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II SÉRIE-A — NÚMERO 23

PROJECTO DE LEI N.° 473/V

LEI ORGÂNICA DO REGIME DD REFERENDO

1 — Consagrado na Constituição, a partir da última revisão, o referendo de âmbito nacional, não quer o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que lhe aconteça o mesmo que ocorreu a propósito das consultas referendárias de âmbito local. Isto é: que por falta de regulamentação por lei ordinária permaneça longos anos como ornamento jurídico sem tradução prática.

Dai o presente projecto de lei, aliás o primeiro a revestir a também nova categoria de lei orgânica. E daí ainda, muito em breve, o accionamento dos expedientes necessários ao seu agendamento sem mais delongas.

Se há domínio em que se pode sem risco adiar o cumprimento do dever da inovação legislativa, não é esse o caso das leis que têm a ver com os instrumentos institucionais de afirmação democrática e de funcionamento do Estado.

Por isso o Grupo Parlamentar do Partido Socialista se deu pressa em tomar a iniciativa legislativa em domínios como a «acção popular», a «administração aberta» e as «garantias do contribuinte». É a sua intenção continuar por este caminho, a fazer de motor do Governo e de outros grupos parlamentares, sem outra preocupação que não seja a de que sem demora se façam as coisas que o regime democrático impõe que sejam feitas.

2 — O referendo não é uma instituição pacífica. Bem pelo contrário, surge em regra precedido de vivos debates polémicos, com uns a realçar-lhe os méritos, outros os defeitos.

Entre as vantagens costumam destacar-se:

a) Em tese geral, as vantagens da democracia directa sobre a democracia representativa (Rousseau fez escola);

b) O reforço da participação democrática dos cidadãos;

c) Uma maior convergência das mais importantes decisões políticas com a vontade do povo;

d) O reforço da preparação e da capacidade política dos cidadãos;

e) Um maior desestimulo à apatia politica;

f) Um contributo para a luta contra a corrupção.

Alinham-se em regra entre os principais defeitos:

a) A falta de preparação da generalidade dos cidadãos para se pronunciarem sobre problemas importantes e complexos (Montesquieu ainda tem seguidores);

b) A desvalorização do consenso como forma ideal de conseguir soluções que se revistam, por aproximação, do conforto da unanimidade;

c) A desvalorização das minorias e dos partidos;

d) A desvalorização da democracia representativa;

é) A inutilização das soluções intermediárias, incabíveis no «sim» ou no «não» a que em regra se restringe a consulta referendária.

Seja como for, as dúvidas estão ultrapassadas, a nossa Constituição consagra o referendo facultativo, de âmbito nacional, de eficácia vinculativa, de incidência legislativa e de iniciativa parlamentar ou governativa.

Uma simples leitura das normas constitucionais que abrem a porta ao referendo permite concluir que o legislador constituinte reflectiu em prudência uma aproximação ao tema que, também entre nós, se revestiu de matizes polémicos.

Dito de outro modo: não escancarou, apenas entreabriu a porta. O futuro dirá, já a partir de dados de experiência, se abriu pouco, o bastante ou de mais.

Com efeito, não consagrou o referendo de iniciativa popular, tão ao gosto da Confederação Helvética, pelo que só forçando as coisas se pode qualificar o nosso referendo como uma expressão de democracia directa. Digamos semidirecta.

Também arredou, appertis verbis, o referendo constitucional. Com razão. Sempre que se referendou um texto constitucional, mais se plesbicitou um homem do que se referendou um texto. Por isso se disse já que o plesbicito constitui um desvio do referendo por uma contaminação de natureza electiva. Napoleão, Salazar e até De Gaulle ilustram tipicamente esse defeito.

De cautela em cautela, excluiu do objecto do referendo as matérias incluídas na competência político--legislativa e na reserva absoluta da Assembleia da República, bem como os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro.

Isto por um lado. Por outro, restringiu o referendo ao âmbito de questões a decidir pela Assembleia da República ou pelo Governo «através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo». Ficam assim de fora as decisões e os actos de natureza meramente política.

Estas exclusões foram impostas a título indicativo — abrindo, pois, ao legislador ordinário a possibilidade de outras. Mas, no presente projecto, nenhuma se propõe ex novo.

E não se há-de esquecer que só questões de «relevante interesse nacional» podem ser objecto de referendo. É outra restrição importante. O referendo, equivalendo de facto a uma consulta eleitoral e custando na prática o que custam estas consultas, não é um instrumento de que se possa ou deva lançar mão com frequência, nem de ânimo leve, nem a propósito de questões de somenos.

Por isso a Constituição coloca a iniciativa ao nível de dois órgãos de soberania — a Assembleia da República ou o Governo — e a decisão final e definitiva a cargo de outro órgão de soberania — o Presidente da República.

Por último: só matéria a matéria, e ainda assim questionada em termos claros e concisos, poucas perguntas, e por apelo a respostas de «sim» ou «não».

No presente projecto, na linha dessa preocupação, reduz-se a duas o número máximo de perguntas.

Com tais cautelas, bem podem sossegar os adversários do referendo. E mesmo com elas podem rejubilar os seus defensores. Assim ou assado, o País passa a dispor de mais um importante instrumento de intervenção democrática. Nos grandes momentos, em que se coloquem aos órgãos de soberania as mais responsabilizantes questões, resta agora a estes o último recurso: ir ao soberano e perguntar quod justum.

3 — Sobre o modus facciendi do referendo, adianta pouco a Constituição. Ainda assim, define o universo dos cidadãos a consultar por identificação com os ci-