesma escola, não têm depois a mesma situação e garantias quando optam pela prestação de serviço em estabelecimentos oficiais ou em estabelecimentos das instituições privadas de solidariedade social, estas subsidiadas pelo Estado, sujeitas à sua tutela fiscalizadora e, como se disse, reconhecidas como de utilidade pública.
Nos termos e ao abrigo do artigo 205.° do Regimento da Assembleia da República, formulo ao Governo as seguintes perguntas:
1) Está algo planeado entre os Ministérios da
Educação e do Trabalho e Segurança Social que conduza a uma adequada e racional articulação entre esses 2 tipos de estabelecimentos, visando uma maior e mais rápida implantação da educação pré-escolar em simultaneidade com um efectivo apoio à infância e às famílias?
2) Ê intenção do Governo, no anunciado Esta-
tuto dos Educadores de Infância, manter diferenciação entre os que prestam serviço em estabelecimentos oficiais e os que o prestam em instituições privadas de solidariedade social?
3) Ê intenção do Governo estabelecer o princí-
pio da mobilidade dos educadores entre
esses 2 tipos de estabelecimentos, sem perda para eles de garantias e demais regalias?
Assembleia da República, 20 de Janeiro de 1984. — O Deputado do PSD, António Marques Mendes.
2
Considerando a posição geográfica de Portugal continental face, nomeadamente, à Europa;
Considerando as necessidades específicas de transporte aéreo das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira;
Considerando a dispersão das numerosas comunidades portuguesas em inúmeros países de vários continentes e a imperiosidade do estabelecimento de ligações aéreas indispensáveis à manutenção do vínculo com Portugal;
Considerando a necessidade do fomento do turismo através deste meio de transporte:
Pretendia saber qual a política aérea global definida pelo Governo, bem como a política nacional de transporte aéreo capaz de contemplar os pontos mencionados nos considerandos.
Assembleia da República, 19 de Janeiro de 1984.— O Deputado do PSD. Fernando Figueiredo.
3
Considerando que o Decreto-Lei n.° 661/74 fixou as compensações a atribuir às câmaras municipais pela transferência da posse dos matadouros-frigoríficos municipais para a Junta Nacional dos Produtos Pecuários;
Considerando que estas e outras competências em causa estão cometidas ao governo central por força daquele decreto:
Por que é que o Governo ainda não resolveu a questão das indemnizações a pagar às câmaras municipais da Região Autónoma dos Açores?
Por que espera o Governo, sabendo que, nalguns casos flagrantes, como é, por exemplo, o da Câmara Municipal de Ponta Delgada, a indemnização ascende aos 150 000 contos, o que, em face das dificuldades e até mesmo do desespero financeiro criado àquela e às restantes câmaras dos Açores pelo corte de verbas do Orçamento do Estado para 1984, o pagamento de tais indemnizações seria vital?
Assembleia da República, 19 de Janeiro de 1984. — O Deputado do PSD, Carvalho Silva.
4
O corte orçamental que reduziu para metade a verba destinada à cobertura dos custos da insularidade dos Açores criou um clima geral de grande descontentamento por parte da população dos Açores.
Tal facto cria dificuldades inultrapassáveis à região e ao Governo que tem a responsabilidade política de a conduzir.
Pensa o Governo vir a reparar esta situação?
Assembleia da República, 19 de Janeiro de 1984.— O Deputado do PSD, Canulho Silva.
Página 5
26 DE JANEIRO DE 1984
2068-(5)
Perguntas ao Governo apresentadas pelo PCP 1 — Estado das relações com a República Popular de Angola
O País vai tomando conhecimento, com crescente preocupação, de notícias e factos que atestam uma acentuada deterioração das relações do Governo Português com a República Popular de Angola.
A exclusão da PETROGAL da exploração petrolífera do denominado «Bloco 4» da plataforma continental daquele país como protesto contra as actividades hostis à República Popular de Angola que impunemente são desenvolvidas por grupos antiangolanos em território português constitui um exemplo significativo de como os interesses nacionais estão a ser lesados pela presente política governamental em relação a Angola.
As autoridades angolanas têm tornado públicas graves acusações ao Governo Português sobre a falta de medidas relativamente a elementos hostis fixados em Lisboa e portadores de documentos portugueses, mesmo quando alertados pela Embaixada de Angola, bem como por repetidas manifestações de falta de vontade de cooperar, designadamente no domínio das linhas de crédito e outras facilidades bancárias. Tanto quanto se conhece, estas acusações não têm tido qualquer desmentido cabal por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou de qualquer outro departamento governamental.
Nestes termos, pergunto ao Governo, por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros:
Qual o estado presente das relações entre Portugal e a República Popular de Angola?
Como explica o Governo que grupos hostis a Angola continuem a desenvolver com toda a impunidade as suas actividades em território nacional?
Quais as razões das omissões de que é acusado por parte do Governo de Luanda?
Que razões invoca o Governo para explicar as manifestações de falta de vontade de cooperar de que é acusado por parte do Governo de Angola?
Palácio de São Bento, 23 de faneiro de 1984.— O Deputado do PCP, Carlos Brito.
2
O desmantelamento da EPAC — Empresa Pública de Abastecimento de Cereais, da AGA e do IAPO irá conduzir à irracionalidade do abastecimento do País de produtos essenciais para alimentação da população, com maiores custos e insegurança no abastecimento, com prejuízo para os consumidores, agricultores e pequenos e médios industriais, com gravosas consequências para o aproveitamento da marinha mercante nacional.
Por outro lado, já em 1981, quando a Assembleia da República decidiu a realização de um inquérito aos actos do Governo e da Administração relacionados com o processo tendente à chamada «liberalização do comércio de cereais, ramas de açúcar e oleaginosas», havia todo um conjunto de aspectos obscuros e controversos que não chegaram a ser esclarecidos, num processo em
que os beneficiários eram apenas algumas grandes empresas das indústrias de moagem, de refinação de açúcar e oleaginosas, associadas a empresas multinacionais.
Nestes termos, pergunta-se:
1) Como se justifica que o Governo retome tal
processo obscuro, quando, inclusivamente, tinha decidido criar uma comissão interministerial encarregada de apresentar no prazo de 180 dias «o projecto de transição faseada das actividades económicas dos sectores sujeitos a comércio monopolista do Estado para uma estrutura de mercado [...]» e «[...] definição das condições estruturais mínimas de acesso à actividade por parte dos agentes económicos privados, cooperativos e públicos»?
2) Por outro lado, é ou não verdade que são
«assessores técnicos» do Ministério do Comércio e Turismo (de quem também depende actualmente a EPAC), o ex-Ministro Cardoso e Cunha, sobre quem pendia «um rigoroso inquérito», e um representante em Portugal da multinacional Dreyfus, S. A.?
3) Como justificam o ministério da tutela e o
Governo os recentes financiamentos do Banco Pinto & Sotto Mayor à Mello-Deutsch--Morgan, à taxa de juro de 28 %, sem qualquer taxa de imobilização, quando a generalidade das empresas, muito especialmente os pequenos e médios empresários, a pagam a 31,5 %? De que favores especiais goza a MDM em relação ao conselho de gestão do Banco Pinto & Sotto Mayor? E com que fundamento?
Palácio de São Bento, 23 de Janeiro de 1984.— A Deputada do PCP, lida Figueiredo.
3
A extinção da GELMAR por parte do Governo é mais um grave crime contra a economia do País, contra os direitos dos trabalhadores, e traduz o total desprezo pelas insistentes e fundamentadas propostas e reivindicações dos trabalhadores com vista à viabilização da empresa e à garantia dos postos de trabalho e dos salários.
Nos documentos tornados públicos, o Governo não fundamenta em termos económicos a sua decisão, limitando-se a tentar rebater em termos políticos as conclusões do próprio estudo que mandou executar, o qual o responsabiliza pela situação degradante a que chegou a GELMAR.
O Governo não pode desconhecer que a GELMAR exerce uma função reguladora da actividade nos sectores a que se encontra ligada, garante o abastecimento de produtos alimentares nas melhores condições de preço, qualidade e quantidade, contribui para a melhoria, correcção ou transformação dos hábitos alimentares e exerce uma acção moralizadora do mercado dé produtos congelados no tocante à evolução de preços e ao comportamento especulativo, além de que, com o aproveitamento da sua rede de frio,
Página 6
2068-(6)
II SÉRIE — NÚMERO 78
poderia incrementar as produções, armazenagem dos excedentes sazonais e a circulação regional dos produtos.
