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0182 | II Série A - Número 012 | 02 de Novembro de 2001

 

de documentos, mas é omisso quanto à investigação do crime de tráfico de pessoas, crime que se sabe em proliferação no nosso país.
Por outro lado, muitas vítimas, mesmo as de tráfico de pessoas com vista a exploração sexual, são legalmente perseguidas com base no seu estatuto de ilegalidade. Em vez de serem encaradas como vítimas, são encaradas como infractores/as, que violaram as leis de estrangeiros e que devem ser expulsos, sem a mínima protecção. Existe um vazio legal no que diz respeito à protecção da vítima, mesmo no que diz respeito à vítima de tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual.
É fundamental identificar e declarar ilegal os elementos de violência, coacção e engano que o tráfico de pessoas encerra, sendo essencial que, ao fazê-lo, não se coloquem novos obstáculos aos/às imigrantes, que, esses sim, só contribuirão para colocar o/a imigrante nas mãos das redes de imigração clandestina. Deste ponto de vista, quanto menos direitos e menos alternativas tiver a vítima, mais vulnerável fica às redes de tráfico de pessoas. E isto tem de ser tido em conta na actuação das autoridades, o que não acontece. Muitas vítimas deste tipo de tráfico que se encontram em situação de clandestinidade, acabam por ser detidas e expulsas dos países em que se encontram, sem sequer terem direito a apoio social, médico ou jurídico.
Mesmo que estejam convencidas de que o criminoso será condenado, a única certeza que têm é de que serão expulsas, que o investimento inicial terá sido em vão e que voltarão para a mesma situação que motivou a emigração. A sua situação de vulnerabilidade e o seu estatuto irregular impede-as de denunciar a exploração de que são vítimas, testemunhar em processo judicial e exigir algum tipo de reparação relativamente ao crime de que são vítimas.
Tem sido anunciado pelo Governo Português que a actual lei de estrangeiros - o Decreto-Lei n.º 4/2001, de 4 de Janeiro -, inclui uma norma que representaria uma medida de protecção às vítimas deste tipo de crime e de combate ao tráfico de pessoas. De facto, o artigo 87.º do referido diploma, que estabelece as condições nas quais é dispensado o visto para a obtenção de autorização de residência, prevê, na sua alínea f), a dispensa desse visto aos "que colaborem com a justiça na investigação de actividades ilícitas passíveis de procedimento criminal, nomeadamente ao nível da criminalidade organizada", o que, para além de representar um medida avulsa, demonstra ser uma distorção do conceito de protecção da vítima. Na prática, esta medida constitui uma forma de premiar, através da atribuição de autorização de residência, eventuais colaboradores/as da investigação criminal, independentemente do tipo de crime em causa.
A lógica da protecção à vitima é bem diferente da preconizada no referido artigo. O objectivo central deverá ser o de proteger os direitos humanos das vítimas, em particular o direito de decidir sobre si mesmas, o direito à vida e de ver garantida a sua protecção contra todo dano corporal, o que passa por medidas de natureza social e jurídica que permitam criar condições para que a vítima possa recuperar controlo sobre a sua vida. De entre estas medidas destacam-se as seguintes:

a) Criar Gabinetes de Atendimento com linhas SOS, que forneçam informação jurídica e façam o encaminhamento necessário;
b) Providenciar assistência jurídica, com a garantia de todos os direitos e liberdades fundamentais inerentes a todas vítimas de crimes, inclusive o direito de se constituir assistente e parte cível em processo judicial;
c) Garantir possibilidades de indemnização e reparação pelos danos económicos, físicos e psicológicos causados;
d) Assegurar que a vítima possa permanecer no País durante todas as diligências que se relacionem com o facto de ter sido vítima de tráfico ou, se for essa a vontade da vítima, dar possibilidade de acesso a autorização de residência, nos termos da lei;
e) Providenciar a assistência de tradutor competente e qualificado durante todo o processo judicial;
f) Garantir confidencialidade absoluta.

Por outro lado, tendo em conta os poucos dados existentes sobre a dimensão e natureza do tráfico de pessoas em Portugal, torna-se necessária a realização de estudos que permitam compreender este fenómeno nas suas múltiplas dimensões, não só no que diz respeito às rotas utilizadas, aos métodos utilizados, mas também no que diz respeito à reacção da vítima e às respostas institucionais habitualmente usadas.
Num outro plano - o institucional - é importante dotar os serviços para que respondam eficazmente na detecção de vítimas de tráfico de pessoas, no seu correcto atendimento e encaminhamento. Por exemplo, nos casos em que a vítima é sujeita a violência física e recorre aos serviços de saúde, a barreira da língua, o medo de represálias por parte das redes ou de expulsão por parte das autoridades portuguesas, acabam por constituir obstáculos objectivos ao encaminhamento e protecção da vítimas. Num contexto diferente, a realização de rusgas a estabelecimentos de diversão nocturna e, em particular, casas de alterne, poderia ser uma boa oportunidade para detectar situações de tráfico de mulheres e para accionar os mecanismos necessários à protecção das vítimas deste tipo de tráfico. No entanto, a prática das forças policiais tem sido de simplesmente expulsar as estrangeiras ilegais detectadas, mesmo estando em curso o actual processo de legalização.
Neste sentido, são necessárias medidas que mudem a resposta dos serviços públicos que mais contactam com potenciais vítimas de tráfico de pessoas, de forma a que defesa dos direitos humanos e o apoio e protecção da vítima sejam eixos fundamentais a serem tidos em conta na actuação dos técnicos e profissionais envolvidos, especialmente técnicos de saúde e forças policiais.
Propõem-se as seguintes medidas:

- Realização de acções de formação, sobre o tráfico de seres humanos, situação da vítima, formas de atendimento e mecanismos de encaminhamento e protecção, dirigidas a técnicos de saúde, agentes policiais, inspectores de trabalho e técnicos de segurança social;
- Divulgação, no âmbito da administração pública, de brochuras informativas sobre o tráfico de pessoas;
- Criação de uma bolsa nacional de tradutores a serem disponibilizados, sempre que necessário, para prestar apoio em hospitais, centros de segurança social, esquadras de polícia e postos de atendimento do SEF;