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0983 | II Série A - Número 032 | 11 de Outubro de 2002

 

Ora, sabe-se como o Alentejo tem sofrido as consequências de um enorme processo de desvitalização da sua população, designadamente de jovens e dos activos agrícolas. A população activa agrícola do Alentejo situa-se hoje em 13% da população activa total, relação essa que é já inferior à do País (13,5%). E sabe-se que o Alentejo perde hoje, em média, cerca de 10 habitantes por dia, sendo inquestionavelmente enorme o seu índice de envelhecimento.
Alqueva enfrenta estes condicionalismos a que o Estado não pode deixar de dar resposta, sob pena das expectativas e potencialidades do empreendimento poderem ser frustradas. Se não forem tomadas medidas decisivas e sem preconceitos, e se se optar exclusivamente por fazer depender todo o processo do funcionamento do mercado da terra, o que vai obviamente acontecer são novas formas de concentração fundiária, correndo-se seriamente o risco da área beneficiada pelo empreendimento ser alienada, como já o está a ser, a grandes empresários de outras áreas de actividade, como o agro-turismo, ou a multinacionais do sector agro-alimentar, que seguramente optarão por sistemas ultra-intensivos com base em força de trabalho imigrante sobre-explorada com todas as graves consequências de ordem social e ambiental. E, nesse quadro, é uma evidência que as mais-valias decorrentes do investimento público em causa não reverterão para a comunidade mas para os privados que tiveram a sorte de ver as suas áreas beneficiadas por Alqueva.
Impõe-se, por isso, um processo de reestruturação fundiária que, promovendo o acesso à terra daqueles que dela estão despossuídos, é vital para a atracção e fixação das populações e de novos activos combatendo a desertificação e para a criação de empresas agrícolas que permitam um aproveitamento eficiente dos recursos. Nesse sentido opta-se no projecto pelo estabelecimento de um limite de 50 hectares para a propriedade e exploração das áreas abrangidas pelo Perímetro de Rega de Alqueva, dimensão física que permite um aproveitamento óptimo dos recursos e que, do ponto de vista económico, tem plena sustentabilidade, garantindo, de forma diferenciada consoante os sistemas culturais, níveis de rendimento e taxas de remuneração do capital bastante acima dos valores médios do mercado.
Como afirma a Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Évora, num documento de reflexão sobre o empreendimento, "Alqueva vai introduzir um elemento novo - a água - nas condições naturais frequentemente evocadas em defesa da estrutura fundiária existente. Dele, por conseguinte, é legítimo esperar que contribua para a correcção de injustiças antigas, cujos efeitos nefastos chegam até aos nossos dias". E, ainda, "que um novo ordenamento fundiário contribua para a fixação dos jovens e das famílias agricultoras à terra, não prejudicando, antes promovendo, os valores da solidariedade e da coesão social, assegurando a todos o exercício pleno dos direitos de cidadania".
O PCP sempre tem defendido a necessidade de uma profunda reestruturação fundiária no Alentejo. E no que toca especificamente a Alqueva defende que "se impõe uma política agrícola que, nos termos constitucionais, crie condições para a existência de uma estrutura agrícola equilibrada e o aparecimento de uma nova dinâmica social que aproveite e potencialize em benefício da comunidade as verbas do empreendimento", o que "exige a democratização do acesso à terra, na área beneficiada, a pequenos agricultores, rendeiros, seareiros e jovens agricultores".
É com este enquadramento que o PCP apresenta agora o presente projecto de lei que estabelece "Medidas de reestruturação fundiária na área de intervenção do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva".
No respeito e no cumprimento da Constituição, em particular dos seus artigos 81.º, alínea g),93.º e 94.º, e no respeito pelo direito de propriedade, o PCP propõe as seguintes medidas:
- Criação de um banco de terras constituído, entre outros, pelos prédios rústicos expropriados por declaração de utilidade pública e pelos adquiridos pelo Estado;
- Definição de um limite de referência de 50 hectares para a propriedade e exploração das áreas abrangidas pelo Perímetro de Rega de Alqueva;
- Entrega à EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva, SA, sem prejuízo das competências próprias do Governo, das capacidades para desenvolver as diligências inerentes à execução da lei, designadamente a gestão do banco de terras;
- Atribuição à Comissão Consultiva para o Empreendimento de Alqueva de competências para elaborar pareceres e ser obrigatoriamente ouvida na execução do lei.
- Afectação, por concurso público e através de contratos de arrendamento rural, das áreas pertencentes ao banco de terras a jovens agricultores, pequenos agricultores e trabalhadores agrícolas que vivam exclusiva ou predominantemente da agricultura, cooperativas de produção agrícola, residentes na região que queiram iniciar uma actividade agrícola e pequenos agricultores e trabalhadores agrícolas residentes fora da região e que vivam exclusiva ou predominantemente da agricultura;
- Assunção do princípio constitucional da indemnização aos proprietários expropriados nos termos definidos no Código das Expropriações;
- Reconhecimento do direito a todos, proprietários ou rendeiros, de manterem a propriedade ou exploração, no Perímetro de Rega, de uma área suficiente para a viabilidade e racionalidade da sua própria empresa agrícola;
- Definição de princípios para a ocupação mínima do solo;
- Garantia de transmissão da posição contratual do arrendatário, por morte deste, ao cônjuge sobrevivo e a parentes ou afins em linha recta;
- Atribuição ao Governo de, em sede imposto sobre o rendimento e imposto sobre o património, definir os níveis de fiscalidade que incidirão sobre os prédios rústicos abrangidos pelo presente projecto de lei com base num sistema de escalões, progressivo, tendo em conta, designadamente, a dimensão das explorações e a sua contribuição para a criação de emprego.
Assim, e nos termos constitucionais e regimentais, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1º
Âmbito

A presente lei:
1 - Determina a reestruturação fundiária no perímetro de rega do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva