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Sábado, 12 de Dezembro de 1992

II Série-A — Número 11

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

3.° SUPLEMENTO

SUMÁRIO

Proposta de resolução n.* 11/VI (aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht cm 7 dc Fevereiro de 1992):

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso, interposto pelo

PCP, de admissibilidade da proposta de resolução......... 142-(430)

Relatórios e pareceres das Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, Defesa Nacional, Economia, Finanças e Plano e Assuntos Europeus sobre a proposta de resolução................... l42-<433)

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PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.« 11/VI

APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, 0 TRATADO OA UNIÃO EUROPEIA, ASSINADO EM MAASTRICHT EM 7 DE FEVEREIRO DE 1992.

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso de admissibilidade apre-sentado pelo PCP.

No dia 4 de Dezembro de 1992, Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentaram, nos termos regimentais, recurso da decisão do Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de resolução n.° 11/VI, sob condição suspensiva da entrada em vigor de uma lei de revisão constitucional que criasse as condições necessárias à aprovação para ratificação.

Na mesma data, determinou S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República a apreciação do recurso pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Dando cumprimento ao disposto no n.°4 do artigo 137.° do Regimento, a Comissão elaborou o seguinte parecer.

1 — Sobre a tempestividade do recurso. — Foi o recurso em causa apresentado antes da admissão definitiva da proposta de resolução n.° 1 I/VI. Esta só ocorreu no dia 9 de Dezembro de 1992, com a entrada em vigor da Lei Constitucional n.° 1/92, de 25 de Novembro, publicada em suplemento ao Diário da República, 1.* série-A, n.°273, distribuído em 4 de Dezembro.

A Comissão entendeu, porém, não se pronunciar pela rejeição liminar do recurso. De facto:

Apresentado, embora, prematuramente, o recurso foi apreciado pela Comissão em 9 de Dezembro de 1992, data em que já se tinha tomado definitiva a admissão da proposta de resolução em causa;

Os recorrentes renunciaram ao direito de só apresentarem recurso até ao termo da sessão plenária subsequente à da data de admissão da proposta em apreço;

Os recorrentes aceitaram o encurtamento excepcional tanto do prazo máximo de apreciação em Comissão como do prazo normal de debate em Plenário do presente recurso.

2 — Aclaração do sentido do recurso. — Enumeram os Deputados recorrentes diversas disposições do Tratado da União Europeia que consideram inconstitucionais. Estaria em causa a violação dos artigos 1.°, 3.°, n.° 1, e 288.°, alínea a), da Constituição, «em leitura conjugada».

É de notar que, embora a p. 5 do requerimento de recurso se afirme também que a norma do n.° 6 do artigo 7.° da Constituição revista não consente a ratificação do Tratado de Maastricht, a mesma não figura expressamente entre os preceitos constitucionais que na parte conclusiva do recurso são tidos por violados.

Tal qual se encontra redigida, a impugnação fundamenta-se, pois, na alegação de que normas do Tratado colidiram com expressões da afirmação constitucional de soberania, o que oportunamente se apreciará.

Estranha-se, porém, que se considere ofendido pelo Tratado de Maastricht o artigo 288.°, alínea a), da

Constituição, já que o mesmo se refere tão-só ás leis de revisão constitucional, estabelecendo que estas terão de respeitar a independência nacional e a unidade do Estado. Não alegam, porém, os recorrentes a inconstitucionalidade da lei de revisão constitucional por lesão da independência nacional ou da unidade do Estado.

Tudo ponderado, logra-se apurar que entendem:

a) Que o Tratado de Maastricht implica restrições de soberania;

b) Que o artigo 7.°, n.°6, da Constituição não é habilitação bastante para a ratificação daquele Tratado.

Aclarado o sentido do recurso, cumpre apreciar, o que se faz nos seguintes termos.

3 — A tripla incoerência dos recorrentes. — Os termos em que se encontra deduzido o recurso em apreço revelam desde logo uma tripla incoerência dos seus subscritores:

a) Por um lado, dados os fundamentos que invocam, não se lobriga por que razão não impugnam e não consideram igualmente feridas de inconstitucionalidade normas como as relativas, por exemplo, à dimensão política da construção da União Europeia, que publica e notoriamente vêm reputando como expressões de «federalismo»;

b) Por outro lado, os recorrentes manifestam o estranho entendimento segundo o qual a nova cláusula habilitante constante do n.°6 do artigo 7.° da Constituição não autorizaria sequer o Estado Português a aceitar decisões comunitárias por maioria. Com uma enorme consequência: se tal fora verdade, então teria sido grosseiramente inconstitucional a aceitação dessa regra de maioria em 1985 e 1986, datas em que, sem a actual norma de habilitação, Portugal aderiu ao Tratado de Roma e aprovou o Acto Único Europeu. A prevalecer, por absurdo, esse entendimento, todos os actos em que se materializou a participação de Portugal na construção europeia teriam o selo da inconstitucionalidade, que, todavia, até à data nunca fora invocada pelo PCP,

c) Por fim, a leitura do quadro constitucional ora feita pelo Grupo Parlamentar do PCP em sede deste recurso contraria inopinada e diametralmente as posições que sobre a mesma precisa matéria sustentou ao longo de todo o processo de revisão constitucional.

Com efeito, no decurso deste o PCP criticou sistematicamente como excessivo o novo quadro. Assim, segundo o Deputado João Amaral, as alterações à Constituição propostas e votadas pelo PSD e PS caracterizar-se-iam por, «no seu núcleo essencial, visarem possibilitar a transferência de soberania para uma instituição supranacional de natureza federal». «A União Europeia, tal como resulta do Tratado», deteria aquilo que qualificou como «poderes soberanos em numerosos domínios», considerando-os «construídos à custa dos poderes dos Estados da União». Para concluir que não se trataria «de eliminar a soberania, mas sim de transferir a soberania dos Estados-Nação para o Estado-União» (reunião plenária de 17 de Dezembro de 1992, Diário da Assembleia da República, 1* série, n.° 14, p. 466).

Nas mesma óptica, adiantava outro Deputado do PCP ser objectivo dos dois partidos com dois terços necessários

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à revisão constitucional «fazer com que a Constituição permita o que boje não permite: «[ou seja] a alienação de poderes de soberania a favor dos órgãos próprios da chamada 'União Europeia'», para «arredar os obstáculos constitucionais ao envolvimento de Portugal num processo de integração de orientação marcadamente federalista», que o PCP considera caracterizado, entre outros aspectos, pelo «abandono pelos Estados membros dos seus poderes soberanos em áreas fundamentais e a transferência desses poderes para instituições e órgãos de decisão supranacionais» (Deputado António Filipe, ibid.).

Inserindo o novo n.°6 do artigo 7." neste contexto, o mesmo Deputado interpretou-o como habilitação mais do que bastante para a ratificação de Maastricht.

Considerando que a formulação encontrada pelo PS e pelo PSD viabilizava «graves mutilações de soberania)», apontou ao Plenário como «significativo» que os dois partido tivessem procurado fugir, na sua formulação, aos termos chocantes que correspondem à realidade decorrentes do Tratado de Maastricht» (ibid.).

Para o PCP, o n.° 6 do artigo 7.° pecava então por excesso, era um instrumento impulsionador de fede-ralização. Agora, porém, alega que o quadro constitucional pecaria por defeito.

Nesta perspectiva inopinadamente revelada, a revisão constitucional, acusada pelo PCP de ter sido expressa e deliberadamente feita para viabilizar a plena participação de Portugal na construção da União Europeia, não autorizaria sequer as diversas vertentes da União Económica e Monetária, a política comum de vistos, a PESC (política externa e de defesa) e mesmo a cooperação no domínio da justiça e da segurança interna.

Além de contraditória, trata-se sobretudo de uma interpretação desprovida de rigor.

4 — A (in)fundamentação do recurso. —As actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC) e do Plenário comprovam, ao invés, abundantemente duas coisas:

As anteriores acusações do PCP eram infunda-

damentadas; As actuais também o são.

Na verdade, as alterações introduzidas na Constituição não visaram introduzir qualquer ruptura decorrente de um abandono de soberania, nem tão-pouco gerar uma dualização perversa pela génese de uma espécie de «Constituição europeizada» ascendente, contraposta a uma «Constituição de soberania» declinante.

De facto a CERC ponderou cuidadosamente as fórmulas utilizadas por outras constituições para ordenar as relações entre os Estados membros e a Comunidade Europeia.

A Comissão foi especificamente confrontada com soluções preconizadas, no plano dogmático, por certos quadrantes da doutrina europeísta favoráveis à consagração do primado absoluto do direito comunitário e à constitucionalizaçâo do dever de transferir poderes soberanos para as instituições comunitárias (actas da CERC, Diário da Assembleia da República, 2.* série, n.°9-RC, de 17 de Outubro de 1992).

Não se ignorava que para tais sectores a matriz de relacionamento Estados/Comunidade só pode ser concebida como restrição de soberania, a operar ou por «transferência» ou por «delegação» de poderes. Tal ponto de vista não foi, porém, deliberadamente consagrado. A decisão política em que se fundou esta rejeição visou

precisamente aceitar as decorrências de Maastricht sem ferir os limites materiais de revisão constitucional, a continuidade de Portugal como República soberana, tal qual a define o artigo 1.° da Constituição. Por estranha ironia, os recorrentes:

Fazem sua (com citação doutrinal expressa) a solução que não foi acolhida pela Constituição;

Agem como se a doutrina rejeitada fosse, apesar disso, constitucional.

Tudo se passa, para os recorrentes, como se a lei constitucional não existisse e não estabelecesse uma cláusula de habilitação bastante para a ratificação do Tratado de Maastricht.

Não é assim, porém.

A autorização configurada nem é idêntica as «cláusulas abertas» de habilitação de quaisquer etapas da união europeia (como as que figuram em leis constitucionais como a alemã, belga, italiana ou espanhola) nem é uma «autorização específica» para ratificar o Tratado de 7 de Fevereiro de 1992 (como ocorre no caso francês).

Por outro lado, ao optar pela menção ao exercício em comum de poderes, visou-se transcender o esquema redutor a que os impugnantes parecem ter, tardia e contraditoriamente, aderido (o qual é, em geral, preconizado por federalistas e defensores de teses supranacionais).

Caracterizando o n.°6 do artigo 7.°, o Deputado Rui Machete pôde sublinhar que, com a solução que veio a reunir consenso constitucional, pretendeu-se salientar que a relação entre Portugal e as Comunidades não é uma relação dualista mas «fundamentalmente tríade»: «Desenvolveu-se entre outros países que estão nas Comunidades e nós próprios, e, depois, só num segundo momento é que as Comunidades aparecem.» Donde ser «extremamente importante dizer que a soberania, a sua titularidade, os poderes soberanos, as faculdades que isso envolve, ou, seja como for, os poderes do Estado [...] permanecem nos Estados e que estes põem em comum o seu exercício, mediante os tratados e o direito que deles decorre. Essa não é uma figura virgem, mas sim algo que está bem estudado, como sabe, nas doutrinas alemã e italiana a propósito dos problemas da cooperação. E, no fundo, o que se quer dizer é isto: não há uma transferência de soberania. Podemos discutir se isso é correcto, ou não, do ponto de vista último da dogmática, mas, sob o ângulo político, que é aquele que, neste momento, queremos considerar, a ideia é a de que nós não transferimos em definitivo a soberania, ela fica na titularidade dos Estados» (acta da CERC, Diário da Assembleia da República, 2.' série, n.°9-RC, de 17 de Outubro de 1992).

Este último aspecto foi insistentemente sublinhado pelo Deputado Almeida Santos perante o Plenário (Diário da Assembleia da República, n.° 14).

Os recorrentes proclamam inexistente esta norma (bem como a do artigo 105.°, revisto), recusam-se a articulá-las com o disposto nos artigos 1.° e 3.° da Constituição, cuja leitura conjugada é hoje obrigatória.

Concluem, destarte, que se encontra proibido aquilo que a Constituição autorizou, quer através do artigo 7.° quer através dos mecanismos que desde há muito viabilizam formas de cooperação intergovernamental como as próprias do 3.° pilar do Tratado de Maastricht.

5 — Conclusão. —Nestes termos e com os fundamentos enunciados, ao abrigo do disposto no artigo 137.°, n.°4,

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do Regimento, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emite o seguinte parecer

a) O recurso interposto pelos Deputados do Grupo Parlamentar do PCP deve ser rejeitado e, em consequência,

b) O despacho de S. Ex.' o Presidente da Assembleia da República que admitiu definitivamente a proposta de resolução n.° 11/VI dever-se-á manter nos seus precisos termos, com todos os correspondentes efeitos regimentais e constitucionais.

Palácio de São Bento, 9 de Dezembro de 1992. — Os Relatores: Guilherme Silva — José Magalhães.

Nota. — O relatório foi aprovado, com votas a favor do PSD e do PS e votos contra do PCP.

ANEXO Declaração de voto do PCP

Apesar do tom enfatuado com que o relator elaborou o relatório, o facto é que ele não só rebate a argumentação apresentada no recurso como, em grande parte, a confirma.

Importa, entre parêntesis, dizer que as citações feitas de intervenções dos Deputados do PCP mostram precisamente o contrário do que o relator pretende provar. As citações mostram que os Deputados do PCP sabiam perfeitamente que o PS e o PSD visavam, pretendiam e queriam resolver a questão da conformidade do Tratado com a Constituição (e foi isso que disseram durante o debate). Mas sabiam também que não o conseguiam com a formulação encontrada com o artigo 7.°, n.° 6, da Constituição. Mais, sabiam que outra redacção dada a esse n.'6 que permitisse transferências e ou delegações de poderes conflituaria com os artigos l."e 3°da Constituição, e foi isso precisamente que impediu os partidos autores da revisão constitucional de conseguirem uma norma habilitante que permitisse a «constitucionalização» do Tratado.

Quanto aos restantes argumentos do n.° 3, a alínea a) é falsa (é, por exemplo, invocada inconstitucionalidade do artigo J.4) e a alínea b) prova de mais (se fosse como o relator diz, como não linha havido até agora revisão constitucional, então viver-se-ia em estado de inconstitucionalidade prolongada ...).

Finalmente, no que interessa, o relator explicita que a revisão constitucional fica efectivamente aquém do que o Tratado contém em matéria de transferências e ou delegações de soberania.

Do ponto de vista do PCP, a questão não é nem será fazer então qualquer revisão constitucional mais profunda, pelo contrário, a solução para o PCP é a que apresenta com o presente recurso: a não admissão do Tratado, a sua rejeição.

Assembleia da República, 9 de Dezembro de 1992. — Os Deputados do PCP: João Amaral — António Filipe.

Recurso da admlHão da proposta de resolução n.911/V1

Ex.™6 Sr. Presidente:

Os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, vêm, ao abrigo do artigo

137.°, n.°2, do Regimento da Assembleia da República, recorrer da decisão de admissão da proposta de resolução n.° 11/VI, que aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, nos termos e com os fundamentos seguintes:

I — Em parecer datado de 1 de Junho de 1992, a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, liberdades e Garantias concluiu que a «existência de casos de nítida colisão entre as normas do Tratado e as normas constitucionais conduz a reconhecer que se verifica um impedimento jurídico à sua aprovação, o qual só poderá ser removido através de uma revisão extraordinária da Constituição, nos termos do artigo 284.° desta» (Diário da Assembleia da República, 2/ série-A, n.°42, pp. 807 e 808).

Em consequência daquele parecer, o Sr. Presidente da Assembleia da República decidiu, através de despacho datado de 1 de Junho de 1992:

[...] A proposta de resolução n.° 11/VI [do Governo] destinada à aprovação, para ratificação, do Tratado da União Europeia, assinado por Portugal em 7 de Fevereiro próximo passado, é provisoriamente admitida, havendo de ter o destino final que resultar da conclusão do processo de revisão já iniciado nos sobreditos termos. [Diário da Assembleia da República, 2* série-A, n.°42, p. 808.]

Pedida, pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, a aclaração daquele despacho, veio o Sr. Presidente da Assembleia da República, através do seu chefe de gabinete, esclarecer.

1 — O despacho cuja aclaração foi solicitada determinou a admissão da proposta de resolução n.° 11/VI, sob a condição (suspensiva) da entrada em vigor de uma lei de revisão que permita a sua conformidade com a Constituição.

2 — Logo que tal lei de revisão, entretanto já aprovada, entrar em vigor, a admissão da referida proposta de resolução tornar-se-á, ipso facto, definitiva, não havendo, para isso, necessidade de uma nova pronúncia de S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República.

Publicada a Lei Constitucional n.° 1/92 no Diário da República, 1.' série-A, n.°273, de 25 de Novembro de 1992, em suplemento distribuído no dia 4 de Dezembro de 1992, resulta que a proposta de resolução n.° 11/VI é definitivamente admitida em 9 de Dezembro de 1992 — data da entrada em vigor daquela lei constitucional.

II — A Lei Constitucional n.° 1/92 introduz, através do seu artigo 2.°, n.° 2, um novo n.° 6 ao artigo 7.° da Constituição, com a seguinte redacção:

6 — Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia, [Os sublinhados são nossos.]

Esta «norma de habilitação», como vulgarmente tem sido designada, remove, para além das outras alterações constitucionais aprovadas pela Lei Constitucional n.° 1/92, todos os obstáculos jurídico-constitucionais à aprovação, e posterior ratificação, do Tratado de Maastricht?

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O Tratado de Maastricht é compatível com a Constituição da República Portuguesa, após a revisão constitucional de 1992? Pensamos que não, pelas razoes que, como nos compete, passaremos a explicitar.

ni — A Constituição da República Portuguesa determina no seu artigo l.° que «Portugal é uma República soberana» e no artigo 3.°, n.° 1, que a soberania é «una e indivisível». Ainda o artigo 288.° da Constituição define, na sua alínea a), como um —o primeiro— dos limites materiais da revisão constitucional a independência nacional.

Tem sido entendido que o princípio da unidade e da indivisibilidade da soberania não autoriza restrições de soberania que envolvam transferência ou delegação de poderes soberanos típicos — entre os quais se conta o da emissão de moeda — ou que contendam com o que a doutrina e jurisprudência francesa designam «condições essenciais para o exercício da soberania», isto é, aquele núcleo essencial de competências (ou poderes) que define a soberania dos Estados.

Alguma doutrina portuguesa tem defendido que as relações entre os Estados membros e a Comunidade Europeia configura uma delegação e não uma transferência de poderes soberanos, entendida aquela com o sentido de «o delegante não poder exercer, enquanto durar a delegação, os poderes delegados, mas de se conservar no sujeito a quo a titularidade dos poderes respectivos e, portanto, a faculdade de, cessada a delegação (nomeadamente pela sua revogação), recuperar automaticamente

0 pleno exercício dos poderes delegados» (Fausto de Quadros, Direito das Comunidades Europeias e Direito Internacional Público, Lisboa, 1984, p. 212. No mesmo sentido, v. João Mota de Campos, Direito Comunitário,

1 vol.. pp. 459-460).

Todavia, seja qual for a natureza jurídica das restrições de soberania decorrentes da ratificação do Tratado de Maastricht, transferência ou delegação de poderes soberanos, elas não são consentidas pela norma do n.°6 do artigo 7.° da Constituição introduzida pela Lei Constitucional n.° 1/92.

Aquela norma, admitindo a possibilidade de Portugal «convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia», não abrange os casos de transferência ou delegação de poderes a favor de órgãos comunitários. Aí já não existe exercício em comum de poderes pelos Estados, mas a atribuição de determinados poderes a uma entidade distinta do Estado, que passará a decidir com autonomia.

Ainda, «exercer em comum» pressupõe a ideia de igualdade de participação dos Estados no exercício das competências, que decisões por maioria claramente afastam.

Designadamente, seriam, a esta luz, inconstitucionais, por violação dos artigos 1.°, 3.°, n.° 1, e 288.°, alínea a), da Constituição da República, em leitura conjugada, as seguintes disposições do Tratado:

Os artigos 3.°-A, n.°2, 4.°-A, 73.°-F, 104.°, 105.°-A. 107.°, 108.°, 108.°-A, 109.°-E, 109.°-G, 109.°-L, n.° 4, e 177.°, relativos à criação de uma moeda única e à instituição do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu;

O Protocolo Relativo à Passagem para a Terceira Fase da União Económica e Monetária;

O Protocolo Relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu;

Os artigos 3.°-A, n.°2, 73.°-G, 73.°-H, n.° 1, 103.°, 104.°-C, n.°ll, 105.°, n.OÍ2, 4 e 6. e 109.°. relativos à definição e condução de uma política monetária e de uma política cambial únicas;

O artigo 100.°-C, relativo à política comum de vistos;

O artigo J.3, relativo à adopção de acções comuns em áreas pertencentes ao domínio da política externa e de segurança;

O artigo K.9, relativo à adopção de políticas comuns em diversos domínios.

IV—Termos em que os Deputados abaixo assinados requerem a não admissão da proposta de resolução n.° 11/ VI, em cumprimento de disposto no artigo 130.°, n.° 1, alínea a), do Regimento da Assembleia da República.

Assembleia da República, 4 de Dezembro de 1992. — Os Deputados do PCP: Octávio Teixeira — João Amaral—António Filipe — Jerónimo de Sousa.

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

CAPÍTULO I

Enquadramento constitucional da ratificação do Tratado da União Europeia

1 — Nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 200.° da Constituição da República Portuguesa, o Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta de resolução com vista à aprovação, para ratificação, do Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992 e que inclui, além do Tratado propriamente dito, os protocolos e declarações que lhe estão anexos (v. Diário da Assembleia da República, n.° 40, 2." série-A, de 27 de Maio de 1992).

Levantando-se dúvidas, face ao texto constitucional vigente, sobre a constitucionalidade de algumas das disposições do Tratado, entendeu o Presidente da Assembleia da República admitir, provisoriamente, a proposta de resolução em causa e solicitar a esta Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias parecer sobre a constitucionalidade do clausulado do Tratado.

Tal questão foi objecto de parecer elaborado no seio desta Comissão, de que foi relator o Sr. Deputado Rui Machete, parecer este que foi aprovado por maioria, com os votos a favor do PSD, do PS e do CDS e contra do PCP, em sessão plenária da Comissão de 1 de Junho de 1992.

Consideraram-se susceptíveis de colocar um problema de incompatibilidade com as normas da Constituição Portuguesa as seguintes disposições do Tratado:

Os artigos 3.°-A, n.° 2, 4.°-A, 73.°-F, 104.°, 105.°-A, 107.°, 108.°-A, 109.°-E e 177.°, relativos à moeda única, ao Sistema Europeu de Bancos Centrais e ao Banco Central Europeu;

Os artigos 8.° e 8.°-A, relativos à cidadania da União;

Os artigos 3.°-A, n.° 2, 73.°-G, n.° 2, 73.°-H, n.° 1, 103.°, 104.°-C, n.° 11, 105.°, n.os 2, 4 e 6, e 109.°, relativos à política financeira, monetária e cambial;

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O artigo 8.°-B, relativo à capacidade eleitoral;

O artigo 100.°-C, pondo restrições à entrada de

estrangeiros de países terceiros e à obtenção de

vistos.

Concluiu-se no citado parecer da seguinte forma:

A constatação que fizemos da existência de casos de nítida colisão entre as normas do Tratado e as normas constitucionais conduz a reconhecer que se verifica um impedimento jurídico à sua aprovação, o qual só poderá ser removido através de uma revisão extraordinária da Constituição, nos termos do artigo 284.° desta.

Dc mesmo parecer decorria, para efeitos de aprovação e ratificação do Tratado da União Europeia, a necessidade de alterar as seguintes disposições constitucionais:

O artigo 7°, relativo às relações internacionais, com vista a assegurar a possibilidade de partilha de poderes de soberania com as instituições comunitárias no âmbito da construção da Unidade Europeia;

O artigo 15°, relativo a estrangeiros e apátridas, com vista a acolher expressões parcelares da cidadania europeia e a consagrar os direitos, no âmbito da capacidade eleitoral, dela decorrentes;

O artigo 105.°, relativo ao Banco de Portugal, com vista a pôr termo ao exclusivo que era conferido ao Banco de Portugal para emissão de moeda e ainda para ampliar o quadro dos instrumentos e das entidades que intervêm na definição e execução das políticas monetária e financeira, adaptando-o ao quadro da União Económica e Monetária, que o Tratado visa instituir.

Na sequência da aprovação do referido parecer, a Assembleia da República, pela Resolução n.° 18/92, publicada no Diário da República, 1* série-A, n.° 135, de 12 de Junho de 1992, assumiu poderes de revisão constitucional.

Nos termos regimentais, designadamente nos do artigo 40.° do Regimento, a Assembleia da República, na sua reunião plenária de 2 de Julho de 1992, deliberou constituir uma Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, para apreciar os projectos de revisão constitucional que dessem entrada na Mesa até 24 de Julho de 1992.

Foram apresentados os seguintes projectos de revisão constitucional (v. separata n.° 12/VI do Diário da Assembleia da República, de 9 de Outubro de 1992):

Projecto de lei de revisão constitucional n.° 1/VI

(apresentado pelo PSD);

Projecto de lei de revisão constitucional n.° 2/V1

(apresentado pelo Deputado independente Mário

Tomé);

Projecto de lei de revisão constitucional n.° 3/VI

(apresentado pelo PS);

Projecto de lei de revisão constitucional n.° 4/VI

(apresentado pelo PCP);

Projecto de lei de revisão constitucional n.° 5/VI

(apresentado pelo CDS);

Projecto de lei de revisão constitucional n.° 6VVI

(apresentado pelo PSN).

A Comissão Eventual para a Revisão Constitucional levou a cabo os seus trabalhos no decurso dos meses de

Setembro, Outubro e Novembro e o Plenário da Assembleia da República aprovou já, em sessão de 17 de Novembro de 1992, as alterações à Constituição tidas por necessárias à ratificação do Tratado da União Europeia, dando origem à Lei Constitucional n.° 1/92, promulgada pelo Presidente da República e publicada no Diário da República de 25 de Novembro de 1992.

2 — As disposições constitucionais que sofreram alteração foram as seguintes:

a) No tocante ao artigo 7.°, foi alterado o n.° 5 e aditado um n.° 6:

Redacção actual:

5 — Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

Nova redacção:

5 — Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

Aditamento:

6 — Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia.

b) Quanto ao artigo 15.°, foram alterados a epígrafe e o n.° 4 e aditado um n.° 5:

Redacção actual:

Artigo 15.°

Estrangeiros e apátridas

Nova redacção:

Artigo 15.°

Estrangeiros, apátridas e cidadãos europeus

Redacção actual:

4 — A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.

Nova redacção:

4 — A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições

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de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.

Aditamento:

5 — A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.

c) Quanto ao artigo 105.°, foi reformulado o preceito:

Redacção actual:

O Banco de Portugal como banco central, tem o exclusivo da emissão de moeda e colabora na execução das políticas monetária e financeira, de acordo com a Lei do Orçamento, os objectivos definidos nos planos e as directivas do Governo.

Nova redacção:

0 Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora na definição e execução das políticas monetária e financeira e emite moeda, nos termos da lei.

d) Foi aditada uma nova alínea j) ao artigo 166.°:

Nova redacção:

f) Acompanhar e apreciar, nos termos da lei, a participação de Portugal no processo de construção da União Europeia.

As actuais alíneas f), g) e h) passaram a alíneas g), h) e 0, respectivamente; é) Foi aditada uma nova alínea i) ao artigo 200.°:

Nova redacção:

i) Apresentar, em tempo útil, à Assembleia da República, para efeitos do disposto na alínea 0 do artigo 166.°, informação referente ao processo de construção da União Europeia.

A actual alínea »') passou a alínea J); f) Foi reformulado o artigo 284:

Redacção actual:

Artigo 284.°

Competência e tempo de revisão

1 — A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação de qualquer lei de revisão.

2 — A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento poderes de revisão constitucional por maioria de quatro quintos dos Deputados em efectividade de funções.

Nova redacção:

Artigo 284.°

Competência e tempo de revisão

1 — A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária.

2 — A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento poderes de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em efectividade de funções.

3 — As alterações aos artigos 166.°, 200.° e 284.° não eram indispensáveis para a conformação constitucional do texto do Tratado da União Europeia e, consequentemente, para a sua ratificação.

Porém, no que aos artigos 166.° e 200.° diz respeito, procurou-se atender à declaração anexa ao próprio Tratado, que recomenda um papel mais activo dos Parlamentos nacionais nas actividades da União Europeia, constituindo uma via de reequilíbrio e participação institucional que mereceu dignificação constitucional.

No referente ao artigo 284.°, tratou-se de introduzir um aclaramento processual no sentido de não se colocarem dúvidas de que o prazo de cinco anos para a revisão ordinária da Constituição se deve contar sempre a partir da publicação da última lei de revisão que tenha assumido natureza ordinária.

Não caberá, no.âmbito do presente relatório, proceder à análise dos vários projectos de revisão constitucional que estiveram em confronto, considerando-se, no entanto, de interesse notar que os projectos do Partido Social--Democrata e do Partido Socialista se cingiam, praticamente, às disposições cuja alteração se afigurava indispensável e necessária à ratificação do Tratada da União Europeia.

Por seu lado, os projectos de revisão constitucional do PCP e do Deputado independente Mário Tomé apenas preconizavam e continham mesmo um artigo único visando a introdução de uma disposição transitória que permitisse a prévia submissão a referendo da ratificação do Tratado.

Na lógica de tais projectos, haveria lugar, eventualmente, a duas revisões constitucionais extraordinárias: a primeira para permitir o referendo; a segunda para permitir a ratificação do Tratado, caso o resultado do referendo fosse nesse sentido.

O projecto de revisão constitucional do CDS e do PSN envolviam quer matéria relativa ao referendo quer alterações de outras disposições constitucionais.

Porém, só o projecto do CDS pretendia alterar o artigo 118.° da Constituição, não no âmbito de uma solução transitória, visando apenas o referendo do Tratado da União Europeia, mas no de uma modificação constitucional duradoura, que tornasse sempre obrigatória a submissão «a referendo nacional da aprovação de tratados que comportem a atribuição a uma organização internacional do exercício da competência do Estado Português».

A questão do referendo ou não referendo do Tratado da União Europeia em cada um dos Estados membros da Comunidade é uma questão delicada, que tem sido normalmente colocada na óptica de uma maior democraticidade na construção da Europa.

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Naturalmente que a matéria assume contornos diferentes em cada um dos Estados, sendo que em alguns deles tal se apresenta como uma exigência constitucional para efeitos de ratificação, noutros é constitucionalmente possível, mas não exigfvel, e em Portugal, face ao texto constitucional actualmente vigente (e que, neste particular, se manterá, mesmo após a revisão constitucional extraordinária a que se procedeu), tal referendo não é possível [artigos 118.°, n.° 2, e 164.°, alínea f), da Constituição da República Portuguesa].

Registe-se que, salvo melhor opinião, nenhum dos projectos de revisão constitucional que pretendiam alterar as disposições constitucionais relativas ao referendo e só posteriormente, se fosse caso disso, proceder às alterações necessárias à ratificação do Tratado da União Europeia resolvia a dificuldade decorrente do n.° 6 do artigo 118.° da Constituição, que obriga o Presidente da República a submeter a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade as propostas de referendo.

Efectivamente, como já se referiu, o Tratado contém normas que colidiam com o texto constitucional português, o que obrigou à revisão da nossa lei fundamental.

Ora, se fosse submetida a referendo a questão da ratificação do Tratado, uma das respostas ao referendo (e exactamente a resposta afirmativa) envolveria a admissão da ratificação de um texto inconstitucional.

Uma vez que os projectos de revisão relativos à matéria do referendo não mereceram acolhimento, o problema não chegou a ser suscitado em toda a sua extensão.

Como é sabido, só três países da Comunidade submeteram a referendo a decisão de ratificação do Tratado — a Irlanda, a França e a Dinamarca, que se pronunciou negativamente, criando a mais grave, mais séria e mais delicada dificuldade relativamente à vigência do Tratado da União Europeia e ao seu futuro.

Trata-se de uma das mais importantes questões que serão objecto da próxima Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo, a realizar em Edimburgo no encerramento da Presidência Britânica.

A questão da revisão constitucional para efeitos de ratificação do Tratado da União Europeia não se colocou apenas em Portugal mas também noutros países, designadamente a França, a Espanha, a Alemanha, a Holanda e a Bélgica. Sendo que, de um modo geral, as alterações decorreram de aspectos relacionados com a chamada «cidadania europeia», e, mais concretamente, com a atribuição de capacidade eleitoral activa e passiva a cidadãos comunitários residentes noutros países da Comunidade que não o da sua nacionalidade, no âmbito das eleições municipais e das eleições para o Parlamento Europeu.

Tenha-se presente, porém, que não deixou de haver quem advogasse a desnecessidade das revisões constitucionais, numa óptica um tanto apriorística de prevalência dos tratados sobre o direito constitucional interno.

Trata-se de uma questão longamente debatida, mas que, em nosso entender, nunca deve ser colocada no âmbito prévio de tratados ainda não regularmente ratificados.

Na verdade, não é pensável que os Estados, tendo, em princípio, de submeter o tratado a ratificação em conformidade com a sua própria lei constitucional, não apreciem previamente a conformidade ou não das normas do tratado a ratificar com as suas próprias leis constitucionais.

Não deixa, assim, de ser significativo o cuidado de preceder a ratificação do Tratado das revisões constitucionais necessárias, afastando, desde logo, a melindrosa discussão da prevalência deste, uma vez ratificado, sobre a própria Constituição.

O problema não é novo e já em França, em 19S4, a propósito do Tratado da Comunidade Europeia de Defesa (que não veio a ser ratificado), o relator da Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia Nacional Francesa admitia a possibilidade de uma revisão da Constituição pela via oblíqua da conclusão do Tratado, considerando que «os tratados diplomáticos, regularmente ratificados e publicados, devem ser considerados superiores às leis internas, ordinárias ou constitucionais» (Jornal Oficial doe. pari. ass. nat. 1954, pp. 1020-1021).

Aliás, em Portugal, até dado momento, pareceu prevalecer o entendimento de não ser necessária a revisão da Constituição para efeito da ratificação do Tratado da União Europeia.

Peia via institucional adequada, veio, porém, a ser estabelecido entendimento diverso, o que, num momento em que, a propósito de documento tão polémico, se suscitam fortes dúvidas e reservas quanto à manutenção da soberania nacional no novo quadro europeu, não é questão de somenos importância.

CAPÍTULO n A União Europeia

1 — É hoje unanimemente reconhecido que as Comunidades Europeias resultaram da consciência de que os Estados da Europa, depois de sucessivos conflitos seculares que culminaram com a última Grande Guerra, tiveram necessidade de encontrar formas que, ultrapassando o direito convencional ou internacional clássico, assegurassem um futuro de paz e progresso ao continente.