A verdade é que a extinção da GELMAR só vem beneficiar os credores da empresa e os grandes intermediários do comércio de pescado e de outros produtos alimentares congelados, com prejuízo dos consumidores e da economia do País.
Fala-se mesmo que a grande beneficiária desta obscura operação é a multinacional NESTLÊ.
Nestes termos, pergunta-se:
Quais os fundamentos e por que razão decidiu o Governo extinguir a GELMAR?
Palácio de São Bento, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do PCP, Carlos Espadinha.
4
Sobre os trabalhadores da função pública pesam graves ameaças, resultantes, por um lado, do conjunto de diplomas anunciados pelo Governo e que apontam para o despedimento sob múltiplas formas e, por outro, dos valores adiantados até agora para aumentos salariais, que traduziriam uma brutal redução do valor real das remunerações e, dessa forma, uma fortíssima diminuição do poder de compra. Acresce que os próprios direitos colectivos são também ameaçados, designadamente o direito à negociação colectiva, que na prática é negado se for publicado o diploma que o Governo anunciou.
O estatuto disciplinar recentemente publicado, merecendo geral repúdio, traduz, no fundo, da parte do Governo uma ofensa aos direitos e interesses dos trabalhadores da função pública, além de traduzir uma concepção antidemocrática e inconstitucional da Administração Pública e do papel que nela devem desempenhar os trabalhadores ao seu serviço.
Nestes termos, pergunta-se ao Sr. Ministro de Estado dos Assuntos Parlamentares:
A ofensiva que, desta forma, o Governo conduz contra os trabalhadores da função pública tem ligação com as imposições do FMI no que respeita à despesa com o sector público administrativo?
Como concilia o Governo a sua actuação, designadamente as ameaças de despedimento e de redução brutal dos salários reais, com os direitos garantidos constitucionalmente aos trabalhadores?
É isto que o Governo entende por reforma da Administração Pública?
Palácio de São Bento, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do PCP, Anselmo Aníbal.
5
A situação vivida a nível do Ministério da Educação tem vindo a degradar-se, verificando-se que a exigência de substituição da equipa gestora já ultrapassou as fronteiras dos partidos da oposição e dos sindicatos dos professores, afirmando-se como reivindicação de
organizações ligadas aos partidos do Governo, designadamente organizações profissionais do PSD e, mais recentemente, a Juventude Socialista.
Efectivamente, desde a entrada em funções do Ministro José Augusto Seabra e respectivos secretários de Estado, não só os problemas ficaram por resolver, como têm vindo a agudizar-se de maneira preocupante em todos os sectores e graus de ensino.
Assiste-se ao boicote da entrada em funcionamento de estabelecimentos de educação pré-escolar, à penalização da escolaridade obrigatória, à tentativa de destruição da gestão democrática, à degradação da situação profissional dos professores, quer no País quer no estrangeiro, junto das comunidades emigradas. Por outro lado, continua por aplicar a lei do ensino especial, está ameaçada a profissionalização em exercício e continuam por definir, com um mínimo de rigor, as saídas profissionais que os jovens têm vindo a reivindicar.
Acresce que notícias vindas a público e não desmentidas pelo Governo indicam a existência de gastos sumptuários e excessivos por parte do Ministério da Educação, em clara contradição com o programa de austeridade e contenção de despesas que o Governo afirma defender.
Nestes termos, pergunta-se:
Considera o Governo que a não resolução e o agravamento dos problemas acima referidos radica apenas nas dificuldades de coordenação e relacionamento dos diferentes responsáveis pela equipa do Ministério da Educação? A não ser assim, que outras razões estão na sua origem?
Palácio de São Bento, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do PCP, Jorge Lemos.
8
As demolições de casas em vários aglomerados populacionais existentes na ria Formosa, mandadas efectuar pelo governo PS/PSD e executadas pela Capitania do Porto de Faro, estão na origem das inúmeras manifestações de protesto que os moradores da ria e as populações da sua área envolvente têm realizado em torno de 3 grandes objectivos: protestar contra as acções de demolição, defender e preservar a ria e exigir do Governo que clarifique os objectivos da sua actuação.
Pode-se afirmar que, na sequência destes acontecimentos, a ria Formosa passou a merecer atenção especial por parte de toda a opinião pública, justificando-se o mais completo esclarecimento e clarificação da situação presente e da sua evolução.
A ria Formosa constitui um mundo complexo, onde estão em causa factores de equilíbrio ecológico e enormes potencialidades económicas, relacionadas fundamentalmente com a sua zona lacunar. Estima-se em muito mais de 1 milhão de contos anuais a riqueza produzida, sobretudo no que respeita a moluscos bivalves (cerca de 90 % da produção do País).
As demolições de casas mandadas executar pelo Governo poderiam assim ser justificadas como uma medida de protecção da ria? Tal argumento só poderá
Página 7
26 DE JANEIRO DE 1984
2068-(7)
ser credível para aqueles que não conhecem a situação real da vulgarmente conhecida «ria de Faro».
Situação onde estão envolvidos interesses que em nada se prendem com a ecologia ou com a protecção da riqueza da zona lacunar, como é o caso da especulação imobiliária e das tentativas de apropriação dos espaços para a exploração turística por parte de grandes empresas do ramo.
£ um facto que a ria está em acelerado processo de degradação e que, a não serem tomadas medidas eficazes, a curto prazo estarão comprometidas as suas inegáveis potencialidades. Mas será que as construções cm causa constituem o principal factor de agressão executada como medida prioritária?
Não serão bem mais graves:
A extracção indiscriminada de areais?
A descarga de esgotos urbanos e industriais?
Os pontões de protecção em Quarteira, construídos sem um estudo adequado aos movimentos das correntes e à deslocação das areias?
O assoreamento dos portos, das barras e dos fundos da ria?
Os rebentamentos de explosivos pela marinha de guerra na zona dos hangares, em pleno coração da ria?
A construção «legal», em zonas muito mais sensíveis que aquelas onde se situa a esmagadora maioria dos clandestinos, de prédios de 2, 3, 4 e mais andares de apartamentos para venda, não se cuidando minimamente de quaisquer tipos de infra-estruturas, nem sequer das graves consequências que tais edificações acarretam para o cordão dunar?
Por isso, nos termos constitucionais e regimentais, pergunta-se:
Como justificar a demolição de casas que estão muito longe de constituir um tão grande factor de agressão como os atrás citados?
Se existe realmente interesse por parte do Governo na protecção e recuperação da ria Formosa, não deveria este começar por parar com o processo de demolição em curso, em simultâneo com a interdição total de novas construções, iniciando de imediato um projecto de ordenamento que regulamente áreas e densidades de ocupação?
Não deveria ser criado um estatuto para a Comissão de Administração e Defesa da Reserva Natural da Ria Formosa, definindo competências, dotando-a de meios eficazes de intervenção e assegurando a participação da população na resolução dos problemas?
Não deveriam ser tomadas medidas imediatas que ponham fim a todos os factores de agressão já anteriormente referidos e que regulamentem a própria exploração dos recursos lacunares?
Não deveria ser estudado e implementado um plano de recuperação e protecção das dunas?
Palácio de São Bento, 23 de Janeiro de 1984.— A Deputada do PCP, Margarida Tengarrinha.
Perguntas ao Governo apresentadas pelo CDS 1 — Política de emprego
Sendo certo que o Governo considerou no seu Programa o emprego como questão fundamental e graves os níveis de desemprego então atingidos, tem já elementos seguros sobre as repercussões da política eco-nómico-financeira consagrada nas grandes opções do Plano e no Orçamento para 1984 sobre os níveis de emprego? Se tem, qual p número de desempregados e a percentagem em relação ao número de cidadãos activos que prevê para 1984?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do CDS, Nogueira de Brito.
2 — Politica de trabalho
1 — Decorridos cerca de 2 meses sobre a publicação do Decreto-Lei n.° 398/83, de 2 de Novembro, que estabelece o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho, pode o Governo desde já indicar o número de casos em que foi aplicado o referenciado instituto, vulgarmente conhecido por «Lay-off», por motivos imputáveis à empresa nele previstos? De qualquer modo, qual o número de casos que o Governo previu como susceptíveis de virem a ficar abrangidos no referido regime?
2 — Nesta mesma perspectiva, tenciona de algum modo o Governo submeter à Assembleia a revisão e a clarificação da lei da greve e, igualmente, do regime jurídico da cessação do contrato de trabalho? Para quando prevê o Governo a apresentação dessas propostas e qual o núcleo fundamental das alterações previstas a tais ordenamentos jurídicos?
