16 DE MARÇO DE 1995
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e formular parecer sobre o projecto de lei n.° 498/VI, apresentado e subscrito por distintos Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
O referido projecto de lei desenvolve-se por dois artigos e, através deles, pretende-se promover o aditamento de uma nova disposição ao Estatuto dos Deputados (Lei
n.° 7/93, de 1 de Março) e alterar a redacção dos seus artigos 20* e 21.°
Na pretensão de tecer algumas considerações sobre o projecto normativo, vamos ajuntá-las, de forma breve, no seguinte
Relatório
Na presente textura política das democracias representativas, parece ser um dado adquirido que os agentes políticos não gozam dos favores e da aceitação generalizada dos cidadãos. No momento em que a democracia enfrenta graves dificuldades nos processos da sua afirmação e os seus protagonistas mais relevantes sofrem uma contestação difusa e vulgarizada, ressalta a preocupação de a travar, apurando das suas razões e analisando a legitimidade dos agentes que estão no cerne da vivencia política. De entre estes, os Deputados são os que mais se distinguem pelas funções que lhes são cometidas, pelos poderes e direitos de que dispõem e pelas responsabilidades que lhes são exigidas. É que, no fenómeno político da «representação», os Deputados desempenham um papel da maior importancia. É esta relevancia que os coloca no centro da polémica que se vem desenhando ao redor das figuras políticas, enrodilhadas na falada «crise» das instituições democráticas representativas.
A própria ciência política, no decorrer da sua história, tem sido consecutivamente contestada pelas ciências jurídicas, pelas ciências económicas, pela moral, pela sociologia. Regularmente é agitado o mito do «fim dos políticos». Sobretudo, no mundo ocidental, que, aliás, tem sido o centro irradiador e fomentador do conceito de democracia pluralista, assiste-se, presentemente, a um descontentamento e a uma insegurança crescentes que têm posto em causa uma das suas mais apreciadas criações: o Estado--providência. Nunca os cidadãos estiveram tão irritáveis e a economia parece que não tem resposta para este tipo de questões. A razão mais funda do problema já não é «uma questão que diga respeito à situação económica dos governados mas à qualificação política das classes dominantes e que se encontram em ascensão». É necessário, com Venner, constatar o «desforço da política». Este «desfo^ ço» é o conflito por excelência, segundo pensamos, e ele ultrapassa o indivíduo na medida em que se projecta para além dele. Nesse «desforço da política» face aos restantes saberes que ao homem respeitam, os Deputados estão no centro dessa terrível conflitualidade para servirem, infeliz e injustamente, como cadinho onde se depositam todas as frustrações, todos os desesperos e bem poucas esperanças.
É neste contexto que se tem constatado um enorme divórcio entre os parlamentos e os povos que os elegem .e donde retiram a sua legitimidade representativa.
Numa visão apressada e angustiada, vários parlamentos têm procurado colmatar essas fissuras e preparar remédios como panaceias que alimentam ilusões mas não resolvem problemas. É que, segundo pensamos, os males de que sofrem as democracias ocidentais não se situam na pessoa dos Deputados ou nos perfis dos parlamentos. As dificuldades experimentadas são muito mais vastas e profundas. Elas situam-se no domínio da exigência do diálo-
go, do conhecimento, da partilha, da consciência das decisões e duma maior capacidade fiscalizadora dos parlamentos.
E se a independência dos Deputados, a sua credibilidade, o seu prestígio e a sua isenção são factores importantes para minorar a gravidade daqueles males, eles não são,
porém, decisivos para os erradicar. Por outro lado, importa salientar que o prestígio das instituições, dos parlamentos, dos órgãos de Estado depende muito mais da liberdade dos Deputados do que das limitações ao exercício do -seu mandato. É na máxima liberdade que poderemos encontrar a maior independência, a maior isenção, a maior credibilidade e o maior prestígio, já que ela impõe e exige a máxima responsabilidade. As limitações e os condicionalismos que enformam o exercício do mandato raramente lhe emprestam algum valor. Pouco òu nada lhe acrescentam que o distingam.
Para além do figurino destas limitações ou condicionalismos, situa-se o sentido da responsabilidade do Deputado, a sua competência, o seu saber, o seu comportamento de homem livre, independente e justo. Penso que é sempre desprimoroso encoletar o mandato do Deputado no âmbito das suspeições, dos medos, das desconfianças. Bem sabemos que o vício, o crime, a injustiça, o aproveitamento oportunista são manchas que envolvem e marcam o género humano. Basta esta natureza para que seja possível a existência de comportamentos que transportam qualquer daqueles desvios. Verificamos, porém, que estes, no nosso contexto, se configuram como casos excepcionais, já que, felizmente, a regra geral é a de comportamentos que muito nos honram. Decerto, outros países há «que fixaram em leis» as limitações e condicionalismos ao exercício do mandato de Deputado e nem por isso se poderá dizer que o respectivo parlamento é um modelo de virtuosos comportamentos. Temos presente o caso de Itália.
Sucede, porém, que, ao arrepio das desataviadas considerações que fizemos, a maior parte dos Estados da Europa Ocidental; que para nós têm uma particular importância, «institucionalizou a exigência da prestação das declarações relativas ao património dos parlamentares e ou as suas actividades, cargos ou funções adicionais, bem como o registo desses interesses. E isto quer por força de diplomas legais específicos quer pela via de decisões ou de regras de conduta adoptadas pelas assembleias parlamentares». A prática, no entanto, tem mostrado que a severidade das sanções não garante, necessariamente, a eficácia das regulamentações nesta matéria.
Os dispositivos instituídos inscrevem-se no quadro mais geral dos esforços de moralização e de melhoramento da transparência da vida pública. Nós sabemos e sentimos que visam, designadamente, revelar e evitar os casos em que os interesses privados são susceptíveis de afectar a acção dos políticos, cujas funções devem ser exercidas no interesse geral. < • ,
A institucionalização das declarações sobre a situação patrimonial e sobre os interesses financeiros exige um registo destes documentos.
O carácter público ou confidencial do conteúdo das declarações registadas constitui um dos aspectos mais polémicos desta matéria. As soluções adoptadas privilegiam quer a confidencialidade (França, Espanha) quer a publicidade (Reino Unido, Países Baixos, Itália) ou consagram um sistema claramente misto (Alemanha).
Para além desta questão, outras se têm levantado, incidindo, sobretudo, nos processos e dimensão daquela publicidade e nos correspondentes aspectos sancionatórios re-