E nessa tarefa se empenharam, desde logo, homens que haviam vivido a guerra e que se haviam empenhado na resolução do conflito, como Winston Churchill.

Era de todo necessário pôr termo e impedir que se reacendessem as velhas rivalidades franco-alemãs.

Reconhecia-se, porém, que o quadro normal e clássico da cooperação internacional, no âmbito das chamadas «organizações intergovernamentais», não seria bastante para garantir, no futuro, com eficiência o desiderato desejado.

Havia necessidade de encontrar uma fórmula que determinasse que uma «entidade» acima dos próprios Estados nela participantes pudesse impor a sua autoridade aos seus membros.

Daí que se tenha criado uma organização supranacional e se tenha começado pela CECA, já que importava, antes de mais, regular o uso dos meios e matérias-primas qvit, então, alimentavam as indústrias bélicas. Mas a construção europeia, ao longo das últimas três dezenas de anos, tem-se feito tanto de «actos» como de «palavras», e estas, por vezes, pelo peso do seu conteúdo, têm tanta ou mais influência que os próprios actos.

Com isto se quer dizer que a expressão «União Europeia» surgiu varias vezes ao longo do processo de integração europeia e o próprio Winston Churchill, no seu célebre discurso, na Universidade de Zurique, em 19 de Setembro de 1946, exortava à criação dos «Estados Unidos da Europa».

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E no decurso de todo o processo de integração e da controvérsia sobre a questão da «supranacionalidade» das Comunidades desenvolveram-se duas correntes: a mais defensora da vertente supranacionalista, tendente a acentuar a transferência de poderes soberanos dos Estados para as instituições comunitárias, designada por corrente federalista, e a outra linha defensora da manutenção, o mais alargada possível, dos poderes dos Estados, sem prejuízo da intensificação de uma cooperação cada vez mais acentuada entre os Estados membros.

Foi através do digladiar das duas correntes, e entre avanços e recuos, que se foi consolidando até aos nossos dias o processo de integração.

Particularmente ligado a esta questão está o processo de decisão comunitário e o alargamento das matérias a decidir por maioria, com prejuízo da regra da unanimidade, bem como a ampliação das competências comunitárias. '

A este processo vem a associar-se, de forma particular, o Parlamento Europeu, o qual tem feito mesmo tentativas para ultrapassar o quadro institucional que faz passar obrigatoriamente pelos Estados e pela regra da unanimidade as alterações aos tratados institutivos das Comunidades.

Já em 1974, na sequência da cimeira de Dezembro daquele ano, o Parlamento Europeu aprovou um relatório sobre a União Europeia, a par do relatório então elaborado por Tindemans, a solicitação do Conselho.

Mais tarde, e mais precisamente em 14 de Fevereiro de 1984, o Parlamento Europeu veio a aprovar um projecto de Tratado sobre a União Europeia, da autoria do Deputado Altiero Spinelli, então presidente da Comissão de Assuntos Institucionais, que preconizava a criação da União Europeia, como organização de tipo federal, dissolvendo as Comunidades existentes, que eram substituídas pela nova União Europeia.

Os Estados membros, porém, não acolheram o texto ousado do Parlamento Europeu, aprovando no Conselho Europeu de 2 de Abril de 1985 o Acto Único Europeu, que fixou novas metas na integração europeia, designadamente a criação de um mercado interno em 1993 e um alargamento de competências e de novas políticas, acentuando a vertente da cooperação política, designadamente no âmbito externo.

Não se foi, contudo, tão longe quanto pretendia o Parlamento Europeu.

2 — A alteração aos tratados institutivos das Comunidades Europeias que se seguiu ao Acto Único Europeu foi o Tratado da União Europeia, agora em apreciação.

Do Tratado assinado em Maastricht resulta, efectivamente, algo que até agora não se verificava—a institucionalização da União Europeia como entidade distinta das próprias Comunidades Europeias.

A propósito do Acto Único Europeu, o Prof. Barbosa de Melo referiu nas suas aulas de Contencioso Comunitário, no curso de Estudos Europeus, da Universidade de Coimbra (1985-1986), que, então, «a União Europeia não era ainda uma instituição, mas uma ideia». Com o Tratado de Maastricht, a União Europeia passa a ser, finalmente, uma instituição. Difícil, porém, de caracterizar.

Enquanto, por exemplo, o projecto de Tratado da União Europeia, da autoria do Deputado Spinelli, aprovado pelo Parlamento Europeu em 14 de Fevereiro de 1984, extinguia as Comunidades Europeias, que davam lugar a uma nova entidade — a União Europeia —, taJ não acontece, agora, com o Tratado de Maastricht.

Estamos perante uma situação híbrida, de contornos jurídicos de difícil precisão.

O artigo A do Tratado refere expressamente:

[...] as Altas Partes Contratantes instituem entre si uma União Europeia [...]

E nesse mesmo artigo, no seu último parágrafo, refere-se:

A União funda-se nas Comunidades Europeias, completadas pelas políticas e formas de cooperação instituídas pelo presente Tratado.

Resulta, pois, claro que a União Europeia aceita e baseia-se nas Comunidades existentes, completando-as com as políticas e as novas formas de cooperação que o próprio Tratado que a institui agora estabelece.

O artigo A deixa ainda claro que o Tratado assinala «uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa».

O sentido que para nós assume a institucionalização da União Europeia no Tratado de Maastricht é o de, por via dela, melhor se concretizar uma fase mais do processo de integração, que ainda não é o da União Política, mas o da União Económica e Monetária, e de constituir também a ponte para a futura União Política.

Quanto aos limites da União Europeia, decorrentes do Tratado e do demais direito institucional anterior, podemos apontar-lhe duas vertentes: por um lado, a que resulta do facto de a «União ter por missão organizar, de forma coerente e solidária, as relações entre os Estados membros e entre os respectivos povos», o que implica o respeito por uns e por outros e a não conflitualidade com as competências dos Estados; por outro, o artigo F do Tratado de Maastricht refere expressamente que a União respeitará a identidade nacional dos Estados membros, bem como os direitos fundamentais, tal como decorre da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e como «resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário».

Os limites estão, pois, situados em princípios e na reserva de espaços próprios, mas sem prejuízo de toda a anterior arquitectura comum que os Estados construíram ao instituírem ou ao aderirem às Comunidades Europeias.

Aludindo à natureza jurídica desta entidade — União Europeia —, Simone Veil pôde certeiramente afirmar

Ni confédération, ni fédération, la Communauté a pu, grâce a son caractere sui generis, progresser de façon empirique et s'adapter aux situations et aux besoins. [«Les enjeux aprés Maastricht», in Ropport d'information de VAssemblée nationale, n.°2633, anexo.].

Esta análise e opinião relativamente à natureza jurídica da «União», nos termos em que agora é instituída, é, de certo modo, confirmada a contrario pelo não acolhimento de algumas posições que apontam já para soluções mais avançadas.

Assim, o Parlamento Europeu, numa resolução aprovada em 7 de Abril de 1992, tendente a estimular não só a implementação do Tratado de Maastricht, mas já numa perspectiva de futuras revisões do Tratado, exprime a sua vontade de «prosseguir os seus esforços para atingir uma União Europeia democrática e de tipo federal»,

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considerando necessário implementar uma «União Europeia de inspiração federal, baseada num projecto de constituição elaborado pelo Parlamento Europeu em colaboração com os parlamentos nacionais».

Trata-se de uma concepção que encontra defensores em vários quadrantes do pensamento político europeu, como expressivamente revela o texto elaborado pelo Deputado europeu Rudolf Suster, sob o título Constituição da União Europeia, publicado em Portugal com a designação União Europeia, um Projecto de Constituição, em cujo prefácio o Deputado Lucas Pires refere, confirmando o que se disse sobre a presente natureza jurídica da União Europeia:

Em geral, prefiro pensar uma União Política organizada à volta de um princípio e de uma estrutura federativa, mas que não dão ainda lugar a um Estado federal. Essa parece ser, pelo menos, a etapa seguinte, > ou até a mais próxima de uma via original e não estatista da Europa.

Noutra óptica, Jacques Delors sublinhou:

Se para encontrar soluções válidas recorro aos princípios do federalismo, é precisamente porque ele ofereceu todas as garantias desejáveis tanto para o respeito pelo pluralismo como pela eficácia da realidade institucional em formação. Duas regras essenciais devem aqui ser relembradas:

A regra de autonomia, que conserva a personalidade distinta de cada Estado e afasta toda e qualquer tentação de unificação deslizante;

A regra de participação, que recusa a subordinação de uma entidade a outra, mas que, ao invés, favorece a cooperação e as sinergias, de acordo com as disposições claras, precisas e garantidas pelo Tratado.

Com esse ponto de partida, desenvolve-se uma experiência original, que recusa qualquer analogia com outros modelos, como, por exemplo, a criação dos Estados Unidos da América [...] Não se trata de organizar qualquer complot contra as nações, a ninguém se pedindo que renuncie a um patriotismo legítimo [...] À medida que a Comunidade se desenvolve e os governos acentuam a necessidade de construir também a Europa dos cidadãos, como poderá ser sacrilégio desejar que cada europeu tenha o sentimento de pertencer a uma Comunidade que seja, de certo modo, uma segunda pátria? [Le nouveau concert Européen, Ed. Odile Jacob, Paris, 1992, pp. 331 e segs.]

3 — Os novos objectivos e competências:

a) As inovações do Tratado. — A União Europeia

propõe-se os seguintes objectivos enunciados no artigo B

do Tratado de Maastricht:

A promoção de um progresso económico e social equilibrado e sustentável, nomeadamente mediante a criação de um espaço sem fronteiras internas, o reforço da coesão económica e social e o estabelecimento de uma União Económica e Monetária, que incluirá, a prazo, a adopção de uma moeda única, de acordo com as disposições do presente Tratado;

A afirmação da sua identidade na cena internacional, nomeadamente através da execução de uma política externa e de segurança comum que inclua a definição, a prazo, de uma política de defesa comum, que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum;

O reforço da defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos seus Estados membros, mediante a instituição de uma cidadania da União;

O desenvolvimento de uma estreita cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos;

A manutenção da integralidade do acervo comunitário e o seu desenvolvimento, a fim de analisar, nos termos do procedimento previsto no n.°2 do artigo N, em que medida pode ser necessário rever as políticas e formas de cooperação instituídas pelo presente Tratado, com o objectivo de garantir a eficácia dos mecanismos e das instituições da Comunidade.

Dos objectivos supracitados resulta o alargamento das acções comuns das Comunidades, quer no âmbito das relações externas, quer no da cooperação judiciária e da segurança, no domínio monetário e financeiro, económico e social.

A par da harmonização legislativa, cada vez mais alargada a domínios tradicionalmente por ela não abrangidos, outros instrumentos têm de ser implementados, e daí que, além da institucionalização da União Europeia e dos seus objectivos, o Tratado de Maastricht introduza várias alterações e disposições inovatórias nos Tratados CEE, CECA e EURATOM, como também inclui dois títulos próprios, um relativo à política externa e de segurança comum e outro referente à cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos, de que nos ocuparemos mais adiante, em capítulo próprio dedicado a estas matérias, que se inserem no âmbito da competência desta Comissão.

b) A subsidiariedade. — Particularmente importante na delimitação das competências comunitárias relativamente aos Estados membros é o princípio da subsidiariedade, referido quer no artigo B, último parágrafo, do Tratado, quer no artigo 3.°-B, agora introduzido no Tratado de Roma, que consigna:

Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente satisfeitos pelos Estados membros e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário.

Não é a primeira vez que o princípio da subsidiariedade é inserido nos tratados comunitários.

Efectivamente, no artigo 130.°-R do Tratado de Roma, introduzido pelo Acto Único Europeu, respeitante à acção da Comunidade em matéria de ambiente, estabelecia-se no seu n.° 4:

A Comunidade intervirá em matéria de ambiente, na medida em que os objectivos referidos no n.° 1 possam ser melhor realizados a nível comunitário do que a nível dos Estados membros considerado* isoladamente.

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E o projecto de Tratado de União Europeia do Deputado Spinelli, já citado no n.° 2 do seu artigo 12.° estabelecia:

A União só actua para levar a cabo as tarefas susceptíveis de serem empreendidas mais eficazmente em comum do que pelos Estados membros [...].

Colocando-se o princípio da subsidiariedade no domínio das competências concorrenciais União Europeia/Estados membros, não restam dúvidas de que a sua definição, e particularmente a sua aplicação e execução, envolve particular acuidade e delicadeza.

Na verdade, a eventual distorção de tal princípio poderia conduzir a alargamentos de competências das Comunidades, com prejuízo da competência dos Estados.

No outro pólo, receando que eventuais conflitos entre os Estados e as instituições comunitárias no domínio da aplicação do princípio da subsidiariedade possam conduzir a uma jurisprudência centralistas já há quem preconize que a apreciação ou o levantamento cíclico da aplicação daquele princípio devem ser feitos pelos parlamentos nacionais institucionalmente reunidos em conferência com o Parlamento Europeu, nos termos agora previstos em declaração anexa ao Tratado da União Europeia.

Independentemente da reflexão histórico-filosófica sobre as raízes do princípio agora consagrado, é de sublinhar que o Tratado não faculta a sua identificação redutora com uma específica fonte doutrinal, antes podendo reclamar-se várias, com alcance que importa apurar.

Na verdade, o princípio não regula a determinação das competências comunitárias (decorrente apenas de tratados), mas tão-só o seu exercício.

Tal princípio tem ínsita uma dimensão de proporcionalidade que o artigo 3.°-6, introduzido agora no Tratado CEE, sublinha expressivamente ao referir que «a acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objectivos do presente Tratado».

Por outro lado, o princípio da subsidiariedade coloca-se também a nível interno de cada Estado, nas suas relações com as regiões e com as autarquias locais.

O princípio, tendo as virtualidades referidas, não deixa, porém, de poder constituir uma fonte de dificuldades na sua aplicação, em particular se se tiver presente o processo de co-decisão comunitário.

Recentemente o Parlamento Europeu, através da Resolução B3-1S14 e 1529/92, assinalou a importância de criar um mecanismo adequado que garanta a aplicação e o controlo do respeito do princípio da subsidiariedade nos processos de decisão comunitários.

O Parlamento Europeu preconizou que, no âmbito do acordo interinstitucional a negociar e a aprovar pelas três instituições, se estabelecesse uma estreita cooperação, de acordo com as seguintes orientações:

O controlo do respeito do princípio da subsidiariedade efectua-se aquando do processo de decisão comunitário, nos termos das regras de votação previstas no Tratado, não devendo de forma alguma pôr em causa o direito de iniciativa, tal como consignado no Tratado da União Europeia, nem levar à instituição de um processo de consulta do Conselho prévio ou paralelo ao desenrolar do processo de tomada de decisão previsto nos Tratados e nos acordos interinstitucionais que deles decorrem;

As três instituições, no âmbito do seu procedimento intemo e por ocasião do exame da base jurídica,

verificam sistematicamente a conformidade da acção prevista com as disposições do artigo 3.°-B do Tratado da União Europeia, quer no que respeita à escolha dos instrumentos jurídicos, quer ao conteúdo (coordenação, aproximação ou harmonização das legislações): a verificação não pode, pois, ser dissociada do exame da matéria de fundo;

Qualquer proposta da Comissão inclui uma exposição de motivos, que deverá conter uma justificação relativamente ao princípio da subsidiariedade, tal como definido no artigo 3.°-B do Tratado;

Qualquer alteração ao texto inicial proposto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho deve, caso acarrete uma nova extensão do campo de intervenção comunitário, ser acompanhada de uma justificação relativamente aos princípios consagrados no artigo 3.°-B;

A Comissão elabora um relatório anual sobre o respeito do princípio da subsidiariedade, que submeterá à consideração do Parlamento Europeu e do Conselho. O Parlamento Europeu organiza um debate público sobre este relatório, no qual participarão a Comissão e o Conselho.

Por outro lado, o Parlamento Europeu considerou que, em caso de dificuldades de aplicação, pode ser convocada, por iniciativa do presidente de uma das instituições, uma conferência interinstitucional destinada a ultrapassar essas dificuldades e, se necessário, propor que que se modifique ou complete este acordo interinstitucional.

De facto, a delimitação inicial de uma decisão comunitária pode, por força do processo decisório das Comunidades, sofrer alterações que impliquem, elas mesmas, desvio ou preterição do princípio da subsidiariedade.

Áfigura-se de admitir que o equilíbrio institucional conseguido pelo Tratado e, designadamente, o peso que os Estados continuam a ter, por via do Conselho, permitirá o funcionamento adequado do princípio da subsidiariedade e um saudável desenvolvimento das relações Estados/ Comunidades, com recíproco respeito pelos seus espaços e competências.

CAPÍTULO III A cidadania europeia

1 — O Tratado da União Europeia adita ao Tratado de Roma uma nova parte n, composta pelos artigos 8.° a 8.°-F, respeitantes à cidadania da União.

a) O artigo 8° do Tratado institui a cidadania da União e estabelece que «é cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado membro».

É da exclusiva competência de cada Estado membro a definição dos critérios de atribuição da nacionalidade, aspecto precisado em declaração anexa (que admite, como mera faculdade, o depósito por cada Estado, a título informativo, junto da Presidência, de declarações que explicitem quais as pessoas que devem ser consideradas como seus nacionais para efeitos comunitários).

A cidadania europeia tem carácter cumulativo e complementar à emergente das disposições constitucionais e legais de cada Estado membro, mas é inteiramente determinada por estas. Valerão, assim, igualmente os

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distintos critérios em vigor para a atribuição de cidadania, incluindo os que decorram de tratados regularmente celebrados com países terceiros com vista à instituição de formas de dupla cidadania e os respeitantes à aquisição da cidadania por naturalização.

b) O estatuto de cidadão da União é composto por um feixe de quatro direitos fundamentais:

O direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados membros (artigo 8.°-A);

A capacidade eleitoral activa e passiva nas eleições autárquicas do Estado membro de residência e nas eleições para o Parlamento Europeu, nas mesmas condições dos nacionais desse Estado (artigo 8.°-B);

O direito à protecção diplomática e consular em países terceiros por parte das autoridades de qualquer Estado membro, quando o seu próprio Estado não se encontre representado nesse país (artigo 8.°-C);

O direito de petição perante o Parlamento Europeu e o provedor de Justiça europeu (artigo 8.°-D).

2 — A atribuição de conteúdo jurídico preciso ao conceito de cidadania europeia, ausente do texto originário do Tratado de Roma e das suas sucessivas alterações, vem culminar um longo e difícil processo de reflexão no âmbito comunitário.

Entre os momentos e expressões mais relevantes desse processo, contam-se:

O relatório sobre a identidade europeia, aprovado em 1973 pela Cimeira Europeia de Copenhague

(1973);

A deliberação da reunião de Paris dos chefes de Estado e de Governo (1974) tendente ao estudo dos direitos a incluir no conceito de cidadania europeia;

O relatório Tindemans sobre a União Europeia (1976);

Os relatórios sobre a Europa dos cidadãos aprovados pelo Conselho Europeu de Milão (1985), na sequência dos trabalhos do comité ad hoc para o estudo das medidas de reforço e promoção da imagem da Comunidade, criado em 1984 por deliberação do Conselho Europeu de Fon-tainebleau (Comité Adonnino);

As deliberações e recomendações do Par-lamento Europeu sobre o alargamento do direito de voto nas eleições autárquicas e europeias.

Em resultado parcial de sugestões e propostas emergentes destes esforços de configuração dos contornos da cidadania europeia, a Comissão apresentou uma proposta de directiva do Conselho (de 22 de Junho de 1988) sobre a capacidade activa e passiva dos cidadãos em eleições locais e europeias (debatida, mas não aprovada) e três propostas de directivas (aprovadas em 28 de Junho de 1990) tendentes a reconhecer a pessoas que não exerçam actividades profissionais (v. g., estudantes, reformados) direito de permanência no território de qualquer Estado membro, desde que disponham de meios de subsistência e de seguro de doença adequados.

Não se logrou, contudo, definir com rigor as dimensões de um conceito juridicamente operacional.

O Tratado da União Europeia representa um impulso relevante, mas modesto, rumo a tal delimitação.

3 — As disposições citadas, além de consagrarem um número restrito de direitos, têm baixa densidade normativa, carecendo de desenvolvimento e regulamentação no plano comunitário e nacional.

Assim:

a) A liberdade de circulação e o direito de permanência sofrem limitações e obedecem a condições previstas no Tratado.

A definição em concreto das regras comuns sobre o respectivo exercício dependem, em regra, de aprovação do Conselho, por unanimidade, sob proposta da Comissão, após parecer favorável do Parlamento Europeu (artigo 8.°-A, n.° 2). A aprovação de medidas respeitantes à livre circulação de trabalhadores continua sujeita ao regime do artigo 49° do Tratado de Roma, segundo o procedimento previsto no novo artigo 189.°-B do Tratado de Maastricht (deliberação do Conselho por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, após parecer do Parlamento Europeu).

A elaboração dos instrumentos comunitários sobre esta temática exigirá a criação de complexos mecanismos, que tenham em conta as implicações da circulação e permanência de cidadãos europeus na óptica dos sistemas de segurança social e dos orçamentos dos Estados membros.

A dificuldade de definição desses mecanismo revelou-se claramente no processo de definição das directivas de 28 de Junho de 1990, atrás refeñdas, e esteve na base da formulação, largamente remissiva, do artigo 8.°-A do Tratado de Maastricht.

b) A definição das modalidades de exercício dos direitos conferidos em matéria eleitoral deve ser feita pelo Conselho até 31 de Dezembro de 1994, deliberando por urianimidade, sob proposta da Comissão, após consulta do Parlamento Europeu. Esse regime jurídico pode comportar a aprovação de derrogações justificadas por problemas específicos (artigo 8.°-A).

A redacção escolhida comporta importantes implicações:

A possibilidade de derrogações confere um cunho peculiar à regra da reciprocidade, que não pode ser entendida, classicamente, como implicando uma identidade de obrigações a medir caso a caso nas relações bilaterais de cada Estado membro com cada um dos demais;

O exercício do direito de voto depende de prévia normação comunitária, que deverá precisar o que se entende por modalidades (v. g. inelegibilidades, garantias contra fraude eleitoral) e fixar não só os parâmetros como as concretas expressões das derrogações. Conceitos como «eleições municipais» {autárquicas, em mais rigorosa tradução) e «residentes» exigem também dilucidação (cuja dificuldade foi evidenciada aquando da preparação da proposta de directiva de 23 de Outubro de 1989 sobre a mesma matéria).

Haverá que optar pela adequada forma dos correspondentes actos comunitários (regulamento, directiva ou mesmo recomendação, nos termos do artigo 189.°).

Além da possibilidade (excepcional) de derrogações, um largo campo poderá ser reservado à regulamentação por órgãos dos Estados membros, no caso português mediante lei (embora não lei orgânica).

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c) As formas de protecção diplomática devem ser definidas até 31 de Dezembro 1993, mas não através de instrumentos de direito comunitario. Os Estados membros encetarão as negociações internacionais (entre si e com Estados terceiros) necessárias para garantir essa protecção, por via convencional.

d) O direito de petição, individual ou colectiva, perante o Parlamento Europeu abrange tanto cidadãos como qualquer outra pessoa singular ou colectiva com residência ou sede estatutária num Estado membro e não comporta derrogações ou reservas, podendo beneficiar das regras sedimentadas ao longo dos anos. Necessário se torna, todavia, clarificar os contornos da titularidade do direito e os seus limites, designadamente em função do objecto das petições, que podem incidir «sobre qualquer questão que se integre nos domínios da actividade da Comunidade» e que «diga directamente respeito» ao cidadão (artigo 138.°-D).

e) O estatuto e as condições gerais de exercício das funções de provedor de Justiça face a «casos de má administração na actuação das instituições ou órgãos comunitários» serão estabelecidos por iniciativa do Parlamento Europeu, após parecer da Comissão e com aprovação do Conselho por maioria qualificada (artigo 138.°-E).

4 — O elenco dos direitos agora estatuídos e o respectivo regime podem sofrer alterações tendentes ao seu aprofundamento, tendo em conta o desenvolvimento da União.

Nesse sentido, o artigo 8.°-E vincula a Comissão a apresentar trienalmente ao Conselho (e, pela primeira vez, até 31 de Dezembro de 1993) um relatório sobre a aplicação das disposições relativas à cidadania europeia.

Com base nesses relatórios, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, pode aprovar disposições tendentes ao aprofundamento da parte n agora aditada ao Tratado de Roma.

Tais disposições assumirão a natureza de meras recomendações. Na verdade, a sua efectivação dependerá de ulterior aprovação dos correspondentes instrumentos de direito comunitário e interno pelos Estados membros, de acordo com as respectivas normas constitucionais.

CAPÍTULO IV A nova arquitectura institucional

«A União dispõe de um quadro institucional único, que assegura a coerência e a continuidade das acções empreendidas para atingir os seus objectivos, respeitando e desenvolvendo simultaneamente o acervo comunitário.» (Artigo C do Tratado de Maastricht.)

À unicidade do quadro institucional corresponde, contudo, a diversidade dos processos de decisão.

Além de ter alterado os processos respeitantes ao exercício de anteriores competências comunitárias, o Tratado de Maastricht alargou essas competências. Por outro lado, instituiu novas modalidades de cooperação intergovernamental no âmbito da política externa e de segurança e nas áreas da justiça e da segurança interna («3.° pilar»).

Correspondentemente, foram adaptados e ampliados os mecanismos de fiscalização do sistema, designadamente os de carácter judicial e os que exprimem a participação das regiões no processo de construção europeia.

1 — As instituições europeias. — O Tratado estabeleceu o quadro institucional da União, reconfigurando órgãos criados ao longo dos anos e instituindo outros ex novo.

As disposições relativas ao Banco Europeu de Investimento (título rv da parte n do Tratado de Roma) passaram a constituir o novo capítulo v do título t da parte v («Instituições da Comunidade»). O Tribunal de Contas foi elevado à categoria de instituição comunitária (artigos 188.°-A a 188.°-C), ao lado do Parlamento, do Conselho, da Comissão e do Tribunal de Justiça. É criado um Comité das Regiões, composto por representantes das colectividades regionais e locais (artigos 198.°-A a 198.°-C). O estatuto do Comité Económico e Social (artigos 193.° a 198.°) não sofre alterações relevantes.

a) O Conselho Europeu. — O Tratado de Maastricht veio qualificar o Conselho Europeu como o órgão responsável por dar à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e definir as respectivas orientações políticas gerais (artigo D).

Trata-se da consagração expressa das atribuições que o Conselho Europeu já vinha exercendo no concerto comunitário. De facto, embora o artigo 2.° do Acto Único Europeu tivesse definido a composição e competências do Conselho Europeu e regulado a periodicidade das suas reuniões, não o integrou no quadro institucional.

Embora também não tenha operado essa integração, o Tratado de Maastricht explicita o estatuto do Conselho Europeu, a sua composição e regras de funcionamento (artigo D) e as modalidades da sua intervenção nos processos de decisão (v. g., artigo 103.°, quanto à definição das grandes orientações em matéria de política económica, e artigos J.3, n.° 1, e J.8, n.os 1 e 2, quanto à PESC).

b) O Conselho. — O Conselho é composto «por um representante de cada Estado membro, ao nível ministerial, que terá poderes para vincular o governo desse Estado membro» (artigo 146.°).

A redacção vigente (decorrente do tratado de fusão), depois de referir que o Conselho é composto por representantes dos Estados membros, estabelece que «cada governo designará um dos seus membros para nele participar». Faculta-se agora uma flexibilização do modo de representação dos Estados membros, de modo a ter em conta eventuais necessidades dos Estados com organização interna complexa, designadamente de carácter federal.

No entanto, para o exercício das competências previstas nos artigos 109.°-J e 109.°-K2, o Conselho deve reunir ao nível de chefes de Estado ou de Governo, para deliberar por maioria qualificada nos grandes momentos da realização da União Monetária.

c) Parlamento Europeu. — O Tratado de Maastricht não altera a natureza jurídica do Parlamento Europeu.

Embora a consagração da componente eleitoral da cidadania europeia possa alterar tendencialmente a composição dos colégios eleitorais de base nacional, o Tratado continua a referi-lo como composto «por representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade» (artigo 137.°).

Mantêm-se em vigor as regras do Acto que determinaram a eleição por sufrágio directo, complementadas pelos tratados de adesão de Portugal e Espanha, as quais fixam o número de Deputados eleitos em cada Estado membro. Nos termos de declaração anexa, a questão da composição do Parlamento Europeu deveria ser reexaminada até ao termo do ano de 1992 e adoptadas as medidas necessárias para que o novo regime possa entrar em vigor aquando da renovação da câmara, em 1994.

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Não foram incluídas normas tendentes à uniformização do sistema eleitoral.

No tocante às competências, o Parlamento Europeu viu reforçados os seus poderes de fiscalização e de intervenção nos processos de decisão e acrescida a sua importância no quadro institucional.

O Parlamento Europeu:

Passa a intervir (artigo 158.°) no processo de designação e investidura da Comissão (com efeitos a partir de 7 de Janeiro de 1995);

Participa nos procedimentos de cooperação e co--decisão (artigos 138.°-B. 189.°-B e 189.°-C);

Pode solicitar à Comissão que submeta à sua apreciação todas as propostas adequadas sobre as questões que se lbe afigure requererem a elaboração de actos comunitários para efeitos de aplicação do Tratado;

Tem poderes para constituir comissões parlamentares de inquérito (artigo 138.°-C);

Vê explicitadas as competências em matéria de apreciação de petições (artigo 138.°-D);

Tem direito a ser consultado e informado sobre a política externa e de segurança, podendo formular perguntas e recomendações ao Conselho;

Passa a eleger o provedor de Justiça europeu (artigo 138.°-E);

Adquire o direito de recurso perante o Tribunal de Justiça para salvaguarda das suas prerrogativas (artigo 173.°, § 3).

Continua a ser, todavia, o Conselho o centro da produção legislativa da União e o fulcro das suas decisões (cf. artigo 145.°, não alterado pelo Tratado de Maastricht).

Subsiste, pois, um dos factores do défice democrático comunitário, cuja superação transcende, porém, a problemática da reconfiguração do estatuto do Parlamento Europeu e implica um reexame da teia de relações entre as instituições comunitárias e os órgãos de soberania nacionais.

d) A Comissão. — A Comissão vê alterado o processo de designação. A nomeação governamental surge temperada pela configuração de um processo de consulta prévia e investidura parlamentar (artigo 158.°).

Embora não se tenha registado alterações das regras básicas do Tratado de Roma consagradas à Comissão (artigos 155.° a 163.° na secção in do capítulo i do título i da parte v), projectam-se no seu estatuto as ampliações da esfera de acção comunitária.

É a esta nova luz que devem ser relidas as normas segundo as quais cabe à Comissão velar pela aplicação das disposições do Tratado e das medidas tomadas pelas instituições comunitárias, formular recomendações e pareceres, exercer poder de decisão próprio, participar na formação de actos do Conselho e do Parlamento e exercer competências delegadas pelo Conselho (artigo 155.°).

O direito de iniciativa de que é titular a Comissão (mantido e ampliado a novas esferas) continua a ser o pilar essencial do seu papel crucial nos processos de decisão. Suscita, porém, irresolvidos problemas numa óptica de democracia comunitária Embora o Parlamento Europeu tenha adquirido competência para solicitar à Comissão que lhe submeta propostas tendentes à elaboração de actos comunitários, esta não viu afectado o seu poder de iniciativa legislativa, elemento chave para a dinâmica decisional.

Por outro lado, sempre que, por força do Tratado, um acto do Conselho seja aprovado sob proposta da Comissão, o Conselho só pode alterar o conteúdo da proposta por unanimidade (artigo 189.°-A). Esta regra, contida na versão originária dos tratados instituintes e mantida pelo Acto Único, que lhe aditou mecanismos de cooperação com o Parlamento Europeu, é agora reformulada, sem alteração de substância. Resulta, porém, acrescido o impacte do sistema deliberativo, dada, designadamente, a ampliação de competências que o Tratado visa operar.

e) Os tribunais comunitários. — Embora a secção rv continue a aludir apenas ao Tribunal de Justiça, o Tratado de Maastricht estabiliza a existência do Tribunal de Primeira Instância criado pelo Acto Único Europeu e define regras sobre a sua composição e funcionamento (artigo 168.°-A).

Totalmente inovadora é a instituição de um novo procedimento sancionatório em caso de incumprimento de acórdãos do Tribunal de Justiça, que pode incluir a aplicação de uma sanção pecuniária a pagar pelo Estado membro. O Tratado confere ao Tribunal vastos poderes de modelação da sanção «adequada às circunstâncias» (artigo 171.°, n.° 2). É também acautelado o cumprimento de acórdãos do Tribunal de Justiça pelos bancos centrais nacionais [artigo 180.°, alínea d)].

Embora o controlo previsto não abranja o exercício de todas as competências, uma vez que o Tratado de Maastricht não submete à jurisdição do Tribunal de Justiça as matérias referentes ao «3.° pilar» (artigo L das disposições finais), o Tribunal pode, mesmo nesse domínio, vir a intervir na interpretação e aplicação das convenções previstas no artigo K.3, § 2, alínea c).

Neste contexto, a jurisdição do Tribunal de Justiça é significativamente revista e ampliada.

Por um lado, passa a abranger a fiscalização da legalidade dos actos conjuntos Parlamento Europeu/ Conselho e, muito inovadoramente, dos actos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. Por outro lado, o Tribunal adquire competências para o contencioso decorrente da existência do Banco Central Europeu [cf. artigos 175.° e 180.°, alínea d)]. São aperfeiçoados os procedimentos para declaração de violações do Tratado por omissão (artigo 175.°) e para arguir a inaplicabilidade de regulamentos (artigo 184.°).

O Tribunal de Contas é promovido a instituição comunitária, regulada na nova secção v (artigos 188.°-A a 188,°-C), com pequenos reajustamentos das normas reinseridas sistematicamente.

2 — Os processos de decisão comunitários. — O Tratado de Maastricht acentua a diversificação dos processos de decisão, que compreendem tanto mecanismos puramente intergovernamentais (v. g., para a gestão das matérias do «3.° pilar») como o reforço dos poderes do Conselho para o exercício de competências já comunitárias e a reconfiguração do estatuto do Parlamento Europeu (v. g., com a criação do procedimento de co-decisâo legislativa e a reformulação do procedimento de cooperação).

a) As regras de deliberação do Conselho. — O Tratado de Maastricht não altera as regras sobre ponderação dos votos dos Estados membros do Conselho (artigo 148.°):

Alemanha —10; França —10; Itália—10; Reino Unido — lf>, Espanha — 8;

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Bélgica — 5; Grécia — 5; Países Baixos — 5; Portugal — 5; Dinamarca — 3; Irlanda —3; Luxemburgo — 2.