3 — Um dos aspectos considerados relevantes pelo Programa do Governo e que já foi traduzido na prática também há quase 2 meses foi o regime jurídico da duração do trabalho na sua disciplina específica do trabalho extraordinário. Poderá o Governo fornecer desde já os elementos que possua sobre o número de postos de trabalho que na sequência da aplicação do respectivo regime foi possível criar?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, Nogueira de Brito.
3 — Beterraba sacarina
Estando plenamente demonstrada a viabilidade técnico-económica da expansão da cultura da beterraba sacarina e da sua industrialização no nosso país, e considerando-se indispensável a introdução dessa nova cultura para assegurar a reconversão dos sistemas culturais nalgumas regiões portuguesas, pergunta-se:
1) De acordo com o seu Programa, vai ou não o
Governo promover a cultura da beterraba sacarina? E em que zonas?
2) Qual a posição que o Governo Português vai
assumir, a respeito do problema do açúcar, na" defesa dos interesses dos agricultores e da economia nacional nas negociações com a CEE?
Página 8
2068-(8)
II SÉRIE — NÚMERO 78
3) Que quota nacional de açúcar de beterraba se
vai pedir à CEE?
4) Vai ou não incluir-se o açúcar na lista dos
produtos para os quais seria adoptada a integração na CEE por etapas?
5) Está o Governo na disposição de solicitar da
CEE o alargamento da quota de açúcar preferencial, de modo que as refinarias se possam abastecer em ramas para fabricarem o refinado suficiente para abastecimento do mercado interno, cobrindo a diferença entre o consumo e a possível produção nacional?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, Soares Cruz.
4— Peripneumonia exsudsnVa bovina
ê do conhecimento público o grave problema de natureza económica (e social) que constitui a peripneumonia exsudativa bovina, que voltou a assolar o País pela segunda vez, depois do seu primeiro ataque nos finais da década de 40 e nos princípios da de 50, e que, em regra, se caracteriza por uma grande mortandade dos efectivos.
Pergunta-se:
1) Quais as medidas já tomadas para limitar a
expansão da doença?
2) Quantos animais foram já abatidos e que in-
demnizações foram pagas?
3) Que medidas estão a ser preparadas e quando
vão entrar em acção, face aos aparentes fracos resultados conseguidos até agora? Que meios humanos e financeiros estão ou vão ser envolvidos nesse combate?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do CDS, Soares Cruz.
5 — Reforma Agrária
O Programa do Governo no que toca à zona de intervenção da Reforma Agrária apenas prevê, «para além da regularização da situação das terras distribuídas em posse útil sem prévia expropriação, dos casos pendentes e litigiosos de entregas de reservas e da análise das situações criadas pelo regime legal dos chamados 'indivíduos'», promover «a constituição de associações de agricultores, de acordo com o adequado ordenamento dos recursos e com o apoio do Estado, como contrapartida da distribuição das terras em posse útil já por este efectuada ou a efectuar».
Pergunta-se:
1) Dentro dos modestos propósitos do Programa,
o que foi já feito até agora neste domínio?
2) Pensa o Governo prosseguir com as expro-
priações, em cumprimento da Lei n.° 77/77?
3) Vai o Governo propor alterações à Lei de
Bases Gerais da Reforma Agrícola? Pretende manter, alargar ou eliminar a zona de intervenção da Reforma Agrária?
4) Que atitude, a curto e médio prazo, pensa tomar o Governo quanto às indemnizações a pagar pelas expropriações e nacionalizações de prédios rústicos feitas por força da Lei n.° 77/77?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984.— Q Deputado do CDS. Soares Cruz.
6 — Crédito agrícola
Nem no Programa do Governo nem no comunicado da reunião especial do Conselho de Ministros dedicada aos problemas agrícolas se apontara quaisquer medidas concretas para a instalação de uma política adequada de crédito ao sector da agricultura. Todavia, é unanimemente reconhecido que o actual sistema de crédito agrícola carece de profunda remodelação e que sem uma política de crédito coerente e eficaz a agricultura não sairá da situação desoladora em que se encontra.
Pergunta-se:
1) Vai ou não o Governo remodelar o sistema
de crédito agrícola existente para o tornar «assistido, desburocratizado e facultado em tempo útil»?
2) Que medidas vai tomar para «privilegiar o
investimento produtivo e as acções integradas em projectos de desenvolvimento»?
3) Aceita ou não o Governo as perspectivas de
crescimento da produção agrícola delineadas no Plano de Mudança da Agricultura, que, mesmo no caso de intensidade apenas moderada e de crescimento médio anual do PAB da ordem dos 2,5%, obrigarão a um investimento anual da ordem dos 20 a 30 milhões de contos?
4) Está ou não o Governo na disposição de
considerar a agricultura na primeira linha das prioridades e a conceder-lhe a adequada política de crédito?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do CDS, Soares Cruz.
7 — Florestação
Pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 31/83, publicada no Diário da República, l.a série, n.° 110, de !3 de Maio de 1983, foi criada a Comissão Coordenadora Interministerial para o Subsector Florestal (CIF), com o objectivo de formular e coordenar uma política florestal integrada, tal como se propunha no relatório final de um estudo efectuado no âmbito do Programa de Assistência Técnica do Projecto Florestal Português.
Pergunta-se:
1) Que propostas já avançou a CIF quanto à
formulação de uma política nacional de desenvolvimento integrado no subsector florestal?
2) Que medidas de carácter técnico e legislativo
indispensáveis à implementação daquela política estão em preparação ou já concluídas?
Página 9
26 DE JANEIRO DE 1984
2068-(9)
3) Qual o estado de adiantamento dos projectos
sobre a legislação do arrendamento florestal e sobre o ordenamento da floresta portuguesa iniciado em Abril de 1982?
4) Quando pensa o Governo apresentar a regu-
lamentação do Decreto-Lei n.° 32/83, de 22 de Janeiro, que permitiu a criação de empresas privadas de arborização e cujos trabalhos se iniciaram em Abril do ano corrente?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do CDS, Soares Cruz.
8 — Orgânica do MAFA
O Decreto-Lei n.° 293/82 estabeleceu a orgânica do ex-Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, o qual foi, com a posse do IX Governo Constitucional, transformado em Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação.
A nova orgânica do Ministério (estranhamente privado do sector das pescas precisamente quando adopta a designação de Ministério da Alimentação) levou a que alguns organismos do ministério antecessor passassem para a tutela de outros ministérios.
Entretanto, várias direcções-gerais que permaneceram no MAFA continuam sem leis orgânicas, o que, evidentemente, provoca profundas perturbações.
Pergunta-se:
1) Quando pensa o Governo publicar os decretos
regulamentares que definam a estrutura, competências e aspectos respeitantes ao pessoal desses organismos, nomeadamente a Direcção-Geral das Florestas, a Direcção--Geral da Agricultura, o Instituto Nacional de Investigação Agrária e de Extensão Rural e as direcções regionais de agricultura?
2) Quando estarão concluídos os trabalhos ini-
ciados há mais de 2 anos quanto à reestruturação dos organismos de coordenação económica?
3) Que medidas estão a ser tomadas para pro-
mover a passagem para os sectores privado e cooperativo dos meios e mecanismos de intervenção hoje no sector público?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, Soares Cruz.
9— Contrabando d» gado
Pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 200/ 82, de 30 de Setembro, publicado no Diário da República, 1." série, n.° 257, de 6 de Novembro de 1982, o Governo criou uma comissão, composta por representantes do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, do Ministério das Finanças e do Plano e do Ministério da Administração Interna, encarregada de coordenar as acções de combate ao contrabando de gado.
Pergunta-se:
0 Que acções atinentes a um patrulhamento extraordinário nas áreas de possível contra-
bando foram desde então desencadeadas e quais os seus resultados?
2) Que actividades extraordinárias de inspecção
foram levadas a cabo e a que resultados conduziram?
3) Quantos e quais os processos de inquérito dis-
ciplinares que foram iniciados ou concluídos? Quais as suas conclusões?
4) Que medidas legislativas ou administrativas
foram tomadas decorrentes da actividade da comissão?
Solicitam-se cópias dos vários relatórios emitidos pela comissão.
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do CDS. Soares Cruz.
10 — Política de educação
O Governo inscreveu no seu Programa a formulação de uma proposta de lei de bases gerais do sistema de ensino.
O Sr. Ministro da Educação tem vindo a tomar algumas medidas pontuais, sem que até ao momento se conheça a lógica global da sua política, que certamente não deixaria de ser evidenciada na elaboração do referido diploma.
Pensa o Sr. Ministro da Educação proceder à feitura de uma proposta de lei de bases gerais do sistema educativo, a submeter a debate público para auscultação das posições de todos os interessados, e, em caso afirmativo, quais os grandes princípios que a informarão?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, forge Goes.
11 — Serviço militar
A proposta de lei do Governo sobre serviço militar prevê a extensão da obrigatoriedade da prestação de serviço militar aos cidadãos do sexo feminino, instituindo, todavia, um regime transitório que adia a concretização de tal medida.
Em que ano prevê o Sr. Ministro da Defesa ser viável concretizar a inovadora medida proposta pela verificação das circunstâncias para o efeito necessárias?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, forge Goes.
12 — Desemprego Juvenil
Os partidos apoiantes do Governo e, posteriormente, o próprio Governo inscreveram nos seus programas eleitorais e no Programa do Governo medidas de combate ao desemprego juvenil através de planos de ocupação de jovens.
Mais de 6 meses passados após a posse do Governo, quais as medidas implementadas pelo Ministério do Trabalho e quais as propostas para aplicação a curto prazo, na perspectiva de resolução daquele
Página 10
2068-(l0)
II SÉRIE — NÚMERO 78
que é, porventura, o problema mais grave que afecta as novas gerações portuguesas — o desemprego juvenil?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, forge Goes.
medidas casuísticas, como a que tem v.rtdo a ser referida para a renovação da concessão da zona de jogo do Estoril?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, José Gama.
13 — Crédito à aqurstcão de habitação própria
O Governo publicou recentemente diplomas sobre o novo regime de crédito à aquisição de habitação própria, que foram objecto de uma ampla campanha de propaganda por parte da imprensa estatizada.
Qual a estimativa de processos a financiar em 1984, em comparação com os números relativos aos 3 últimos anos?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, Jorge Goes.
18
Pergunta-se se, sendo público que o Sr. Secretário de Estado do Trabalho é objecto de um processo judicial de corrupção, apesar de suspenso, continuou a desempenhar efectivamente as suas funções e se o Primeiro-Ministro mantém a apreciação pública feita recentemente sobre aquele membro do Governo ou se tenc'ona demiti-lo.
Assembleia da República, 23 de Janeiro ée 1984. — O Deputado do CDS, José Gama.
14 — Acesso à universidade
Todos os sectores da opinião pública são unânimes em condenar o actual sistema de acesso ao ensino superior pelas injustiças, distorções e vícios de que enferma.
Pensa o Sr. Ministro manter o aludido sistema e, em caso de resposta negativa, qual a filosofia subjacente ao novo sistema proposto?
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado do CDS, Jorge Goes.
15
Pergunta-se se a situação funcional do Ministro da Cultura se mantém, designadamente no que respeita à sua remuneração, e se esta continua a ser paga em divisas ou em escudos.
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. —: Q Deputado do CDS, Rodrigues Queiró.
16
Pergunta-se se, face ao caos administrativo-finan-ceiro e à evidente incapacidade de manter na RTP o mínimo rigor informativo e respeito pelo pluralismo político, o Governo tenciona alterar o estatuto daquela empresa pública, substituir o respectivo conselho de administração ou eliminar as sucessivas interferências dos membros do Executivo naquela empresa.
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 1984. — O Deputado do CDS, Abel Gomes de Almeida.
17 —Concessão do direito à exploração de zonas de jogo
Tenciona o Governo adoptar medidas de carácter geral sobre a concessão do direito à exploração de
lonas dt yrço ou, pela contrário, prevê a adopção de
19
Pergunta-se se e em que circunstâncias é que o Governo consultou a oposição, ao abrigo do Estatuto da Oposição, e, não o tendo feito, se tem intenção de propor a sua revogação.
Assembleia da República, 23 de [aneiro de 1984.— O Deputado do CDS, Gomes de Pinho.
Perguntas ao Governo apresentadas pelo MDP/CDE
1 — Ao Ministério da EtEucsção
1 — A que objectivos da política obedece a prática legislativa de um ministério que até agora se tem proposto fazer alterações profundas do sistema educativo através de despachos normativos?
2 — Como compatibiliza o Ministério da Educação a racionalização de acções que pretende efectuar no seu Ministério com a ausência de qualquer investimento na área da investigação pedagógica particularmente?
3 — Por que foi adiada a correcção feita pelo anterior Ministro da Educação, Prof. Fraústo da Silva, à forma permissível como se seleccionam por notas, no liceu, os alunos que deverão entrar na Universidade?
4 — Por que deixou o Ministério da Educação de pagar subsídios ao ensino especial particular e cooperativo, tenciona assumir para si próprio tal responsabilidade educativa?
5 — No contexto não definido das coordenadas educativas, como insere a orientação escolar e profissional que deseja implementar, pelo menos através de uma comissão criada para o efeito?
6 — A que objectivos políticos obedece a prioridade dada à profissionalização de meia centena de jovens com 9 anos de escolaridade, em detrimento da efectivação da escolaridade obrigatória de 6 anos e da extinção do analfabestismo?
7 — Quais foram os critérios de escolha das áreas de profissionalização implementadas pelas recentes
Página 11
26 DE JANEIRO DE 1984
2068-(11)
acções do Ministério da Educação através do respectivo despacho normativo?
8 — Em que medida as orientações apontadas no Piano de Desenvolvimento Tecnológico pesam nas decisões sobre novos cursos no ensino superior (ou na sua reformulação), bem como nos critérios de prioridade na atribuição de verbas para investigação, desenvolvimento e documentação no âmbito do ensino superior?
2 — Ao Ministério das Finanças e do Piano
1 — Se a inflação for superior ao previsto para 1984 (tiver desde o início uma evolução que, inequivocamente, aponte para valores nitidamente superiores), todos os valores reais que, no Orçamento do Estado e nas grandes opções do Plano se apresentaram como previsão para alguns indicadores, serão ultrapassados, bem como o valor do défice orçamental em termos normais. Encara o Governo a hipótese de, em tal caso, proceder à revisão do Orçamento ou à apresentação de novo orçamento suplementar?
2 — ê sabido que práticas como as de subfacturação nas exportações e sobrefacturações nas importações têm drenado para o exterior meios financeiros de que tanto estamos carecidos. É de prever que a política de fomento de exportações que se pretende seguir vá favorecer o aumento e valor da subfacturação, até porque a polí-lica económica enunciada pelo Governo não é de molde a tomar atractivo o investimento de nacionais em Portugal (aliás, prevê-se que o investimento privado decaia em 3,5 %).
Nestas condições, pergunta-se:
Que medidas concretas já tomou e tem o Governo preparadas para impedir ou dificultar a fuga de capitais para o estrangeiro?
3 — Na carta dirigida ao FMI «o Governo propõe-se manter os aumentos de salários nas empresas públicas abaixo da taxa de inflação», acrescentando que «a política salarial para o sector público [...] servirá de exemplo para as negociações salariais do sector privado».
Por outro lado, afirma-se que «serão criados mecanismos de apoio apropriados para atenuar o impacte destas medidas nos rendimentos dos trabalhadores atingidos».
Pergunta-se:
Quais destes mecanismos já foram criados, quais os que estão em vias de criação e quais os que serão criados no decurso do ano corrente?
3 —Ao Ministério do Comércio e Turismo
I — O aumento das exportações é uma preocupação patenteada pelo Governo, um objectivo consignado nas grandes opções do Plano e um compromisso assumido na carta de intenções dirigida ao FMI, onde, a par de se dizer que «as actuais bonificações de juros à exportação serão eliminados com efeitos a partir do fim de 1983», ainda se refere que «o Governo tamoém tenciona empreender antes do fim do ano uma revisão completa dos esquemas de incentivos [...]».
Nesta conformidade, pergunta-se:
a) Quais os resultados desta revisão, qual o
esquema de incentivos em vigor neste momento e que alterações se lhe projecta introduzir no decurso do ano corrente?
b) Que diligências já foram encetadas no sentido
da celebração de acordos de compensação, particularmente com países árabes produtores de petróleo e países africanos de expressão oficial portuguesa?
c) Quais os mercados que se consideram priori-
tários ao nível do fomento das nossas exportações e qual a política que se está a seguir e se seguirá em 1984 na negociação de linhas de crédito à exportação?
