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0012 | II Série A - Número 081 | 28 de Janeiro de 2006

 

Trata-se, em qualquer destes domínios, de dar cumprimento aos imperativos do Estado de direito, assegurando a adequada tutela de quem é lesado pela actuação ilícita das entidades públicas e, do mesmo passo, promovendo a qualidade e a responsabilidade no exercício dos poderes públicos. Neste último sentido se inscreve a transformação do direito de regresso, quando exista, num poder de exercício vinculado.
Antes de mais, opta-se, no presente diploma, por manter a diferenciação que, na ordem jurídica portuguesa, tem sido estabelecida entre actuações administrativas que dão lugar a uma responsabilidade regida por disposições de direito público e actuações administrativas que dão lugar a uma responsabilidade regida por disposições de direito privado, circunscrevendo o âmbito do diploma à definição do regime de direito público da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.
Considera-se, na verdade, que não são qualitativamente idênticas e, por isso, indiferenciáveis as condutas que as entidades públicas desenvolvem como se fossem entidades privadas e aquelas que elas adoptam no exercício de poderes públicos de autoridade ou, em todo o caso, ao abrigo de disposições e princípios de direito público, institutivos de deveres ou restrições especiais, de natureza especificamente administrativa, que não se aplicam à actuação das entidades privadas. E que, dentro dessa perspectiva, ainda permanecem válidas as razões que, historicamente, levaram a associar a esta distinção uma diferenciação de regimes, admitindo que, quando está em causa o exercício de funções públicas, a responsabilidade directa do titular de órgão, funcionário ou agente e o direito de regresso sobre ele apenas devem existir quando tenha havido dolo ou culpa grave da sua parte.
Trata-se, na verdade, de reconhecer que as obrigações funcionais dos agentes públicos podem ser vastas e complexas, o que os pode levar a cometer um maior número de faltas sem culpa grave, e de admitir que a exposição do agente, nestes casos, ao pagamento de indemnizações de montante muito superior aos proventos que a função lhe proporciona pode fazer com que o receio de ser responsabilizado por culpa leve o iniba nas suas iniciativas, prejudicando a serenidade e a independência dos seus juízos.
Opta-se, assim, por delimitar o âmbito material das actuações abrangidas pelo regime de responsabilidade segundo o critério do regime jurídico substantivo ao abrigo do qual elas foram adoptadas.
Num momento histórico de reconhecida e crescente indefinição no que diz respeito à delimitação de conceitos como o de "Administração Pública" ou mesmo de "entidades públicas", não faltando quem neles inclua as pessoas colectivas que, tendo sido criadas segundo formas de instituição regidas pelo direito privado e funcionando fundamentalmente ao abrigo de regras de direito privado, são, no entanto, detidas por entidades públicas, gerem recursos públicos e prosseguem finalidades de interesse público, houve também o propósito de evitar ambiguidades quanto à determinação da extensão em que o presente diploma se aplica a tais entidades, "entidades públicas sob formas privadas". Por este motivo se recorre à clássica contraposição entre "pessoas colectivas de direito público" e "pessoas colectivas de direito privado" para esclarecer que tanto a responsabilidade de umas como a de outras só se rege por este diploma quando resulte de actuações reguladas por disposições e princípios específicos de direito administrativo, segundo o critério material de delimitação que já foi exposto.
Ainda no que se refere à responsabilidade civil da Administração, as principais alterações propostas consistem no já referido alargamento da regra da solidariedade, em conformidade com a Constituição, ao domínio das condutas praticadas com culpa grave; a consagração legal da responsabilidade objectiva da Administração pelo funcionamento anormal dos seus serviços; e a introdução de um regime de presunção de culpa, nos casos em que os danos são causados por actos jurídicos, o que compreende actos administrativos e actos de conteúdo normativo.
Com a introdução desta presunção de culpa, aproxima-se, finalmente, o quadro normativo legislado da prática dos nossos tribunais administrativos, que - em sintonia com a tradição firmada nos países do sul da Europa, com particular destaque para a França, e, por influência desta, no direito comunitário -, já de há muito vinham entendendo que a culpa é inerente à prática de actos jurídicos ilegais por parte da Administração. Do mesmo passo, dá-se, assim, satisfação às exigências impostas pela Directiva n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, a que se veio juntar a Directiva 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, que, embora no domínio específico das consequências da anulação de actos relativos à formação de certo tipo de contratos, se fazem eco da orientação, de matriz francesa, que tem inspirado o Tribunal de Justiça das Comunidades no domínio da responsabilidade por actos administrativos ilegais e que precisamente assenta no entendimento de que a culpa se encontra ínsita na ilegalidade cometida, sem carecer, por isso, de demonstração.
Avança-se, por outro lado, no sentido do alagamento da responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional, fazendo, para o efeito, uma opção arrojada: a de estender ao domínio do funcionamento da administração da justiça o regime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regime próprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam com dolo ou culpa grave, pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes administrativos, incluindo os que prestam serviço na administração da justiça.
No que se refere ao regime do erro judiciário, para além da delimitação genérica do instituto, assente num critério de evidência do erro de direito ou na apreciação dos pressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunais administrativos, numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a