A aprovação de actos por maioria qualificada exige 54 votos (entre 76), quando as deliberações ocorram sob proposta da Comissão. Nos demais casos, a deliberação válida exige 54 votos favoráveis, expressos por um mínimo de 8 Estados membros.

O Conselho delibera, em regra, por maioria, de acordo com os procedimentos definidos nos artigos 189.°-B e 189.°-C. O voto por maioria qualificada é agora alargado a domínios como a educação, formação profissional, saúde, ambiente (salvo disposições de natureza fiscal, afectação de solos e recursos hidráulicos e energéticos), redes transeuropeias, política de desenvolvimento, protecção dos consumidores, fixação do estatuto do provedor de Justiça europeu e certos aspectos da política social. A partir de 1 de Janeiro de 1996 será também fixada por maioria qualificada a lista dos países terceiros a cujos cidadãos deva ser exigido visto.

A unanimidade (que, nos termos do artigo 148.°, n.° 3, deve ter-se por apurada apesar das abstenções de membros presentes ou representados) é necessária para a aprovação de matérias com os recursos próprios, direito de voto, cidadania, vistos, processo eleitoral, modificações do Tratado e harmonização fiscal, bem como ainda acções e recomendações em matéria cultural (artigo 128.°); medidas específicas de apoio em matéria industrial (artigo 130.°, § 3); afectação dos fundos comunitários a funções e respectiva organização (artigo 130.°-D); criação de novas estruturas no domínio da investigação e desenvolvimento (artigo 130.°-O) e certas medidas no domínio ambiental (artigo 130.°-S).

b) O Parlamento Europeu. — O Tratado de Maastricht reformula as formas de intervenção do Parlamento Europeu no processo legislativo.

Na redacção decorrente do Acto Único Europeu, o Parlamento Europeu viu asseguradas três formas de intervenção:

A consulta, existente desde o Tratado de Roma e traduzida na emissão de parecer numa simples leitura parlamentar;

A cooperação, instituída pelo Acto Único, aplicável no domínio do mercado interno, política social, certas questões de coesão económica e social e investigação. Implica duas leituras: na sequência da primeira, o Conselho, por maioria qualificada, aprova uma posição comum; o Parlamento Europeu dispõe então de três meses para:

a) Aprovar essa solução;

b) Rejeitá-la por maioria absoluta, caso em que o Conselho só a pode aprovar por unanimidade, se entretanto não for retirada pela Comissão;

c) Alterá-la, caso em que a Comissão apresenta ao Conselho uma versão corrigida da proposta, cuja aprovação exige maioria qualificada, mas é apenas rejeitável por unanimidade;

O parecer favorável, instituído pelo Acto Único e aplicável à adesão de novos Estados membros e de acordos de associação.

O Tratado de Maastricht reconfigura estes procedimentos:

Generaliza a consulta a quase todos os domínios (salvo a política comercial), abrangendo as modalidades de direito de voto e capacidade eleitoral dos cidadãos da União nas eleições autárquicas e europeias, instituição de novos direitos no âmbito da cidadania europeia, regulamentação das ajudas concedidas pelos Estados, fixação dos países terceiros cujos cidadãos se encontram sujeitos a exigência de visto, modelo de visto europeu, acordos internacionais não sujeitos a parecer favorável do Parlamento Europeu, acções específicas suplementares visando o reforço da coesão económica e social, programas específicos de pesquisa, medidas específicas destinadas a apoiar as acções adoptadas no quadro da política industrial, designação do presidente da Comissão, principais aspectos e opções fundamentais da PESC, principais aspectos da actividade nos domínios da justiça e da segurança interna, revisão das disposições relativas aos défices orçamentais excessivos, direito derivado decorrente dos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais, sistema de taxas de câmbio do ecu face a moedas não comunitárias, nomeação do presidente e dos membros da direcção do Banco Central, nomeação do presidente do Instituto Monetário, disposições respeitantes à consulta do Instituto Monetário Europeu por parte dos Estados membros, entrada na terceira fase da União Económica e Monetária e fim da derrogação de que beneficiam os Estados membros que não participam na União Económica e Monetária;

Alarga o processo de cooperação (artigo 189.°-C), que passa a abranger 15 domínios: regulamentação tendente à proibição de discriminações em razão da nacionalidade, transportes, decisões relativas ao Fundo Social Europeu, medidas no domínio da formação profissional (com excepção das respeitantes à circulação de trabalhadores, sujeitas a co-decisão), interoperacionalidade e financiamento das redes transeuropeias, decisões de aplicação relativas ao fundo regional, regras de participação das empresas, dos centros de investigação e das universidades nos programas comunitários de investigação e desenvolvimento tecnológico, regras aplicáveis à divulgação dos resultados dos programas de investigação e desenvolvimento tecnológico, ambiente (com excepção das disposições de natureza fiscal e de afectação de solos e recursos hidráulicos e energéticos), política de desenvolvimento, política social (saúde e segurança dos trabalhadores), aspectos de política social que vinculam apenas 11 dos Estados membros (condições de trabalho, informação e consulta dos trabalhadores, igualdade de tratamento e integração no mercado de trabalho), definição das modalidades de supervisão multilateral no âmbito da União Económica e

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Monetária, definição das condições de acesso das autoridades públicas às instituições financeiras, definição das condições de endividamento das autoridades públicas junto dos bancos centrais, harmonização dos valores unitários e especificidades técnicas de todas as espécies de moeda;

Aumenta os domínios sujeitos a parecer favorável (disposições sobre livre circulação e permanência no âmbito da cidadania, definição, orientações gerais e organização dos fundos estruturais, criação do fundo de coesão económica e social e instituição de um regime eleitoral uniforme). Neste processo, o projecto do Conselho é remetido ao Parlamento Europeu, examinado em Comissão e votado pelo Plenário. Não sendo atingida maioria absoluta de 260 votos, o Conselho deve reexaminar o texto até que seja susceptível de ser aprovado pelo Parlamento Europeu. Não podendo,

embora, apresentar formalmente alterações, o Parlamento pode diligenciar soluções que, mediante acordo, permitam ultrapassar o seu «veto»;

Adita um novo procedimento: a co-decisão.

O procedimento de co-decisão aplica-se a 11 domínios: livre circulação de trabalhadores, liberdade de esta-belecimento, regime aplicável aos cidadãos estrangeiros, reconhecimento mútuo de diplomas, disposições aplicáveis aos trabalhadores não assalariados, medidas de harmo-nização relativas ao mercado interno, mútuo reconhecimento de disposições relativas ao mercado interno, educação, formação profissional, programas quadro plurianuais de investigação e desenvolvimento tecnológico e programas de acção no domínio do ambiente.

Nos termos do artigo 189.°-B, a co-decisão implica as seguintes fases de deliberação:

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

O processo de conciliação é exercido através de um comité paritário Parlamento/Conselho (no qual participa a Comissão, com funções de estimular a aproximação de posições). Compete ao comité elaborar um projecto comum, no prazo de seis semanas.

Caso se atinja um projecto comum, deve o mesmo ser aprovado pelo Conselho (por maioria qualificada) e pelo Parlamento Europeu (por maioria absoluta). A não verificação de qualquer dos actos de aprovação determina a interrupção do processo.

Revelando-se impossível a elaboração de um projecto comum, o processo é interrompido, salvo se o Conselho confirmar, por maioria qualificada, a sua posição (inicial ou corrigida em função de certas propostas do Parlamento Europeu). Nesse caso, o Parlamento Europeu pode rejeitar,

no prazo de seis semanas, por maioria absoluta, o Vento do Conselho.

c) O acesso dos cidadãos à informação. — O Tratado não contém medidas de garantia de acesso do público à informação detida pelas instituições comunitárias (salvo as decorrentes, em alguma medida, da expressa consagração do direito de petição perante o Parlamento Europeu).

Em declaração anexa, a Conferência de Maastricht recomendou à Comissão a apresentação ao Conselho de um relatório sobre as medidas relativas ao direito de acesso à informação «o mais tardar até 1993».

Trata-se de uma componente fulcral de uma arquitectura institucional democrática para a União Europeia.

d) O direito comunitário. — O Tratado não deu expressão à necessidade de redefinição do regime de

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aplicação do direito comunitário e das regras relativas à forma dos actos. Em declarações anexas alude-se:

À revisão da classificação dos actos comunitários, «de modo a estabelecer uma hierarquia adequada das diferentes categorias de normas» (remetida para a Conferência Intergovernamental de 1996);

À essencialidade da eficácia e rigor na aplicação do direito comunitário (sem estabelecer medidas sobre a matéria).

Em ambos os domínios se verificam anomalias que vêm dificultando o acesso dos Europeus ao direito de que são destinatários. Afigura-se, todavia, evidente que a União não pode fundar-se na ignorância, nem na imperceptibilidade, nem na desigual aplicação da lei europeia.

3 — Os processos de decisão no âmbito do 3.° pilar. — No tocante à política externa e de segurança (PESC) e à cooperação nos domínios da justiça e da segurança interna, os mecanismos de decisão têm cunho muito distinto do que se acabou de descrever: a Comissão tem intervenção limitada, o Parlamento Europeu desempenha funções de mero acompanhamento e recomendação, o Conselho é o fulcro das decisões, cujo modo de assunção e execução confere a cada Estado membro peso decisivo.

d) Nas questões do âmbito da PESC, o papel dominante é conferido ao Conselho, segundo as orientações gerais traçadas pelo Conselho Europeu, em conjugação com os mecanismos clássicos de cooperação intergovernamental.

O Conselho decide:

Sob iniciativa tanto da Comissão como dos Estados membros;

Por unanimidade, com base em orientações gerais do Conselho Europeu, se uma questão deve ser objecto de uma acção comum, definindo o seu âmbito exacto, os objectivos gerais e específicos da acção e os meios, procedimentos e (se possível) prazos aplicáveis à sua execução (artigo J.3);

Por unanimidade o elenco das questões sobre as quais a deliberação pode ser realizada por maioria qualificada.

O Parlamento Europeu é consultado e informado, tendo o poder de dirigir perguntas e emitir recomendações.

b) No âmbito da justiça e da segurança interna, as regras de deliberação e acção são similares às aplicáveis no domínio da PESC.

O Conselho, por unanimidade, tem competência para definir posições comuns e aprovar convenções abertas à assinatura dos Estados membros. Também aqui, porém, pode, por deliberação unânime, ser autorizada a aprovação de medidas de acção comum por maioria qualificada.

A iniciativa de medidas de cooperação em matéria penal, aduaneira e policial é reservada aos Estados membros, sendo no mais concorrente (Estados/Comissão).

O Parlamento Europeu tem o direito de ser consultado e informado, bem como de perguntar e recomendar.

4 — A articulação com os parlamentos nacionais. — A associação dos parlamentos nacionais ao processo de decisão comunitário foi encarado no âmbito das conferências intergovernamentais preparatórias, mas não encontrou expressão no texto do Tratado.

Uma declaração anexa sobre o papel dos parlamentos nacionais na construção europeia aponta para o reforço da cooperação entre estes e o Parlamento Europeu, bem como para o dever dos governos de informar os parlamentos

nacionais em tempo útil nesse domínio (fórmula só relevante na medida em que seja acolhida pelo direito interno dos Estados membros, como ocorre no caso português desde a revisão constitucional de 1992).

É de referir, por fim, o apelo, com valor eminentemente político, constante de outra declaração anexa ao Tratado no sendo da realização, quando necessário, de reuniões em conferência dos parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu («Assises»), para efeitos de consulta para as grandes orientações da União.

CAPÍTULO V

A cooperação no domínio da justiça e da segurança interna

1 — Antecedentes — o Tratado de Roma e o Acto Único. — Assentando a criação da Comunidade Económica Europeia, por definição, em preocupações dominantemente económicas e considerando que as questões da justiça e da segurança interna se prendiam muito de perto com atributos próprios da soberania dos Estados, não é de estranhar que o Tratado de Roma, praticamente, não se tenha ocupado dessas matérias, que continuaram na alçada dos Estados e no âmbito de meras convenções bilaterais de cooperação intergovernamental.

No domínio da justiça, e por razões da nova ordem comunitária, os tribunais dos Estados membros passaram a aplicar o direito comunitário e, através do chamado «recurso prejudicial», previsto no artigo 177.° do Tratado de Roma, passaram também, nalguns casos obrigatoriamente, a consultar o Tribunal de Justiça das Comunidades sobre a interpretação dos tratados, bem como sobre a validade e interpretação de actos comunitários.

Tal, porém, como já se referiu, tinha a ver com a aplicação em cada um dos Estados do direito comunitário e não com uma verdadeira política de cooperação no domínio da justiça.

Com o Acto Único Europeu e a criação do mercado interno, envolvendo a abolição de fronteiras físicas e fiscais entre os Estados membros e a inerente livre circulação de pessoas e bens, começaram a colocar-se com maior acuidade as questões de segurança e a necessidade de serem encaradas no âmbito comunitário e articuladas entre os Estados membros.

Alguma inércia comunitária levou, porém, a que, à margem do processo comunitário, alguns Estados membros tivessem em 1985 assinado o Acordo de Schengen e posteriormente a convenção de aplicação do mesmo acordo, que antecipavam medidas de supressão dos controlos das fronteiras comuns e implementavam as medidas de segurança exigidas pela Iivre-circulação.

No âmbito comunitário e no quadro da cooperação intergovernamental, criaram-se os grupos Trevi I, Trevi II, Trevi III e Trevi 92 e o Grupo Ad Hoc de Emigração.

No âmbito, ainda, da cooperação intergovernamental, foi assinada em Dublim, em Junho de 1990, a Convenção Relativa ao Direito de Asilo.

Porém, no domínio da justiça tudo se processou igualmente em termos de cooperação, com particular relevo para a implementação de convenções em áreas de cooperação judiciária.

E útil, a este respeito, ter presente o documento elaborado pela Presidência Portuguesa aquando do Conselho de Ministros da Justiça realizado no Funchal de

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17 a 20 de Maio de 1992, que ficou designado «Documento Madeira». Nele se sublinha'

A importância de aos meios clássicos de direito internacional (celebração de convenções internacionais) o Tratado de Maastricht pretender adicionar novos meios de actuação, traduzidos fundamentalmente na possibilidade de aprovação de posições e acções comuns e de harmonização de legislações em áreas consideradas de interesse comum (cf. artigo K.3);

As implicações positivas da criação de um mecanismo de concertação entre os Estados membros com base em informação e consultas mútuas, que pode conduzir a formas de intervenção comuns e mesmo à celebração de convenções;

O relevo que pode assumir nesse contexto a harmonização legislativa, tanto no âmbito substantivo como processual (com o desenvolvimento de formas mais estreitas de cooperação, nomeadamente judiciária);

A selecção de dois campos prioritários dos esforços de harmonização legislativa: a luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da Comunidade e o regime das sanções tendentes a garantir o cumprimento do direito comunitário (sobre os quais foram já elaborados relatórios, submetidos à apreciação dos ministros na reunião de Bruxelas de 13 de Novembro de 1991, preconizando-se a definição dos parâmetros a que deveriam obedecer as normas sancionatórias nacionais).

O Tratado propicia a evolução no sentido equacionado pela reflexão assim sintetizada.

Entre os domínios considerados de interesse comum (artigo K.l), contam-se:

1) A política de asilo;

2) As regras sobre a passagem de fronteiras externas e o exercício do controlo dessa passagem;

3) A política de imigração e a política em relação aos nacionais de países terceiros (condições de entrada e de circulação, condições de residência, luta contra a imigração e permanência e trabalho irregulares);

4) A luta contra a toxicomania;

5) A luta contra a fraude internacional;

6) A cooperação judiciária em matéria civil;

7) A cooperação judicial em matéria penal;

8) A cooperação aduaneira;

9) A cooperação policial, tendo em vista a prevenção e a luta contra o terrorismo, tráfico ilícito de droga e outras formas de criminalidade internacional.

Além das formas de cooperação já instituídas, o Tratado cria mecanismos viabilizadores da comunitarização de acções referidas nos n.05 1 a 6; o Conselho, por iniciativa de um Estado membro ou da Comissão, poderá, por unanimidade, deliberar no sentido de que tais acções venham a ser aprovadas por maioria qualificada em termos similares aos decorrentes dos previstos pelo artigo 10O.°-C em matéria de política de vistos. Foi considerada prioritária e prevista a apreciação pelo Conselho, antes do final de 1993, da possibilidade de aplicar à política de asilo o processo de decisão do artigo 100.°-C.

Embora o quadro estabelecido pelo Acordo de Schengen seja, em certos domínios, mais vasto que o decorrente das normas do título vr do Tratado, este prevalecerá, quando vigente, sobre as normas Schengen, consoante expressamente ressalva a respectiva convenção de aplicação.

A instituição da Unidade Europeia de Polícia QZUROPOL) foi expressamente prevista (artigo K.l, n.° 9), encontrando-se em adiantado estado de concretização. Na sequência da criação, no decurso da Presidência Portuguesa, de um grupo de trabalho para a preparação das decisões necessárias, foi elaborado um projecto de convenção definindo as linhas gerais e os princípios aplicáveis. Clarificou-se que a EUROPOL privilegiará, numa primeira fase, o combate à droga. Já no âmbito da Presidência Inglesa, foi instituída a Unidade Europeia de Luta contra a Droga

Conclusão

Tendo sido publicada a Lei Constitucional n.° 1/92 em suplemento ao Diário da República, de 25 de Novembro de 1992, distribuído nesta data consideram-se reunidos os requisitos constitucionais e regimentais para a subida a Plenário da proposta de resolução n.° 11/VÍ (aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992), cujo debate está agendado para os próximos dias 9 e 10 de Dezembro corrente, já decorrido o período de vacatio legis da referida Lei Constitucional n.° 1/92.

Palácio de São Bento, 3 de Dezembro de 1992. —Os Relatores: Guilherme Silva — José Magalhães.

Relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação sobre o Tratado de Maastricht na sua vertente de política externa.

Uma nova dimensão polinice

No Tratado de Maastricht a política externa e de segurança comum constitui, a par da União Económica e Monetária e da cooperação na justiça e assuntos internos, um dos três pilares da União Europeia.

Logo nas alíneas b) e c) das «Disposições comuns» o Tratado define como grande e primordial objectivo da União «a afirmação da sua identidade na cena internacional, nomeadamente através da execução de uma política externa e de segurança comum que assegure coerência do conjunto da acção externa da União».

Antes de entrar na análise dos termos em que essa política externa se desenvolverá, constantes do título v, convém começar por sublinhar que as disposições do Tratado sobre política externa representam um importante avanço qualitativo relativamente às disposições homólogas do Acto Único. Nestes, o objectivo pretendido no campo da política externa era tão-somente a cooperação, a qual, embora tenha sido, na prática, levada bastante longe, não era uma verdadeira política externa da Comunidade como tal, na medida em que consistia tão-somente na coordenação de posições comuns sobre assuntos pontuais, obtidas caso a caso por consenso.

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A partir de Maastricht, a Europa dos Doze poderá passar a ter uma autêntica política externa, traduzida não só em posições da Comunidade como tal, mas também na realização das chamadas «acções comuns» e ainda de iniciativas diplomáticas. As disposições sobre política externa do Tratado de Maastricht introduzem, portanto, na construção europeia, uma nova e importante dimensão política.

A necessidade de uma política externa

Antes de prosseguir, importa perguntar: porquê a necessidade de a União Europeia ter a sua própria política externa?

Por várias razões. Antes de mais, porque só agindo com uma só voz, desenvolvendo coerentemente uma política externa e de defesa próprias, poderá a União Europeia constituir uma potência capaz de actuar com eficácia na cena internacional, contribuindo decisivamente para a paz no Mundo. A impotência da Europa na Guerra do Golfo e sobretudo no conflito jugoslavo mostrou patentemente como se tornou urgente que a Comunidade Europeia passasse a ter uma política externa e de segurança comuns. Os focos de conflitos armados que se travam na fronteira leste da Europa e em certas regiões da ex-União Soviética, bem como os fundamentalismos que podem explodir na sua fronteira sul, são outros tantos perigos potenciais que recomendam a aceleração da construção política da Europa, o que pressupõe uma política externa e de segurança comuns.

Mas também no campo da concorrência comercial internacional, só unida e capaz de desenvolver uma política externa coerente estará a Europa em condições de competir com sucesso com os grandes blocos mundiais, designadamente os Estados Unidos e o Japão.

Concretizando os objectivos da política externa da União, o Tratado, no título v, artigo J.l, refere-se, designadamente, à «salvaguarda dos seus valores comuns, dos seus interesses fundamentais e da sua independência». Valores comuns esses que são, como na mesma alínea se lê, «a democracia, o Estado de direito, o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais consignadas na Carta das Nações Unidas, na Acta Final de Helsínquia e na Carta de Paris».

E de tal maneira esses valores constituem vectores essenciais da política externa da União Europeia que mesmo em relação à cooperação para o desenvolvimento o Tratado exige que eles estejam presentes. É o que resulta do disposto no artigo 130.°-V, n.° 2, segundo o qual a política da Comunidade neste domínio deve «contribuir para o objectivo geral de desenvolvimento e de consolidação da democracia e do Estado de direito, bem como para o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais».

A partilha da soberania

Ao ratificarem o Tratado de Maastricht, aceitando a instituição de uma política externa da União Europeia, estarão os Estados membros partilhando a sua soberania?

Antes de mais, há que colocar a questão nos seus devidos termos: quando dois ou mais Estados subscrevem um tratado, submetendo-se ao seu clausulado, estão, na maior parte dos casos, aceitando uma certa partilha de

soberania por parte de cada um deles. Ao tornar-se membro fundador da NATO, Portugal aceitou partilhar soberania, na medida em que concordou em que em caso de guerra na Europa as sua tropas fossem comandadas por um estado-maior internacional, chefiado por um general americano; ao aderir à ONU, Portugal renunciou definitivamente ao direito soberano de fazer a guerra, excepto em legítima defesa, aceitando poder ter de colocar as suas forças armadas ao serviço de operações militares decididas pela mesma ONU, sob o comando de um estado--maior internacional; ao tornar-se membro do Conselho da Europa e ao aceitar a jurisdição do Tribunal dos Direitos do Homem de Estrasburgo, do mesmo modo o nosso país aceitou que litígios ocorridos em território português e envolvendo portugueses pudessem ser decididos por um tribunal internacional com competência para condenar Portugal — o que, do mesmo modo, se traduziu numa importante partilha de soberania; ao aderir ao Tratado de Roma, entrando para a CEE, Portugal concordou em que numerosas matérias de carácter económico fossem decididas em Bruxelas e que os litígios relativos a questões comunitárias fossem resolvidos pelo Tribunal das Comunidades do Luxemburgo; e, do mesmo modo, quando, em 1986, Portugal assinou e ratificou o Acto Único Europeu, novamente aceitou importantes partilhas de soberania com Bruxelas. E muitos outros exemplos se poderiam citar de partilhas parciais de soberania pelo Estado Português.

A questão que se põe não é, portanto, a de saber se a ratificação do Tratado de Maastricht implica ou não a partilha de uma parcela de soberania com Bruxelas — que necessariamente ocorre—, mas sim se essa partilha se justifica, por ser compensada por vantagens importantes. Ora é isto precisamente o que acontece: Portugal, ao ratificar o Tratado de Maastricht, passa, através da sua posição comunitária — sobretudo no Conselho Europeu e no Conselho de Ministros, onde as decisões são tomadas por unanimidade —, a ter uma capacidade de intervenção na cena internacional que, enquanto país isolado, não estaria de modo algum ao seu alcance; por outro lado, se recusasse essa ratificação, Portugal, embora impante de soberania, regressaria à marginalização internacional em que viveu antes do 25 de Abril, quando o estar «orgulhosamente só» era um título de glória nacional.

A permanência da politica externa nacional

Por outro lado, importa ter presente que, pelo facto de a Comunidade Europeia passar a ter uma política externa própria, cada país membro não deixa de ter a sua própria política internacional. Assim, e antes de mais, a política externa de cada Estado membro não será partilhada na sua totalidade com a Comunidade Europeia. Muito ao contrário, só certos aspectos desta política externa serão objecto dessa partilha, sendo certo que todos os restantes continuarão a ser exclusivos de cada Estado. A garantia de que assim é resulta do facto de os assuntos que passarão a ser objecto da política externa da União Europeia deverem ser objecto de decisões tomadas por unaninüdade. O que significa que cada país membro poderá reservar para si —recusando-se a transferi-los para a política externa comunitária — os domínios que entender. Exemplificando: Portugal, se quiser, poderá continuar a ter a sua política externa própria relativamente aos países africanos de expressão portuguesa, a Macau ou a Timor Leste.

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As «acções comuns»

Importa aqui observar que a política externa da União Europeia será exercida não só através da cooperação (como já acontecia no passado) mas sobretudo por via das chamadas «acções comuns», as quais, nos termos do artigo J.3, n.° 1, deverão ser decididas por unanimidade. Mas mesmo depois de adoptada (por unanimidade) uma acção comum, cada país membro pode exigir que, no seu desenvolvimento, certos domínios sejam decididos, não por maioria qualificada, mas também por unanimidade. Um outro exemplo ilustrando esta possibilidade: se porventura fosse acordado por unanimidade que a União Europeia poderia empreender acções comuns na África Austral, Portugal poderia exigir que essas acções comuns não envolvessem intervenções armadas.

Só a partir deste nível já avançado do processo decisório, quando a acção comum (decidida por unanimidade) já está desencadeada e em desenvolvimento, passará a jogar a regra da maioria qualificada prevista no artigo 1.3, n.° 2.

Exemplificando de novo: se o Conselho, baseado em orientações gerais do Conselho Europeu, decidisse, por unanimidade, empreender uma acção comum relativamente à Jugoslávia e tivesse — também por unanimidade — resolvido que essa acção comum seria urna intervenção armada, definindo —também por unanimidade— o seu âmbito, a partir daí qualquer decisão seria tomada por maioria qualificada, dispensando-se, por isso, que numa situação urgente seja necessário perder tempo a negociar consensos, como actualmente acontece.

Acrescenta-se que para reforçar a capacidade de intervenção externa da União Europeia, impedindo bloqueamentos relativamente a decisões que exigem unanimidade — que são as mais importantes —, uma declaração anexa ao Tratado exorta —sem impor— os Estados membros a, na medida do possível, não impedir a formação dessa unanimidade.

Foi, assim, possível conseguir um equilíbrio razoável entre a necessidade de a União Europeia ter a sua própria política externa, habilitando-a a dispor de uma voz única na cena mundial e a actuar com operacionalidade, e a possibilidade de cada Estado membro poder, por um lado, contribuir para essa voz única comunitária, e, por outro, ter a sua própria política externa nos sectores que entender reservar para si.

Protecção diplomática

Uma outra novidade do Tratado de Maastricht no campo da diplomacia foi a institucionalização da possibilidade de protecção diplomática e consular por parte de qualquer Estado membro a qualquer cidadão da União em território de países terceiros em que esse Estado membro não se encontre representado (artigo 8.°-C). Trata-se de uma prática que já existia, mas que, a partir de agora, fica juridicamente consagrada.

Esta disposição é altamente vantajosa, sobretudo para os cidadãos de pequenos países — como Portugal —, que normalmente não dispõem de representação diplomática ou consular em todos os países do Mundo.

No nosso caso, acresce a circunstância de existirem 4 ou 5 milhões de portugueses espalhados pelo Mundo, por vezes em locais onde não existem consulados portugueses. Eles serão os grandes beneficiários desta protec-

ção diplomática e consular comunitária — tal como beneficiarão também da aquisição da cidadania europeia e da capacidade eleitoral activa e passiva previstas no Tratado.

Conselho de Segurança

Merece também destaque o preceito do n.° 4 do artigo J.5, nos termos do qual «os Estados membros que são membros permanentes do Conselho de Segurança defenderão, no exercício das suas funções, as posições e os interesses da União, sem prejuízo das responsabilidades que lhes incumbem por força da Carta das Nações Unidas».

Dois países comunitários são membros permanentes do Conselho de Segurança: a França e a Grã-Bretanha. Até à data esses países defendiam, em regra, os seus próprios interesses nesse Conselho. A partir de Maastricht os interesses que lhes compete defender serão também os da União, o que significa, uma vez mais, um acréscimo das possibilidades de intervenção internacional dos países comunitários relativamente ao que sucedia antes do Tratado de Maastricht.

Os parlamentos na políticc oHterna

O Tratado de Maastricht reforça o papel do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais na política externa da União.

Quanto ao Parlamento Europeu, dispõe o artigo J.7 que ele «passará a ser consultado sobre os principais aspectos e opções fundamentais da política externa e de segurança comum, devendo a Presidência zelar para que as opiniões daquela instituição sejam devidamente tomadas em consideração». Acrescenta-se ainda que «o Parlamento Europeu deverá ser regularmente informado pela Presidência e pela Comissão sobre a evolução da política externa e de segurança da União, podendo ainda apresentar recomendações ou conselhos», e que, além disso, «haverá anualmente um debate sobre os progressos realizados na execução na política externa e de segurança comum».

Trata-se aqui de disposições inovadoras, que reforçam o papel do Parlamento Europeu na política externa da União.

Importa ainda ter em consideração a declaração anexa ao Tratado na qual se considera importante incentivar uma maior participação dos parlamentos nacionais nas actividades da União Europeia, pelo que se recomenda a intensificação de informações e contactos enue os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu. Dentro do mesmo espírito, a Declaração relativa à Conferência dos Parlamentos convida o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais a reunirem-se, na medida do necessário, em conferência de parlamentos («Assises»), a qual deverá ser consultada sobre as grandes orientações da União Europeia.

Abre-se, assim, uma possibilidade de os parlamentos nacionais, para além do Parlamento Europeu, passarem a intervir mais directamente no acompanhamento da política externa da União. E essa é mais uma via através da quaü Portugal poderá participar na cena internacional esa. sectores onde, por si só, não teria qualquer possibilidade de fazer ouvir a sua voz.

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Conclusão

De tudo o que vem dito conclui-se que, pelo que respeita as suas disposições sobre política externa, o Tratado de Maastricht está em condições de ser ratificado pela Assembleia da República.

Aprovado por maioria em 27 de Novembro de 1992, com votos favoráveis do PSD e do PS e votos contra do PCP.

27 de Novembro de 1992. — O Presidente, António Maria Pereira.

ANEXO Dacíaracão de voto do PCP

Como representante do PCP na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, informei o seu presidente, antes da discussão final, de que o meu Grupo Parlamentar votava contra o relatório.

O texto do referido relatório envolve uma apologia sem restrições e entusiástica da política externa e de segurança comum, tal como é definida no Tratado da União Europeia.

Segundo o relatório, Portugal será muito beneficiado pela entrada em vigor do Tratado; a posição do Grupo Parlamentar do PCP é não apenas divergente, mas oposta a essa.

Para o relator, a partilha da soberania decorrente do Tratado justifica-se por ser compensada por vantagens importantes. Para o PCP a soberania não é mercadoria e as consequências da renúncia a uma parcela importante da soberania nacional imposta pelo Tratado produzirá efeitos perigosos, comprometendo a própria independência nacional.

Ao fazer a defesa da maioria qualificada em prejuízo da regra da unanimidade, o relator coloca como exemplo a hipótese de uma intervenção armada, para concluir que, sendo a decisão tomada por simples maioria e não por unanimidade, não seria necessário perder tempo a negociar consensos, como actualmente acontece.

O espírito do relatório está plasmado em opiniões como essa.

Não pode o Grupo Parlamentar do PCP deixar de votar contra um relatório impregnado dessa concepção de política.

Assembleia da República, 9 de Dezembro de 1992. — O Deputado do PCP, Miguel Urbano Rodrigues.

Rsfeíórí© às. Comissão de Defesa Nacional

Capitulo da poCfãca externa o da oogurança comum (PESC)

1 — O Tratado da União Europeia contém uma relevante componente de segurança e defesa.

Recorde-se que o Tratado CEE, em conjugação com o denominado «Acto Único», contém já disposições que apontam uma ideia de cooperação europeia em matéria de política estrangeira. De facto, já no seu artigo 30.°, n.° 1, do Acto Único se refere que «os membros das Comunidades Europeias esforçam-se por formular e aplicar em comum uma política estrangeira europeia», e, mais

adiante, «comprometem-se a informar-se mutuamente e a consultar-se sobre qualquer questão de política estrangeira de interesse geral, a fim de garantir que a sua influência combinada se exerça da forma mais eficaz, através da concertação, da convergência de posições e da realização de acções comuns». O Tratado especifica no artigo 30.°, n.° 2, «quando se devem fazer as consultas, a tomada em linha de conta das posições dos parceiros, o desenvolvimento progressivo da definição de princípios e objectivos comuns» e ainda que a determinação de posições comuns constitui um ponto de referência para os políticos dos parceiros da CEE.

O Tratado CEE refere ainda, em relação as posições comuns, a não tomada de princípios prejudiciais à eficácia daquelas, enquanto força coerente nas relações internacionais ou no seio de organizações internacionais. Por outro lado, os ministros dos Negócios Estrangeiros reúnem-se no âmbito da cooperação política europeia (CPE). O Tratado admite a associação da Comissão aos trabalhos de cooperação política, debruça-se sobre os actos decisórios, deseja a associação do Parlamento Europeu à CPE e afirma que as políticas externas devem ser coerentes, devendo tal coerência ser mantida pela Presidência e a Comissão.

Noutro passo do Tratado (artigo 30.°, n.° 6) considera--se que «uma cooperação mais estreita sobre questões de segurança europeia pode contribuir [...] para o desenvolvimento de uma identidade da Europa em matéria de política externa» e manifesta-se vontade na coordenação de posições sobre aspectos políticos e económicos de segurança. As Altas Partes Contratantes mostram-se resolvidas a «preservar as condições tecnológicas e industriais necessárias à sua segurança», refere-se a cooperação UEO/NATO. O Tratado CEE continua ainda, no respectivo texto, a nomear o esforço de adopção de posições comuns sobre os temas das matérias em apreço, e vai mais longe, ao referir que nas instituições . internacionais, e durante as conferências internacionais, as partes que participem devem tomar em conta as posições assumidas pela CPE e apela ao diálogo e à assistência e informação mútuas com outros países ou grupos de países estranhos à Comunidade.

O Tratado CEE especifica quem exerce a presidência da CPE e as atribuições da mesma, bem como aspectos próprios ao funcionamento dos órgãos.

Em síntese: a ideia de aproximação a uma política externa e de segurança comum faz parte do Tratado de Roma (com as alterações introduzidas pelo Acto Único Europeu). O Tratado da União Europeia continua e aprofunda esta actuação e deste modo poder-se-ão analisar mais profundamente os aspectos mais relevantes da PESC.