2 — De acordo com os valores recentemente divulgados pela comunicação social, o saldo da balança comercial com os Estados Unidos da América tem sofrido ultimamente uma evolução extremamente desfavorável, contrária à tendência registada relativamente às nossas relações comerciais com a generalidade dos países do Mundo.
Pergunta-se:
a) Considera o Governo irrelevante (ou quiçá
salutar) o agravamento do desequilíbrio do nosso comércio extemo com os Estados Unidos?
b) Considera preocupante esta evolução, que me-
didas já tomou o Governo ou projecta adoptar a curto prazo no sentido de a inverter ou, no mínimo, de a travar?
4 — Ao Ministro do Estado
O Governo assinou um acordo com a Agência Notícias de Portugal por um período de 3 anos, no qual aquela Agência se obriga a cumprir com uma série de obrigações.
Contudo, poucos meses depois de assinado esse acordo, o director-geral da Comunicação Social prolongou o período de duração de 3 para 8 anos.
Perante esta mudança de atitude, pergunta-se:
Que motivos levaram a essa alteração e quais as obrigações contratuais que a Agência Notícias de Portugal não cumpriu?
5 — Ao Ministério da Indústria e Energia
Têm vindo a lume na comunicação social notícias que se referem ao processo de decisão sobre alguns chamados «Grandes projectos» como o das pirites e o da barragem do Alqueva.
Pergunta-se:
Que decisões tomou já o Governo relativamente a estes grandes projectos?
Que estudos de viabilidade se realizaram sobre estes casos e quais as suas principais conclusões?
Que outros grandes projectos se estão a estudar, em que fase se encontram tais estudos e quando
Página 12
2068-(12)
II SÉRIE — NÚMERO 78
se prevê que se possa dispor das correspondentes conclusões?
Palácio de São Bento, 23 de Janeiro de 1984.— Os Deputados do Grupo Parlamentar do Movimento Democrático Português (MDP/CDE): Helena Cidade Moura — António Taborda — João Corregedor da
Fonseca.
Perguntas ao Governo apresentadas pela UEDS
Considerando não terem ainda sido discutidas na Assembleia da República as grandes opções do conceito estratégico da Defesa Nacional;
Considerando não ter sido apresentada à Assembleia da República a legislação sobre programação militar, como ordena a Lei de Defesa Nacional;
Considerando que S. Ex.B o Sr. Ministro da Defesa Nacional não esteve presente na discussão na especialidade do Orçamento do Estado na Assembleia da República, pergunta-se:
Que compromissos tomou o Sr. Ministro da Defesa Nacional, na sua recente deslocação aos EUA e no quadro do acordo sobre a utilização da Base das Lajes, nos Açores, que envolvam equipamento e armamento ou outro material a aplicar às Forças Armadas e na política de Defesa Nacional? Como pensa o Sr. Ministro da Defesa Nacional inscrever no Orçamento do Estado para 1984 a verba de 12 milhões de contos a satisfazer pelos EUA no quadro do acordo atrás referido? Como compatibiliza o Sr. Ministro da Defesa Nacional os compromissos assumidos nos EUA, segundo as notícias vindas na imprensa, com a inexistência de opções sobre o conceito estratégico de Defesa Nacional e na ausência de legislação de programação militar?
Palácio de São Bento, 23 de Janeiro de 1984.— O Deputado da UEDS, César Oliveira.
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
Parecer (homologado pelo Presidente da Assembleia da Repúbttca)
Sr. Presidente da Assembleia da República: Excelência:
I —O Sr. Deputado Reinaldo Gomes, Secretário da Assembleia da República, dirigiu-se a V. Ex.a expondo o seguinte:
[...]
Em Janeiro do corrente ano (1983), aquando da discussão nesta Assembleia do projecto de lei sobre Vizela e após a sua votação, verificou-se, dentro e fora do Palácio, toda uma série de incidentes e distúrbios provocados, pensa-se, por alguns dos Vizelenses que se encontravam presentes.
Como consequência da situação criada, o signatário, quando saía do Palácio no seu veículo automóvel, ao chegar junto da Calçada da Estrela
foi interceptado e agredido por alguns dos díscolos presentes naquele local, os quais, não contentes com a «proeza», utilizando objectos contundentes e a pontapé acabaram por danificar o próprio veículo.
Estes acontecimentos foram públicos e notórios, tendo alguns órgãos da comunicação social feito referência aos mesmos, e ficaram a dever-se, em parte, à total ausência das forças de segurança no aludido local, sendo certo que se encontravam junto da escadaria principal e na Rua de São Bento.
A reparação efectuada no mencionado veí-cu'o automóvel importou na quantia de 59 650$, conforme factura e recibo que se juntam.
Tendo em consideração as circunstâncias acima referidas, e de os prejuízos materiais causados terem-no sido quando o signatário se encontrava ao serviço da Assembleia da República, no pleno exercício do seu mandato de deputado, permitem-me solicitar a V. Ex." se digne mandar tomar as providências julgadas necessárias para que este e outros casos semelhantes possam ser reparados com verbas da própria Assembleia da República.
[.]
Convidado a pronunciar-se, o Conselho Administrativo solicitou que fosse «ouvida a Procuradoria-Ge-ral da República sobre a legalidade da pretensão que se lhe afigura justa», o que foi aceite por V. Ex.a
Cumpre, por isso, emitir parecer, com a urgência que lhe foi imprimida.
2 — Não compete a este corpo consultivo, ectaruta-riamente, averiguar da exactidão dos factos expostos; a análise subsequente vai desenvolver-se partindo do princípio de que os danos sofridos pelo Sr. Deputado ocorreram tal como foram por ele descritos.
Aceita-se, assim, o relacionamento dos danos com as funções desempenhadas como membro e secretário da Mesa da Assembleia da República, afirmando-se um nexo de causa e efeito: os danos verificaram-se por causa do exercício dessas funções e no decorrer de uma alteração da ordem pública.
Consequentemente, a questão colocada à ponderação deste conselho consultivo resume-se em se saber se o Estado é responsável pelos danos materiais sofridos por um seu servidor no exercício, ou por causa das suas funções, no decorrer de uma alteração da ordem pública.
3 — Afaste-se, preliminarmente, a possibilidade de a resolver através do regime vigente para os acidentes de serviço.
Com efeito, do Decreto-Lei n.° 38 523, de 23 de Novembro de 1951, e da Lei n.° 2127, de 3 de Agosto de 1965, resulta que o Estado em caso de acidente de serviço sofrido pelos seus funcionários (') se obriga a acudir às consequências das lesões corporais sofridas por aqueles, proporcionando tratamento adequado, medicamentos e quaisquer meios ou agentes terapêuticos imprescindíveis ao mesmo tratamento e transportes, bem assim promovendo a recuperação funcional e, em caso de morte, pensões aos familiares dos mesmos.
Nada se prevê ali quanto ao ressarcimento de danos materiais; aquele regime constitui apenas uma providência de assistência na doença, não podendo, por
Página 13
26 DE JANEIRO DE 1984
2068-(13)
isso, ser alargado ao acidente sofrido pelo Sr. Deputado Reinaldo Gomes, nem mesmo por analogia. Escreveu-se no parecer n.° 122/82 (2):
[...] medindo-se a analogia das situações em função das razões justificáveis da solução fixada na lei, e não por obediência à mera semelhança formal de situações (3), deve atentar-se que as medidas fixadas quer na Lei n.° 2127 quer no Decreto-Lei n.° 38 527 visaram exclusivamente a protecção na doença e a recuperação do trabalhador para a vida activa, razões obviamente bem distintas das que poderiam fundamentar o ressarcimento de danos materiais.
4 — Há que orientar a pesquisa no campo da responsabilidade civil do Estado, mais concretamente no da sua responsabilidade extracontratual. .
Não se compadece com a economia de um parecer urgente, traçar, esquematicamente que seja, o evoluir desta problemática —desde a irresponsabilidade no ancien regime, fundada no princípio da soberania absoluta do Estado até à franca e formal admissão em textos legais dessa responsabilidade (4) —, mas referir apenas que, hoje em dia, o Código Civil e o Decreto--Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967, consagram a responsabilidade civil extracontratual do Estado, no exercício de actividade de gestão privada, o primeiro, e no exercício de actividade de gestão pública, o segundo.
