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II SÉRIE-A — NÚMERO 24

PROPOSTA DE LEI N.9 92/VI AUTORIZA 0 GOVERNO A REVER O CÓDIGO PENAL

Exposição de motivos

1. A tendência cada vez mais universalizante para a afirmação dos direitos do homem como princípio basilar das sociedades modernas, bem como o reforço da dimensão ética do Estado, imprimem à justiça o estatuto de primeiro garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade, com especial destaque para a dignidade da pessoa humana.

Ciente de que ao Estado cumpre construir os mecanismos que garantam a liberdade dos cidadãos, o Programa do Governo para a justiça, no capítulo do combate à criminalidade, elegeu como objectivos fundamentais a segurança dos cidadãos, a prevenção e repressão do crime e a recuperação do delinquente como forma de defesa social.

Um sistema penal moderno e integrado não se esgota naturalmente na legislação penal. Num primeiro plano há que destacar a importância da prevenção criminal nas suas múltiplas vertentes: a operacionalidade e articulação recíproca das forças de segurança e, sobretudo, a eliminação de factores de marginalidade através da promoção da melhoria das condições económicas, sociais e culturais das populações e da criação de mecanismos de integração das minorias.

Paralelamente, o combate à criminalidade não pode deixar de assentar numa investigação rápida e eficaz e numa resposta atempada dos tribunais.

Na verdade, mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma, funcionando, nessa medida, como referência para a comunidade.

Finalmente, a execução da pena revelará a capacidade res-socializadora do sistema com vista a prevenir a prática de novos crimes.

2. Não sendo o único instrumento de combate à criminalidade, o Código Penal deve constituir o repositório dos valores fundamentais da comunidade. As molduras penais mais não são, afinal, do que a tradução dessa hierarquia de valores, onde reside a própria legitimação do direito penal.

O Código Penal de 1982 permanece válido na sua essência. A experiência da sua aplicação ao longo destes 11 anos tem demonstrado, contudo, a necessidade de várias alterações com vista não só a ajustá-lo melhor à realidade mutável do fenómeno criminal, como também aos seus próprios objectivos iniciais, salvaguardando-se toda a filosofia que presidiu à sua elaboração e que permite afirmá-lo como um código de raiz democrática inserido nos parâmetros de um Estado de direito.

Entre os vários propósitos que justificam a revisão destaca-se a necessidade de corrigir o desequilíbrio entre as penas previstas para os crimes contra as pessoas e os crimes contra o património, propondo-se uma substancial agravação para os primeiros. Assume-se ainda a importância de reorganizar o sistema global de penas para a pequena e média criminalidade com vista a permitir, por um lado, um adequado recurso às medidas alternativas às penas curtas de prisão, cujos efeitos criminógenos são pacificamente reconhecidos, e, por outro, concentrar esforços no combate à grande criminalidade.

3. Na parte geral, manteve-se intocada a matéria relativa à construção do conceito de crime (artigos 1." a 39°), devidamente consolidada na doutrina e na jurisprudência, intro-duzindo-se, contudo, alterações significativas no domínio das sanções criminais.

Neste plano, onde se revela a essência do projecto de política criminal, o Código insere-se no movimento de reforma internacional que reconheceu particular impulso na década de 70 e é pacificamente aceite nos países que comungam de um mesmo património político-criminal e nos quais nos inserimos.

Assim, na sequência de recomendações do Conselho da Europa nesse sentido, privilegia-se a aplicação de penas alternativas às penas curtas de prisão, com particular destaque para o trabalho a favor da comunidade e a pena de multa.

Longe de se romper com a nossa tradição, as alterações ora introduzidas pretendem dinamizar o recurso à vasta panóplia de medidas alternativas consagradas, dotando os mecanismos já consagrados de maior eficácia e eliminando algumas limitações intrínsecas, de modo a ultrapassar as resistências que se têm verificado no âmbito da sua aplicação.

A pena de prisão — reacção criminal por excelência — apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção.

Contrariamente ao que sucede noutros países europeus, o Código não consagra nenhum tipo legal de crime sancionado apenas com pena de multa. Na verdade, esta surge sempre em alternativa à pena de prisão. Por outro lado, em normativo algum se impõe de forma absoluta a aplicação de uma ou outra medida: relega-se sempre para o papel concretizador da jurisprudência a eleição de medida — detentiva ou não — que melhor se adeque às particularidades do caso concreto, de acordo com critérios objectivados na própria lei. Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

De destacar, a este propósito, a inovação constante do artigo 40." ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».

Sem pretender invadir um domínio que à doutrina pertence — a questão dogmática do fim das penas — não prescinde o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização de pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa.

Na mesma linha, o artigo 43.° sublinha que a execução da pena de prisão, servindo a defesa de sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Aos magistrados judiciais e do Ministério Público caberá, pois, um papel decisivo na implementação da filosofia que anima o Código, porquanto é no momento da concretização da pena que os desideratos de prevenção geral e especial e de reintegração ganham pleno sentido.

4. Devendo a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, de-