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3078 | II Série A - Número 069 | 13 de Fevereiro de 2003

 

A Europa teve como primeiro instrumento, no plano multilateral, a Convenção do Conselho da Europa sobre Transferência de Condenados de 1983 (ratificada pela totalidade dos Estados-membros da UE e por Portugal em Abril de 1993 - Decreto do Presidente da República n.º 8/93); 10 anos depois foi adoptado texto idêntico pela Organização dos Estados Americanos (assinado em 9 de Junho de 1993). As Nações Unidas aprovaram, aquando do sétimo congresso daquela organização (realizado em 1985, em Milão) para a prevenção do crime e o tratamento dos delinquentes, um "acordo-tipo".
No plano bilateral têm-se multiplicado os acordos entre Estados, sobretudo nos casos de maior proximidade geográfica e/ou cultural. Portugal celebrou em 1998 um acordo com o Reino de Marrocos (ratificado em 6 de Março de 2000 pela Resolução n.º 18/2000) e assinou, depois de algum tempo de negociação, o Tratado que agora apreciamos.

C - Inserção do Tratado nas relações bilaterais Portugal/Brasil

O Tratado insere-se na linha dos instrumentos multilaterais já referidos, fundando-se igualmente nos laços de fraternidade, amizade e cooperação que presidem às relações entre os dois países (preâmbulo).
Na verdade, no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre os dois países de 22 de Abril de 2000 (ratificado pela Resolução n.º 83/2000, de 28 de Setembro de 2000) no sector da justiça refere-se:

"Artigo 64.º
Justiça

1 - As partes contratantes comprometem-se a prestar auxílio mútuo em matéria penal e a combater a produção e o tráfico ilícito de drogas e substâncias psicotrópicas.
2 - Propõem-se também desenvolver a cooperação em matéria de extradição e definir um quadro normativo adequado que permita a transferência de pessoas condenadas para cumprimento de pena no país de origem, bem como alargar acções conjuntas no campo da administração da justiça.
(De notar que na altura já se encontrava praticamente terminadas as negociações para assinatura do Tratado em análise)

O alcance prático do Tratado será certamente considerável, pois é relevante o número de cidadãos das duas nacionalidades, vivendo ou deslocando-se episodicamente ao território do outro Estado e que podem vir a ser beneficiários do regime de transferência.
Por outro lado, as relações económicas e as viagens por elas motivadas e o turismo têm sofrido um enorme acréscimo nos últimos anos.
Ora, o desenvolvimento das relações económicas nas suas várias vertentes gera a necessidade de adoptar instrumentos de cooperação aos mais diversos níveis, não esquecendo a cooperação judiciária. Isso mesmo encontrou tradução no Tratado de Amizade, acima referido.
Não se desconhece também que, sendo a criminalidade ligada aos vários tráficos ilícitos (de droga, de pessoas) aquela que de longe mais condenações transnacionais gera, existem cidadãos de qualquer dos dois países condenados por crimes daquela natureza a cumprir pena no Estado em que foram condenados, sem que, em muitos casos, aí tenham qualquer laço familiar ou outro - em Julho de 2002 encontravam-se nas prisões portuguesas 130 cidadãos brasileiros, e nas prisões brasileiras 47 cidadãos portugueses.

D - Conteúdo do Tratado

O texto do Tratado segue de perto textos idênticos, quer multilaterais quer bilaterais, sobre a matéria.
São observados os princípios fundamentais, tais como o respeito mútuo pela soberania e jurisdição nacionais (artigos 3.º, alínea f), 4.º n.º 4, e 5.º), a reciprocidade, a necessidade do consentimento da pessoa condenada (artigos 3.º, alínea f), 4.º, n.º 3, alínea e), e 6.º), o pressuposto da existência duma sentença condenatória transitada em julgado (artigos 3.º, alínea b), 4.º, n.º 3, alínea b)) e o princípio do non bis in idem (artigo 12.º).
Os trâmites a seguir em Portugal desenvolvem-se nos termos da Lei de Cooperação Judiciária em matéria penal - Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto de 1999.
Segundo essa lei, nos casos de transferência de Portugal (como país da condenação) compete ao Governo, através do Ministério da Justiça, decidir sobre a admissibilidade ou não do pedido, e ao Ministério Público efectuar as diligências posteriores com vista quer à obtenção do consentimento da pessoa, que deve ser obtida perante um juiz do Tribunal da Relação, quer quanto às restantes condições a preencher (artigo 119.º e seguintes da citada lei).
No caso de transferência para Portugal (país de execução) compete igualmente ao Governo a decisão de admissibilidade, a qual deve ser seguida da revisão e confirmação da sentença estrangeira (artigo 122.º e seguintes da citada lei).
São, em especial, de realçar dois aspectos. Em primeiro lugar, o dever que incumbe aos Estados de informar as pessoas condenadas a quem possa aplicar-se o Tratado da sua existência e conteúdo, bem como dos termos em que a transferência se pode efectivar (artigo 4.º, n.º 2) - dever de informação.
Por outro lado, o âmbito de aplicação pessoal vai para além da matriz das convenções multilaterais referidas. Na verdade, podem ser beneficiários da transferência não só os nacionais de qualquer dos Estados, como também aquelas pessoas que tiverem "residência habitual ou vínculo pessoal no território da outra Parte", que justifique a transferência (artigo 3.º, alínea a)).
Aliás, no preâmbulo refere-se esse mesmo âmbito, acrescentando-se que "para o cumprimento dos objectivos do Tratado é importante "(...) que as pessoas nessas situações (residência habitual ou vínculo pessoal) tenham a possibilidade de cumprir a condenação no seu ambiente social de origem".
Aplaude-se este alargamento de âmbito, relativamente ao que é usual em instrumentos deste tipo.
Na verdade, e para os fins que se pretendem assegurar - a criação de melhores condições de reinserção social da pessoa condenada - bem se compreende que não se atenda somente à nacionalidade da outra parte, mas ao meio de inserção do condenado, anterior à condenação, independentemente da nacionalidade.
Em sociedades cada vez mais multiculturais e multiétnicas esta é uma medida que se impõe, não pela