2 — A primeira referência a esta matéria no Tratado da União Europeia consta do seu artigo B, que atribui à União o seguinte objectivo (entre outros):

[...] a afirmação da sua identidade na cena internacional, nomeadamente através da execução de uma política externa e de segurança comum, que inclua a definição, a prazo, de uma política de defesa comum, que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum.

O artigo C adita uma relevante formulação, segundo a qual a União deve «assegurar a coerência do conjunto da sua acção externa no âmbito das políticas por si adoptadas em matéria de relações externas, de segurança, de

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economia e de desenvolvimento», atribuindo ao Conseibo e à própria Comissão a responsabilidade de assegurar essa coerência.

O título v especifica, no entanto, a evolução que se dá em termos de política externa e de segurança comum, institucionalizando-a no artigo J e definindo-a no artigo J.l, através dos respectivos objectivos, do modo de prosseguir esses objectivos e do espírito de lealdade e solidariedade mútua entre os Estados membros que a deve caracterizar.

No artigo J.4 refere-se a abrangência da PESC a «todas as questões relativas à segurança da UE», que inclui «a definição, a prazo, de uma política de defesa comum que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum». Trata-se, assim, da evolução da PESC para a PDC e mais tarde DC.

Também o mesmo título (artigo J.3) descreve o processo decisório na adopção de uma acção comum em áreas pertencentes ao domínio da política externa e de segurança. Assim, «o Conselho decide, com base em orientações gerais do Conselho Europeu, se uma questão deve ser objecto de uma acção comum», devendo, depois de adoptada tal acção, definir-se o seu âmbito, os objectivos gerais e específicos que a União se atribui para a realização da acção, bem como os meios, os procedimentos, as condições e, se necessário, os prazos aplicáveis à respectiva execução.

O Conselho, ao adoptar uma acção comum, determina, durante qualquer fase de desenvolvimento da mesma, os domínios em que as decisões são tomadas por maioria «qualificada», sendo os votos ponderados nos termos do n.° 2 do artigo 148.° do Tratado da Comunidade Europeia, sendo adoptadas as deliberações que recolham, no mínimo, 54 votos (num total de 76) de, pelo menos, 8 membros.

Importa aqui referir os votos que no referido artigo 148.° são atribuídos a cada um dos 12 membros, para assim melhor se constatar o alcance do mecanismo encontrado para se atingir a maioria qualificada, como se segue e por ordem decrescente de votos:

Alemanha —10; França —10; Inglaterra —10; Itália—10; Espanha — 8; Bélgica —5; Grécia— 5; Holanda — 5; Portugal — 5; Dinamarca — 3; Irlanda—3; Luxemburgo — 2.

3 — Os normativos e anexos do Tratado da União Europeia que mais desenvolvidamente abordam esta matéria são os seguintes:

a) Título V — disposições relativas à política externa e de segurança comum;

b) Declarações relativas à União da Europa Ocidental (declarações dos nove membros da União Europeia que são membros da UEO);

c) Declaração relativa à votação no domínio da política externa e da segurança comum;

d) Declaração relativa às modalidades práticas no domínio da política externa e da segurança comum;

e) Declaração relativa ao regime linguístico no domínio da política externa e da segurança

comum.

4 — O título v («Política externa e de segurança comum — PESC») desenvolve-se em 12 artigos (do artigo J ao artigo J.l 1).

Nos objectivos, artigo J.l, n°2, deve ter-se em linha de conta:

A salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais e da independência da União;

O reforço da segurança da União e dos seus Estados membros;

A manutenção da paz e o reforço da segurança internacional (refere-se a Carta das Nações Unidas e a Acta Final de Helsínquia, incluindo-se a Carta de Paris);

A cooperação internacional;

O desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de direito e o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.

O n.° 3 do mesmo artigo estabelece como a União prosseguirá os objectivos definidos e, portanto, a cooperação e a realização graduai de acções comuns nos domínios em que os Estados membros têm interesses importantes em comum.

O n.° 4 estabelece que o apoio à PESC se faz numa base de lealdade e de solidariedade mútuas, devendo abster-se de empreender acções contrárias aos interesses da União.

O artigo J.2 especifica a concertação e a informação mútuas no âmbito no Conselho sobre as questões da PESC que se revistam de interesse geral, para que «se exerça de forma conjugada a sua influência eficaz na convergência das acções». O Conselho definirá posições comuns, sempre que necessário, e os Estados membros acertam a sua posição com as posições comuns, e estabelece-se a coordenação das respectivas acções no seio das organizações e conferências internacionais, e vai mais longe, ao especificar que nas referidas instituições e conferências onde não estão presentes todos os Estados membros os presentes defenderão as posições comuns já acordadas no âmbito da PESC.

O artigo J.3 constitui uma peça chave na estruturação da PESC, ao estabelecer o mecanismo de adopção das denominadas «acções comuns» (no domínio da política externa e da segurança). Estabelecido pelo Conselho por unanimidade que determinada questão deve ser objecto de uma acção comum, o seu desenvolvimento pode ser feito por maioria qualificada (artigo J.3, n.° 2), ficando determinado que as acções comuns vinculam os Estados membros nas suas tomadas de posição e na condução da sua acção.

5 — As questões específicas da defesa são objecto, neste título v, do artigo J.4. Nos termos do seu n.° 2, «a União solicitará à União da Europa Ocidental (UEO), que faz parte integrante do desenvolvimento da União Europeia, que prepare e execute as decisões e acções da União que tenham repercussões no domínio da defesa; o Conselho, em acordo com as instituições da UEO, adoptará as disposições práticas necessárias».

O artigo J.4 ressalva as obrigações dos Estados membros da OTAN e assegura a compatibilidade da política da União com a política de segurança e de defesa comum adoptada nesse âmbito.

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Deste artigo resulta que os Doze incorporam a UEO na União Europeia e deram-lhe mandato para a execução de decisões e acções da União que tenham repercussão no domínio da defesa, muito embora, como diz o n.° 5 deste artigo 1.4, o desenvolvimento de uma cooperação mais estreita entre dois ou mais Estados membros ao nível bilateral se possa concretizar, mormente no âmbito da UEO e da NATO, e, por outro lado, já no n.° 4 se clarifica que a política da União não afectará o carácter específico da política de segurança e de defesa de determinados Estados membros e respeitará as obrigações decorrentes do Tratado do Atlântico Norte.

6 — As duas declarações anexas ao Tratado da União Europeia, subscritas pelos nove membros das Comunidades que são simultaneamente membros da UEO (declarações subscritas numa e noutra qualidade), são da maior importância.

Os nove países da UEO comprometem-se a:

Criar uma «verdadeira identidade europeia de

segurança e de defesa»; Assumir «responsabilidades acrescidas em matéria de

defesa»;

Considerar a UEO como «parte integrante do desenvolvimento da União Europeia»;

«Fortalecer o papel da UEO, na perspectiva, a prazo, de uma política de defesa comum compatível com a da Aliança Atlântica»;

«Desenvolver a UEO, como componente da defesa da União Europeia e como meio de fortalecer o pilar europeu da Aliança Atlântica»;

Formular nesse quadro «uma política de defesa europeia comum» e «zelar pela sua aplicação coerente, desenvolvendo mais o seu próprio papel operacional».

Merece registo especial o seguinte parágrafo:

O objectivo consiste em erigir a UEO por etapas, enquanto componente da defesa da União Europeia. Para esse efeito, a UEO está disposta a formular e a executar, a pedido da União Europeia, as decisões e acções da União com implicações em matéria de defesa.

Tendo em vista o reforço do seu papel operacional, a UEO tomará medidas na área do planeamento, logística e outras componentes técnicas e reuniões de chefes militares; medidas também quanto a «unidades militares responsáveis perante a UEO», e, mais tarde, medidas para a criação de uma agência europeia dos armamentos e para a transformação do Instituto da UEO numa academia europeia de segurança e de defesa.

Na lógica de todas estas medidas, a sede do Conselho e a do Secretariado-Geral da UEO foram transferidas de Londres para Bruxelas.

7 — Na outra declaração dos nove países, estes convidam os outros Estados membros das Comunidades a acederem à UEO. Igual convite é endereçado a outros países europeus membros da NATO. Os convites envolvem, assim: das Comunidades, a Grécia, a Dinamarca e a Irlanda; fora da CE, a Noruega, a Islândia e a Turquia.

Em qualquer dos casos, é assumido o compromisso de os tratados e acordos de adesão serem celebrados antes de 31 de Dezembro de 1992.

8 — A declaração referida no n.° 6 deste relatório tem um capítulo especialmente dedicado ãs relações da UEO com a Aliança Atlântica.

Esse capítulo esclarece as diferentes referências que o Tratado da União Europeia faz ao relacionamento da União (através da PESC) com a OTAN.

O objectivo definido é o de «desenvolver a UEO enquanto meio de fortalecer o pilar europeu da Aliança Atlântica».

Para esse efeito, o compromisso da UEO é o de «reforçar o papeL as responsabilidades e a contribuição dos Estados membros da UEO na Aliança», na base da «complementaridade necessária entre a identidade europeia de segurança e defesa e a Aliança».

É feita a afirmação de que «a UEO actuará de acordo com as posições adoptadas pela Aliança Atlântica».

Deste modo, os Estados membros da UEO irão «intensificar a sua coordenação sobre as questões da Aliança que representam um interesse comum, importante, a fim de introduzirem posições conjuntas concertadas no seio da UEO no processo de consulta da Aliança».

Sobre a aplicação destes princípios, devem ser referidos dois documentos: a Declaração de Petersberg, do Conselho de Ministros da UEO, de 19 de Junho; e as conclusões do Conselho Europeu de Lisboa de 26727 de Junho de 1992, parágrafos das relações externas, onde são já definidos os domínios da política de segurança que (após a entrada em vigor do Tratado) podem ser objecto de acções comuns, entre elas o processo CSCE.

9 — É de salientar que, para promover o objectivo do Tratado, o artigo J.4, n.° 6, diz que, «tendo em conta a data de 1998 no contexto do artigo xn do Tratado de Bruxelas», propõe-se a revisão deste artigo, nos termos do n.° 2 do artigo N, com base em relatório a apresentar em 19% pelo Conselho ao Conselho Europeu, e que incluirá uma apreciação dos progressos realizados e da experiência adquirida entretanto.

10 — Resulta deste conjunto de normas que o Tratado define um percurso tendente a dotar a União Europeia de um sistema próprio de defesa.

A configuração final desse sistema não é feita no Tratado, embora fique apontado um caminho progressivo em termos da PESC, numa óptica modulável e não unilinear.

11 —Assim, no que às questões de defesa se refere, a Comissão de Defesa Nacional é de parecer que o Tratado da União Europeia está em condições de ser aprovado.

12 — O relatório foi aprovado por maioria, com votos favoráveis do PSD e do PS e votos contra do PCP e do CDS.

Foram apresentadas declarações de voto pelos Deputados João Amaral (em nome dos Deputados do PCP na Comissão de Defesa) e Narana Coissoró.

Lisboa 2 de Dezembro de 1992. — O Relator, Simão José Ricon Peres. — O Presidente da Comissão, Júlio Francisco Miranda Calha.

ANEXO Declaração de voto do PCP

1 — Os Deputados do PCP na Comissão de Defesa Nacional votam contra o relatório sobre o Tratado da União Europeia pelas razões seguintes.

Como é sabido, foi previamente indicado pela Comissão como relator um Deputado do PCP (João Amaral).

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O relatório apresentado não foi aceite pela Comissão, vindo depois a ser nomeado outro relator.

O relatório agora em análise mantém a estrutura do relatório apresentado pelo Deputado do PCP, alterando certos pontos. É a análise dessas alterações que permite evidenciar as principais discordâncias.

Assim, logo no n.° 1, a opinião expressa maioritariamente desvaloriza a novidade que é a PESC, procurando dizer que a «ideia» já existia no Tratado de Roma (com as alterações do Acto Único). Não é verdade. Em primeiro lugar, a Cooperação Política Europeia (CPE) prevista no AUE é um sistema de cooperação assente no consenso. A PESC, prevista no Tratado da União Europeia, é uma política comunitária assente na dinâmica do voto (nas acções comuns). Em segundo lugar, a CPE não continha componentes de defesa e segurança relevantes. O Tratado da União Europeia introduz a área da segurança e defesa nas áreas comunitárias, o que corresponde a uma profunda alteração da Comunidade tal qual juridicamente hoje é.

Costuma dizer-se que não há pior cego do que o que não quer ver. É o que se passa com o bloco central pró--Maastricht.

Apesar dos comentários e análises feitos por todos os especialistas mostrarem o que é óbvio, que a existência de uma competente de segurança e defesa no Tratado é uma enorme novidade, aquele bloco central resiste à evidência e mete a cabeça na areia.

Apesar de os textos o indicarem com clareza, o bloco central assobia e disfarça.

2 — Por serem muito significativos, transcrevem-se alguns dos parágrafos «cortados» no relatório do Deputado do PCP e não transcritos no relatório da maioria. São parágrafos contendo informações que a maioria prefere ignorar, para não estragar a sua tese de que a PESC não há-de ser nada ...

Eram os seguintes esses parágrafos:

A área da segurança e defesa passa assim a constituir uma política comum, ultrapassando, portanto, o quadro da cooperação e coordenação e apontando numa via de integração (ou de certa integração) das diferentes componentes da defesa, sem excluir a componente militar (defesa comum).

Trata-se assim de uma alteração qualitativa das Comunidades (como, aliás, é assinalado nas conclusões do Conselho Europeu de Lisboa).

[...]

Nos objectivos, do artigo J.l, n.° 2, interessa reter os conceitos de «independência», «interesses fundamentais» e «segurança» da União. São conceitos, particularmente o primeiro, que aproximaram a União dos atributos dos Estados.

Muito relevante é o n.° 4 do artigo J.l. É criado para os Estados membros um conjunto de obrigações, que são simultaneamente elemento de interpretação dos normativos do Tratado da União Europeia. Os Estados ficam vinculados a «apoiarem activamente e sem reservas a política externa e de segurança da União, num espirito de lealdade e de solidariedade mútua». Por outro lado, «abster-se-âo de empreender quaisquer acções contrárias aos interesses da União ou susceptíveis de prejudicar a sua eficácia como força coerente nas relações internacionais». Ao Conselho é atribuída a competência de «zelar pela observância destes princípios».

[•••]

O artigo J.2 estabelece uma espécie de princípio da prevalência das políticas comuns. Os Estados devem zelar pela coerência das suas políticas nacionais com as políticas comuns. Por outro lado, em instâncias internacionais obrigam-se a defender posições comuns (obrigação extensiva aos Estados membros que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — o artigo J.5).

[...]

Deste artigo J.4 resulta inequivocamente que os Doze (incluindo, portanto, os três que não pertencem à UEO) incorporaram a UEO na União Europeia e deram-lhe mandato para uma espécie de braço armado da União.

Este n.° 2 do artigo J.4 tem um alcance que atinge simultaneamente as Comunidades (agora dotadas de um instrumento político-militar), a UEO (atirada para o topo da defesa europeia) e a OTAN (que é separada do desenvolvimento desta componente político-militar da União Europeia).

[...]

Mas há que ter em conta o que se refere na declaração relativa às votações no domínio da PESC. Essa declaração diz textualmente:

A Conferência acorda em que, para as decisões do Conselho que requeiram unanimidade, os Estados membros evitarão em toda a medida do possível impedir que haja unanimidade sempre que uma maioria qualificada for favorável à decisão.

Esta declaração estabelece um dever específico, que limita significativamente a capacidade de os Estados manterem uma oposição a determinada proposta para a qual seja requerida unanimidade.

Esta pressão em favor da unanimidade funciona mais em desfavor dos pequenos países.

Efectivamente, a maioria qualificada implica o voto de oito países, que reúnam 54 votos. Ora, basta a oposição de três países (se dois deles forem dos quatro maiores) para inviabilizar a maioria qualificada. Se a oposição vier do lado dos oito países menos grandes, será preciso reunir a oposição de cinco países para inviabilizar aquela maioria qualificada.

Por outro lado, a capacidade de reforçar a resistência de pequenos países é evidentemente maior.

[...]

É feita a afirmação de que «a UEO actuará de acordo com as posições adoptadas pela Aliança Atlântica».

Só que, simultaneamente, é referido que os Estados membros da UEO irão «intensificar a sua coordenação sobre as questões da Aliança que. representam um interesse comum, importante, a fim de introduzir posições conjuntas concertadas no seio da UEO no processo de consulta da Aliança».

[...]

Importa assinalar o artigo J.9, segundo o qual «a Comissão será plenamente associada aos trabalhos realizados no domínio da política externa e da segurança comum». Este aitijo dá um relevo específico à Comissão nesta área, q~ue na sua concretização tenderá a ser conseguido à custa de

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prerrogativas do Conselho (e, por isso, à custa de prerrogativas nacionais). O papel de órgão sobre-nacional que a Comissão assume frequentemente tem neste repercussões que não é possível deixar de anotar (particularmente se concretizar a expectativa implícita neste artigo J.9 de passarem a existir dois comissários: dos negócios estrangeiros e da segurança e defesa).

3 — Evidentemente que a maioria também não reproduz os parágrafos finais do relatório do PCP, onde se faziam algumas observações de conjunto. Depois de manipular as premissas, claro que a maioria não pode tirar as conclusões que a realidade do Tratado impõe.

E essa realidade é a da construção de um Estado federal, com critérios muito avançados no que toca à União Europeia e Monetária, com regras e áreas significativas no que respeita ao chamado «3.° pilar» (cooperação nos domínios policial e judiciário), com mais reservas no que toca à PESC, mas mesmo assim representando já uma alteração qualificativa em relação à situação actual.

A área da defesa nacional é fortemente afectada por esta nova dinâmica que o TUE introduz na evolução das Comunidades Europeias.

O que se pediria é que o relatório reflectisse sobre estas questões ou, pelo menos, que as assinalasse.

Para um pequeno país como Portugal, esta perspectiva de subordinação a uma PESC onde terão óbvio peso determinante os grandes países (particularmente a Alemanha e a França) deveria merecer profunda preocupação.

Portugal tem interesses próprios a defender e a prosseguir, e a política de defesa nacional é uma das políticas que permite assegurar a defesa e prossecução desses interesses.

No quadro da diluição da política de defesa nacional numa política de defesa comum, tendendo a evoluir para uma defesa comum, que se espera? Que outros mais poderosos defendam os nossos interesses, mesmo quando conflituam com os seus?

E a questão da reversibilidade de um processo como este não merece reflexão?

E a particular situação histórica e geográfica de Portugal, exigindo uma projecção de poder próprio, não deveria também ser equacionada?

Votamos contra o relatório apresentado pela maioria, por todas as omissões e deturpações que contém. Mas ainda por uma razão que não podemos deixar de lamentar profundamente: por, com esse relatório, a maioria ter demonstrado ser insensível à problemática das consequências do Tratado da União Europeia para a defesa nacional e, reflexamente, para as garantias da soberania e independência de Portugal.

Assembleia da República, 3 de Dezembro de 1992. — Pelos Deputados do PCP na Comissão de Defesa, João Amaral.

DocJaraçãe «C® voto do CDS

O CDS votou contra este parecer, porquanto a Constituição revista que poderá legitimar algumas das afirmações feitas só entra em vigor no dia 7 de Dezembro próximo, pelo que, por enquanto, o Tratado de Maastricht

e principalmente as disposições sobre política externa e segurança comum são inconstitucionais.

Só com a entrada em vigor da Constituição revista é que se poderá aferir do valor substantivo das soluções propostas.

Palácio de São Bento, 3 de Dezembro de 1992. — O Deputado do CDS, Narana Coissoró.

Relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano

Nota prévia

O presente relatório foi elaborado por um grupo de trabalho constituído na Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano, constituído pelos Srs. Deputados Castro de Almeida (PSD), que coordenou, Guilherme Oliveira Martins (PS) e Octávio Teixeira (PCP).

Para o grupo de trabalho foi ainda nomeado o Sr. Deputado Nogueira de Brito (CDS), que, no entanto, tinha o seu mandato suspenso na data da aprovação do relatório e que não chegou a participar na respectiva elaboração.

Parte III, «As políticas da Comunidade»

Título I, «A livre circulação de mercadorias», e título m, «A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais»

Relativamente à versão anterior, verificamos que a parte n, intitulada «Os fundamentos da Comunidade», passou a parte m em virtude da inclusão de uma nova parte n sobre a cidadania da União.

A divisão em títulos, capítulos e secções manteve-se, porém, inalterada até ao título rv, sendo acrescentados 13 novos títulos correspondentes a: regras comuns relativas à concorrência, à fiscalidade a à aproximação de legislações (que incorpora parcialmente a anterior parte in); política económica e monetária; política comercial comum; política social, educação, formação profissional e juventude; cultura; saúde pública; protecção dos consumidores; redes transeuropeias; indústria; coesão económica e social; investigação e desenvolvimento tecnológico, ambiente e cooperação para o desenvolvimento.

No tocante ao título i —sobre a livre circulação de mercadorias—, não se verifica nenhuma alteração no respectivo articulado, que, deste modo, mantém a redacção actual do Tratado de Roma.

No que respeita ao título ra — sobre a livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais —, há a registar as seguintes alterações:

a) Artigo 49.° do capítulo i, «Os trabalhadores» — consagra a aplicação do processo de co-decisão Conselho-Parlamento Europeu (artigo 189.°-B) para o caso das directivas e regulamentos respeitantes às medidas necessárias à realização progressiva da livre circulação dos trabalhadores;

b) Artigo 54.°, n.° 2, do capítulo n, «O direito de estabelecimento» — consagra a aplicação do mesmo processo de co-decisão para as directivas, visando executar o programa geral destinado a suprimir as restrições à liberdade de estabelecimento ou, na falta deste, para levar a cabo

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uma fase de aplicação de liberdade de estabelecimento numa determinada actividade;

c) Artigos 56.°, n.° 2, e 57.° do mesmo capítulo — consagram a aplicação do processo de co-decisão, no primeiro caso para a coordenação de disposições regulamentares e administrativas dos Estados membros, apôs o final da segunda fase prevista quanto a regimes especiais para estrangeiros, e no segundo para a adopção de directivas que visem o reconhecimento mútuo de diplomas, certificados e outros títulos ou cuja execução não implique num Estado membro pelo menos uma alteração dos princípios legislativos existentes quanto ao regime das profissões;

d) Introdução dos novos artigos 73.°-B a 73.°-G, que, no capítulo rv, «Os capitais e os pagamentos», substituirão a partir de 1 de Janeiro de 1994 os artigos 67.° a 73.°, sendo aplicáveis até esse momento as disposições do artigo 73."-H, em ligação com os actuais artigos 67.° e seguintes. Passam, assim, a ser proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos entre Estados membros e entre Estados membros e países terceiros. Esta disposição não prejudica a aplicação a países terceiros de restrições em vigor em 31 de Dezembro de 1993, ao abrigo de legislação nacional ou comunitária adoptada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento directo, sendo exigida a unanimidade do Conselho quanto a medidas a adoptar relativas à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros com essa finalidade. O previsto no artigo 73.°-B não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento compatíveis com o Tratado nem a aplicação de disposições de direito fiscal ou outras (designadamente quanto à supervisão prudencial das instituições financeiras), distinguindo as diversas situações envolvidas e possibilitando a existência de uma informação administrativa ou estatística adequada e o respeito da ordem e segurança públicas. As restrições aos movimentos de capitais, autorizados por derrogação em vigor, apenas podem manter-se, o mais tardar, até 31 de Dezembro de 1995. Quando, em circunstâncias excepcionais, os movimentos de capitais provenientes ou com destino a países terceiros causem ou ameacem causar graves dificuldades ao financiamento da UEM, pode o Conselho, por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após consulta do BCE, tomar medidas de salvaguarda em relação a países terceiros, por um período não superior a seis meses, se tais medidas se revelarem estritamente necessárias. No caso do artigo 228.°-A (acção da Comunidade para interromper ou reduzir total ou parcialmente as relações económicas com um ou mais países terceiros), prevê-se a adopção, por maioria qualificada, pelo Conselho de medidas urgentes necessárias em matéria de movimentos de capitais e de pagamentos. Na falta de tal medida, pode o Estado membro, por razões políticas graves e por motivos de urgência tomar medidas unilaterais contra um país terceiro relativamente a

movimentos de capitais e pagamentos. Neste caso, o Conselho pode, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, decidir que o Estado membro deve alterar ou revogar essas medidas.

Titulo V, «As regras comuns relativas à concorrência, à fiscalidade e à aproximação das legislações»

As alterações relevantes introduzidas pelo Tratado reportam-se à inclusão de um artigo 10O.°-C relativo ao regime de visto para entrada de cidadãos de países terceiros.

No essencial, o referido artigo, para além de prever a criação de um modelo tipo de visto (adoptado pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu), confere ao Conselho competência para determinar quais os países terceiros cujos nacionais necessitam de visto para atravessar as fronteiras externas da Comunidade.

Até 1996 esta decisão do Conselho é tomada por unanimidade (sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu).

É, porém, aberta uma vasta excepção a esta regra: «na eventualidade de se verificar, num país terceiro, uma situação de emergência de que resulte uma ameaça de súbito afluxo de nacionais desse país à Comunidade», a decisão de exigência obrigatória de visto pode ser tomada pelo Conselho por maioria qualificada, sob recomendação da Comissão. A prorrogação dessa decisão por mais de seis meses terá de ser deliberada por unanimidade.

A partir de 1996 as decisões do Conselho requererão apenas uma maioria qualificada de votos.

Este artigo consubstancia uma transferência de competências nacionais em matéria de política de imigração para o Conselho.

Dadas as relações específicas de Portugal com o Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa, e tendo em conta a aplicação da regra da maioria qualificada, esta disposição do Tratado é susceptível de gerar conflitos entre os interesses específicos de Portugal e as decisões maioritárias do Conselho, embora uma decisão maioritária desfavorável não possa perdurar para além de seis meses.

A União Econômica e Monetária

Nos termos do Tratado que institui a União Europeia o estabelecimento de uma União Económica e Monetária (UEM) tem em vista o objectivo mais vasto da promoção no seu espaço de um progresso económico e social equilibrado e sustentável. Este objectivo não difere daquele que havia já presidido à constituição da Comunidade Económica Europeia. Donde se deverá concluir que o estabelecimento da UEM representa basicamente o aprofundamento dos níveis de cooperação já abertos com a criação do mercado comum.

Conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 2° e I02.<'-A, a UEM é posta ao serviço ao desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades económicas, de um crescimento sustentado e não inflacionista que respeite o ambiente, de um alto grau de convergência dos comportamentos das economias, de um

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elevado nível de emprego e protecção social, do aumento do nível e da qualidade de vida e, finalmente, da coesão económica e social e da solidariedade entre os Estados membros.

Para prosseguir os objectivos acima indicados, a UEM implicará adopção de uma política baseada na estreita coordenação das políticas económicas dos Estados membros, no mercado interno e na definição de objectivos comuns e conduzida de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência. Implica, paralelamente, a fixação irrevogável das taxas de câmbio, conducente à criação de uma moeda única (ecu) e a definição e confusão de uma política cambial única cujo objectivo primordial é a manutenção da estabilidade dos preços.

Com o estabelecimento da UEM comprometem-se os Estados membros à observância de três princípios orientadores:

Preços estáveis;

Finanças públicas e condições monetárias sólidas; Balança de pagamentos sustentável.

A política económica

A coordenação das políticas económicas dos diversos Estados membros no âmbito da UEM consubstância-se na adopção de «orientações gerais» pelo Conselho sobre uma prévia conclusão tomada pelo Conselho Europeu, mediante recomendação inicial da Comissão. A Comissão tem ainda o encargo de informar regularmente o Conselho sobre a compatibilidade das políticas económicas de cada Estado membro com as «orientações gerais» previamente adoptadas, concretizando assim o processo de supervisão multilateral.

Naturalmente que o carácter imperativo das «orientações gerais» a que ficam vinculados os Estados membros (artigo 103.°) suscita a questão de saber qual o envolvimento que poderão/deverão ter os parlamentos nacionais no processo que conduz à sua adopção.

A disciplina orçamental em cada um dos Estados membros é encarada como uma das orientações permanentes que os Estados membros partilham no momento da aprovação do Tratado da União. São estabelecidos no Tratado mecanismos de controlo de eventuais défices orçamentais e de dívida pública que excedam os valores de referência especificados em protocolo anexo ao Tratado. Em caso de défice orçamental excessivo, estão previstos mecanismos de correcção ou mesmo de penalização que podem consistir na publicação das recomendações que o Conselho dirigir ao Estado membro em causa, podendo mesmo implicar a constituição junto da comunidade de um depósito não remunerado ou a aplicação de multas.

A importância atribuída e o rigor colocado nos mecanismos de controlo de défices excessivos ilustram bem a preocupação central pela estabilidade macroeconómica e disciplina orçamental como elementos chave de um crescimento económico sustentado.

A convergência que a UEM pressupõe tem, pois, como instrumento chave a política orçamental. É uma opção compreensível, sendo certo que as acções programáticas entre Estados soberanos devem reportar-se a instrumentos de política que fiquem sob controlo das autoridades.

A polfticc monetária

O objectivo central da política monetária expresso no Tratado é a manutenção da estabilidade dos preços. A definição e a execução da política monetária da Comunidade são cometidas ao Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), sendo este constituído pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelos bancos centrais nacionais. O BCE será dirigido por uma comissão executiva formada por um presidente, um vice-presidente e quatro vogais e por um conselho onde têm assento os membros da comissão executiva e os governadores dos bancos centrais nacionais. Salienta-se como elemento positivo o facto de cada elemento do Conselho dispor de um voto.

De acordo com o artigo 10S.°-A do Tratado, o BCE terá o direito exclusivo de autorizar a emissão de notas de banco na Comunidade, podendo as notas ser emitidas pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais. As notas cuja emissão seja autorizada pelo BCE serão as únicas com curso legal na Comunidade. Os Estados membros poderão continuar a emitir moedas metálicas, de acordo com o volume de emissão aprovado pelo BCE.

A projectada união monetária europeia concretizar-se sem o recurso à via de uma moeda única europeia. Em alternativa a esta solução, poder ir adoptar-se um regime de paridades fixas irrevogáveis entre as moedas dos diferentes Estados membros ou, por outro lado, fazer conviver uma moeda europeia com as moedas actualmente em circulação.

A solução adoptada no Tratado (moeda única europeia) implica a alteração da norma do artigo 105.° da Constituição da República Portuguesa, que atribui ao Banco de Portugal o direito exclusivo de emissão da moeda.

As fases da UEM

A construção da UEM plena é um processo gradual que, de acordo com o Tratado, é constituído por três fases:

Até 1994

A primeira fase da UEM, iniciada em 1990, visa preparar os Estados membros para a segunda fase, esta de transição para a UEM plena. Até 1994 os Estados membros implementarão programas de convergência, procedendo a exercícios de supervisão multilateral.

O Programa de Convergência do Estado Português foi aprovado em 21 de Novembro de 1991 e submetido à apreciação da ECOFIN em 16 de Dezembro do mesmo ano, nele se estabelecendo objectivos conformes com os requisitos estabelecidos no Tratado para a passagem à terceira fase da UEM. Ainda na primeira fase, será preparada legislação secundária relativa à UEM, definição de especificações técnicas para a circulação do ecu, bem como a especificação de alguns instrumentos (artigos 19 e 20 do Protocolo Relativo ao SEBC e BCE) e outras regras relativas ao futuro SEBC.

Compete ainda ao Comité dos Governadores dos Bancos Centrais preparar tudo o que seja necessário para a entrada em funcionamento do Instituto Monetário Europeu (1994).

A segunda etapa (1994-1998)

De acordo com o artigo 109.°-E do Tratado, a segunda fase da realização de UEM tem início em 1 de Janeiro de

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1994. Esta fase corresponde a uma coordenação das políticas económica e orçamental dos Estados membros, no âmbito da supervisão multilateral e tendo por base os programas de convergência. Ao nível da política orçamental, a Comissão monitorizará a situação orçamental da cada Estado membro, tendo por base os referenciais do défice orçamental (< 3 % do PIB) e da dívida pdblica (< 60 % do PIB). Estes referenciais são considerados de uma forma dinâmica na formulação dos critérios referidos no artigo 104,°-C, referente ao procedimento relativo aos défices excessivos, proibidos na terceira fase da UEM.

Relativamente ao rácio do défice orçamental no PIB, a situação varia nos 12 Estados membros entre 1,5 % em França e 17,9 % na Grécia (em Portugal o rácio é de 5,2 %); no que respeita à dívida pública, a situação é igualmente muito díspar — 6,9 % no Luxemburgo e 129,4 % na Bélgica (65 % em Portugal).

A partir do início da segunda fase ficam proibidos os Financiamentos monetários, não podendo ainda quer a Comunidade quer os Estados membros assumir responsabilidades das dívidas de autoridades centrais, regionais, ou locais.

Em termos institucionais, os Estados membros devem iniciar durante a segunda fase, o processo legislativo conducente à participação dos seus bancos centrais nacionais no SEBC, assegurando a sua independência.

Em 1996 o Conselho Europeu decidirá se a maioria dos Estados membros satisfaz as condições necessárias para a adopção da moeda única e se julga conveniente que a Comunidade passe à terceira fase, fixando, em caso de resposta afirmativa, a respectiva data. Se a decisão não tiver sido tomada nos anos de 1997 ou 1998, a passagem à terceira fase opera-se em 1 de Janeiro de 1999, mesmo sem «massa crítica». Os países que não tenham preenchido cs critérios ficam sujeitos a uma derrogação que lhes não confere nem os direitos nem as obrigações inerentes.

Portugal não satisfaz actualmente nenhum dos cinco critérios de convergência. O Programa de Convergência fornece as linhas, objectivos e previsões que conformam Portugal com os requisitos de adaptação de moeda única.

A terceira fase — A UEM plena (1999)

O mais tardar em 1 de Janeiro de 1999 verificar-se-á a fixação irrevogável das paridades cambiais, relativamente aos Estados membros que verifiquem as condições necessárias para adopção da moeda única. Desta forma o ecu deixará de ser um cabaz de moedas, para ganhar o estatuto de moeda com direito próprio, emitido pelo SEBC. À nova moeda corresponde uma política monetária única, definida e gerida pelo BCE. O BCE será independente e terá como objectivo prioritário a estabilidade dos preços.

Título XIV, «A coesão económica e social»

A coesão económica e social, introduzida com autonomia pelo Acto Único Europeu —anterior título v da parte n—, é objecto de alguns aperfeiçoamentos no Tratado da União Europeia, onde consta no novo título xrv da agora parte m.