A responsabilidade que poderá ser pedida ao Estado, no caso concreto, radicará sempre em acto de gestão pública, quer se vá colocar a tónica no comportamento das autoridades policiais que estavam encarregadas de manter a ordem pública, quer se busque o seu fundamento no próprio exercício da actividade do servidor 'do Estado. Efectivamente, a gestão privada surge quando o Estado ou a pessoa colectiva pública intervêm como simples particular, despidos do seu poder público, procedendo como qualquer outra. pessoa no uso das faculdades conferidas pelo direito privado, ou seja, pelo direito civil ou comercial (s), o que não é manifestamente o caso.
O fundamento jurídico para a responsabilidade do Estado, a existir, ter-se-á de encontrar no Decreto-Lei n.° 48 051 (6).
5 — O artigo 272.° da Constituição da República dispõe no seu n.° 1:
A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
Chamado, por duas vezes, a pronunciar-se sobre a responsabilidade do Estado pelos prejuízos sofridos por particulares em consequência da falta de intervenção da força pública, este Conselho Consultivo respondeu afirmativamente, desde que demonstrada a culpa de um seu órgão ou agente Q.
O parecer n.° 66/75, analisando o disposto nos artigos 2.° e 6.° do Decreto-Lei n.° 48 051 (8), constatava que, ao contrário do Código Civil, o diploma regulador da responsabilidade civil do Estado por actos de gestão pública nada diz quanto à relevância das omissões, mas sendo a omissão um comportamento ilícito quando, nos termos da lei, há o dever de agir e sendo
as acções e omissões igualmente idóneas para causar prejuízos, importava negar relevância à distinção entre umas e outras (*).
Mas, acrescentava o parecer, para que a omissão de órgão ou agente administrativo constitua o Estado no dever de indemnizar os prejuízos dela resultantes para terceiros é necessário não só que a conduta omitida seja imposta por lei ou acto jurídico, mas ainda que tenha havido culpa desse órgão ou agente.
O artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 48 051 não considera como fundamento da obrigação de indemnizar a chamada «falta de serviço», antes exige que os actos ilícitos sejam «culposamente praticados».
Donde a responsabilidade do Estado só poderia afirmar-se se a falta de intervenção das forças públicas pudesse imputar-se a essas mesmas forças, porque colectivamente se recusaram a intervir, ou aos respectivos comandos, que lhes não deram ordens nesse sentido.
E, se se verificasse que as forças policiais não se encontravam em condições de manter a ordem pública, haveria ainda que exigir-se a prova de que tal facto se devia à culpa dos respectivos responsáveis.
Adaptando a doutrina do parecer ao caso concreto, e considerando a matéria de facto disponível, pode seguramente afastar-se a responsabilidade do Estado por manifesta falta de culpa das forças policiais. Verifica-se que houve empenho daquelas forças na manutenção da ordem pública; o que, quando muito, se poderia concluir é que elas não estiveram em condições de evitar esses danos por mau funcionamento dos seus serviços, por falta de meios materiais e humanos ou por outras razões que a escassez dos factos oculta, mas jamais por culpa sua (10).
6 — Excluída a responsabilidade por culpa dos órgãos ou agentes do Estado, há que ensaiar a aplicação à hipótese das regras de responsabilidade objectiva por actos lícitos ou risco, de que se ocupam os artigos 8.° e 9.° do Decreto-Lei n.° 48 051.
Dispõe este diploma:
Art. 8.° — O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades ou culpa das vítimas ou de terceiro, sendo nesse caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um.
Art. 9.° — 1 — O Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.
2—..............................................,.....
A hipótese concreta afasta-se da previsão do artigo 9.°, que responsabiliza a Administração pelos danos causados por actos lícitos; importa, por isso, centrar a atenção no referido artigo 8.°
Note-se que o Estado não concede, no capítulo dos prejuízos materiais, qualquer tratamento de favor
Página 14
2068-(14)
II SÉRIE — NÚMERO 78
aos seus servidores, colocando-os em pé de igualdade com os restantes cidadãos (").
Eis por que, para que um dano sofrido pelo funcionário seja indemnizável, é necessário reunir um conjunto de pressupostos, uns positivos, outros negativos, a saber:
a) Prejuízos especiais e anormais;
b) Derivados, em termos de causa e efeito, do
funcionamento de serviços excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza;
c) Salvo caso de força maior estranha ao funcio-
namento desses serviços ou ao exercício dessas actividades ou culpa das vítimas ou de terceiro.
Se apenas os prejuízos especiais e anormais são indemnizáveis, haverá que concluir que determinados danos, subsumíveis num «risco» de Administração, não podem justificar ressarcimento por não estarem ligados a típicas situaçães de perigo; só aqueles que apresentam gravidade e especialidade suficientes para serem considerados encargos ou sacrifícios não enquadráveis no dever de sociedade do cidadão serão indemnizáveis (l2).
Por especiais consideram-se aqueles, prejuízos que afectam determinadas pessoas e não a generalidade dos cidadãos, acarretando para aquelas a imposição de um sacrifício desigual; por isso, o Estado deve suportar o seu ressarcimento em nome do princípio da igualdade perante os encargos públicos e de exigências de equidade aliadas à própria noção de justiça retributiva.
O prejuízo deve ainda ser anormal, na medida em que deve ser um prejuízo suficientemente grave, em função da sua natureza, extensão e actividade.
Em resumo, procura-se «ressarcir os danos que, sendo graves, incidiram desigualmente sobre certos cidadãos» (°).
E, ainda como elemento positivo, é necessário que tais prejuízos especiais e anormais derivem do funcionamento de serviços ou de coisas e actividades da Administração excepcionalmente perigosos.
Não é fácil nem conveniente pedir ao legislador ou ao intérprete uma ideia unitária do que pode ser considerado, neste campo, «excepcionalmente perigoso». A qualificação de coisa perigosa deve ser fixada casuisticamente, pois só assim se obtêm soluções materialmente justas.
O legislador português do Decreto-Lei n.u 48 051, acolhendo o ensinamento do «Conseil d'État», não fixou aprioristicamente o conceito de coisas perigosas, mas permitiu que, num juízo posterior à causação do dano, se proceda a essa ponderação (14).
Competirá, aqui, ao aplicador do direito «dar vida às palavras inertes da lei, enriquecendo-a com uma aplicação sensata e justa» (ls).
Mesmo que reunidos os elementos positivos, a responsabilidade do Estado ainda pode ser ilidida se se provar que os danos devem ser imputados a caso de força maior ou a culpa das vítimas ou de terceiro.
Destes elementos, o único que pode interessar à economia do parecer será «a culpa de terceiro».
7 — Dada a matéria fáctica reunida, admite-se pacificamente que os danos sofridos pelo requerente foram provocados pelos manifestantes.
Pareceria, sem mais, que estava arredada a responsabilidade do Estado, seja pela intervenção de um elemento excludente, seja por que os prejuízos não estariam relacionados com a actividade desenvolvida pela Administração. Será assim?
7.1—Diga-se, de passagem, que é ao Estado que incumbe a prova da «culpa de terceiro», pois, como se sabe, entre nós está consagrada uma repartição do ónus da prova, que pode ser assim condensada: ao lesado cabe fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito; ao demandado compete provar os factos extintivos ou impeditivos do direito do lesado.
O que não deixará de ser extremamente relevante quando estão reunidos os elementos positivos que impõem a indemnização.
Se o Estado não conseguir fazer a prova de que os danos foram devidos a culpa de um terceiro, imputa--se-!he a responsabilidade com base no risco social. Escreve J. J. Gomes Canotilho (l6) que: «No conceito de riscc social se englobam, na verdade, as hipóteses de causação de danos durante os tumultos, manifestações ou movimentos insurreccionáis. Considerada inicialmente uma responsabilidade por culta em que estavam patentes funções repressivas caracterizadamente penais, na medida em que lançava o dever de indemnização sobre todos os habitantes da cidade ou aldeia, presu-mlndo-se uma responsabilidade colectiva, reconheceu-se depois (") que isso constituía uma medida de intimidação anacrónica porque, além do mais, se poderia descortinar sempre uma culpa da organização estadual pela ausência ou deficiência da actuação dos agentes de segurança. Por isso é que a jurisprudência francesa acabou por justificar a reparação dos danos resultantes das medidas de repressão com base no 'risco social', possivelmente pela dificuldade do demadante em provar que os sofrimentos graves por ele suportados durante a manifestação ou tumulto foram provocados pelas armas policiais e não por um outro participante [...]».
