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II SÉRIE — NÚMERO 49

Entretanto, os médicos reunidos na assembleia do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, no Hospital de D. Estefânia, aprovaram uma moção através da qual denunciam a «atitude prepotente» do Ministério da Saúde, e se solidarizam com Benvindo Justiça, pela sua «atitude digna e corajosa».

(«Fim de Semana», edição de O Diário, de 13 de Fevereiro de 1988.)

A Ministra da Saúde, Leonor Beleza, exonerou o Dr. Benvindo Justiça das funções de director do Instituto Nacional de Sangue (INS) por ele ter reconhecido publicamente que muita coisa anda mal no sector do sangue, nomeadamente no que diz respeito a colheitas, classificação e transfusões.

As declarações do Dr. Benvindo Justiça foram veiculadas pelo jornalista Aurélio Cunha numa série de reportagens que tem vindo a publicar no Jornal de Notícias e onde aqueles problemas foram denunciados.

Benvindo Justiça disse ontem no Porto a O Jornal que a razão da exoneração é falsa, «porque tudo o que o Jornal de Notícias denunciou e eu confirmei ao jornalista já havia sido por mim denunciado ao meu superior hierárquico, o Dr. Faria e Almeida, Secretário de Estado Adjunto da Ministra desde Setembro do ano passado».

A reportagem de Aurélio Cunha referia especialmente que o sangue utilizado para transfusões em doentes internados em casas de saúde «é oriundo de alcoólicos, pedintes, desempregados, marginais e drogados».

Leonor Beleza quis que o Dr. Benvindo Justiça desmentisse o jornalista, mas o médico alegou que «não podia desmentir o que ele vira e constatara».

Os médicos do Serviço de Hematologia do Hospital de Santa Maria, de Lisboa, enviaram ontem, quinta--feira, um telegrama de solidariedade a Benvindo Justiça. — Germano Silva.

(O Jornal, de 12 de Fevereiro de 1988.)

Ainda não satisfeito por o haver demitido do cargo de director do Instituto Nacional de Sangue (INS), em consequência da sua coragem em reconhecer ao Jornal de Notícias que em Portugal se correm riscos mortais com transfusões, o Ministério da Saúde terá feito intoleráveis pressões sobre o Dr. Benvindo Justiça para que ele desminta as nossas reportagens. Agora, as ameaças visariam o próprio desemprego do hospital onde trabalha, o Hospital de Santo António (HSA), no Porto!...

Por causa deste tipo de pressões, que as fontes hospitalares que no-las revelaram classificam de autêntica chantagem, o Dr. Benvindo Justiça terá sido coagido a prestar o «esclarecimento» publicado na nossa edição de sábado passado.

De facto, o dito «esclarecimento» do Dr. Benvindo Justiça ao nosso jornal — de que foram remetidas fotocópias pelo próprio Ministério ao semanário Expresso e à Agência Lusa mesmo antes de chegar às nossas mãos!... — foi para nós uma tristíssima surpresa, na medida em que o conjunto das reportagens tinha sido meticulosamente estudado, todas as palavras longamente ponderadas, o jornalista tivera a comprovação de que nenhuma vírgula estava a mais...

E, perante esta certeza antecipada, o nosso espanto pela carta do Dr. Benvindo Justiça.

Mas, depois de lermos as declarações do demitido director do INS aos semanários O Jornal e Expresso publicadas nas suas últimas edições, percebemos a razão dessa atitude.

O Dr. Benvindo Justiça, tal como nos havia segredado fonte hospitalar, fora, certamente, objecto de fortes pressões no sentido de se retractar — caso não quisesse ir para a rua, agora na sua qualidade de médico do próprio Hospital de Santo António...

Vejamos as palavras de Benvindo Justiça ao jornalista Germano Silva insertas no último número de O Jornal: «Benvindo Justiça, razão da exoneração é falsa.» Nesse local escreve-se, no terceiro parágrafo, que o demitido director do INS dissera àquele semanário que a razão da exoneração «é falsa, porque tudo o que o Jornal de Notícias denunciou e eu confirmei ao jornalista já havia sido por mim denunciado ao meu superior hierárquico, o Dr. Faria e Almeida, Secretário de Estado Adjunto da Ministra desde Setembro do ano passado».

No penúltimo parágrafo, escreve-se:

Leonor Beleza quis que o Dr. Benvindo Justiça desmentisse o jornalista, mas o médico alegou que não podia desmentir o que ele vira e constatara.

Sintomaticamente, no dia seguinte, o Expresso publica «Justiça desmente Beleza», numa notícia assinada por Rogério Gomes, que cita o documento (já anteriormente publicado pelo Jornal de Notícias) entregue ao Secretário de Estado Dr. Faria e Almeida sobre o «estado caótico dos serviços de sangue hospitalares».

Mais se afirma que o próprio Expresso também teve acesso ao tal documento, entregue em 10 de Outubro do ano passado, e no qual se afirma, nomeadamente, que em Portugal se fazem «transfusões imediatas após a colheita e sem qualquer estudo».

Refere o semanário de Pinto Balsemão que «este terá sido o ponto a que Leonor Beleza se terá mostrado mais sensível», nas reportagens efectuadas a propósito pelo Jornal de Notícias.

«Houve, de facto, uma extrapolação jornalística legítima neste ponto», referiu àquele semanário Benvindo Justiça.

A respeito do alegado «alarmismo» de que é acusado pelo Ministério, o ex-director do INS disse que «durante meses tentara dissuadir o Jornal de Notícias de publicar a reportagem que deu origem à sua exoneração, por pensar que a sua actuação à frente do INS acabaria por eliminar os factores que a justificavam».

Escreve depois o Expresso:

«Quando me convenci que de facto nada mudava e numa altura em que o jornalista já sabia mais do que eu no concreto, não fiz mais do que confirmar o que já se sabia», declarou.

«Quem levanta o problema é o jornalista; como ia eu desmentir o seu trabalho, quando era verdade?»

Depois de referir que a situação se apresenta como «insustentável», Benvindo Justiça comenta:

Se não há especialistas, técnicos responsáveis e dinheiro para que todos os hospitais possam fazer análises, não é com despachos que as questões se resolvem.