Parte-se da ideia de promoção de um desenvolvimento harmonioso do conjunto da Comunidade, prevendo-se que esta desenvolva e prossiga a sua acção em especial no

sentido da redução das disparidades entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos desfavorecidas, incluindo as zonas rurais, não referidas anteriormente.

Afirma-se o apoio da Comunidade à realidade dos objectivos ligados à «coesão económica e social» através da acção desenvolvida através dos fundos com finalidade estrutural: Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, Secção de Orientação, Fundo Social Europeu e Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, bem como do Banco Europeu de Investimento e dos demais instrumentos financeiros existentes. De novo prevê-se que, de três em três anos, a Comissão apresente ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões um relatório sobre os progressos registados na realização cia coesão económica e social e sobre a forma como os vários meios previstos contribuíram para esses progressos — o relatório será acompanhado, se for caso disso, de propostas adequadas. Verificando-se a necessidade de acções específicas não inseridas no âmbito dos fundos, essas acções podem ser aprovadas por unanimidade pelo Conselho, sob proposta da Comissão, após consulta do Parlamento Europeu, do Comité Económico e Social e do Comité das Regiões, isto sem prejuízo das medidas decididas no âmbito das outras políticas da Comunidade.

O FEDER continua a ser definido como tendo por objectivo contribuir para a correcção dos principais desequilíbrios regionais na Comunidade através de uma participação no desenvolvimento e no ajustamento estrutural da regiões menos desenvolvidas e na reconversão das regiões industriais em declínio.

O Conseího passa a poder, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após parecer favorável do Parlamento e consulta do Comité Económico e Social e do Comité da Regiões, definir as missões, os objectivos prioritários e a organização dos fundos com finalidade estrutural: o que poderá implicar o agrupamento desses fundos. Segundo o mesmo procedimento, o Conselho define, igualmente, as regras que lhes serão aplicáveis, bem como as disposições necessárias para garantir a sua eficácia e a coordenação dos fundos entre si ou com os outros instrumentos financeiros existentes.

Merece especial referência o facto de o Conselho, ainda segundo o mesmo procedimento, dever criar até 31 de Dezembro de 1993 um fundo de coesão, que contribuirá financeiramente para a realização de projectos nos seguintes domínios: ambiente e redes transeuropeias em matéria de infra-estruturas de transportes.

No tocante as decisões de aplicação relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, são as mesmas cometidas ao Conselho, que deliberará segundo o procedimento do artigo 189.°-C, depois de consulta aos Comités Económico e Social e das Regiões.

Quanto ao FEOGA-Qrientação e ao FSE, continuará a aplicar-se o estipulado nos artigos 43.° e 125.°, passando, neste último caso, a remeter-se também para o artigo 189.°-C.

Parts v

Título I, capííuJo v, «Banco Europeu de investimento»

A única alteração relevante introduzida pelo Tratado da União Europeia consiste na explicitação de que «o Banco facilitará o financiamento de programas de investimento em articulação com as intervenções dos fundos estruturais

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e dos demais instrumentos financeiros comunitários» (artigo 198 .°-E), na linha do que já actualmente se verifica no âmbito dos quadros comunitários de apoio.

Disposições financeiras

As normas relativas às disposições financeiras constam do título n da parte v do Tratado — artigos 199." a 209.°

Mantêm-se as disposições anteriores relativas aos princípios da universalidade, anualidade e de equilibrio do orçamento.

Igualmente se mantém inalterada a possibilidade de transição de saldos para o ano seguinte àquele a que respeitem as dotações orçamentais, com excepção dos respeitantes a despesa com pessoal.

Toda a complexa metodologia de elaboração e aprovação do orçamento constante do artigo 203.° se mantém em vigor, bem como o regime de duodécimos aplicável sempre que no início de um ano financeiro o orçamento não tiver sido ainda votado.

Apresentam-se de seguida as principais alterações e inovações introduzidas no Tratado da União.

Relativamente ao financiamento das acções a desenvolver no âmbito das novas disposições do Tratado sobre política externa e de segurança comum e nos domínios da justiça e dos assuntos internos, é consignado o princípio de que as despesas administrativas fiquem a cargo do orçamento, sendo as despesas operacionais financiadas nos termos que vierem a ser definidos em cada caso nas próprias disposições que as adoptem.

O Tratado da União inscreve uma nova disposição relativa à disciplina orçamental, vedando à Comissão apresentar propostas ou adoptar medidas de execução susceptíveis de ter uma incidência sensível no orçamento, sem dar a garantia de que essas propostas ou medidas possam ser financiadas nos limites dos recursos próprios da Comunidade.

As disposições do Tratado relativas à aprovação das contas são alteradas no sentido de possibilitar ao Parlamento Europeu ouvir a Comissão sobre a execução das despesas ou o financiamento dos sistemas de controlo financeiro, ficando ainda a Comissão obrigada a dar seguimento às observações do Parlamento Europeu.

Os Estados membros ficam obrigados pelo Tratado a combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da Comunidade, adoptando medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros.

O sistema de recursos próprios da Comunidade é aprovado pelo Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento ¿uroneu.

É neste quadro que se discute actualmente o chamado «II Pacote Delors», cuja urgência na aprovação tem vindo a merecer o consenso das forças políticas portuguesas, como pressuposto essencial aos objectivos do Tratado: uma economia próspera e dinâmica, a convergência entre as economias dos Estados membros, o reforço da coesão económica e social e o desempenho de um papel externo à medida da importância económica da Comunidade.

A implementação do fundo de coesão, criado em Maastricht, o ajustamento das taxas de comparticipação comunitária em função do esforço de rigor e eficácia a que esteja sujeita a política orçamental dos países beneficiários, o alargamento e flexibilização das acções

elegíveis e, finalmente, o crescimento substancial dos meios financeiros constituem-se como requisitos essenciais no esforço de coesão, no que a Portugal diz respeito.

A proposta de aumento de recursos próprios da Comunidade de 1,20 % do PIB comunitário em 1992 para 1,37 % em 1997, pressupondo um crescimento real da economia na ordem de 2,5 %, corresponde a um crescimento anual do orçamento de cerca de 5 % em termos reais

Tudo se traduzirá num aumento do plafond de 20 000 MECU, dos quais 11 000 MECU se destinariam a reforçar o esforço de coesão que será criado até Dezembro de 1993 e fornecerá contribuições financeiras comunitárias para projectos na área do ambiente e das redes transeuropeias nos Estados membros com um PNB per capita inferior a 90 % da média comunitária e que tenham definido um programa de convergência.

Protocolo Relativo ao Instituto Monetário Europeu

1 — Nos termos do artigo 109.°-F do Tratado da União Europeia no início da segunda fase da União Económica e Monetária (previsto para 1 de Janeiro de 1994), «é instituído e entra em funções um Instituto Monetário Europeu (IME), que tem personalidade jurídica e é dirigido e gerido por um conselho composto por um presidente e pelos governadores dos bancos centrais nacionais, um dos quais será vice-presidente».

O IME deverá assegurar a transição entre o actual Comité de Governadores dos Bancos Centrais da Comunidade e o futuro Banco Central Europeu (BCE) e assumirá as atribuições do actual Fundo Europeu de Cooperação Monetária (FECOM). Por isso, com a entrada em funções do IME serão dissolvidos o Comité e o Fundo.

A função essencial do IME será a de fazer a ponte entre a actual fase de cooperação no âmbito das políticas monetárias dos Estados membros e a proposta política única e entre o regime de paridades existente no Sistema Monetário Europeu (SME) e a moeda única.

2 — Os Estatutos do IME constam de um protocolo anexo ao Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht, e estendem-se por 23 artigos.

Tendo em vista a sua contribuição para a realização das condições necessárias à passagem para a terceira fase da União Monetária ao IME são atribuídos três objectivos fundamentais (artigo 2° dos Estatutos):

O reforço da coordenação das políticas monetárias, tendo em vista garantir a estabilidade dos preços;

A execução dos preparativos necessários para a instituição do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), para a condução de uma política monetária única e para a criação de uma moeda única;

A supervisão da evolução do ecu.

Para o prosseguimento daqueles objectivos o IME terá um conjunto de atribuições (artigos 4.°, 5.°, 6.° e 7.°), designadamente:

A supervisão do funcionamento do SME, a assunção das atribuições do FECOM, a promoção da utilização do ecu e a supervisão do correspondente sistema de compensação;

Reforçar a coordenação das políticas monetárias dos Estados membros, proceder a consultas regulares

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sobre a orientação dessas políticas e a utilização dos respectivos instrumentos a ser consultados pelas autoridades monetarias nacionais antes da tomada de decisões sobre a orientação das suas políticas;

O mais tardar até 31 de Dezembro de 1996, definir o quadro regulamentar, organizacional e logístico no qual funcionará o SEBC, o que implica a preparação dos instrumentos e procedimentos adequados a uma política monetaria única, a harmonização de normas e práticas estatísticas, a preparação das normas para as operações a realizar pelos bancos centrais nacionais no quadro do SEBC e a supervisão da preparação técnica das notas de banco denominadas em ecu.

O DvfE será dotado de recursos financeiros próprios, que resultarão de contribuições dos bancos centrais nacionais a determinar de acordo com uma tabela de repartição assente, em partes iguais, no PIB e na população de cada país (artigo 16.°).

No âmbito das suas atribuições, o IME formula pareceres e recomendações, por norma não vinculativos, e aprova orientações e toma decisões vinculativas para os bancos centrais nacionais.

O IME pode apresentar aos Governos e ao Conselho pareceres e recomendações sobre políticas que possam afectar a situação monetária interna ou externa da Comunidade e, em especial, o funcionamento do SME.

No âmbito do Conselho do IME, cada membro dispõe de um voto. A regra geral para as deliberações é a maioria simples dos seus membros.

No entanto:

Os pareceres e orientações sobre a orientação das políticas monetária e cambial dos Estados membros e as decisões sobre as contribuições financeiras nacionais para o IME e a aprovação das orientações relativas à criação das condições necessárias para o desempenho das atribuições do SEBC exigem uma votação por maioria qualificada de dois terços;

A definição do quadro em que deverá funcionar o SEBC, a publicação de pareceres e recomendações do IME e as condições de emissão e utilização do ecu exigem decisões tomadas por unanimidade.

O IME deixará de existir no dia em que for criado o BCE e a sua liquidação será feita de acordo com as regras fixadas no artigo 23.° dos seus Estatutos.

Protocolo sobre o Procedimento Relativo aos Défices Excessivos

O Protocolo apenas concretiza os valores de referência a que se refere o n.°2 do artigo 104.°-C do Tratado e define o conteúdo de algumas expressões relevantes para o efeito.

Assim:

O limite máximo da relação ente o défice orçamental programado ou verificado e o PIB é fixado em

3%;

O limite admissível da relação entre a dívida pública

e o PIB é de 60 %; O âmbito orçamental relevante inclui o poder central,

regional e local e a segurança social;

O défice orçamental é entendido como as necessidades líquidas de financiamento;

O investimento relevante restringe-se â formação bruta de capital fixo;

A dívida pública relevante é o valor nominal da dívida bruta consolidada dos poderes central, regional e local e da segurança social existente no final do exercício económico.

Para todos os efeitos, apenas são relevantes os dados estatísticos fornecidos pela Comissão das Comunidades, ainda que divergentes dos apresentados pelos Governos dos Estados membros.

Nos termos do Tratado, o «défice orçamental excessivo» reporta-se quer ao nível do défice orçamental, quer à dimensão relativa da dívida pública, quer, naturalmente, à verificação cumulativa das duas situações.

Em parte alguma do Tratado é apresentada & fundamentação dos limites numéricos relevantes para a determinação dos «défices orçamentais excessivos».

Protocolo Relativo aos Critérios de Convergência a Que Se Refere o Artigo 109.S-J do Tratado Que Institui a Comunidade Europeia.

I — Complementarmente aos valores de referência definidos no Protocolo sobre o Procedimento Relativo aos Défices Excessivos (artigo 104.°-C), são fixadas as modalidades dos critérios de convergência por que se regerá a Comunidade na tomada de decisão sobre a passagem à terceira fase da União Económica e Monetária a que se refere o artigo 109.°-J do Tratado.

II — Nessa medida, definem-se os critérios seguintes:

a) De estabilidade de preços — segundo o qual a taxa média da inflação em cada Estado membro não deve exceder em mais de 1,5 % a verificada, no máximo, nos três Estados membros com os melhores resultados em termos de estabilidade de preço (');

b) De situação orçamental — segundo o qual o Estado membro poderá ser objecto de uma decisão do Conselho, ao abrigo do disposto no n.°6 do artigo 104.°-C do Tratado, que declara verificada a existência de um défice excessivo nesse Estado membro í2);

c) De participação no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu (SME) — segundo o qual se entende que cada Estado membro respeitou as margens de flutuações normais previstas no mecanismo de taxas de câmbio do SME, não tendo havido tensões graves durante, pelo menos, os dois anos anteriores à análise nem desvalorização por iniciativa própria da taxa de câmbio central bilateral da sua moeda

(') A inflação será calculada a partir do índice de preços no consumidor numa base comparável, tomando em consideração es diferenças nas definições nacionais. Os dados estatísticos a utilizar para a aplicação do Protocolo são fornecidos pela Comissão.

(*) Cf. o Protocolo sobre o Procedimeolo Relativo aos DéTices Excessivos, segundo o qual, como vimos, os vaiares de referência s que se refere o n.°2 do artigo 104.°-C sio: 3 % para a relação entre o âefice orçamental programado ou verificado e o produto interno bruto a preços de mercado e 60 % para a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto a preços de mercado.

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em relação à moeda de qualquer outro Estado membro durante o mesmo período; d) De convergência das taxas de juro — segundo o qual, durante o ano que antecede a análise, cada Estado membro deve ter registado uma taxa de juro rraminal média a longo prazo que não exceda em mais de 2 % a verificada, no máximo, nos três Estados com melhores resultados em termos de estabilidade dos preços (').

III — Caberá ao Conselho, através de deliberação adoptada por unanimidade, sob proposta da Comissão, após consulta do Parlamento Europeu, do Instituto Monetário Europeu ou do Banco Central Europeu, conforme o caso, e do Comité Monetário, a que se refere o artigo 109.°-C do Tratado, aprovar as disposições necessárias à definição pormenorizada dos critérios de convergência a que se refere o artigo 109.°-J, que passarão nessa ocasião a substituir o presente protocolo.

IV — Verifica-se, pois, que os critérios de convergência apontados não são definitivos, cabendo ao Conselho a respectiva aprovação pormenorizada, por unanimidade. Neste particular importa, porém, salientar que a definição rígida e uniforme de critérios de convergência tem sido posta em dúvida por diversos especialistas, atendendo à diversidade das economias nacionais e das suas características próprias, designadamente no tocante à formação de poupança e aos respectivos níveis. Tornar--se-á, pois, aconselhável, neste aspecto, a adoptação de uma maior flexibilidade na definição e aplicação destes critérios de convergência, sem prejuízo do rigor e da objectividade necessários. A redacção deste Protocolo permite, com efeito, aos Estados membros e aos órgãos comunitários uma reconsideração dos critérios aqui concretizados, com respeito do disposto no artigo 109.°-J.

Protocolo Respeitante a Portugal

É apenas uma a questão abordada neste instrumento, que visa atender a problemas específicos relativos a Portugal.

Trata-se de uma autorização excepcional, que permite a manutenção da faculdade concedida às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira de beneficiarem de uma conta gratuita no Banco de Portugal, que se encontra estabelecida nos respectivos Estatutos Político-Administrativos. Estamos perante uma reminiscência do regime contratual do Banco de Portugal que constituía para a República (e depois para as Regiões Autónomas) contrapartida do privilégio exclusivo de emissão monetária.

Portugal compromete-se, porém, a desenvolver «os seus melhores esforços» no sentido de pôr termo a tal facilidade.

Palácio de São Bento, 3 de Dezembro de 1992. — Os Relatores: Castro de Almeida (PSD) — Guilherme Oliveira Martins (PS) — Octávio Teixeira (PCP). — O Presidente da Comissão, Manuel António dos Santos.

Nota. — O relatório foi aprovado, com votos a favor do PSD e do PS e votos contra do PCP e do CDS.

(') As taxas de juro são calculadas com base em obrigações do Estado a longo prazo ou outros títulos semelhantes, tomando em consideração as diferenças nas definições nacionais.

Protocolo Relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu

O objectivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) é a manutenção da estabilidade de preços (artigo 105.°, n.° 1, do Tratado), apoiando as políticas económicas gerais na Comunidade, com vista a contribuir para a realização dos objectivos gerais comunitários. O SEBC actuará de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, incentivando uma repartição eficaz dos recursos. Isto no contexto de uma política económica baseada na coordenação de esforços entre os Estados membros, no mercado interno e na definição de objectivos comuns.

Neste contexto, são atribuições do SEBC: a definição e execução da política monetária da Comunidade; a realização de operações cambiais de acordo com o artigo 109.° do Tratadora detenção e gestão das reservas cambiais oficiais dos Estados membros e a promoção do bom funcionamento dos sistemas de pagamentos. Note-se, porém, que relativamente às reservas cambiais os Estados membros poderão deter e gerir os saldos de tesouraria em divisas.

O Banco Central Europeu (BCE) tem funções consultivas sobre qualquer proposta de acto comunitário nos domínios das suas atribuições e, perante as autoridades nacionais, sobre qualquer projecto de disposição legal nos mesmos domínios, nos limites e condições definidos pelo conselho. O Banco pode ainda elaborar pareceres no âmbito das suas atribuições e coligirá a informação estatística necessária.

O SEBC é independente, não podendo o BCE, os bancos centrais nacionais ou qualquer membro dos respectivos órgãos de decisão solicitar ou receber instruções das instituições ou organismos comunitários, dos Governos dos Estados membros ou de qualquer outra entidade.

O SEBC é dirigido pelos órgãos de decisão do BCE:

a) O conselho do BCE, composto pelos membros da comissão executiva e pelos governadores dos bancos centrais nacionais. Em princípio, cada membro do conselho dispõe de um voto, deliberando por maioria simples. Em caso de empate, o presidente tem voto de qualidade. Relativamente às decisões a tomar nos termos dos artigos 28.° (aumento de capital), 29.° (tabela de repartição para subscrição de capital), 30.° (transferência de activos de reserva para o BCE), 32.° (distribuição dos proveitos monetários para os bancos centrais nacionais), 33.° (distribuição dos lucros e perdas líquidas do BCE) e 51.° (derrogação do artigo 32.°, após o início da terceira fase da União Económica e Monetária (UEM)], os votos dos membros do conselho serão ponderados de acordo com as participações dos bancos centrais nacionais no capital subscrito do BCE. As decisões por maioria qualificada (artigos 28.° e 32.°) consideram-se tomadas se os votos representarem pelo menos dois terços do capital subscrito do BCE e provierem de pelo menos metade dos accionistas;

b) A comissão executiva, composta por presidente, vice-presidente e quatro vogais, nomeados de entre personalidades de reconhecida competência e com experiência profissional nos domínios

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monetário ou bancário, de comum acordo, pelos Governos dos Estados membros a nível de chefes de Estado ou de governo, sob recomendação do Conselho e após este ter consultado o Parlamento Europeu e o conselho do BCE. A sua nomeação é feita por um período de oito anos e o mandato é renovável. A comissão é responsável pela gestão das actividades correntes do BCE e delibera por maioria simples dos votos expressos, dispondo o presidente de voto de qualidade em caso de empate;

c) O presidente ou, na sua ausência, o vice-

presidente preside ao conselho do BCE e à comissão executiva;

d) O conselho geral, composto pelo presidente e pelo vice-presidente do BCE e pelos governadores dos bancos centrais nacionais, com funções consultivas e de colaboração na compilação de informação estatística, na elaboração de relatórios e das contas e na preparação da fixação irrevogável de taxas de câmbio das moedas dos Estados que beneficiem de derrogação.

Em suma: o conselho adopta as orientações e toma as decisões necessárias ao desempenho das atribuições cometidas ao SEBC, define a política monetária da Comunidade (incluindo objectivos monetários intermédios, taxas de juro básicas e aprovisionamento de reservas no SEBC) e estabelece as orientações necessárias à respectiva execução. A comissão executiva aplica a política monetária de acordo com as orientações e decisões estabelecidas pelo conselho. Para o efeito, a comissão dará as instruções necessárias aos bancos centrais nacionais, podendo ser delegadas na comissão certas competências do conselho.

Cada Estado membro deverá, entretanto, assegurar até à data da instituição do SEBC a compatibilidade da respectiva legislação nacional com o Tratado, incluindo os estatutos do banco central nacional. Estes deverão prever que o mandato de governador não seja inferior a cinco anos, que o governador só possa ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave e que os bancos centrais nacionais podem exercer outras funções, além das referidas nos Estatutos do SEBC e do BCE, salvo se o conselho do BCE decidir por maioria de dois terços dos votos expressos que essas funções interferem com os objectivos e atribuições do SEBC. Consagra-se ainda que o governador do banco central nacional alvo de demissão pode interpor recurso da decisão para o Tribunal de Justiça com o fundamento de violação do Tratado ou de qualquer norma relativa à sua aplicação.

O conselho do BCE tem o direito exclusivo de autorizar a emissão de notas de banco na Comunidade, cabendo ao BCE e aos bancos centrais nacionais a emissão das notas, que serão as únicas com curso legal na Comunidade.

O Protocolo em apreço estabelece ainda normas sobre: contas no BCE e nos bancos centrais nacionais em nome de instituições de crédito, de entidades do sector público e de outros intervenientes no mercado; operações de open markel e de crédito; reservas mínimas junto do BCE e dos bancos centrais nacionais; outros mecanismos de controlo monetário (adoptados por maioria de dois terços dos votos expressos)', proibição de concessão de créditos, sob a forma de descobertos ou sob outra forma, pelo BCE e bancos centrais nacionais a entidades do sector público; sistemas de compensação e pagamentos; operações externas; parecer

do BCE sobre supervisão prudencial das instituições de crédito e estabilidade do sistema financeiro; contas anuais; auditoria externa; capital do BCE (5000 MECU); tabela de repartição para subscrição de capital; transferência de activos de reserva para o BCE; activos de reserva detidos pelos bancos centrais nacionais; distribuição dos proveitos monetários dos bancos centrais nacionais, e distribuição de lucros e perdas líquidas do BCE.

Por fim, as disposições gerais consagram: os actos jurídicos do BCE (regulamentos, decisões para o desempenho das atribuições cometidas ao SEBC, recomendações e pareceres); a fiscalização jurisdicional e assuntos afins (pelo Tribunal de Justiça e tribunais dos Estados membros); o regime do pessoal (deliberado pelo conselho do BCE, sob proposta da comissão executiva); a sede (a definir até 1992); o segredo profissional; a forma de obrigar o BCE; os privilégios e imunidades; o procedimento de alterações dos Estatutos no sentido da simplificação (por maioria qualificada do conselho, sob recomendação unânime do BCE e após consulta da comissão, ou por unanimidade, sob proposta da comissão e após consulta do BCE, sempre com concordância do Parlamento Europeu); o regime a que ficam subordinados os Estados que beneficiem da derrogação prevista no artigo 109.°-K do Tratado; as atribuições transitórias do 3CE relativamente aos Estados que beneficiem da derrogação; a realização diferida do capital, das reservas e das provisões do BCE; a nomeação inicial dos membros da comissão executiva e o câmbio de notas de banco denominadas em moedas da Comunidade.

Estamos, pois, face à concretização estatutária do que se encontra estabelecido no Tratado da União Europeia relativamente à realização da terceira fase da UEM.

Palácio de São Bento, 7 de Dezembro de Í992. — O Deputado, Guilherme de Oliveira Martins. — O Presidente da Comissão, Manuel António dos Santos.

Declaração ás voto cto ?CP

I — O representante do Grupo Parlamentar do PCP participou na elaboração do presente relatório, alravés da redacção das parcelas que lhe foram distribuídas («As regras comuns relativas à concorrência, à fiscalidade e aproximação de legislações», Protocolo Relativo aos Estatutos do Instituto Monetário Europeu e Protocolo Relativo aos Défices Excessivos, cujo texto, na parte relativa à análise crítica, não foi acolhido pelos restantes membros do grupo de trabalho).

Só essa participação material na redacção de [parte do relatório justifica que o representante do PCP o tenha co-subscrito.

II — No seu conjunto, o relatório tem uma natureza fundamentalmente descritiva das alterações introduzidas pelo Tratado de Maastricht, no âmbito da União Económica e Monetária (UEM), face ao quadro normativo actualmente em viger. O que é pouco! E significa uma fuga à necessidade evidente de fazer a análise económica e política do Tratado.

De facto, o relatório não faz uma leitura ou análise crítica da UEM proposta, isto é, do seu significado e consequências. Em especial as consequências que das orientações e mecanismos da UEM resultam para Portugal,

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quer na perspectiva das perdas de competencias soberanas quer na das consequências para a economia portuguesa.

III — Na perspectiva do Grupo Parlamentar do PCP:

1 — A UEM apresenta-se como urna profunda alteração qualitativa do processo de integração comunitária, com substanciais implicações políticas. Designadamente, o abandono a que se vêem forçados os Estados membros de importantes instrumentos de política económica e as características marcadamente federais decorrentes do compromisso da moeda única.

De facto, o objectivo da criação de uma moeda única, que substituirá, a prazo, as moedas nacionais dos Estados membros, comporta uma natureza essencialmente política, já que para atingir os objectivos técnico-económicos subjacentes seria suficiente a fixação das paridades das taxas de câmbio entre as varias moedas nacionais.

O que o Tratado de Maastricht pretende evidenciar e «tomar irreversível», com a criação da moeda única, é a natureza federal da União, pois só a perspectiva de uma federação de Estados exige uma moeda única.

2 — As políticas monetária e cambial únicas — tendo como «objectivo primordial a manutenção da estabilidade dos preços», ao qual se subordinarão as políticas macroeconómicas na Comunidade— serão definidas e conduzidas por um Banco Central Europeu, que, por acréscimo, condicionará todas as políticas económicas dos Estados membros.

O BCE será independente dos poderes políticos nacionais e comunitário.

Isto é, o essencial e fundamental da política económica e financeira da União e dos Estados membros será dirigido por uma instituição supranacional politicamente irresponsável perante os parlamentos e os povos dos Estados membros (mas, evidentemente, o BCE não deixará de estar sujeito às relações de poder político e económico dos grandes países e à pressão das transnacionais e dos interesses dominantes nos mercados financeiros, à imagem e semelhança do que sucede actualmente com o Bundesbank).

3 — A coordenação das políticas económicas nacionais (para além da que é imposta, directa e indirectamente, pela existência de políticas monetária e cambial únicas) concretiza-se através das orientações gerais de política económica definidas pelo Conselho Europeu, com base nas propostas do Conselho de Ministros das Finanças, deliberadas por maioria qualificada e sob recomendação da Comissão, e será assegurada pela supervisão multilateral dos comportamentos das economias nacionais, no âmbito da qual o ECOFIN, deliberando ainda por maioria qualificada «pode dirigir as recomendações necessárias» aos Estados membros, e o Conselho Europeu pode impor-Ihes sanções, deliberando igualmente por maioria qualificada.

Ou seja: a coordenação das políticas económicas nacionais, no pouco que ainda lhes restará de autonomia, estará sempre na dependência de maiorias qualificadas, o que significa na dependência da decisão dos países mais ricos e poderosos.

4 — A centralização a nível supranacional das decisões sobre a política económica faz-se em prejuízo das competências dos parlamentos nacionais, os quais deixam de ter a possibilidade de fiscalizar e sancionar politicamente os respectivos governos, pois essas decisões são tomadas pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada.

5 — O condicionamento das políticas orçamentais concretizado através da fixação de um limite máximo para o défice orçamental (3 % do PIB) — que acresce à imposição da «harmonização» das legislações relativas ao IVA, aos impostos especiais de consumo e a outros impostos mdirectos e ao «condicionamento» das despesas decorrente da comparticipação obrigatória nos programas e acções co-financiados — retira margem de manobra na definição autónoma das prioridades orçamentais nacionais, elas próprias sujeitas, para além do mais, às decorrências das orientações gerais de política económica definidas a nível supranacional.

IV — Assim sendo, como é, importaria que o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano procurasse dar resposta, pelo menos, às seguintes questões:

a) Num quadro de moeda única, de políticas monetária e cambial únicas, de sujeição a orientações gerais de política económica, de maior concorrência internacional, de competição em muitos produtos com países do terceiro mundo e sofrendo processos de ajustamentos estruturais, como poderá a economia portuguesa crescer mais rapidamente que a dos outros países comunitários mais desenvolvidos?

b) Sujeito a uma estratégia económica supranacional, como poderá Portugal vir a fazer frente a situações de crise provocadas por choques externos senão através de congelamentos ou reduções salariais e de aumento do desemprego?

c) Nestas condições, como será possível a Portugal progredir no sentido da convergência (real) com os níveis de desenvolvimento económico e social dos países mais desenvolvidos da Comunidade Europeia?

í/) E que papel fica reservado no futuro para a Assembleia-da República Portuguesa, designadamente para a sua Comissão de Economia, Finanças e Plano, no âmbito da definição e fiscalização das políticas económica, fiscal e orçamental?

O relatório não tenta, sequer, equacionar estas questões! Por isso, o Grupo Parlamentar do PCP votou contra o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

O Deputado do PCP, Octávio Teixeira.

Relatório da Comissão de Assuntos Europeus

Argumentos para Maastricht

A — Das Comunidades Europeias è União Europeia

1 — O regresso de ideias antigas.

2 — Inimigos históricos e opositores de circunstância.

3 — Uma lenta construção.

4 — Um instrumento flexível: sobressaltos e acelerações.

5 — Paragens e regressões.

6 — O reencontro com a Grande Europa.

7 — Como manter a força de atracção.

8 — Um pacto de paz, liberdade, prosperidade, equilíbrio,

convivência e solidariedade.

9 — Aprofundamento e alargamento. O espectro da

diluição.

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10 — Um gigante económico e um anão político

11 —Destino dos pequenos países: sobrevivência do

modelo igualitário.

12 — Europa Atlântica, Europa Continental, Europa

Mediterrânica.

13 — Soberania e interdependência no limiar do século xxl

14 — Perda de soberania e partilha de soberania.

15 — Repartição espacial de competências: a subsi-

diariedade.

16 — Subsidiariedade: um princípio jurídico ascendente.

17 — Comunidade, Estado, região: novos equilíbrios

dinâmicos.

18 — Identidade nacional, Estado-nação, ideologia do

Estado-nação.

19 — Estado federal federação de Estados, confederação

e experiência comunitária.

20 — Unidade europeia, velocidades diferenciadas e

geometrias variáveis.

21 — A síndroma da hegemonia: o caso alemão.

22 — Países periféricos: uma opção de modernização e

desenvolvimento.

23 — Relembrar o mandato das Conferências Inter-

governamentais:

a) Aprofundar com eficácia e transparência;

b) Dar legitimidade democrática;

c) Procurar unidade e coerência na acção externa.

24 — O compromisso entre objectivos ambiciosos e passos

concretos.

25 — Os três pilares do Tratado: uma estratégia de

aproximações num quadro institucional único.

26 — A prefixação de datas de reavaliação e revisão do

Tratado da União.

27 — Entrada em vigor do Tratado da União.

28 — Renegociação do Tratado, adição de novos pro-

tocolos e declarações interpretativas e flexibilidade na aplicação: saídas possíveis para as actuais interrogações.

Disposições específicas do Tratado da União Europeia

Notas. — O índice de temas que segue é substituído, para efeitos de relatório de ratificação do Tratado a submeter a Plenário, pelos seguintes relatórios sectoriais das comissões parlamentares especializadas:

B — A União Económica e Monetária e coesão:

Relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

C — Cidadania da União, novas politicas e disposições institucionais:

Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

D — Politica externa e de segurança comum (2." pilar):

Relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros,

Comunidades Portuguesas e Cooperação; Relatório da Comissão de Defesa Nacional.

E — Cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos (3.° pilar):

Relatório da Comissão de Assuntas Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

B — A União Económica e Monetária a coesão

29 — Da Comunidade Económica Europeia à Comunidade

Europeia.

30 — As insuficiências do grande mercado interno.

31 — A UEM como evolução natural e a UP como

correcção.

32 — Os objectivos gerais da UEM. Quem os contesta?

33 — UEM: metas, critérios, índices e modos de decisão.

Um tratado minuciosamente concretizado.

34 — As orientações gerais das políticas económicas dos

Estados membros: dirigismo ou supervisão multilateral?

35 — Tecnocracia, decisão política e controlo democrático

na realização da UEM.

36 — Novas condicionantes da política orçamental: os

défices excessivos.

37 — Critérios de convergência nominal e critérios de

convergência real da economia comunitária.

38 — As segunda e terceira fases da UEM: um sistema

complexo de evolução das políticas orçamental, monetária e cambial.

39 — Do Instituto Monetário Europeu ao Sistema Europeu

de Bancos Centrais (incluindo o Banco Central Europeu).

40 — Moeda única: a realidade económica e a simbologia

política.

41 — Parâmetros monetários ou ideologia monetarista no

Tratado da União Europeia? Os índices de saúde de uma economia.

42 — Adequação do modelo a economias díspares e

conjunturas recessivas.

43 — A técnica das recomendações, das sanções, das

derrogações e das exclusões. Exorcismo da Europa com várias velocidades ou o seu reconhecimento antecipado?

44 — Os limites da independência do Banco Central

Europeu.

45 — Os grandes contrapesos ao esforço de convergência:

as políticas de coesão económica e social e as redes transeuropeias.

46 — Coesão económica e social: as novidades (Fundo de

Coesão) e as permanências. Dependência de acção posterior — o II Pacote Delors.

47 — Redes transeuropeias. O equilíbrio entre os interesses

dos países centrais e dos países periféricos.

C — Cidadania da União, novas politicas e disposições institucionais

48 — A nova redacção dos fins da Comunidade Europeia.

49 — Cidadania da União e nacionalidade de um Estado

membro — dois conceitos complementares.

50 — O elenco inicial dos direitos e obrigações da

cidadania europeia. Possíveis evoluções.

51 —Livre circulação de pessoas e capacidade eleitoral:

os interesses portugueses.

52 — A Europa do quotidiano, depois da Europa das

empresas e da Europa dos Estados. As novas políticas do cidadão e a subsidiariedade.

53 — Política social. Principais inovações e consequência

do Protocolo a Onze.

54 — As políticas de juventude: educação e formação

profissional.

55 — Cultura. A salvaguarda das diversidades nacionais e

regionais.

56 — Saúde pública. Combate comum aos grandes

flagelos.

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57 — Protecção de consumidores: a consagração cons-

titucional de políticas já existentes.

58 — Indústria: acção comunitária e autonomia dos

Estados.

59 — Investigação e desenvolvimento tecnológico: reforço

da política actual.