A ressarcibilidade de tais prejuízos, desde que não haja causa exoneratória, continuará a caber ao Estado, nos termos do Decreto-Lei n.° 48 051. A repressão dos tumultos ou manifestações é objectivamente uma actividade revestida de perigo excepcional, «pelo que se imporá uma obrigação de indemnizar quando um cidadão seja anormalmente sacrificado por um acto repressivo policial. O risco 'social' não é senão um subtipo de responsabilidade estadual por actividades excepcio nalmente perigosas».
Daqui decorre a necessidade de introduzir uma profunda distinção nos danos causados durante os tumultos, manifestações ou movimentos insurreccionáis: ou eles são provocados pela actividade das forças repressivas ou pelos próprios manifestantes (,8).
Quanto aos primeiros, não há dúvida de que eles devem ser ressarcidos pelo Estado, pois decorrem do exercício de uma actividade revestida de perigo excepcional, mas os segundos não podem ser imputados directa ou indirectamente ao Estado, ressalvados, como já se viu, os casos limite de culpa das suas forças policiais; são danos provocados por terceiros, e só a eles, em princípio, devem ser pedidas responsabilidades.
7.2 — A solução encontrada não deixará de ser, por vezes, chocante. Imputar responsabilidades por danos aos participantes numa manifestação, tumulto ou movimento insurreccionáis será, na generalidade, salvo o caso por exemplo de manifestações devidamente
Página 15
26 DE JANEIRO DE 1984
2068-(15)
organizadas e autorizadas, meramente platónico.
É aqui que a ideia da igualdade de todos os cidadãos perante os encargos públicos, caldeada com os principios da socíalidade e solidariedade, pode exigir que se chame o Estado, quando as soluções são profundamente iníquas, a agir como assegurador colectivo, à semelhança do que lhe é pedido no caso das calamidades nacionais.
Já no nosso país, os danos resultantes de movimentos insurreccionáis de Janeiro de 1917 até Fevereiro de 1919 foram, pela Lei n.° 968, de 10 de Maio de 1919, considerados indemnizáveis, ficando a responsabilidade a cargo do Estado, quando não fosse possível identificar o autor ou autores dos danos, ou quando estes, embora conhecidos, não tivessem bens para responder pelo pagamento de indemnizações.
Só com a intervenção legislativa se consegue superar situações pontuais que se revelam injustas em termos de solidariedade social.
Aliás, a ideia de transferir sistematicamente para o Estado a indemnização pelos danos resultantes de tumultos, insurreições ou manifestações, quando ela não possa ser exigida aos particulares, surge, à partida, como justa; mas as soluções mais justas não podem, por vezes, ser efectivadas na prática, obstando-lhes, por exemplo, o encargo financeiro excessivo que importam (").
8 — O desenvolvimento feito até agora conduziu à afirmação da irresponsabilidade do Estado por danos causados pelos participantes em tumultos ou manifestações, sem prejuízo de intervenções legislativas pontuais que minimizem situações chocantes.
Esta tese necessita, no entanto, de ser confrontada com determinados casos especiais de servidores do Estado que desempenham funções onde o perigo se radica precisamente no contacto com o público, com terceiros.
A perigosidade da função pode derivar de inúmeros factores, encontrar-se ínsita no seu próprio exercício, como, v. g., o funcionário que trabalhe com um aparelho radioactivo delicado, ou potenciar-se quando o servidor do Estado entra em contacto com elementos da população. No relacionamento com os outros ele expõe-se ao perigo, maximilizado por vezes em situações de crise.
Se, na sequência do exercício desse tipo de funções, ou por causa delas, o servidor do Estado vem a sofrer danos causados pelo público, não fará sentido falar, como causa exoneratória de responsabilidade do Estado, na actividade de terceiros.
Pensa-se antes que a situação se ajusta à ideia de «risco criado», coexistindo, a par de ateividade desenvolvida no âmbito do interesse geral, um condicionalismo de risco a que se encontram sujeitos terceiros, onde a exposição ao perigo é acentuada e potencialmente danosa.
No dizer de Gomes Canotilho, «para estas actividades ou serviços a exposição ao perigo afigurou-se ao nosso legislador como a ratio informadora comum de transferências dos danos para o sujeito que expôs terceiro a uma situação típica de perigo, à qual está normalmente inerente uma alta probabilidade de causação de danos» í30).
A actividade desenvolvida por um deputado não o espoe, em regra, a uma situação típica de perigo; não deve, assim, ser considerada como uma actividade peri-
gosa, e muito menos excepcionalmente perigosa, mesmo quando contacta com multidões.
Mas a situação do deputado pode sofrer uma radical modificação em situações de crise que tenham como alvo a Assembleia da República.
Neste condicionalismo, o deputado que assuma uma posição, no contexto da crise, que o projecte face a uma opinião pública hostil ou que, por inerência de funções, ou por qualquer outro motivo, suporte uma identificação fácil, passa a expôr-se a um perigo acentuado e potencialmente danoso.
E, se efectivamente o deputado vem a sofrer um dano provocado pela multidão que, identificando-o como membro da Assembleia da República, contra ele descarregou a sua hostilidade, afirma-se a existência, por momentânea que seja, de um serviço excepcionalmente perigoso e de um dano especial e anormal relacionado em termos de casualidade com aquele, subsu-raíveis ao disposto no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48 051.
9 — Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
l.a Um deputado, Secretário da Mesa da Assembleia da República, exerce uma função que, em determinadas situações de hostilidade para com aquele órgão de soberania, pode ser considerada excepcionalmente perigosa para os efeitos do disposto no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48 05!, de 21 de Novembro de 1967;
2.a O Estado responde pelo ressarcimento dos danos sofridos por um deputado, Secretário da Mesa da Assembleia da República, provocados na sua viatura por manifestantes contra aquele órgão de soberania.
(') Regime extensível aos deputados, nos termos do artigo 15.° da Lei n.° 5/76, de 10 de Setembro (Estatuto dos Deputados), que dispõe:
1 — Os deputados beneficiam do regime de previdência social mais favorável aplicável ao funcionalismo público.
2 — ....................................................................
O Publicado no Diário da República, 2." série, de 18 de lunho de 1983.
(3) Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. i, p. 47.
O Sobre essa evolução entre nós, v. Freitas do Amaral, «A responsabilidade da Administração no direito português», Lisboa, 1973, pp. 7 e segs.; Vaz Serra, «Responsabilidade civil do Estado e dos seus órgãos ou agentes», no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 85, e, entre outros, os pareceres n." 1/69, no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 190, p. 182, e 39/77, de 12 e 13 de Maio de 1977, não publicado; cf. ainda Gérard Soulier, «Reflexion sur l'évolution et l'avenir du droit de la responsabilité de la puissance publique», in Revue du Droit Public et de la Science politique en rance et a l'étranger, n.' 6, Nov.-Dez., 1969, pp. 1044 e segs.
O Para uma mais ampla distinção entre gestão pública e gestão privada, cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9." ed., tomo ii, reimpressão, p. 1195; Antunes Varela, Dos obriações em geral, 2.* ed. (1973), p. 522; Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 110.", pp. 213 e segs., e o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 5 de Novembro de 1981, no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 311, p. 195.
O Acode-se, por vezes, às vítimas de danos materiais através de providências legislativas individuais. Cf., por exemplo, os Decretos-Leis n.°* 513-A1/79, de 27 de Dezembro, e 519-H/79, de 28 de Dezembro, concedendo subsídios a servidores do Estado vítimas de actos de terrorismo.
Página 16
20S8-(16)
II SÉRIE — NÚMERO 78
Contudo, a intervenção legislativa nem sempre tem como efeito estabelecer uma excepção ao principio da irresponsabilidade, mas antes fixar um regime particular para certa categoria de dano. Não se trataria de criar um direito, mas de organizá-lo. Não se pretenderia permitir a reparação, mas facilitá-la (J. (. Gomes Canotilho, O Problema da Responsa-bilidde do Estado por Actos Lícitos, Coimbra, 1974, p. 252; cf. também Gerard Soulier, loc. cit., pp. 1063 e segs.
Nalguns casos, o legislador reconhece que a lei vigente não contempla a situação e vem excepcionalmente reparar danos, como, v. g., no Decretc-Lei n.° 401/83, de 9 de Novembro, onde se cria um subsídio para mestres e guardas-florestais a titulo de compensação pelos prejuízos materiais que sofram com os incêndios nas florestas. No sentido de que o Estado não é responsável pelo ressarcimento dos danos produzidos pelo fogo no recheio da casa de um guarda-florestal, ver o parecer n." 39/77, já referido.
