O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0054 | I Série - Número 005 | 27 de Novembro de 1999

 

dos eleitores inscritos no recenseamento". Ora, segundo o mapa oficial n.º 2/98, apenas votaram 31,9% dos eleitores inscritos.
A insensibilidade que o referendo sobre o aborto revela, face a um drama que causa enorme sofrimento e afecta a saúde das mulheres, só se compreende pela hipocrisia e o silenciamento a que as forças mais retrógradas da sociedade se remetem quanto à existência do aborto clandestino.
Quando afinal o que está em causa é uma questão de saúde pública, de dignidade da mulher, do direito à sua sexualidade e a uma maternidade consciente e responsável.
O PCP tem lutado, de forma empenhada e responsável, pela despenalização do aborto em Portugal. Ao mesmo tempo que sempre demonstrou o seu empenho pela tomada de medidas que visem reduzir a sua prática em Portugal, através da garantia de fácil acesso ao planeamento familiar, da gratuitidade dos métodos contraceptivos e da implementação da educação sexual nas escolas. Tem defendido incansavelmente a garantia e o reconhecimento da função social da maternidade, garantia que continua a ser posta em causa quando se limita o acesso ao emprego da mulher que pretenda ser mãe ou, por exemplo, quando se alimenta a discriminação nos salários e nos prémios pelo facto de esta o decidir ser.

II - Um ano após o referendo, que situação?

No dia 26 de Junho passado o fórum promovido pela plataforma "Direito de optar", que congrega 14 organizações, confirmou a dimensão do aborto clandestino e as graves consequências para a saúde das mulheres que abortam fora do meio hospitalar.
A dimensão do problema pode ser avaliada através do número conhecido de mulheres portuguesas que, em seis anos, recorreram às clínicas espanholas Guadiana, em Badajoz, Arcos, em Mérida, e Dartor, em Madrid. Foram 9000 as mulheres portuguesas que a elas recorreram, procurando a garantia da legalidade e dos cuidados médicos necessários.
Mas a estas há que somar os milhares de mulheres que, por dramáticas condições de vida e por fracos recursos financeiros, se viram obrigadas ao aborto clandestino realizado sem condições de saúde, muitas vezes realizado apenas por curiosas.
No mesmo fórum um destacado perito internacional estimou que se realizam em Portugal, por ano, entre 20 a 40 000 abortos clandestinos.
Algumas destas mulheres são adolescentes que nem sequer tiveram informação sobre planeamento familiar.
Todas estas mulheres são vítimas de uma lei penal, geradora de mais danos do que aqueles que visa prevenir, sejam eles doenças do foro psíquico ou físico, geradora mesmo de morte.
A todas estas mulheres é vedada a plenitude do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, direitos humanos esses tais como são consignados por diversos documentos internacionais, nomeadamente a Plataforma de Acção da Conferência Internacional sobre Desenvolvimento e População, realizada no Cairo em 1994, e 4.ª Conferência sobre a Situação Mundial da Mulher, realizada em Beijing em 1995.

III - A situação a nível internacional

Hoje cerca de 62% da população mundial vive em 55 países cuja legislação permite a interrupção voluntária da gravidez simplesmente a pedido da mulher ou por razões sociais e económicas. Cerca de 13% vive em 42 países que permitem a interrupção da gravidez para preservação da saúde física ou psíquica. Cerca de 25% vive em 54 países que apenas permitem o aborto para salvar a vida da mãe.
Respondendo aos apelos das Conferências Internacionais do Cairo e de Beijing, países como a Alemanha, África do Sul, Camboja e Guyana despenalizaram a interrupção da gravidez quando efectuada a pedido da mulher, respectivamente, nas primeiras 14, 12, 14 e oito semanas.
Entretanto outros avanços se conhecem, tendo a EDA (European Drugs Agency) aprovado a venda da RU 486 (pílula abortiva ) em oito países da União Europeia - Alemanha, Grécia, Bélgica, Finlândia (países em que os governos já aprovaram a venda da pílula, como já acontece na França) e, ainda, a Áustria, Dinamarca, Espanha e Holanda (onde se aguarda a aprovação pelos respectivos governos.)
Na União Europeia apenas em quatro países nada se faz para promover a venda da RU 486 - Itália, Irlanda, Luxemburgo e, claro, Portugal.
As adolescentes são um grupo particularmente em risco no que toca à sua saúde reprodutiva. Mais de 14 milhões de adolescentes por ano levam a termo uma gravidez. Uma grande percentagem destas gravidezes são indesejadas e a OMS calcula que 4,4 milhões de abortos por ano são feitos por adolescentes.
Portugal não pode situar-se entre os países que negam à mulher a liberdade de decidir em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, uma liberdade que se encontra no âmago do direito à igualdade, porque a privação daquela liberdade assenta no confinamento da mulher às barreiras biológicas e "à natureza" que alguns pretendem manter e alimentar para, em nome delas, se justificarem discriminações sociais e económicas.

IV - Síntese do projecto de lei

O projecto de lei que apresentamos corresponde, no essencial, aos projectos de lei apresentados na anterior legislatura.
Propomos:
- A exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher para garantir o direito à maternidade consciente e responsável;
- Nos casos de mãe toxicodependente o alargamento do período atrás referido para as 16 semanas;
- A especificação de que, havendo risco de o nascituro vir a ser afectado pelo síndroma de imunodeficiência adquirida, o aborto (eugénico) poderá ser feito até às 24 semanas (situação que já está compreendida na actual lei, mas que convirá explicitar dadas algumas resistências ainda existentes relativamente à aplicação da lei);
- O alargamento de 12 para 16 semanas do prazo dentro do qual a IVG pode ser praticada sem punição, nos casos em que a mesma se mostre indicada para evitar perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou saúde física ou psíquica da mulher grávida. Na verdade, a vida demonstrou, nomeadamente nas doentes submetidas a tratamentos antidepressivos, a necessidade de alargamento do prazo;
- O alargamento para 24 semanas no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica;
- A obrigação de organização dos serviços hospitalares, nomeadamente dos distritais, por forma a que respondam às solicitações de prática da IVG;
- A impossibilidade de obstruir o recurso à IVG através da previsão da obrigação de encaminhar a mulher