60 — Protecção do ambiente: reforço da política actual.

61 — O direito institucional — mais transparência e mais

democracia na construção comunitária.

62 — Um renovado equilíbrio de poderes das instituições

comunitárias: o Conselho de Ministros, o Parlamento Europeu, a Comissão e o Tribunal de Justiça. As novas instituições: Tribunal de Contas e Banco Central Europeu.

63 — Um novo papel para os órgãos de soberania dos

Estados: os parlamentos nacionais.

64 — Poder regional: uma força em ascensão? O Comité

das Regiões.

65 — Novas tarefas da democracia representativa.

66 — Centralismo burocrático de Bruxelas e burocracias

nacionais.

67 — A eficácia da vida comunitária: a generalização da

decisão por maioria qualificada e as questões de soberania.

68 — Perspectivas do novo processo legislativo: os novos

mecanismos da co-decisão e as restantes formas de relação entre as instituições comunitárias.

69 — Os casos de co-decisão Conselho/Parlamento

Europeu.

70 — Os casos de cooperação Conselho/Parlamento

Europeu/Comissão.

71 —Os casos de consulta ao Parlamento Europeu.

72 — Os pareceres conformes do Parlamento Europeu.

73 — O Conselho Europeu e o seu poder de impulso e

orientação políticos.

74 — Transparência financeira na vida comunitária: as

novas disposições.

D — Política externa e de segurança comum (2.* pilar)

75 — Da cooperação política à política externa e de

segurança comum.

76 — Realizar pela PESC objectivos consensuais.

O gradualismo.

77 — O novo conceito de acções comuns.

78 — A sucessão de unanimidades na PESC. O enqua-

dramento de possíveis votações maioritárias.

79 — Os princípios da protecção de interesses vitais em

política externa. Sobrevivência dos Acordos do Luxemburgo.

80 — As questões de defesa.

81 — A triangulação da União Europeia, da NATO e da

União da Europa Ocidental: em busca de uma identidade europeia de defesa.

82 — As componentes já comunitarizadas da política

externa: política comercial, cooperação ao desenvolvimento e outras intervenções na cena internacional.

E — Cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos (3.* pilar)

83 — Dificuldades emergentes da livre circulação de pessoas no espaço comunitário.

84 — A protecção das fronteiras externas como condição

da abolição das fronteiras internas.

85 — Da cooperação política às acções comuns em matéria

de administração da justiça e dos assuntos internos (3.° pilar).

86 — Regras de circulação já comunitarizadas: a política

dos vistos.

87 — Objectivos de uma acção comum a Doze e processos

de decisão.

88 — Os Acordos de Schengen. Uma fórmula alternativa

ou de antecipação das acções a Doze?

1 — O regresso de ideias antigas

A 40 anos de distância, há tendência para o esvaziamento da memória. Foram morrendo os pais fundadores da Europa unida do pós-guerra 1939-1945 e assiste-se hoje à discussão, sempre renovada e apaixonante, dos Europeus face a si próprios, aos seus parceiros, ao futuro hipotético de todos, em conjunto e em separado.

Dever-se-á discutir o presente e o futuro com a memória do passado, mesmo o aparentemente mais longínquo, o que nos conta a história dos primeiros actores que também se revelaram visionários.

Numa análise fria dos sucessivos tratados sobre as Comunidades Europeias, parece que o Tratado da União Europeia de 1992 inflecte, pela multiplicidade dos seus objectivos confessos, o rumo de uma construção até aqui essencialmente económica.

Em 1952 foi o Tratado sobre os sectores específicos do carvão e do aço. Em 1958 surgem duas novas comunidades, uma ainda sectorial (sector atómico), outra já de vocação universal mas económica [a Comunidade Económica Europeia (CEE)].

Como veremos adiante, o Acto Único Europeu (1986), ao aditar às motivações económicas alguns ingredientes de cooperação política e novas preocupações (ambiente e investigação), não altera radicalmente esse enfoque.

Durante quase 30 anos deixou-se criar a convicção, entre dirigentes, intelectuais e cidadãos comuns, de que a integração económica europeia era simultaneamente a ideia inicial, a táctica e o objectivo final.

Nada de mais incorrecto.

Logo em 1940, no início da guerra, Jean Monnet participa num projecto de união franco-britânica.

No imediato pós-guerra domina entre os homens da acção de planeamento para a reconstrução o espectro de uma guerra fria em que a Alemanha, vencida e destroçada, tanto podia ser a vítima como um desconfortável problema a prazo.

Sob o signo da paz, da reconciliação franco-alema, da reconstrução económica europeia vão nascendo como cogumelos todas as ideias e as acções que neste ano tempestuoso de 1992 nos parecem inéditas:

Uma comunidade supranacional com delegações sucessivas de soberania em domínios específicos (Congresso da Haia de 1948);

A integração dos sectores do carvão e do aço, componentes então essenciais da indústria da guerra (Memorando CECA de 3 de Maio de 1950, que antecede o Tratado de 1952);

A proclamação da acção comunitária concreta, a partir do leitmotiv da reconciliação franco-alemã, centrada no sector pioneiro do carvão e aço e

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visando a solidariedade efectiva entre os povos europeus (declaração de Schuman de 9 de Maio de 1950, inspirada por Jean Monnet);

O Tratado instituidor da Comunidade Europeia de Defesa (1952), que fracassou por recusa de ratificação francesa em 1954;

O lançamento de um Estatuto da Comunidade Europeia (9 de Março de 1953), que incluía um Conselho de Ministros intergovernamental, um conselho executivo e um parlamento europeu bicamaral (Câmara dos Povos e Senado).

Quanto à realização progressiva da UEM, a partir do grau de integração económica já atingido, a acção propulsora é o Conselho Europeu da Haia em 1969. O seu primeiro instrumento é o Plano Werner de Outubro de 1979, que os governos afirmavam querer seguir, mas que a conjuntura económica (antes mesmo da vontade política) foi adiando até ao esquecimento.

Maastricht, sendo uma nova aposta, marca o regresso de ideias antigas.

2 — Inimigos históricos e opositores de circunstância

Por mais reservados que sejam, todos os tratados que afectam a Europa, e sobretudo aqueles que aspiram a relançar a ideia de Europa, comportam uma fase de discussão durante a negociação e uma fase de discussão entre a assinatura e a ratificação por cada Estado parte. As discussões são sempre mais ou menos públicas em cada uma dessas fases.

Quando qualquer aspecto de integração está neles incluído, a discussão revela inimigos históricos e opositores de circunstância Saber da existência de uns e outros ajuda a separar as águas, a concentrar eventuais esforços de persuasão e, correlativamente, a poupar esclarecimentos antecipadamente inúteis.

Num continente caracterizado pela sobrevivência de identidades centenárias e até milenárias, aglutinadas na ideia de nação, é natural que as nações existentes sejam defendidas e que persista um espírito nacional. A integração económica e política é uma perspectiva que surge e limita a independência da nações a partir da constatação de interesses comuns que dificilmente são prosseguidos através do feixe desordenado de cooperações bilaterais. O nacionalismo exacerbado —ou melhor, a ideologia nacionalista —, que se desenvolve a a partir da realidade nacional como patologia, é uma visão estreita e radical que prognostica, em cada ínfimo movimento de integração, o cataclismo das nações. É uma arma de arremesso contra o exterior, que por ser radical é verbalmente violenta Não interessa agora indagar se a violência verbal engendra necessariamente violência física, agressão. Basta constatar que muitas vezes isso tem acontecido.

Esse nacionalismo primário é inimigo jurado da construção europeia ou, pelo menos, daquela que eclodiu no pós-guerra Ocupa os extremos do leque partidário, em todos os momentos da história da Europa contemporânea (e Portugal não é excepção).

É-lhe indiferente se está em causa a eliminação de obstáculos à livre circulação, a criação de políticas comuns ou o estabelecimento de regras institucionais. Está contra e terá sempre argumentos, mais ou menos sofisticados, para o afirmar.

Num extremo do espectro ideológico, o nacionalismo segrega racismo e xenofobia quando as dificuldades apertam.

No outro extremo, a recusa, em nome do comunismo, do modelo de economia de mercado que tem orientado o fenómeno de integração («a Europa do capital») só permite refúgio no nacionalismo económico e político. O internacionalismo ficou reservado para outros horizontes.

Em Portugal, os nacionalistas dos dois extremos foram contra a adesão à CEE, contra o Acto Único Europeu. Por que seriam a favor do Tratado da União Europeia?

Diferentes são as oposições de circunstância a este ou àquele tratado, a este ou àquele passo em frente.

É possível alegar que num determinado momento e num dado sector se está a ir demasiado depressa ou devagar, que se excedem os limites da soberania delegável ou partilhável, que certos mecanismos instituídos não são democráticos ou não foram democraticamente discutidos e assumidos, que foram criados desequilíbrios entre os países, susceptíveis de criar hegemonias, que se promove exagerado centralismo nos poderes e uniformidade nos gostos, etc.

A crítica que decorre de oposição circunstancial não invalida uma vontade pró-europeia e é capaz de argumentos não primários. Pode vir convictamente de um democrata-cristão, de um liberal, de um social-democrata, de um socialista.

Como não é sistemática, pode redundar num «sim», ou num «não», quando se reporta a um instrumento compósito, de compromisso, como é o Tratado da União Europeia.

A oposição de circunstância é mais estimulante, porque imprevisível.

3 — Uma lenia construção

A história do homem, a história do que chamamos civilização ocidental, a história da Europa a história do homem europeu, são um longo manancial de rivalidades, animosidades, conquista, dominação, guerras e destruição. De permeio, alguns tratados de paz que pouco mais eram que pactos de não agressão, códigos de tratamento entre vencedores e vencidos, coligação de interesses para assegurar equilíbrio na dissuasão.

Já se disse que a construção da Europa comunitária é o primeiro exemplo histórico de um fenómeno pacífico de integração.

O que se construiu em paz nos últimos 40 anos é notável. Mas, a menos que se acredite na exponencial aceleração da história e na evolução humana para a bondade universal, este processo comunitário tem de ser apreciado com cautela.

Uma primeira tentação perigosa e a de considerar que a construção europeia opera por patamares, ou seja, que há paragens e progressos, mas nunca regressões. Essa noção de irreversibilidade conforta todos os que acham, neste ou naquele momento, que é o tempo de parar. Considerando estes 40 anos naquele fundo histórico que de início se referiu, uma posição desse jaez, seja convicta ou hipócrita, deve ser objectivamente rotulada de cândida.

Uma segunda tentação, quase oposta à primeira e de igual modo perigosa, é a de caminhar a golpes de voluntarismo, por cima das nuvens e a velocidade desenfreada Esta opção de ignorar o grau de sedimentação dos terrenos que se pisam raras vezes é inconsciente. Pelo

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contrário, os seus defensores conhecem as lições da história europeia e desconfiam das fragilidades de um rápido percurso. Só que acreditam que toda a ideia pura se impõe naturalmente aos putativos destinatários, uma vez encenada. O passado da Europa fragmentada é para exorcisar, o futuro de uma Europa unida 6 para atingir depressa.

É mais fácil explicar as populações ideias claras do que compromissos complicados. O peso das nações, dos Estados e dos redutos de soberania será olhado com desdém pelos cidadãos europeus se tiverem a ousadia de a substituir por uma organização descentralizada, com um único governo democraticamente controlado por uma assembleia representativa de todos os povos europeus.

Como em tudo na vida, no meio estará a virtude.

Se os objectivos são claros e por todos partilhados, a opção preferível será manter o rumo, evitar escolhos, ir gerando consensos e avançar. Consolidar os progressos, vivê-los, traçar novos objectivos e avançar de novo. Avançar sempre que a oportunidade histórica surja e se sabe para onde ir, mesmo com contrariedades previsíveis.

Esta evolução será com certeza rapidíssima se o padrão temporal fora a velha história dos Estados europeus, mas ganha em ser lenta e inexorável no tempo histórico que é o nosso, o que viu nascer as Comunidades Europeias.

Permanece intocável o método dos «pequenos passos» preconizado por Jean Monnet, esse idealista pragmático que se dizia «nem optimista, nem pessimista, simplesmente determinado».

Num texto de 1950, é Jean Monnet quem melhor resume esse método de invulgar actualidade:

Numa situação destas, só existe um método de saída: uma acção concreta e resoluta, incidindo sobre um ponto limitado mas decisivo, que determine sobre esse ponto uma mudança fundamental, e, paulatinamente, modifique os próprios termos do conjunto das questões.

4 — Um instrumento flexível: sobressaltos e acelerações

Há, na dinâmica comunitária europeia, história suficiente para identificar e explicar momentos passados de sobressalto e aceleração.

A esse propósito, uma importante questão a colocar é a da flexibilidade dos instrumentos de direito internacional que instituíram ou modificaram as Comunidades Europeias, flexibilidade que comporta esse dinâmica e até a estimula. O Tratado da União Europeia não é senão o último caso da espécie e, neste momento, o mais importante, porque é a sua ratificação que está em jogo. Os restantes são só modelos antigos, mais ou menos recomendáveis.

Importa que se reconheça que os modelos provaram bem e que este Tratado, que é inovador nos aspectos não dispiciendos que adiante se caracterizarão, é ainda um filho legítimo desses modelos.

O Tratado da União apenas modifica os tratados anteriores e deixa-os intocados em inúmeros capítulos (há responsáveis que fingiram ignorar esse facto singelo para sustentar teorias convenientes). É mais uma peça da construção. E se os tratados anteriores acompanharam na perfeição algumas arrancadas históricas, assim como sobreviveram, a momentos de impasse e letargia, também este poderá fazê-lo.

Qual é então a diferença fundamental que não evita a confusão de alguns leitores e intérpretes qualificados e

pode causar perplexidade ao cidadão comum, parcamente informado e mobilizado? É que este Tratado teve a ambição de designar uma multiplicidade de objectivos finais em diversas áreas, enumerou técnicas diferenciadas para os atingir e, quanto aos conteúdos intermédios, deixou (como, aliás, os outros modelos o haviam feito) tudo em aberto. Com tantas portas, umas mais estreitas que outras, mas quase todas escancaradas, não admira que a especulação abunde.

Ou seja, o que mais se critica neste instrumento felizmente flexível é o que não está lá mas pode vir a estar, e o que por vezes se afirma para o defender e acalmar ânimos é também o que não está lá mas que pode vir a estar.

Não admira que em debates públicos os mesmos temas suscitem comentários absolutamente contrários.

Não admira que o esclarecimento das populações saia diminuído desses debates.

Relativamente a este Tratado, como os outros que o precederam, o que admira é que não haja a coragem de avaliá-los pela justeza dos seus objectivos —mesmo dispersos — nem a de admitir neles a flexibilidade que pode determinar, para um Estado signatário, boas ou más consequências, conforme o modo como esse Estado souber jogar com os restantes durante a respectiva vigência.

Também admira que não se elogie a capacidade que todos os tratados comunitários têm demonstrado em resistir às más conjunturas, estacando e acelerando quando é caso disso.

Só a evolução por fases da UEM foi objecto de pormenorização por muitos considerada excessiva, nas datas, nos critérios de avaliação das situações, no conteúdo, das decisões. O lema do dinamismo flexível merece nesse domínio comentários particulares, que serão feitos a seu tempo.

Quanto a tudo o mais, em nada está tolhido o método dos pequenos passos, adaptados a cada momento da vida da Europa comunitária. Não há razões para descrença.

S — Paragens e regressões

A concepção segundo a qual as Comunidades Europeias evoluem por patamares, e o que está adquirido é irreversível, é frágil, se envolvermos este breve período histórico nos ciclos seculares — e milenares — que neste continente o precedem.

É verdade que as Comunidades Europeias já deram de si próprias, várias vezes, a sensação de paragem, de envelhecimento precoce e sem redenção. Falava-se da euroesclerose, de europessimismo, de impasses fúteis perante a ambição manifestada pelos pais fundadores. Mas também é verdade que nunca houve nessas épocas autênticos recuos. A burocracia europeia e nacional lá ia gerindo pequenos dossiers estirados no tempo, à espera de melhores dias.

Hoje, é legítimo questionar a durabilidade das soluções já decididas e postas em prática À medida que sobe a fasquia, e se toma mais exigente a solidariedade dos Estados em todos os domínios, são mais acirrados os ataques dos inimigos da construção europeia. Este é um ponto, mas não o principal.

O que acontece, acima de tudo, é que alguns dos contextos em que nasceram as Comunidades Europeias estão a desaparecer.

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Eclodem novas tensões e vemos fantasmas. O mundo altera-se radicalmente em perspectivas de longo prazo.

Tomemos o exemplo da queda, em 1989, do muro de Berlim. Muitos considerámos fantástico esse evento para o devir da humanidade e não há razão para duvidarmos. Só que ele comporta a necessidade de repensar uma organização regional europeia como esta que o Tratado da União se propõe aprofundar. Abordar-se-á essa questão mais adiante, desde já antecipando que por aí não parece ser inevitável qualquer desistência, antes pelo contrário.

Passamos agora a outro exemplo ainda mais ligado aos mecanismos deste Tratado: o grande mercado interno. Sabemos que o desígnio já estava no Tratado de Roma e que o Acto Único Europeu o relançou para funcionar efectivamente a partir de Janeiro de 1993. Ora constatou--se, no decurso do programa de implantação, que a livre circulação de capitais, que já foi decidida e desencadeada, só se sustenta com a integração das políticas monetária e cambial dos Estados membros. Por outras palavras, a UEM deste Tratado parece ser condição necessária do princípio já adquirido da livre circulação de capitais. Se o Tratado claudicar, como manter esse princípio? Para muitos haverá, inevitavelmente, regressão.

Outro exemplo, também ligado ao mercado interno, que sobremaneira se tem complicado nos últimos tempos: a livre circulação de pessoas. Para que o princípio já proclamado realmente exista, foi reconhecido consensualmente que era preciso eliminar as fronteiras internas e reforçar (segundo padrões uniformes) as fronteiras externas da Comunidade. Veremos até que ponto este Tratado preenche esse desiderato. E se o Tratado não entrar em vigor? Há alternativas credíveis? Funcionam para todos? Ou sacrifica-se uma das quatro grandes liberdades de circulação? Muitos apostam que a pressão imigrante nas fronteiras do Leste e do Sul da Comunidade vai criar, a breve prazo, uma regressão nessa política.

Um último exemplo, nem sequer directamente ligado a este Tratado: a política agrícola comum (PAC). Ela nasceu bá 30 anos, bem proteccionista, para assegurar vários nobres objectivos que aqui nos dispensamos de enumerar. Quer a insusientabilidade financeira do sistema então instituído quer a tendência irreversível para a liberalização mundial dos mercados agrícolas provocaram varias pequenas e uma grande e recente reforma da PAC, que não será certamente a última. Para muitos não há paragem do adquirido comunitário, mas, ao invés, encapotadamente, uma sensível regressão.

Na época que atravessamos, não se está ao abrigo de recuos. E é bom que seja clara a percepção dessa realidade.

6 — O reencontro com a Grande Europa

A Comunidade Europeia não é um conceito geograficamente definido e os tratados fizeram questão de sublinhar que a ela poderiam aceder todos os Estados democráticos (e, naturalmente, «europeus»). A um núcleo inicial de países do Ocidente e Norte da Europa, veio juntar-se um segundo grupo também do Ocidente e Norte da Europa, depois um país fora de qualquer lógica anterior (a Grécia é do Sul e do Oriente Europeus), para finalmente se acentuar a implantação a ocidente e a sul.

Em resumo, a Comunidade Europeia tem sido uma organização ôa Europa Ocidental e a divisão política do mundo tendia a acantoná-la nessa região.

O fim da guerra fria e da bipolaridade (blocos de influência) americana e soviética alterou radicalmente os

dados da questão de implantação territorial das Comunidades Europeias.

E imediatamente se insinuaram duas asserções críticas sobre a evolução querida para a Comunidade no Tratado de Maastricht. Uma é particularmente míope e assenta na existência de relações rígidas entre causa e efeito no fenómeno histórico. Pode resumir-se do seguinte modo: & Europa comunitária é uma reacção, no pós-guerra, ao estabelecimento de um clima de guerra fria entre as duas superpotências: os EUA e a URSS. Um certo número de países juntou-se então para procurar uma margem de vida autónoma entre os dois blocos. Desaparecido (pelo menos) um dos blocos, a Comunidade Europeia perdeu a sua razão de ser e tenderá a extinguir-se. Ou seja, segundo essa teoria, a Europa comunitária não encontrou razões acrescidas de subsistência durante os últimos 40 anos e Maastricht é um contratempo penoso que a história enterrará inexoravelmente.

Outra crítica a Maastricht, enquanto fenómeno de mini--Europa, denuncia a postura egoísta e anti-solidária dos responsáveis políticos da Comunidade, no contexto de uma Grande Europa das pátrias.

Esta crítica merece análise mais atenta. Com efeito, as várias «Europas» que Yalta produziu não podem apagar a preexistência de uma Grande Europa (do Atlântico aos Urais), que do ponto de vista civilizacional é particularmente diversificada, mas também curiosamente una.

Se o mundo ocidental se regozijou com a queda do muro de Berlim e o desmoneramento do bloco soviético e se se apiedou com a enormes dificuldades que a transição para a democracia política e para a economia de mercado está a criar no espaço da Europa Central e Orientai, como explicar esta fuga em frente de Maastricht, à primeira vista desdenhosa dos problemas que a rodeiam?

Vendo a história europeia no processo longo, é possível acomodar várias evoluções convergentes num resultado final, que se pretende harmonioso. Esse resultado, é importante afirmá-lo, não pode deixar de ser uma espécie de felicidade universal dos povos europeus. O contrário seria hipocrisia.

Mas não basta dizer em 1992 que não existem muitas pequenas «Europas» e sim uma Grande Europa, e que urge reencontrá-la. É preciso também definir os modos historicamente inteligentes de nivelar por cima, isto e, de atrair um conjunto de países da Europa Central e Oriental transitoriamente desordenados, falidos e, pior ainda, por vezes dilacerados em situações de combate (ou pré-guerra) aos hábitos, apesar de tudo democráticos, pacíficos e prósperos, que são apanágio do espaço comunitário.

Há várias arquitecturas possíveis nessa perspectiva. Maastricht não é senão uma delas, que consideramos correcta. Em boa verdade, a mais correcta.

7 — Como manter a força de atracção

É sabido que o Tratado da União Europeia é uma ambição antiga e que, nesta última encarnação, começou a ser pensado e projectado antes dos acontecimentos europeus de 1989. Poderia, pois, concluir-se que o modelo é totalmente desadequado à nova situação, à vontade de engendrar uma grande e próspera Europa das pátrias, n2o acantonada a este polígono ocidental que hoje conhecemos. O princípio sempre admitido de novas adesões permite

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dizer, aliás, que esse polígono tem apetência para a expansão ilimitada no continente.

Comecemos por uma hipótese caricatural, em benefício do nosso raciocínio. Por que não exportar o modelo comunitário (se o consideramos bom ou relativamente bom, é claro), abrindo os diques e deixando fluir todos os movimentos de interacção?

Ninguém duvidará que rapidamente estaríamos a nivelar a Europa por baixo e, por essa via, a desencadear um fenómeno — com conotação bíblica — de perdição colectiva. As tradições civilizacionais comuns ou aparentadas não chegam para esbater os choques que passam hoje por realidades mais prosaicas como desemprego, sistema de produção, mercado, gestão administrativa, protecção ambiental, hábitos de trabalho e iniciativa, necessidades de consumo, etc.

Mesmo no domínio estritamente civilizacional, e não esquecendo tensões recentes que também proliferam um pouco por todo o lado de cá, é possível comparar, por exemplo, os níveis de tolerância étnica e religiosa na maior parte dos países do Centro e Leste Europeus e na Europa comunitária? Quais seriam os efeitos de contaminação desta sociedade ocidental, que se organizou nos últimos decénios de forma multiémica e, por acaso, atravessa uma recessão?

Note-se, não se trata de maniqueísmo nem de culpar certos povos pela explosão de tensões acumuladas e recalcadas por métodos políticos que temos vindo a descobrir. Tratam-se de factos, que devem determinar opções estratégicas claras.

Deixemos de lado, por agora, a nossa perspectiva sobre o modelo vigente na Europa comunitária e sobre a vontade de o manter.

Pressuponhamos que existe um modelo e vejamos a realidade comunitária do outro ângulo, o ângulo dos restantes povos dessa Grande Europa. É que esse ângulo é mais revelador do que todas as atitudes pretensamente beatíficas e filantrópicas que assaltam alguns de nós.

O modelo comunitário atrai a restante Europa.

É um facto, límpido e cristalino, verificável nas inquirições mais elementares em todos os países. Baseado em dados que em parte são realidades em parte são mitos. Certamente, a comunicação não é perfeita e a informação nem sempre será neutra. Há quem pretenda da Comunidade dinheiro, ajuda, salvação imediata, e há quem não queira pura e simplesmente ficar de fora. Também é verdade mais ou menos óbvia.

Mas o substracto de tudo isto é inalterável. O modelo europeu ocidental, e designadamente o comunitário, atrai o resto da Europa. Que quer imitá-lo (ou, se quisermos, adaptá-lo às condições locais). Que quer aceder a ele. Que não quer perdê-lo como força de atracção, alvo, meta.

E chegámos ao ponto essencial: é que tudo devemos fazer para não destruir, e até reforçar, aquilo que faz a nossa força, a nossa diferença e atrai os nossos vizinhos, próximos e longínquos.

As federações de interesses rebentam noutras latitudes?

Tentemos perceber porquê em vez de alienar a nossa federação de interesses! Os nacionalismos deflagram nas regiões mais insuspeitas? Indaguemos porquê em vez de criticar o esbatimento que por aqui se ensaia de certos nacionalismos retrógrados!

E, sobretudo, não destruamos o conjunto de conquistas de que os outros europeus nos gabam e a que se querem candidatar. Maastricht é, antes de mais, um instrumento de consolidação dessas conquistas.

8 — Um pacto de paz, liberdade, prosperidade, equilíbrio, convivência e solidariedade

A Comunidade Europeia criou um método próprio para gerir as relações entre os Estados que a compõem e tem preservado um modelo caracterizado por princípios que nos parecem tão consensuais que é quase uma manifestação primária a respectiva enumeração.

Não resistimos à listagem breve de todas estas evidências, em primeiro lugar, porque o Tratado da União Europeia delas se reclama tanto quanto os seus antecessores. Ou reclama mais, se considerarmos que este Tratado corresponde a uma etapa superior, porque mais avançada, no espírito que anima o modelo comunitário.

Em segundo lugar, é-se tentado a esta enumeração primordial quando lemos os jornais, vemos as televisões, olhamos à volta. Provavelmente nunca haverá uma época de total e universal harmonia. Mas há momentos, mais do que outros, em que apetece repetir convicções básicas. Para que não se perca o norte.

O método comunitário é um conjunto formal de regras institucionais e jurídicas a que se aludirá brevemente mais adiante, porque constam dos tratados anteriores e este tende a aperfeiçoá-los.

Essas regras articulam-se num sistema que é misto, porque tem simultaneamente características de ordem internacional e de ordem interna O método comunitário pressupõe também uma nova ordem jurídica, diferente e justaposta às ordens jurídicas internas dos seus Estados. Prevê a acção de instituições supranacionais que completam harmonicamente as instituições nacionais, sejam estaduais ou infra-estaduais (colectividades regionais e locais). Distingue-o da ordem internacional tradicional uma certa capacidade de coesão, ou seja, de criar sanções para disciplinar a vida prática.

Quanto ao modelo comunitário, ele constitui um pacto tácito e solene caracterizado pela:

Paz (que hoje parece adquirida, a ponto de já sentirmos longínquas as duas grandes guerras devastadoras e fratricidas);

Liberdade (é impensável prosseguir em conjunto sem que seja escrupulosamente preservada a democracia política em cada um dos Estados membros);

Prosperidade (o modelo assenta na vontade de um desenvolvimento económico constante, o qual, para ser harmonioso, deve promover a coesão entre os vários territórios, as várias regiões);

Equilíbrio (entre grandes e pequenos Estados, entre as diferentes tradições de organização, entre as idiossincrasias nacionais);

Convivência (quotidiana, expressa em reuniões permanentes, diálogo, descoberta do outro, progressiva compreensão mútua);

Solidariedade (entre Estados soberanos que gerem certos interesses em comum; um conceito de independência na interdependência).

Alguns destes mandamentos são especificados mais adiante, para aferir a medida em que o Tratado da União Europeia continua a cumprir o passado. É um ponto importante, porque há quem veja preversões e ameaças a estes mandamentos no texto a que a final se chegou.

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9 — Aprofundamento e alargamento. O espectro da diluição

Não chega dizer-se que existe e se preserva um método e um modelo comunitários e que esse método e esse modelo estão virado para o exterior, no sentido em que o atraem e o podem abarcar.

É que bá um jogo de compatibilidades cada vez mais exigente.

A Europa comunitária evolui com Maastricht: criam-se novas políticas e reforçam-se algumas já existentes, acentuam-se certos aspectos de equilíbrio institucional, são fixados objectivos ambiciosos de superação do status quo. A União Europeia é mais do que as Comunidades Europeias. É um aprofundamento da experiência comunitária.

E quem se acerca dessa realidade para a integrar sabe — ou deve saber — que tem de aceitar os novos parâmetros. Aderir sempre significou para os candidatos apanhar um comboio em marcha. E se este decide acelerar, ou até mudar de rota, que resta ao país interessado a não ser vergar-se a tal evolução? O alargamento é um acto cada vez mais difícil, mesmo se desejado.

Esta dinâmica entre aprofundamento e alargamento não é questão de hoje. O Acto Único Europeu, por exemplo, ocorreu com o alargamento da CEE a Espanha e Portugal, pois foi então reconhecido que o funcionamento a Doze justificava novas regras. Por essa época também foi alterada, a pensar nas adesões, uma parte da PAC. No primeiro caso os candidatos discutiram a evolução em pé de igualdade com os Estados membros. Quanto à PAC, nem isso.

Ora, o Tratado da União Europeia precede claramente alargamentos que já estão na agenda e essa situação não é de molde a facilitar as coisas. É necessário reconhecê-lo com frontalidade. Pode mesmo admitir-se que, se este aprofundamento tivesse sido previamente acordado, em pé de igualdade, com os candidatos que surgiram nos últimos anos (uma boa parte dos países da EFTA, mais Malta, Chipre, Marrocos e a «histórica» Turquia), os resultados teriam sido mais escassos. Por ventura nulos.

Uma primeira consequência deste imbróglio é a necessidade de tomá-lo claro. Os Estados membros actuais devem explicar aos candidatos sem subterfúgios, o provável interesse de uma adesão (o Tratado da União, mesmo à espera das últimas ratificações, é uma componente essencial do adquirido comunitário).

Uma segunda consequência, mais dissimulada, é o aproveitamento do fenómeno «natural» do alargamento por parte dos Estados membros mais reticentes quanto a certos aspectos de Maastricht. Ou tentando que estes aspectos sejam revistos porque dificultam novos alargamentos (exemplos: a política externa e da segurança comum e a sua difícil imposição a Estados neutrais como a Suíça e a Áustria; a moeda única num espaço financeiro cada vez maior e heterogéneo) ou forçando alargamentos muitos rápidos com a convicção de que esse facto atrasa (ou adia, ou impede) o funcionamento de determinados mecanismos previstos no novo Tratado. É a este fenómeno que se associa, como evolução perversa do sistema, a noção de diluição. Um alargamento muito rápido é, para os observadores atentos, sinónimo de diluição dos propósitos do Tratado da União Europeia.

É possível, a partir desta constatação, graduar casos individuais de adesão, conforme são mais ou menos perturbadores de Maastricht. É evidente que a adesão dos Estados da EFTA (mais os nórdicos que a Suíça e a

Áustria) levanta problemas menos substanciais do que a eventual adesão da Polónia, da Hungria e das Repúblicas Checa e Eslovaca.

Tudo isto são variações de um problema real e actua!.

10 — Uni gigante ecooóm5c© e ura enes político

■ A Europa comunitária é o maior bloco comercial do mundo, tem uma indústria que, apesar de tudo, temi evoluído tecnologicamente nalguns segmentos (a ponto de neles poder ser considerada de vanguarda), tem uma agricultura protegida e, por essa via, temível à escala mundial. Este bloco respeita internamente a um mercado de cerca de 380 milhões de cidadãos consumidores, prósperos (em padrão universal), o que significa a possibilidade de economias de escala invejáveis.

A Comunidade Europeia é já boje um gigante económico.

A cooperação política entabulada, sem verdadeiros instrumentos, a partir do Acto Único Europeu tem sido o espelho da impotência da Comunidade (como um todo) em fazer ouvir a sua voz na cena política internacional. Não por maldosa falta de respeito dos parceiros externes da Comunidade. Apenas porque tem sido manifesta a incapacidade para unir todos os Estados em volta de acções concretas, mesmo aquelas que parecem corresponder a claros interesses comuns.

A guerra no Golfo, que eclodiu num momento em que se pensavam e discutiam as bases do que iria ser o Tragado da União Europeia, foi um exemplo gritante de fraqueza política no teatro operacional e na retaguarda diplomática. Em boa verdade, acelerou a redacção do título referente a política externa e da segurança comum.

Já no contexto da reunião da Conferência Intergovernamental para a União Política, a crise jugoslava veio fornecer outro exemplo, ainda mais dramático e ainda mais próximo, de disparidade de esforços e de intenções em domínios sensíveis de política extema.

A Comunidade Europeia é um anão político e nada justifica que continue a sê-lo. A entrada em vigor co Tratado, a não ser para os opositores congénitos a qae noutra ocasião se fez referência, é, neste particular, mais que útil. É urgente.

A manutenção de sensibilidades diferentes em cada ponto de aplicação de um política externa comum (ou, para ser mais correcto na terminologia do Tratado, «acção comum») não é preocupante nos primeiros tempos. O peso das tradições autónomas é muito grande, os interesses económicos que frequentemente lhe estão associados podem ser divergentes, cada Estado membro gosta de afirmar a sua especificidade política e tudo somado, num contexto de decisões por unanimidade, originará quebra-cabeças constantes.

Mas isso é próprio da vida comunitária, quer no quadro interno, quer nas formas de política extema que de há muito foram comunitarizadas (a política comercial comum é o exemplo mais óbvio, embora não o único). A convivência e a necessidade de avançar acabam por contrariar as reacções de inércia.

Toda esta problemática se dá. como noutro local se adiantou, num momento de rarefacção dos blocos da época da guerra fria, e designadamente do desaparecimento da superpotência soviética.

A Europa comunitária tem condições para constituir, numa cena mundial de tendência multipolar, um novo pólo

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político. A partir desse pólo podem desenhar-se círculos concêntricos de influência cada vez mais diluída ou arquitectar outras formas de xadrez geostratégico. O certo é que a unidade e a coerência da acção da Comunidade face ao exterior, e a criação de uma imagem corresponde a esse esforço, estão na ordem do dia.