(') Pareceres n." 66/75, de 3 de Dezembro, e 133/80, de 6 de Novembro, não publicados.
(') O artigo 2° do Decreto-Lei n.° 48 051 estBtui:
1 — O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger o seus interesses, reultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
2 — ....................................................................
E o artigo 6.°:
Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
(') Hoje, face ao disposto nos artigos 22." e 27.° da Constituição da República, as omissões passaram expressamente a relevar para efeitos da responsabilidade civil do Estado.
O") O parecer n." 66/75 analisa a eventual omissão das forças policiais na perspectiva de um acto político: perante determinadas repercussões que poderiam resultar, num determinado contexto sócio-político para o País, decidiram-se es forças policiais pela não intervenção. Concluindo pela licitude de uma tal actuação, os prejuízos especiais e anormais que daí derivam seriam indemnizáveis nos termos do artigo 9." do Decreto-Lei n.° 48051. Os dados de facto fornecidos permitem afastar liminarmente a aplicação destes princípios ao caso concreto.
(") Recorde-se que o Estado concede especial protecção penal aos seus funcionários — v., por exemplo, os artigos 360.° e 385." do Código Penal, além de uma ampla assistência na doença em consequência de acidentes de serviço; mas os prejuízos materiais que ura seu servidor venha a sofrer, em consequência das funções que exerce, só serão indemnizáveis nos termos do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48051. A solução não deixa de ser chocante, impelindo o Estado a sanar as injustiças muitas vezes por via legislativa. E se, como adverte Louis Fourgére, La Fonction Publique, UNESCO, 1966, p. 336, por um lado, importa que o público não tenha o sentimento de que os funcionários possuem uma situação de privilégio, por outro, os servidores do Estado se sofrerem danos materiais no exercício das suas funções ou por causa delas deviam ter direito ao ressarcimento. Para tanto, o Conselho de Estado francês, antes de existir texto legal, ou para além dele, socorre-se da teoria do risco excepcional, alicerçado no princípio da igualdade dos cidadãos diante dos encargos públicos (cf. Alain Plantey, Traite pratique da la fonction publique, 3.° ed., ri, Paris. 1971, p. 932; Victor Silvera e Serge Salon, La joncüon publique et ses problèmes actueis, Paris, 1976, p. 192, e André de Laubadére, Traite Elementaire de Droii Administratif, 2° ed., Paris, 1957, p. 481). Hoje, em França, existe comando legal que impõe ao Estado que proteja os funcionários contra as ameaças e ataques de qualquer natureza que possam sofrer por acasião do exercício das suas funções, e que repare, se necessário, os prejuízos que daí lhes resultem.
(") J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., pp. 96 e 124. (") Idem, ob. cit., p. 283; ver também o Parecer n.° 162/80, publicado no Diário da República, 2." série, de 18 de Março de
i982, e no Boletim do Ministério da fustiga, n.° 312, p. 135, e os autores aí mencionados.
(") Idem, ob. cit., pp. 94 e segs.
(") Freitas do Amaral, ob. cit., p. 41.
(") Ob. cit., pp. 263 e segs.
(") Sobre esta evolução, cf. Waline, ob. cit., pp. 875 e segs.
(") Na hipótese de não se determinar a origem dos danos, aplica-se a regra de repartição do ónus da prova; se o Estado não conseguir provar que os danos foram provocados pelos «manifestantes», recairá sobre ele a obrigação de indemnizar os prejuízos, que passam a ser imputados às forças policiais.
(") A responsabilidade do Estado pelos danos causados por ocasião de tumultos ou manifestações está hoje consagrada legislativamente em França, fundada na ideia de um risco social, pouco importando que os danos sejam provocados pelos participantes ou pela força pública utilizada contra eles e mesmo que o lesado seja um dos manifestantes (cf. E. Pisier-•Kouchner, La responsabilitê de la pólice, Presses Universitaires de France, 1972, pp. 79 e segs.; Andé de Laubadére, Droít Administratif Spécial, Presses Universitaires de France, 1958, p. 153; George Vedei, Droit Administratif, 5." ed., Presses Universitaires de France, 1973, pp. 406 e segs., e lean Rivero, Direito Administrativo (tradução), Coimbra, 1981, p. 348.
(") Parecer n.° 162/80, já referido, onde se considerou o Instituto Navarro de Paiva um serviço excepcionalmente perigoso para os efeitos do disposto no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48 051, e, consequentemente, se concluiu que o Estado responde pelo ressarcimento dos danos produzidos no recheio de casa do director daquele estabelecimento devido a fogo posto por um dos menores ali internados.
Este parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 7 de Dezembro de 1983.
Eduardo Augusto Arala Chaves — Ireneu Cabral Barreto (relator) — José Joaquim Oliveira Branquinho (tem voto de conformidade, mas não assina por não estar presente) — António Agostinho Caeiro (tem voto de conformidade, mas não assina por não estar presente) — Mário ¡osé de Araújo Torres — António Gomes Lourenço Martins — Alberto Manuel Portal Tavares da Costa — Manuel António Lopes Rocha (vencido pelas razões que sumariamente indico:
A responsabilidade consagrada no artigo 8." do Decreto-Lei n.° 48 051 é objectiva, fundada no risco, e este tipo de responsabilidade, no nosso direito, tem carácter excepcional.
Sendo assim, não existe fora dos casos em que o legislador a admite, sendo inadmissível o recurso à analogia.
Aquela responsabilidade, por outro lado, assenta num princípio de justiça segundo o qual a colectividade deve suportar os prejuízos resultantes de certas actividades exercidas em seu benefício. Não de todas; porém a lei é clara quando as restringe ao funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas ou actividades da mesma natureza.
Está excluída, desse modo, a responsabilidade por prejuízos decorrentes de circunstâncias aleatórias que, por definição, não qualificam a excepcional perigosidade de serviços, coisas ou actividades, pois esta envolve a ideia de perigos constantes.
Na lógica da tese que fez vencimento seria difícil encontrar um serviço, coisa ou actividade que, em caso de «radicais modificações» ou em «situações críticas» — como se diz no parecer— não pudessem devir como excepcionalmente perigosos.
E, por essa via, o Estado e as demais pessoas colectivas públicas passariam a assumir posição equivalente à de seguradores gerais obrigatórios de riscos. Dizendo de outro modo: de excepcional, a responsabilidade fun dada no risco passaria a ser geral.
Página 17
26 DE JANEIRO DE 1984
2068-(17)
Não foi isto que visivelmente se quis com a norma evocada.
Situações como a descrita na consulta chocam a sensibilidade jurídica e podem configurar-se como merecedoras de reparação, em termos de justiça.
Mas é ao legislador —e não ao intérprete— que compete resolvê-las.
Aliás existem precedentes, o último dos quais é o Decreto-Lei n.° 401/83, de 9 de Novembro, relativo à compensação de prejuízos sofridos por mestres e guardas-florestais provenientes de incêndios que destruírem os recheios das suas moradias.
Compreende-se mal que o legislador tenha sentido a necessidade de providenciar quanto à reparação dos danos, por essa via, se estivesse seguro do seu dever de indemnizar à face do Decreto-Lei n.° 48 051. Ora, se há serviços ou actividades que podem devir excepcionalmente perigosos por causas naturais ou pela acção do homem são precisamente os florestais.
A emanação de diplomas como o Decreto-Lei n.° 401/83 significa que o próprio legislador «interpreta» o artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48 051 em termos contrários ao entendimento que a tese vencedora perfilhou.
Não sendo este um argumento decisivo contra a validez da mesma tese, nem por isso deixa de contribuir para o reforço da ideia de que existem situações — como a da consulta — insubsumíveis no preceito citado, que consagra a responsabilidade pelo risco em termos circunscritos, e que impõem a necessidade de legislação específica, naturalmente por se reconhecer o carácter excepcional daquela) — Abílio Padrão Gonçalves (vencido pelas razões constantes do voto do Ex.mo Colega Dr. Lopes Rocha, a que acrescento: mesmo a admitir-se a aplicação do artigo 8.° do Decreto--Lei n.° 48 051 ao caso em apreço, a responsabilidade do Estado estaria afastada pela circunstância de os prejuízos se deverem a culpa de terceiros, isto é, dos indivíduos que intencionalmente danificam o veículo.
Página 18
PREÇO DESTE NÚMERO 45$00
Imprensa Nacional - Casa da Moeda