Nele todos os países europeus, grandes e pequenos, terão o seu papel a desempenhar.

11 —Destino dos pequejws países: scSsrevivência cio princípio igualitário

A coexistência equilibrada de pequenos e grandes países na Comunidade Europeia é uma questão tão velha como os tratados instituidores. Neles foram definidas regras de representação e deliberação que tecem uma teia de interdependências e coligação de interesses, de tal modo que as possibilidades de bloqueio por parte dos menos poderosos foi (e é) uma regra de ouro da Comunidade. Em nenhuma instituição o mais pequeno país (o caso do Luxemburgo fala por si) deixa de ter assento. Nas inúmeras votações por unanimidade a sua capacidade de veto — pelo menos em teoria— é tão relevante como a de um dos grandes.

Houve desde sempre votações por maioria qualificada, verdadeira prefiguração federal a que adiante se referirá, e nesse contexto poderia ter-se desvanecido a autonomia de manobra dos pequenos países. Ora bem, a regra de ponderação de votos do artigo 148.°, n.° 2, do Tratado de Roma, sucessivamente reelaborado em cada alargamento, previu um intrincado sistema de contrapesos que tem permitido aos pequenos países várias ocasiões de exercício do bloqueio de uma decisão que lhes seja desfavorável.

Independentemente de qualquer descrição mais minuciosa do peso institucional dos pequenos países na construção comunitária, o facto é que nunca qualquer deles se queixou até hoje, e não se vislumbra como vai este equilíbrio destruir-se por efeito de Maastricht, como alguns pretendem. É certo que a extensão das decisões por maioria qualificada, que se tomam em sectores determinantes como o mercado interno praticamente a única regra de voto (com a fiscalidade a marcar a grande excepção), vai obrigar os pequenos a mais ginástica de acordos e alinhamentos prévios. É evidente que o alargamento, nem que seja a um número de países que não exceda o número de dedos de uma mão, será suficiente para obrigar a repensar as ponderações de voto dos tratados e as possíveis combinações de interesses talvez não evoluam no sentido de facilitar a vida dos pequenos países comunitários. Mas talvez não a complique.

Também não se nega que em domínios novos como a política externa e de segurança comum teria sido interessante uma tese (que Portugal subscreveu e não vingou) de maiorias qualificadas em certas decisões sem qualquer ponderação de voto. Ou seja, cada Estado disporia de um voto, fosse grande ou pequeno, rico ou pobre, central ou periférico, do Norte ou do Sul.

Mas um tal figurino, que teria como matriz o sistema igualitário da Assembleia Geral da ONU, até nesse areópago sofre limitações. Não é verdade que as principais decisões operacionais pertencem ao Conselho de Segurança e que neste cinco potências gozam do direito de veto contra qualquer maioria?

Sempre houve países grandes e países pequenos na Comunidade Europeia. Sempre os haverá, a menos que

tudo se dilua num melting pot federal dificilmente crível, mesmo no longo prazo.

Não se pode esperar que uma média potência como a França, a Alemanha ou o Reino Unido abdiquem dessa condição e da autonomia de manobra que essa condição lhes trouxe, num assomo filantrópico em nome dos desígnios comunitários. Seria um absurdo, tão absurdo quanto pensar que os pequenos países como Portugal não vão aproveitar todos os momentos e todas as técnicas para influenciar as decisões, na medida do possível, em contrapeso.

Veremos, a propósito da UEM, se a ponderação em certas votações no seio do BCE são um sacrifício adicional dos países pequenos. Discorremos um pouco sobre a oportunidade, por enquanto perdida, de uma segunda câmara, igualitária, no Parlamento Europeu, particularmente para a proposta nesse sentido apresentada por Portugal.

Mas não se pretenda que, de repente, os pequenos países se descaracterizam por causa de Maastricht Permanece a ficção igualitária.

12 — Europa AÜântica, Europa Conti nenia!, Europa Mediterrânica

Sendo Portugal um país atlântico —e para certas categorias de acções, por exemplo a agricultura, também um país mediterrânico —, um dos argumentos críticos mais avançados pelos habituais detractores da construção europeia é o da evolução tendencial e incontornávei do peso central da Comunidade no sentido do leste e interior (Europa Central). Nesse cenário em que Portugal dificilmente se reconheceria, qualquer que fosse a política a considerar, a Alemanha reunificada representaria o papel de pivot ou de motor.

Deixemos a questão alemã de lado, por enquanto.

As Comunidades Europeias são uma criação original dos países do núcleo central da Europa Ocidental, países a que Portugal pode com propriedade chamar do «Norte». Nos primeiros tempos os problemas mediterrânicos do Sul eram quase somente os relativos à situação do Mezziogiomo, italiano, colocado na posição de protectorado pela restante Europa comunitária.

Quanto à vocação atlântica ou continental do núcleo original, é impossível afirmar, com vários decénios de recuo, que alguma tendência tivesse hegemonizado a outra. A Alemanha estava encostada a um muro —Cortina de Ferro —, a França é insofismavelmente atlântica (não no sentido pró-americano do termo, claro). Mas até o espírito transatlântico com pontes preferenciais com os EUA tinha nos Países Baixos um bom representante, até à entrada em cena do Reino Unido, potência atlântica pró-americana, por definição.

Se houve evolução visível no equilibrio geográfico da construção europeia, essa evolução deu-se precisamente com a chamada «recentragem ao Sul», operada com as adesões, primeiro grega, depois espanhola e portuguesa, de que também beneficiou parte do território italiano e francês.

Não foi uma recentragem determinante no sentido em que o pacto original, consubstanciado no ainda presente eixo franco-alemão (personificado na cumplicidade Schuman-Adenauer ou na linha das capitais Paris-3ona), deixasse de existir.

Que a nova conjuntura da Europa Central e Oriental, combinada com a reunificação alemã, produza pendor

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centrífugo ou continental da Europa comunitária não custa a admitir. Que os restantes elementos de ancoragem geográfica, designadamente atlânticos e mediterrânicos, desapareçam ou se ofusquem progressivamente é hipótese que parece exagerada.

Não é tanto porque o Centro da Europa, sendo uma área de grandes potencialidades (e não só para a Alemanha), também vai ser uma fonte inesgotável de dificuldades financeiras e perturbações políticas num período relativamente largo. Uma zona instável, embora no bom caminho.

O que se afigura mais importante e digno de realce é que, por um lado, à potência mais continental —a Alemanha — o respaldo ocidental continuará a ser vital; por outro lado, os próprios actores das outras sensibilidades geográficas (ou geopolíticas) não desarmarão nas suas teses e nos seus interesses. E podemos ter grandes, médios e pequenos países no mesmo barco, com pactos bilaterais e triangulações para todos os gostos.

A convivência no seio da Comunidade nos últimos 40 anos já provou como a dinâmica nunca é unívoca e unidireccional. Desde que não se caia na tentação perigosa de pensar que há membros supranumerários nas Comunidades, só porque sempre sonharam a respectiva evolução num sentido heterodoxo.

13 — Soberania e interdependência no limiar do século xxi

Uma das mais insidiosas maneiras de criticar um projecto de aventura europeia, como é o de Maastricht (com todos os compromissos defeituosos e a expressão infeliz, aqui e acolá, que se lhe conhece), é agitar bandeiras antigas e ultrapassadas, em nome de conceitos tão importantes quanto são os de soberania, independência, identidade nacional, etc.

Também se diga, porque vem a talhe de foice, que igualmente manipuladora e condenável é a postura dos que defendem o Tratado da União e com esse desiderato proclamam que nenhum desses históricos conceitos é minimamente beliscado.

Há argumentos que é inútil avançar porque ninguém acredita neles.

O mundo no final do século xx é indubitavelmente um mundo de interdependências, de mútuas influências, mesmo que estejamos ainda longe da «aldeia global» de que nos falava Marshall McLuhan. Se as interdependências transfronteiriças até atingem o nosso quotidiano, pela via comunicacional (os áudio-visuais, o turismo) ou tecnológica (as máquinas e os bens de consumo ao nosso dispor), como evitá-las quando subimos até aos aparelhos de defesa dos interesses mais gerais, ao Estado e à Administração Pública?

A interdependência é um dado adquirido para qualquer responsável público de qualquer país do mundo (que não se situe numa pequena ilha ao sul do Pacífico ... e mesmo assim ...). A soberania, vista como o direito de um Estado à autodeterminação a toda a hora, independentemente de tudo o que lhe é exterior, por que é relativo a outro Estado ou grupos de Estados, já não existe há muito tempo.

Não existe, sequer, para o chefe de um Estado que seja superpotência.

Não existe, por maioria de razão, para nenhum governante de países que decidiram prosseguir em comum um certo número de acções ou experiências.

Entre estes dois exemplos vai uma distância que é forçoso percorrer. É que a soberania pode ter uma acepção sócio-política como aquela que telegraficamente se referiu, mas pode também ser construída com recurso a critérios mais formais. O Estado soberano, dizia-se nos manuais iluministas, é aquele que pode cunhar moeda, ter um exército, dispor do direito de legação (isto é, de representação diplomática externa), eventualmente veicular uma língua e usar uma simbologia própria (bino, bandeira, etc).

Se ter tudo isto é ser Estado soberano e ver-se limitado nalgum desses componentes é deixar de ser soberano, o caso muda de figura.

E é indubitável que as Comunidades Europeias são uma experiência em que o caso muda de figura.

Muda de figura desde há muito tempo, desde o início. É que ela é um dos primeiros exemplos históricos de supranacionalidade, de transferência por um certo número de Estados soberanos de competências próprias que compõem a sua soberania (no sentido formal) em favor de uma organização internacional em que todos participam e que a todos representa, naturalmente, nos domínios transferidos.

A transferência de poderes soberanos — legislar, angariar receitas e efectuar despesas são mero exemplo — fez-se segundo a técnica a que adiante se aludirá das competências de atribuição, deiimitadas nos tratados. Mas fez-se desde o início para os Estados originários, posteriormente para os Estados aderentes, sem que fossem suscitadas de modo assim radical questões que hoje surgem, como a capitulação da soberania nacional.

Há ainda a considerar a apresentação do fenómeno de transferência e o problema da expressão quantitativa e qualitativa dessa transferência.

14 — Perda de soberaxa e partilha de soberania

Não é de hoje nem de ontem, mas de sempre, a transferência de poderes soberanos pelos Estados membros das Comunidades Europeias para essa organização internacional e supranacional por eles criada.

Posta a questão nestes termos, sem artifícios, é compreensível que se afirme que um país como Portugal perde parte da sua soberania de cada vez que ratifica um tratado comunitário.

Antes de passar ao problema da natureza dessa perda, que pode redundar numa questão de apresentação dos conteúdos por forma mais aceitável, não só em termos psicológicos, como também em termos constitucionais internos, haverá que reflectir sobre o grau de transferência operado pelo Tratado da União Europeia.

Ao enumerar algumas das características nucleares de um conceito formal de soberania, referimos de propósito a emissão de moeda, a titularidade de exército próprio, o direito de legação diplomática.

Todos estes três elementos da definição clássica e tradicional de soberania são objecto de disposições do Tratado. Quanto à moeda, porque o Tratado prescreve a instituição a prazo durante a terceira fase da UEM de um moeda única (artigo 3.°-A) e o consequente desaparecimento da moeda do Estado (Português). Quanto ao exército, a previsão, embora num prazo futuro e incerto, de defesa comum (artigo J.4) pode implicar a existência de exército comum e, nessa medida, a eliminação de exércitos privativos de cada um dos Estados membros.

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Quanto à legação diplomática, porque no capítulo referente à cidadania da União se admite, mais como faculdade que como obrigação, a possibilidade de os Estados membros delegarem poderes de representação e protecção diplomáticas uns nos outros, naqueles países em que nem todos queiram ou possam ter representação própria (artigo 8.°-C).

Será que se atingiu, com estas três «perdas» potenciais, um nível em que o Estado já não pode ostentar soberania digna desse nome? Ter-se-á então entrado no domínio claro das relações entre um Estado federado e uma organização federadora (que ainda não é Estado) que acumula o naipe mais substancial dos poderes soberanos?

Esta questão levar-nos-ia necessariamente à contabilização do que fica e do que se transfere e, no final, opinar, com conhecimento de causa, sobre o que é hoje, no final do século xx, um Estado soberano e se os Estados membros da União Europeia ainda o serão.

Porque nenhuma investigação desse género será consensual, poderemos optar por resolver esta questão pela via semântica. É que, nas Comunidades Europeias, até aqui, e na União Europeia, a partir de agora, os Estados membros são representados, enquanto tais, ao nível das instituições supremas de decisão, designadamente o Conselho de Ministros e o Conselho Europeu.

Sendo assim, o que nos impede de dizer que cada Estado membro, ao ratificar um tratado comunitário, não está a fazer mais que transferir mais poderes soberanos para si próprio, em conjunto com os outros parceiros? Por outras palavras, não é legítimo, perante o novo fenómeno do direito internacional público que é o supranacionalismo, afirmar que os poderes soberanos não são perdidos nem transferidos, mas antes exercidos em partilha, com intermediação da organização internacional onde todos participam igualmente e que a todos representa?

Este modo de ver a situação faz cair pela base as teses mais catastrofistas da perda de soberania dos Estados membros. A não ser que não se confie minimamente na organização criada. Mas isso é tema diverso do da soberania.

15 — Repartição espadai de competência: a subsidiariedade

A técnica constitucional de repartição de competências entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros sempre obedeceu — e vai continuar a obedecer — ao princípio da competência de atribuição (actual artigo 4.° do Tratado CEE e artigo 3.°-B, § 1.°, do Tratado da União Europeia): a Comunidade exerce as competências que os Estados explicitamente lhe atribuem e nenhumas outras.

Este princípio orientador limitativo impede uma vocação federal crescente e auto-sustentada das Comunidades e define o núcleo básico das competências transferidas.

No entanto, originam-se zonas cinzentas, de interpretação difícil, quando é chegado o momento de implementação (ou aplicação) dessas competências em domínios concretos.

É neste âmbito que sempre funcionou, como mecanismo corrector implícito, sem tradução escrita nos tratados, o princípio da subsidiariedade, segundo o qual às Comunidades só cabe empreender acções quando elas são mais eficazmente prosseguidas em conjunto que em separado, por cada um dos Estados membros. A medida da eficácia pode ser ou a dimensão das acções ou os seus

efeitos, se claramente transfronteiriços. Correlativamente, as acções isoladamente prosseguidas caracterizar-se-iam pela sua insuficiência.

Este critério de subsidiariedade foi algumas vezes aduzido pelo Tribunal do Luxemburgo em litígios que lhe foram presentes.

Nos trabalhos que conduziram ao Tratado de Maastricht, a questão que se pôs desde muito cedo foi a de saber como circunscrever os termos da acção comunitária nas diferentes políticas que se pretendiam instituir e que eram novidades absolutas (ou na cláusula geral do artigo 235.°, que agora não nos interessa desenvolver).

Tomemos o exemplo das políticas da educação ou da cultura, que são caso típicos da necessidade sentida de introduzir no calão comunitário este conceito à primeira vista esotérico e afinal muito simples.

Ninguém duvida que o essencial destas políticas sempre competiu, compete e competirá aos Estados (ou a entidades infra-estaduais). Ao prever no Tratado uma competência comunitária genérica — mas que se quer complementar da acção dos Estados — em matéria de educação e de cultura, como ter a certeza que os Estados não estão a atribuir à Comissão poderes discricionários para decidir, em cada momento, quais são as matérias que justificam a oportunidade de uma iniciativa sua? Como limitar previamente a imaginação criadora da Comissão, que de vez em quando padece — todos o reconhecem — de apetites tentaculares a que o vulgo chama a eurocracia ou o centralismo de Bruxelas?

Esta é a questão real, que é ainda gerível sem a necessidade de uma rede de segurança no contexto de acções decididas por unanimidade (os Estados que consideram que a Comissão se está a exceder vetam), mas que se toma num problema muito sensível com a generalização — imediata ou a a prazo — de decisões por maioria qualificada.

Esta explicação mais longa pretende revelar vários pontos nem sempre inter-relacionados em debate:

a) A razão histórica da inscrição no Tratado de um princípio que sempre existiu na jurisprudência;

b) A ligação entre a subsidiariedade e as perdas de soberania ou (se se quiser) a evolução federal da Comunidade Europeia;

c) A afirmação de que o princípio se reporta mais ao exercício de competências que à sua atribuição. Estamos no domínio da aplicação.

16 — Subsidiariedade: um princípio jurídico ascendente

Revelada a necessidade de inscrever o princípio da subsidiariedade no Tratado da União (e esta necessidade não surgiu de imediato nos tratados da Conferência Intergovernamental), não é indiferente a respectiva colocação. Vários Estados preferiam vê-lo no preâmbulo ou numa introdução do Tratado, para acentuar o carácter político da mensagem, e retirar ao Tribunal de Justiça do Luxemburgo a capacidade de definir em última instância os limites das competências atribuídas (evitar o chamado «govemo dos juízes»). Outros Estados preferiam escrevê-lo num dos artigos iniciais do Tratado, enquanto regra jurídica susceptível de apreciação jurisprudencial. Ganhou esta última tese de uma forma não muito explícita. Em primeiro lugar porque parte do princípio é expresso no artigo A, § 2.°, que é um artigo introdutório da União

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Europeia e não das Comunidades Europeias (1.° pilar) e, nessa medida, matéria não sujeita ao controlo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Em segundo lugar, porque a outra afloraçâo do princípio (artigo 3.°-B), que se reporta à Comunidade Europeia e, portanto, está sujeita ao controlo do Tribunal do Luxemburgo, foi redigida num indesmentível tom político, que irá dificultar aquela apreciação.

O princípio da subsidiariedade pode ser concebido de forma descendente ou ascendente. De novo esta distinção um. pouco esotérica é importante para o futuro e merece um comentário resumido.

Em certas constituições federais, e designadamente na lei fundamental alemã, é a entidade federal que decide as matérias que lhe competem (segundo um procedimento que aqui não importa), atribuindo aos Estados federados (os Lander) todas as restantes competências, que são subsidiárias daquelas. Esta é uma visão claramente descendente da subsidiariedade, com predomínio do elemento central do sistema.

A concepção no Tratado da União Europeia seguiu, como não podia deixar de ser (considerando o princípio da competência de atribuição, que atrás se referiu), uma linha claramente ascendente, quando privilegia a tomada de decisão a um nível tão próximo quanto possível dos cidadãos (artigo A) e quando prescreve que uma acção, devido à sua dimensão e aos seus efeitos, é mais eficaz se for comunitária e insuficiente se for decidida pelo Estado membro isoladamente (artigo 3.°-B).

Esta linha ascendente não está isenta de dificuldade, precisamente porque quem interpreta em primeiro lugar os critérios enunciados é a Comissão das Comunidades Europeias, que é uma instância central do sistema e tem o monopólio da iniciativa.

É um pouco por causa desta ligeira contradição nos termos que se estabeleceu recentemente polémica sobre a aplicação prática do princípio da subsidiariedade, o que pode originar a redacção de um protocolo (ou uma declaração interpretativa) adicional, contendo:

Ou uma lista pré-definida das acções que competem à Comunidade e das acções que devam manter-se na esfera de intervenção dos Estados membros;

Ou a imposição à Comissão Europeia de uma espécie de «ronda das capitais» sempre que quiser tomar uma iniciativa legislativa.

Como é sabido, a Comissão (apoiada neste particular pelo Parlamento Europeu) começou por recusar estes aditamentos, bastando, segundo ela, uma justificação de cada proposta apresentada e a sua apreciação pelas instituições nos momentos prescritos do processo decisional comunitário.

regional comunitária, constitui critério de autorização de certas ajudas de Estado que afectam a concorrência, etc. O fenómeno económico das regiões esteve sempre presente nas acções comunitárias.)

Percebe-se a razão da recusa das instâncias comunitárias em pronunciarem-se sobre o fenómeno político infra-estadual. É que existem vários Estados federais ou regionalizados na Comunidade, cada um com especificidades, no que respeita ao grau de autonomia política dos Estados federados ou das regiões que os compõem. O Tratado de Roma era muito claro ao distinguir apenas dois níveis de decisão política e jurídica: o da Comunidade e o dos Estados membros. O que não pertencia àquela pertencia a este e vice-versa. Se surgiam conflitos de competências dentro do mesmo Estado membro, a Comissão lavava as mãos, como Pilatos, alegando que esses eram problemas em que ela não podia nem deveria intervir, já que correspondem a questões de ordem constitucional interna que não lhe dizem respeito.

Esta posição cautelosa é em primeiro lugar abalada pela instituição de certas novas políticas comunitárias ou, pelo menos, de novos domínios de acção comunitária.

Deu-se acima o exemplo da educação e da cultura, a propósito da subsidiariedade. E esses mesmos exemplos são aqui válidos. Se um determinado Estado membro (em uma estrutura federal (por exemplo, a Alemanha) ou fortes autonomias regionais (por exemplo, a Espanha), é quase inevitável que as competências naquelas duas áreas sejam repartidas entre o Governo federal e os Lander — no primeiro caso — ou entre o Governo central e as autonomias — no segundo caso. Há mesmo casos de absoluta competência das estruturas regionais, o que dificulta a assunção de responsabilidades pelos governos em Conselho de Ministros das Comunidades Europeias.

A expressão do princípio da subsidiariedade numa lógica ascendente acentua este problema: de certo modo, a Comunidade afirma que prefere que certas acções sejam exercidas a nível regional e local e só por impossibilidade se deve passar ao nível estadual, e deste ao comunitário.

É difícil antecipar se esta nova realidade vai obrigar a tomadas de posição do próprio Tribunal do Luxemburgo, em interpretação do princípio da subsidiariedade.

Mas já se sabe que vai existir um Comité das Regiões, estrutura consultiva imposta pelos Alemães, susceptível de posteriores ganhos de poder. E vai propagar-se uma dinâmica de interacção região-Estado-Comunidade em obediência do princípio da subsidiariedade.

Para um Estado, como Portugal, que nem sequer concretizou uma estrutura regional, para além das Regiões Autónomas insulares, e é considerado uma única região para efeito de fundos estruturais, este parcelamento da vida comunitária não é um novo facto a considerar.

17 — Comunidade, Estado, região: novos equilíbrios dinâmicos

A questão regional, enquanto fenómeno político inerente ao sistema constitucional dos vários Estados membros das Comunidades Europeias, foi sempre um tabu mais ou menos assumido ao longo dos tempos, e só no Tratado da União Europeia parecem despontar algumas orientações que contrariam esse interdito.

(Fala-se de fenómeno político regional para o distinguir do fenómeno económico regional, que está na base da actuação dos fundos estruturais, é objecto de uma política

18 — Identidade nacional, Estado-nação e ideologia do Estado-cseção

Estamos a entrar em realidades que não são objecto de referência no Tratado da União Europeia nem dos outros tratados comunitários que o precederam. Mas são realidades importantes e a prova é que uma parte da discussão em torno destes saltos em frente da construção comunitária passa por estas matérias indizíveis, substância de sentimentos, paixões ou indiferenças, individuais ou colectivas.

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Assim como se afirmou que o nacionalismo exacerbado encontra razões para atacar qualquer evolução da ideia europeia num sentido agregador que ultrapasse a mera cooperação inter-estadual, também se pode dizer que não existe nenhuma vontade explícita em conseguir, com essa evolução, a destruição das identidades nacionais. Esse principio é objecto de uma afirmação solene no artigo F, afirmação que não será com certeza suficiente para desanimar os críticos.

Conhecida a história da Europa, qualquer tentativa forçada de sacrificar as identidades nacionais para alcançar um determinado bem comum estaria sempre votada ao fracasso.

Mas compreendem-se certas preocupações, a que os artigos introdutórios do Tratado e as disposições sobre algumas novas políticas tentam dar respostas indirectas de apaziguamento.

É que a União Europeia, se e quando um dia estiver completada, já enfraqueceu naturalmente a ideia de nação. E, se o fizer naturalmente, quem poderá opor-se?

Entre os Portugueses radica-se facilmente a ideia de que a identidade nacional segue necessariamente o destino do Estado. Uma tal deformação, que não (em correspondência com a realidade, advém do facto de o português contar com um dos poucos —e dos mais antigos— Estados--nações da Europa.

Os Estados-nações podem jogar alternadamente com a sua organização administrativa e com a sua alma. Não estão normalmente dilacerados por lutas intestinas e desconfianças assentes em lógicas de dominação. Têm normalmente uma língua e uma base cultural unificada. O embate com uma construção que dispensa a prazo as fronteiras físicas não produz facilmente clivagens e alinhamentos com outros espaços noutros países.

Mas, se o Estado-nação é uma benesse nestes tempos conturbados em que as fronteiras dos Estados não encaixam e se partem e repartem (no centro europeu o fenómeno é quase obsessivo), nada aconselha a um Estado-nação que se mantenha isolado, que não participe resolutamente em movimentos de integração só para preservar essa condição rara. Um Estado-nação pequeno e periférico como Portugal tem tudo para estiolar se ficar assim, resguardado na sua ilusória soberania, apartado das experiências alheias.

Essa retracção que alguns ainda têm na memória é, aliás, fruto de apenas algumas décadas da nossa história contemporânea. Nada tem a ver com o que ficou muito para trás.

Esse reflexo de fortaleza perante o exterior que caracteriza em certos períodos da história o Estado-nação, sobretudo o que é grande e central (o que não é o nosso caso), pode redundar em ideologia própria. Que até pode não ser pacifica e pode ser expansionista. A integração europeia também previne essas situações.

19 — Estado federal, federação de Estados, confederação e a experiência comunitária

Os antecendentes existem. No entanto, é no imediato pós-guerra 1939-1945, e quando tudo estava por refazer, que o movimento federalista lança os seus mais decisivos ataques em prol de uma organização racional e democrática da Europa Ocidental (Yalta dera a outra Europa aos Soviéticos).

Desde então, a história das Comunidades Europeias, que então nasceram, é uma luta constante entre opções federalistas e opções por formas de cooperação inter--estadual visando, no máximo, uma solução de tipo confederai.

Não é o momento de definir conceitos que são, em larga medida, do conhecimento geral.

Importa, sim, realçar que dessa luta nunca resultou a vitória, em toda a sua pureza, de qualquer dessas opções extremas.

Interessa também constatar que houve sempre um ponto de equilíbrio, algures no meio caminho, e que a atipicidade dessas soluções medianas é hoje a imagem de marca da construção comunitária.

Até ao Tratado da União, que agora se discute, há elementos claramente federais na construção, mas não há, nem de perto nem de longe, o esboço de um Estado federal. Também há elementos de cooperação da cariz tradicional e, apesar de tudo, não há simples confederação.

A existência de competências exclusivas da Comunidade, a criação de uma ordem jurídica supranacional com instituições permanentes dotadas de poderes semelhantes aos de um Estado (e designadamente de um parlamento eleito por sufrágio universal), a regra da maioria qualificada para certas decisões, tudo isto é pré-federal e existe desde o início.

A técnica das decisões unânimes no órgão predominante (o Conselho de Ministros), as acções de cooperação e a celebração de convenções internacionais, as primitivas competências consultivas do Parlamento Europeu, a submissão de decisões mais importantes à ratificação dos Estados, tudo isto corresponde a uma ideia confederai não assumida até ao fim.

Se os tratados anteriores não eram federais nem confederais, antes outra coisa, haverá agora, com o Tratado da União, uma mudança qualitativa que permita deslindar uma opção mais pura?

Parece-nos que, ao nível dos objectivos próximos e longínquos e de alguns mecanismos, a ambição vai claramente no sentido federal, um pouco por acumulação. Assim:

A existência de um grande mercado interno sem fronteiras que vem de trás mas permanece;

A unificação da política monetária e cambial e a moeda comum;

A defesa comum e a capacidade de política extema autónoma;

A enorme extensão dos votos por maioria qualificada; O reconhecimento de poderes co-legislativos do Parlamento Europeu.

Mas falta-lhe um verdadeiro governo, os Estados membros não mostram sinais de capitulação perante um Estado federal, que não nasce.

Em resumo, o modelo comunitário instituído pelo Tratado da União Europeia é inovador, atípico, híbrido de regras de funcionamento federais e de regras de funcionamento inter-estaduais.

20 — Unidade europeia: velocidades diferenáedas e geometrias variáveis

Detectam-se neste Tratado da União Europeia algumas tensões difíceis de racionalizar e que podem ocasionar

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resultados diametralmente opostos aos que estão indicados nos textos. Expliquemo-nos. A construção europeia, já o dissemos, foi sempre pensada em função de um princípio igualitário: todos os Estados, grandes ou pequenos, ricos ou pobres, têm os mesmos direitos e obrigações. Integram todos os órgãos, participam em todas as políticas, comprometem-se nas mesmas metas.

Nem as ponderações de voto (realisticamente inevitáveis) nem as hipóteses de derrogação e períodos transitórios para certos Estados, no momento da adopção de certos actos, são de molde a contrariar essa presunção da evolução harmónica e consonante.

Já foi defendida aqui a ideia de que o Tratado da União mantém como bom o princípio igualitário. E em todo o caso ficciona-o sempre. Mas não poderá acontecer que, insensivelmente, nele se descubram, e se assumam, os gérmenes de uma Europa de velocidades diferenciadas e geometrias variáveis? Um exemplo: a UEM está desenhada para permitir aos Doze, uma vez ultrapassados certos critérios, aceder à terceira fase. Só que os critérios são muito apertados e no próprio início de aplicação das regras que hão-de desembocar nesse estádio final e dado por certo que um ou mais países não preencherão esses critérios e são remetidos para uma situação de limbo, de que eventualmente nunca mais sairão.

Outro exemplo: a possibilidade de evolução da política externa e de segurança comum de molde a integrar a prazo uma política de defesa comum (ou mesmo uma defesa comum) obrigou, como solução intermédia, a utilizar a União da Europa Ocidental (UEO) como «braço armado» da Comunidade nas questões de defesa.

Ora, certos países da Comunidade não pertencem e se calhar nunca quererão pertencer à UEO, embora sejam estimulados desde já a participar como observadores. Pode inferir-se que a União aceita, sem prazo, a possibilidade de dispor de uma instituição em que nem todos os seus membros participam regularmente.

Terceiro exemplo: como fórmula de compromisso, o Tratado da União instituiu, para um único Estado membro (o Reino Unido), o princípio do opting out (ou do opting ifl), que ainda por cima incide sobre dois assuntos muito importantes (a política social e a moeda única). Embora tal não seja admitido, a União aceita a exclusão, sem prazo, daqueles dois parceiros, relativamente a duas políticas importantes.

Quarto exemplo: como consequência da necessidade de resolver a questão da ratificação do Tratado pela Dinamarca, é possível que a Comunidade assuma certas concessões, que serão no fundo exclusões dos regimes geralmente aceites e cumpridos pelos restantes Estados. Ao fazê-lo, está certamente a criar um mau precedente para as negociações de adesão com terceiros Estados que ostentem os mesmos problemas.

Estes quatro exemplos, que isoladamente não têm grande importância para o equilíbrio geral do Tratado, são no seu conjunto um sintoma de que é possível configurar, no final do século, uma Comunidade que, em nome das suas ambições, permitirá diversas situações de marcha com o passo trocado. É o prenúncio da chamada «Europa à la carte»! Com que consequências?

21 — A síndroma da hegemonia: o caso alemão

No equilíbrio institucional que sempre foi procurado nos tratados quanto ao peso relativo dos vários estados

membros (de que é índice a redacção sobre ponderação de voto, artigo 148.°, n.° 2, do Tratado de Roma, versão original e versão corrigida por cada uma das adesões), aceitou-se a ideia da existência de grandes Estados, médios Estados e pequenos Estados. Aos três grandes Estados da Comunidade original — França, Alemanha e Itália — veio juntar-se com esse estatuto o Reino Unido. A Espanha, contrariada, teve de aceitar um estatuto de semigrande quando aderiu.

Isto quanto a ponderações.

Quanto à convicção generalizada sobre o processo de condução da vida comunitária, continua a dominar a ideia de que o eixo franco-alemão, que foi a razão de ser, é ainda o motor de propulsão e o motor de arranque de novas evoluções. Neste contexto, o Reino Unido, conhecido pela sua visão peculiar de uma Europa mais distendida e intergovernamental, funciona como contrapeso e aliado alternado de Franceses e Alemães.

Vem tudo isto a propósito do caso alemão, que na discussão sobre Maastricht tem concitado o monopólio das atenções.

Porquê? Por ter a economia mais forte esero grande pagador líquido da Comunidade? Já o é há mais tempo! Porque, sendo grande, se tomou maior (superfície, população, produto) com a reunificação? Não há dúvida que em todos esses índices domina os seus parceiros!

Porque, sendo o grande pagador líquido da Comunidade, quer reorientar a sua função equilibrante e filantrópica? As preocupações actuais com os encargos financeiros, ou assumidos ou prometidos, de reconstrução dos Lander alemães de leste, dos países do Centro e Leste Europeu e dos países emergentes da ex-URSS são indesmentíveis no que respeita à quebra da sua solidariedade «natural» com o Sul da Europa. Porque a súbita erupção de dois factores de crise —desemprego, inflação— desencadearam uma quebra de confiança dos próprios Alemães sobre a sua economia milagre? A instabilidade alemã actual é manifesta, como manifesta é a instabilidade que é projectada em cascata sobre as restantes economias europeias!

Por que a nova dimensão — no espaço europeu — desperta antigos fantasmas de dominação? Este temor foi constante nos debates públicos dos países referendários, se bem que ninguém pense em dominações guerreiras!

A soma de todos estes factores produz grantes interrogações ontológicas. É a Alemanha uma minipotência da Europa Ocidental e quer continuar a sê-lo ou uma minipotência da Europa Central e quer afirmá-lo sem delongas? Será que Maastricht é para os parceiros comunitários actuais a vontade de conter a Alemanha no primeiro cenário ou a vontade de impedir que ela fuja para o segundo cenário? E porque não ambas as coisas? No afã de contê-la, não se está a legitimar irreversivelmente a sua hegemonia (nomeadamente copiando o modelo da UEM pela matriz que fez o sucesso alemão dos pós-guerra)?

E para os Alemães o que é Maastricht? A consagração e desforra de um país vencido e ocupado militarmente durante 40 anos? O sacrifício de instrumentos económicos que fizeram a sua força transeuropeia — a política monetária, o marco— em nome das vantagens da união política? A consolidação da vertente ocidental até ter fôlego para outras aventuras europeias?

Cada político responsável, comentador atento ou cidadão comum tem a sua opinião. Nenhuma tende a ser correcta porque nenhuma joga com a complexidade de todos os

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elementos. Só o futuro dirá se a Alemanha é uma grande ganhadora ou uma grande perdedora neste Tratado. No fundo, pode-se dizer isso de todos os Estados membros.

22 — Países periféricos: uma opção de modernização e desenvolvimento

O modo mais simples de caracterizar a vontade de um Estado relativamente a um tratado de que é signatário é dizer que ele quer aquilo que lá está descrito. O que, sendo uma boa explicação, nunca é toda a explicação. Vimos como o caso alemão é de uma complexidade tremenda a este propósito, podendo, aliás, afirmar-se (e muitos o têm feito) que existem tensões tão contraditórias que nem os dirigentes alemães — os actuais são conhecidos por pertenceram à última geração dos políticos renanos que ajudaram a inventar a Comunidade— conseguem optar. A melhor opção é pôr um cheque em branco sobre o futuro.

Não é por desprimor que aqui não se discorre sobre as angústias francesas ou britânicas ou dinamarquesas ou quaisquer outras sobre Maastricht. É que só o caso alemão preocupa Alemães e todos os outros europeus. Por isso o seu destaque.

Portugal é um dos países periféricos da actual construção comunitária. A sua situação periférica não decorre somente de óbvias constatações geográficas, mas de um certo número de índices sócio-económicos, que o irmanam com a vizinha Espanha, com a Irlanda e a Grécia.

Os quatro países apelidados «pobres» e «do Sul» (que nem todos são ...) aderiram as Comunidades Europeias já em marcha.

E porque é impossível dissociar a Comunidade original da imagem de prosperidade, haverá que concluir, sem distinções, que todos os países periféricos assentaram a respectiva adesão numa aposta de desenvolvimento acelerado.

Sabemos que não são essas as únicas explicações e que designadamente a Grécia, a Espanha e Portugal também se nortearam pelo desejo de encontrar na Comunidade a estabilidade de uma democracia política recém-recon-quistada.

Mas voltemos ao desenvolvimento económico e à modernização, que são factores perenes de aposta enquanto não se atinjam as metas de nivelamento com os mais prósperos.

A questão essencial é a de saber se as opções óbvias de adesão continuam a ser opções óbvias de assinatura de um Tratado com a complexidade deste.

Não há espaço para grandes especulações demonstrativas. Podem, no entanto, adiantar-se algumas afirmações aparentemente claras e consensuais.

A primeira respeita às políticas de coesão económica e social e à criação de interligação das grandes redes transeuropeias, a que adiante se fará referência. É sabido que as primeiras foram pela primeira vez consagradas (enquanto tal) no Acto Único Europeu, com o objectivo de atingir uma situação harmónica no momento do estabelecimento do grande mercado interno.

Ora, este momento está próximo e a coesão não foi atingida (nem ninguém pensou que o fosse). O Tratado da União Europeia tem entre outros objectivos o da çrotTogação deste esforço de solidariedade, pelo menos até à terceira fase da UEM. Para os países da periferia é este, antes de tudo o resto, o cerne da aposta renovada na construção comunitária.

Não significa que todos os sacrifícios, todas as cedências (e designadamente as de soberania, através de outras políticas emergentes no Tratado), numa palavra, todos os preços são justificáveis em nome do desenvolvimento e modernização. Mas é nossa res-ponsabilidade encontrar nas políticas desenhadas no Tratado a expressão, afinal, da mesma solidariedade. Em resumo, não é possível escamotear que existe para Portugal uma opção de fundo, que essa opção assenta na solidariedade comunitária e que a solidariedade tem muitas manifestações. É natural que as aceitemos todas, e não só as que nos convêm.

23 — Relembrar o mandato das Conferências Imta-govemBrnenteio

Porque o resultado das Conferências Intergovernamentais é o Tratado da União Europeia e porque esse resultado é apresentado frequentes vezes como sendo um texto hermético, destituído de lógica e insusceptível de leitura por não iniciados, é preciso fazer um esforço pedagógico de apresentação.

Com esse propósito, nada melhor do que recordar o mandato que foi conferido por sucessivos conselhos europeus aos negociadores das Conferências Intergovernamentais, que entre 1989 e 1992 tiveram a missão de redigir o texto final (em diálogo, que apraz registar, com o Parlamento Europeu).

Esse mandato corresponde a três ideias muito simples, a que se acrescentaram duas outras pela evolução dos trabalhos. É ao conjunto dessas cinco ideias mestras que podemos chamar o aprofundamento das Comunidades Europeias.

a) O primeira elemento do mandato era o de ampliar com eficácia uma linha de evolução que tem a sua origem no Tratado de Roma e se desenvolve com o Acto Único Europeu. Numa palavra, desenhar novas políticas, consolidar as existentes, através de mecanismos que sejam praticáveis a Doze.

É nesta linha de actuação que nasce a UEM como evolução do Acto Único, se lança o conceito de cidadania da União, bem como um certo número de políticas susceptíveis de a interessar (a educação, a cultura, a saúde pública, a protecção dos consumidores, etc), e se consolidam algumas já existentes (a política social, o ambiente e a investigação científica). Esse alargamento do leque de acção comunitária é pensado com objectivos de eficácia, de que as decisões por maioria qualificada são o exemplo mais flagrante, embora não o único.

b) O segundo elemento do mandato é o de aumentar a legitimidade democrática e a transparência de toda a construção, insistindo num melhor equilíbrio dos mecanismos institucionais. O exemplo típico iniciai é o do reforço dos poderes do Parlamento Europeu, mas outras ideias são depois desenvolvidas e adoptadas (criação do Provedor de Justiça, acção dos parlamentos nacionais, transparência financeira) ou em vias disso (transparência das reuniões do Conselho, etc).

c) O terceiro elemento do mandato foi o de encontrar os meios de unidade e coerência na acção externa da Comunidade, a partir da experiência de cooperação política dos Estados membros, prevista no Acto Único. O resultado mais substancial nesta parte do mandato é a política extema e de segurança comum (PESC).

A estas três ideias força vieram juntar-se duas outras, no decorrer dos trabalhos, e que se tomaram elementos indispensáveis do equilíbrio final.

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A primeira surge nos debates sobre as perdas de soberania que o novo Tratado engendraria, e manifestou--se principalmente na redacção (e articulação constante com as várias políticas) do princípio da subsidiariedade da acção comunitária,

A segunda ideia, que vem de trás mas ganha novos contornos no mandato de redacção, é a de coesão económica e social ou da solidariedade comunitária. Para além da melhoria do capítulo homólogo do Tratado, o seu melhor resultado é o capítulo das redes transeuropeias.

Quem critica este Tratado não poderá clamar somente pelos maus compromissos alcançados. Tem de ponderar a alternativa de a Comunidade continuar a viver sem estas cinco ideias.

24 — O compromisso entre objectivos ambiciosos e passos concretos

Já aqui se falou de Jean Monnet e da sua paternidade do método que mais tem sido seguido na evolução das Comunidades Europeias: o método dos pequenos passos com objectivos precisos, que determinam mudanças fundamentais e estruturantes.

Fez-se menos justiça ao método preconizado pelos teóricos do federalismo europeu, o de optar por construções institucionais simples, harmónicas e que depressa atinjam os objectivos finais, precisamente porque esse método não tem sido muito seguido nos tratados. Nesta corrente destacar-se-ia, entre todos, Altiero Spinelli, que tal como Monnet conseguiu ser ao longo da sua vida um idealista e um pragmático (foi comissário) europeu e ao qual está associado, em 1984, o projecto de Tratado da União Europeia (proposto pelo Parlamento Europeu).

O Tratado da União Europeia que agora nos ocupa é um compromisso e como tal deve ser entendido. Desde logo na redacção de cada capítulo e, no interior deste, de cada artigo, de cada número, de cada frase. Não nos atardemos sobre o preço que estes compromissos textuais pagam à clareza, pois são consequências demasiado conhecidas para merecerem comentário detalhado.

Interessa mais realçar os grandes compromissos, designadamente entre os adeptos dos pequenos passos e os adeptos das arquitecturas racionais.

Já se constatou que o mandato dos negociadores era extenso.

Verificou-se que os negociadores quiseram além disso explorar esse mandato exaustivamente. Muitas das propostas e discussões ficaram pelo caminho. E, no entanto, é impossível não concluir que o Tratado da União Europeia tem muitos objectivos simultâneos, eventualmente demasiados objectivos simultâneos, e que isso não facilita a respectiva compreensão.

Com muitos objectivos fixados de antemão, só havia três formas de tomar transparente o Tratado:

a) Um processo decisional unificado e simples;

b) Um catálogo das acções a empreender para atingir os objectivos;

c) Uma calendarização das acções.

Em boa verdade, não foi possível preencher o desiderato da transparência porque estas três formas não ajudaram.

Sobre o processo decisional e a questão dos três pilares discorrer-se-á mais adiante. O mesmo se diga do tema dos calendários.

E ficam os compromissos entre os objectivos e o elenco das acções para os atingir. Este ponto é particularmente causador de perplexidade: tudo se passa como se a definição de diversas políticas novas tivessem impedido de ver claro o modo de as prosseguir concretamente. Não tendo como objectivo uma data de realização e não estando traçado o perfil de acção comunitária (para além de regras institucionais e, aqui ou acolá, da referência ao princípio da subsidiariedade), deu-se azo, como acima se disse, a que cada intérprete visse no timing e nas acções exactamente aquilo que queria ver: os críticos vêem coisas más, os entusiastas negara as hipóteses negativas e insistem sobre as consequências benéficas. É a complexa questão dos futuríveis.

Só escaparam a esta lógica aberta os capítulos sobre a UEM e os protocolos e declarações a ela atinentes. Pelo contrário, há aí datas precisas, processos decisórios, critérios de comportamento dos Estados membros, etc. Veremos que este extremo oposto também se revela criticável.

25 — Os três ¡póJeres £o Tratado: ¡amo estratégia <íe aproximações ou quadro irtslitacsona! único

Quando se discutiram matérias tão novas e sensíveis como a política externa, da segurança e da defesa ou as políticas integradas das administrações da justiça e das polícias, desde logo se dividiram as opiniões sobre o quadro institucional em que essas políticas deveriam nascer e ser prosseguidas — pelo menos nos primeiros tempos.

Para uns (como os países do Benelux, à cabeça) é inconcebível que as políticas desenvolvidas pelas Comunidades Europeias não sejam comunitárias, adoptadas e controladas segundo o método do Tratado de Roma pelas instituições comunitárias.

Para outros (é injusto apontar neste ponto só os Britânicos, porque esta sensibilidade era bastante generalizada), os domínios eram de tal modo inovatórios que o processo comunitário (por contraposição ao processo intergovernamental) dificilmente é aplicável. De entre as dificuldades expressas avulta a que se reporta ao papel do Tribunal de Justiça do Luxemburgo, designadamente de controlo de legalidade e interpretação unívoca do direito comunitário. Com que critérios se submetem questões de segurança e defesa àquele Tribunal? Se são jurídicos, a realidade escapa; se são exclusivamente políticos, a entidade revela-se incompetente.

Alvitrou-se que para estas políticas novas nem sequer interviessem as instituições comunitárias, mas apenas as «Altas Partes Contratantes» através dos governos e parlamentos respectivos (na linha de cooperação política do Acto Único).

Também aqui se encontrou um compromisso hábil entre as várias concepções.

Em primeiro lugar deu-se vida ao conceito de União Europeia, que surgira no Acto Único sem qualquer desenvolvimento. Neste Tratado o desenvolvimento do conceito não é muito maior. A União é uma realidade de destino, um objectivo que não dispõe de organização particular e que resulta de três evoluções autónomas e convergentes no tempo (os três pilares) de vários tipos de políticas.

Assim, a União é o «chapéu» do Tratado, a que correspondem uma meia dúzia de artigos.

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O 1.° pilar agrega as antigas e as novas políticas comunitárias (a CE, a CECA, a CEE A), mais a cidadania da União e a UEM; o processo é o comunitário e as instituições são as comunitárias (as do Tratado de Roma com aditamentos).

O 2.° pilar respeita à PESC, que se traduz em cooperação política e «acções comuns» (e não políticas comunitárias). As entidades que intervêm são as comunitárias, com adaptações (a maior é a incompetência de controlo pelo Tribunal do Luxemburgo).

O 3° pilar respeita à cooperação nos domínios da justiça e da administração interna e é, quanto ao processo, semelhante ao 2.° pilar: cooperação e acções comuns, instituições comunitárias (menos o Tribunal).

A particularidade do método dos três pilares é o facto de ele estar concebido para evoluir no tempo de forma convergente: digamos que a tendência é para que toda a acção seja um dia comunitária, pura e simplesmente. Já há aflorações desta ideia em certas políticas comunitárias ligadas à PESC (política comercial comum, cooperação ao desenvolvimento, etc.) e quanto ao 3." pilar, na política comunitária de vistos.

Essa evolução poderá ser apreciada nas próximas revisões do Tratado. É o que veremos de seguida.

26 — A pr*Sixação de data de reapreciação e revisão do Tratado da União

A concepção da União Europeia por pilares convergentes não é de leitura fácil mas é hábil, pois permite que toda a evolução se faça num quadro institucional único.

A flexibilidade e convergência dos sistemas é estimulada pela ideia, repetida várias vezes ao longo do Tratado, de que as experiências inovadoras serão avaliadas passados alguns anos, determinando as revisões do Tratado mais adequadas. A novidade é que as datas de reavaliação e revisão são fixadas desde já (as chamadas cláusulas de rendez-vous, no vernáculo comunitário). E são várias.

Existe uma cláusula geral de revisão do Tratado, marcada para 1996 (artigo N).

A UEM, e designadamente a instauração da terceira fase, está condicionada por momentos de avaliação, que ocorrerão até ao final de 1996 e ou até 1 de Julho de 1998 (artigo 109.°-J).

A política de defesa comum será objecto de reavaliação, designadamente no que concerne ao estatuto da UEO, em 1996 (tendo em conta o deadline de 1998, no Tratado de Bruxelas) (artigo J.4).

Apesar das enormes discussões que têm ocorrido sobre o Tratado de Maastricht e que recomendariam paciência e consolidação de quaisquer resultados que se possam atingir no próximo futuro, continua a haver pressões constantes para que as datas de revisão acima indicadas sejam antecipadas.

Normalmente esta antecipação é solicitada pelos defensores de leses mais federalistas, precisamente com a alegação da necessidade de se encontrarem rapidamente fórmulas institucionais mais simples e práticas. A reivindicação da data de 1994 e da redacção de uma constituição europeia estariam para muitos políticos e ideólogos na ordem do dia já em 1994.

A estas datas já fixadas, ou no Tratado de Maastricht ou nos documentos contendo novas propostas, há que acrescentar os imponderáveis.

Os imponderáveis vão desde a necessidade de reformular o Tratado por causa da sua não ratificação por alguns Estados membros (Dinamarca, por exemplo) até a uma discussão alargada com os ex-membros da EFTA, caso a experiência do EEE milite em favor de uma adesão rápida desses países às CE.

27 — Entrada em vigor do Tratado da União

O artigo R do Tratado seguiu a tradição dos tratados comunitários (e designadamente do Tratado de Roma) ao prever o princípio da entrada em vigor desta modificação dos tratados anteriores após a ratificação por todos os Estados signatários, mais concretamente «no primeiro dia do mês seguinte ao do depósito do instrumento de ratificação do Estado signatário que proceder a esta formalização em último lugar». A hipótese de 1 de Janeiro de 1993, que em alternativa é prescrita nesse artigo, parece agora de verificação remota.

Este princípio, que parece simples, tem sido objecto de variadas interpretações no sentido de ser viabilizado o Tratado apesar da eventual recusa da Dinamarca, que é Estado signatário, em ratificá-lo.

Pouco haverá a dizer em termos estritamente políticos, pois que sempre poderá encontrar-se uma solução juridicamente capaz de permitir aos restantes Estados signatários aplicar o conteúdo do Tratado da União, nem que seja através da assinatura e ratificação de um outro tratado em quase tudo igual ao presente, menos no que respeita a este artigo R.

O quase tudo é certamente uma expressão ambígua, pois restaria indagar qual seria a situação aplicável à Dinamarca, que está neste momento vinculada ao Acto Único Europeu e poderia pretender continuar nesses termos, enquanto os restantes Estados aplicariam um «símile» do Tratado da União.

A simples enunciação da questão não é propícia a prognosticar uma grande facilidade em criar uma solução política.

Curiosamente, têm sido tentadas interpretações jurídicas, segundo as quais este Tratado pode entrar em vigor mesmo sem estarem cumpridas as 12 ratificações a que o artigo R implicitamente alude.

Uma primeira orientação assenta na ideia de que este Tratado cria uma nova organização internacional —a União Europeia — totalmente autónoma das Comunidades Europeias actualmente em vigor e de que bastará a vontade constituinte do lote de Estados que o assinarem e ratificarem regularmente. Os escolhos óbvios desta interpretação são em primeiro lugar o facto, indesmentível, de este Tratado apenas modificar e acrescentar disposições aos tratados anteriores, em tudo o mais continuando os mesmos em vigor (não há uma lógica de substituição mas de modificação). Em segundo lugar, a União Europeia não é uma nova organização internacional: bastará ler os artigos introdutórios do Tratado para o perceber.

Outra orientação apresentada assenta na autonomia soberana dos Estados em vincularem-se livremente em obediência ao direito internacional dos tratados e concretamente às Convenções de Viena. Esta argumentação defronta de igual modo o escolho do. artigo R e deixa por

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resolver a situação da Dinamarca, que seria implicitamente expulsa da Comunidade actual.

Não é fácil resolver juridicamente uma opção que até pode ser politicamente clara e consentida pelo Estado (ou Estados) que não completou os respectivos processos constitucionais internos de ratificação.

28 — Kíttegociação do Tratado, adição de novos protocolos c íasfaraçães interpretativas e flexibilidade na aplicação: saídas jKcssíveic para as actuais interrogações.

Não é fácil, como se demonstrou sucintamente, pretender política e juridicamente que o Tratado da União Europeia siga o seu curso, tal qual, no caso de algum dos seus signatários não o ratificar.

Esta questão coloca desde logo a necessidade de se encontrarem alternativas que ultrapassem o actual impasse.

O pano de fundo do impasse é qualificado pela entrega pelo Governo Dinamarquês (em consonância com o seu Par!arcen:o nacional) de um memorando que estabelece o elenco das matérias cuja renegociação —com resultado aplicável a todos ou com a criação de um estatuto específico para esse país — possibilitaria novo referendo na Dinamarca, putativamente positivo.

Tentou-se demonstrar, ao longo destes textos, até que ponto este Tratado é fruto de um compromisso duramente obtido e, indirectamente, quanto seria penoso rediscutir tudo de novo e encontrar novos consensos. Essa dificuldade de obter novos consensos a um nível próximo dos actuais determinou uma reacção negativa quase generalizada à reabertura de negociações.

Esta posição de princípio foi ainda agravada pelo teor do memorando dinamarquês, que reivindica exclusões em quatro domínios nucleares do Tratado, a saber, a passagem a terceira fase da UEM (moeda única), a cidadania da União e s política de defesa comum.

Se o actual impasse persistir, terão de ser encontradas soluções alternativas. A elaboração de novos protocolos interpretativos anexos ao Tratado tem sido colocada como hipótese, não só para resolver o imbróglio dinamarquês mas para clarificar a aplicação na prática do princípio da subsidiariedade, objectivo que recolhe a unanimidade de todos os Estados. A grande dificuldade com a elaboração de novos protocolos é que, sendo actos vinculativos de direita internacional, teriam normalmente de ser ratificados por codas os Estados para produzir efeitos, o que implica o regresso a todos os parlamentos que já ratificaram o Tratado da União.

Uma segunda hipótese, de longe a mais simples nas actuais circunstâncias, é a de aditar declarações interpretativas para acomodar as sensibilidades de cada país. Tendo um valor essencialmente político, este procedimento ultrapassa a crítica já aludida, só restando a interrogação sobre a sua aceitação pela Dinamarca, cuja posição de partida foi particularmente veemente.

Independentemente da praticabilidade de protocolos e declarações anexas ao Tratado, é líquido que este sofrerá entorses à sua aplicação integral depois de (e se) entrar em vigor.

Não é extraordinário que certas disposições de um tratado tenham, por motivos de alteração de conjuntura ou quaisçcei outros, uma aplicação no tempo diferente do que nele está previsto.

Embora não sejam desejáveis grandes flutuações relativamente ao clausulado, esse método de actuação está

a tornar-se quase uma evidência na evolução da UEM: com efeito, a recessão económica veio tornar imperiosa a flexibilidade que deverão demonstrar os vários órgãos com a missão de controlar os apertados critérios que nela estão consagrados.

Ooncta aòo

Assim, a Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus, tendo em atenção a apreciação geral que efectuou ao longo dos últimos meses e os relatórios sectoriais de outras comissões especializadas aqui apensados, deliberou expressar a sua concordância à aprovação para ratificação da proposta de resolução n.° 11/VI — Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992.

Considera a Comissão que esta proposta está em condições de subir a Plenário.

Palácio de São Bento, 7 Ce Dezembro de 1992. — A Presidente da Comissão, Helena Torres Marques. — Peto Grupo de Trabalho de Redacção: João Oliveira Martins, coordenador — João de Menezes Ferreira, relator.

Sota. — O relatório foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do PCP e a abstenção do PSD. As conclusões do relatório foram aprovadas, com votos a favor do PSD e do PS e votos contra do PCP.

ANEXO

Declaração do coordenador «So grupo do JirefeaJtt©

À Comissão de Assuntos Europeus:

O presente relatório exprime, com uma linguagem muito própria do relator, um conjunto de problemas políticos subjacentes ao Tratado da União Europeia (Maastricht, Dezembro de 1991).

A conclusão que decorre do relatório é clara: existem boas razões para ratificar o Tratado, pesem embora as críticas que legitimamente se pedem formular e que o texto procura pôr em relevo.

Em qualquer caso, ele fornece uim bom quadro de reflexão para que a Comissão de Assuntos Europeus possa emitir a opinião que lhe é solicitada nos termos regimentais.

Não obstante o grupo de trabalho ter sido constituído por representantes do PSD, PS, PCP e CDS, estes dois últimos não participaram nos respectivos trabalhos.

O Coordenador do Grupo de Trabalho, João Oliveira Martins.

Decíaraee© voto <£to PSD

O PSD vota a favor do parecer conclasivo do relatório sobre o Tratado da União Europeia, mas absíém-se quanto ao corpo expositivo do mesmo, elaborado pelo Sr. Deputado Relatoi, indicado pelo PS, já que, não obstante o esforço meritório do iraíamento dos vários aspectos e matérias abrangidos e do tom globalmente

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favorável â ratificação do Tratado, ele contém considerações controversas e conceitos que mereceriam melhor definição e mais profunda reflexão, o que não foi possível realizar à data em que foi submetido a discussão na Comissão de Assuntos Europeus.

Os Deputados do PSD: Rui Carp—João Matos—João Poças Santos — Francisco José Martins — Francisco Bernardino da Silva.

DocJaraçÊo do voto «te PCP

O Grupo Parlamentar do PCP não vota favoravelmente o relatório da Comissão de Assuntos Europeus relativo à proposta de resolução m.° 11/VI, sobre o Tratado da União Europeia, na medida em que, fundamentalmente, o relatório conduz à conclusão de «expressar a sua concordância à aprovação, para ratificação, da proposta de resolução n.° 11/VI— Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992».

A posição do PCP, designadamente pelas razões que apontamos nos pontos seguintes desta declaração de voto, é a de que o Tratado de Maastricht não serve os interesses de Portugal, da Europa e do mundo e que são possíveis outros caminhos, mais razoáveis, democráticos e mais do interesse nacional, para a construção de uma Comunidade Europeia, de uma Europa de cooperação e paz.

O relatório, em alguns trechos, denota uma visão histórica menos rica da evolução da humanidade e da própria história e deturpa o pensamento, intenções e propostas de correntes políticas e ideológicas que se opõem ao Tratado de Maastricht.

Em determinadas passagens parece redutora a linguagem e conceitos expressos no relatório, ficando-se com a ideia, nessas passagens, de que os defensores de Maastricht são detentores incontestados de verdades absolutas e de que todos aqueles que apontam e defendem caminhos diferentes para a evolução da Comunidade Económica Europeia são meia dúzia de marginais radicalistas. Esquecem-se, notoriamente, neste relatório, os significados dos resultados dos referendos realizados na Dinamarca, França e Irlanda e os sentimentos dos povos de outros países face ao Tratado, que mostram, claramente, serem praticamente tantos os que são a favor do Tratado como aqueles que se lhes opõem nos 12 países da Comunidade.

É aliás significativo que quer o PSD quer o PS, em Portugal, tenham evitado um debate nacional sobre as implicações, para Portugal e para a Europa, do Tratado e tenham impedido um referendo sobre o mesmo.

1 — Ucifléo Económica e Moraelárie

A União Económica e Monetária (UEM) é a peça fundamental do projecto de Tratado da União Europeia elaborado em Maastricht.

A UEM apresenta-se como uma profunda alteração qualitativa do processo de integração comunitária, com substanciais implicações políticas. Designadamente, o abandono a que se vêem forçados os Estados membros, de importantes instrumentos de política económica e as características marcadamente federais decorrentes do compromisso da moeda única.

É a parür da moedas única que os autores e os defensores do Tratado de Maastricht pretendem arrastar a

uniformização e centralização das políticas económicas e conseguir uma união política de base federal.

De facto, o objectivo da criação de uma moeda única, que substituirá, a prazo, as moedas nacionais dos Estados membros, comporta uma natureza essencialmente política, já que para atingir os objectivos técnico-económicos subjacentes seria suficiente a fixação das paridades das taxas de câmbio entre as várias moedas nacionais.

O que o Tratado de Maastricht pretende evidenciar e «tornar irreversível», com a criação da moeda única, é a natureza federal da União (a «vocação federal» que cfcegmi a constar do texto do projecto de Tratado), pois só uma federação de Estados exige uma moeda única.

Por outro lado, o conteúdo essencial da UEM reporta--se mais a uma união monetária que a uma união económica, apresentando como objectivo último a criação da moeda única.

Significativamente, o próprio relatório do Parlamento Europeu sobre o Tratado lamentava «que a UEM pareça orientar-se exclusivamente pela estabilidade» e apelava «a que os objectivos de crescimento responsável e de um elevado nível de emprego e de protecção social sejam tomados em conta com igual seriedade, embora no Tratado não estejam previstas quaisquer medidas vinculativas específicas nesse sentido».

Tendo em conta que as políticas monetária e cambial únicas terão como «objectivo primordial a manutenção da estabilidade dos preços», ao qual se subordinarão todas as políticas económicas da Comunidade, resulta que o essencial e fundamental da política económica e financeira da União e dos Estados membros será dirigido por uma instituição supranacional (o Banco Central Europeu) politicamente irresponsável perante os parlamentos e os povos dos Estados membros.

Acresce que a coordenação das políticas económicas nacionais, no pouco que ainda lhes restará de autonomia, estará sempre na dependência de maiorias qualificadas, o que significa na dependência da decisão dos países maiores e mais poderosos.

Esta «coordenação», na forma e com os processo definidos em Maastricht, reduz ainda mais a estreita margem de manobra deixada aos países mais pequenos e menos desenvolvidos para definirem e executarem rana política económica que lhes permita um desenvolvimento mais rápido para se poderem aproximar dos níveis de desenvolvimento dos países mais ricos.

E essa centralização a nível supranacional das decisões sobre a política económica (através da definição pelo ECOFTN e pelo Conselho Europeu das orientações gerais de política económica) se faz em prejuízo das competências dos parlamentos nacionais, os quais deixam de ter a possibilidade de fiscalizar e sancionar politicamente os respectivos governos, pois essas decisões são tomadas pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada.

Refira-se ainda que a imposição da passagem à terceira fase da UEM em 1 de Janeiro de 1999, com qualquer número de países, reveste a natureza de um compromisso autoritariamente determinista, que não tem em conta os diferentes níveis de sacrifícios que são exigidos aos Estados membros para naquela data cumprirem os critérios de convergência exigidos (sacrifícios que incidem mais pesadamente sobre os países menos desenvolvidos coso Portugal).

Tal como os critérios de convergência nominal definidos pelo Tratado não têm em conta as especificidades das economias dos Estados membros e as suas vulnerabilidades

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próprias, olvidam ostensivamente as condições reais de crescimento económico, de emprego e de níveis de vida (convergência real).

Acresce que aquele determinismo admite desde já, e pressupõe, a possibilidade de avanço para uma união (desunida) a várias velocidades: por um lado, os países que preencham os requisitos para integrar a terceira fase da UEM e o queiram fazer, por outro, os países que, querendo integrá-la, não reúnam as condições exigidas e num terceiro grupo, os países (como o Reino Unido e a Dinamarca) que não querem integrar a fase final da UEM, que não querem transferir a totalidade das suas soberanias monetária e cambial para instituições supranacionais.

2 — Coesão económica c social

O Tratado de Maastricht coloca entre os objectivos programáticos da União Europeia o do «reforço da coesão económica e social».

No entanto, no seu articulado não se descortinam políticas, medidas e acções que dêem expressão concreta e assegurem esse «reforço».

Pelo contrário!

As orientações da UEM, as políticas únicas, as políticas comuns e as respectivas prioridades são essencialmente determinadas e dominadas pelos aspectos financeiros, escamoteando os profundos desníveis de desenvolvimento económico entre os Estados membros e as grandes diferenças que se verificam em relação às condições de trabalho e aos níveis de vida dos respectivos povos.

O Protocolo Relativo à Coesão Económica e Social apenas se compromete à criação, até 31 de Dezembro de 1993, de um Fundo de Coesão (previsto no próprio Tratado), destinado a «fornecer contribuições financeiras comunitárias para projectos na área do ambiente e das redes transeuropeias» aos quatro países mais pobres da Comunidade (Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha).

No entanto, e para além da restrição das aplicações àquelas duas áreas, não foi assumido qualquer compromisso em relação ao montante dos recursos financeiros que virão a ser afectados ao Fundo de Coesão. Para além disso, nesse Protocolo os Estados membros delimitam-se a meras declarações de intenções, que podem vir a concretizar-se... ou não.

A opinião de que esses «objectivos da Comunidade» não ultrapassam as meras declarações de intenções sem concretização tem vindo a ser reforçada pela facto de os países mais poderosos (designadamente a Alemanha, a França e o Reino Unido) terem já recusado o chamado «II Pacote Delors», que, de forma insuficiente embora, procurava corresponder na prática aos «compromissos» do Tratado de Maastricht para com o «reforço da coesão económica e social».

Também no que respeita à dimensão social da Comunidade pouco se avança no Tratado. Fala-se em UEM e em união política, mas nunca se refere a perspectiva, sequer, de uma união social.

No Protocolo Anexo Relativo à Política Social, que não foi assinado pelo Reino Unido, os Estados membros comprometem-se apenas a adoptar «prescrições mínimas piogtt^wamenie aplicáveis», isto é, o Tratado não perspectiva uma harmonização no progresso, apenas propõe a igualização por baixo e, mesmo assim, sujeita ao veto de um qualquer Estado membro.

3 — Política externa e de segurança contuam

A PESC surge, no seu conjunto, como urna política da Comunidade que, numa via supranacional (federa!) se destina a fomentar a identidade extema da União Europeia como sujeito de direito internacional a substituir-se progressivamente aos Estados membros no âmbito da definição e execução da política externa e de defesa.

A PESC dota-se para o efeito de dois instrumentos poderosos: por um lado, a decisão por maioria e a pressão institucional para ultrapassar dificuldades em caso da exigência de unanimidade e, por outro, a construção de um «braço armado», partindo para já da UEO, unas a que se acrescentam na prática outros passos (de que o mais relevante é a criação do corpo de exército franco-alemão).

A PESC comporta, portanto, transferências de poderes soberanos numa área particularmente marcante da garantia da independência nacional, no quadro de um processo em que novos passos são já anunciados.

Embora seja necessário que previamente o Conselho tenha decidido quais as questões que devem ser objecto de acção comum e quais os procedimentos e objectivos a adoptar, incluindo em que domínios dessa acção comum as decisões são tomadas por maioria, e embora seja exigido que a maioria seja qualificada, o facto é que desta forma se introduz a possibilidade de um determinado número de países impor aos restantes decisões sobre acções comuns de política extema.

Mesmo nos casos em que é exigida unanimidade, a liberdade de os Estados membros manifestarem posições divergentes é fortemente condicionada por uma declaração anexa ao Tratado e onde se afirma que «para as decisões do Conselho (em matéria de política externa e de segurança) que requeiram unanimidade os Estados membros evitarão em toda a medida do possível impedir que haja unanimidade sempre que uma maioria qualificada for favorável à decisão».

Particularmente quanto à política de defesa, para além de ficar assinalado que o objectivo final é a erecção de uma defesa comum, o Tratado fixa que no processo de revisão a iniciar em 1996 é incluída a revisão do âmbito e mecanismos relativos à política de defesa, tendo em vista a promoção daquele objectivo final.

4 — Segurança interna e entrada e estada nas CcsmuEÍdecIes

Invocando publicamente o objectivo da livre circulação de pessoas, todos os dispositivos e mecanismos definidos no Tratado nas «disposições relativas à cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos» (conjugados com outros já existentes ou em fase avançada de concretização) conduzem à estruturação de um processo que materialmente aponta para a existência de uma política comunitária de segurança interna (e de imigração) e para a criação dos respectivos instrumentos de nível comunitário, incluindo polidas e serviços de informações europeus.

O conjunto das disposições e mecanismos consubstancia um processo em que são erigidas instituições supranacionais de natureza policiai e de informações, ao mesmo tempo que várias componentes das politicas de segurança interna, judiciária e de imigração vão sendo progressivamente definidas e aplicadas pelo sistema da maioria qualificada.

Página 481

12 DE DEZEMBRO DE 1992

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Desta forma, os Estados membros perdem poderes soberanos. E, apesar de o Tratado referir (artigo 100.°-C, n.° 5) que a aplicação daquele dispositivo não prejudica o exercício das responsabilidades dos Estados membros na manutenção da ordem pública e na salvaguarda da segurança interna, a verdade é que aquelas políticas não se resumem à «ordem pública». A simples existência de um sistema de informações e uma força policial supranacionais, ou a definição por maioria de políticas como a de vistos e outras relacionadas com nacionais de terceiros países, representa para Portugal a perda de

poderes soberanos que hoje detém e a sua transferência, numa via federal, para órgão e estruturas da Comunidade.

Acresce que, tratando-se de matéria que contende com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a inexistência de mecanismos de controlo, quer judiciário quer parlamentar, toma este universo de medidas na área da segurança interna particularmente perigoso e antidemocrático.

Assembleia da República, 7 de Dezembro de 1992. — O Deputado do PCP, António Murteira.

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DIARIO

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