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17 | II Série A - Número: 106 | 26 de Junho de 2010

preveja a alteração do registo do sexo, verificando-se por isso a existência de uma lacuna na lei. Assim, a solução adoptada pelo Tribunal da Relação de Lisboa para integrar essa lacuna tem vindo a ser o recurso à «norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema», tal como previsto no n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil.
Desta forma, o que o Tribunal faz é, para cada caso concreto, decidir de acordo com a norma hipotética que faria sentido existir no ordenamento jurídico português para regular esta questão.
O que o Bloco de Esquerda pretende, no presente projecto de lei, é precisamente positivar esta norma.
Visa-se criar um quadro jurídico detalhado que regule este tipo de situações. Pretende-se, assim, também, conferir uniformidade às decisões, através da aplicação de uma lei geral e abstracta.
O presente projecto de lei acolhe e concorda com muitos dos elementos constantes dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa.
O Registo Civil tem «por finalidade dar publicidade a certos factos que a ordem jurídica considerou serem relevantes para a sã convivência social«, sendo que «a lei erigiu como requisito especial (») a indicação do sexo» (Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 22 de Junho de 2004, Ref. 3607/2004). Este Tribunal considera que «o registo, enquanto forma de dar publicidade a certos factos, deles constando certas características, consideradas relevantes, só tem valor e interesse para a sociedade em geral, sua destinatária principal, se esse mesmo registo estiver conforme à realidade. Se do registo constar algo que não tenha correspondência com a realidade, ele torna-se, em vez de um factor de estabilidade social, um elemento de conflito, porque enganoso» (idem).
Analisando a questão «pela perspectiva da pessoa», o Tribunal conclui que «o que releva socialmente é o seu comportamento, o modo como se vê frente aos outros seres humanos, particularmente no domínio do relacionamento em função do sexo, e da forma como é visto pelos outros» (Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 22 de Junho de 2004, Ref. 3607/2004).
Uma outra referência jurisprudencial importante é o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Novembro de 1993 (Ref. 11989/1993). Citando a doutrina, é referido que «tem de reconhecer-se que o direito à identidade pessoal comporta a identidade sexual, que exige não só o respeito da esfera pessoal e a protecção contra a ingerência de outros, como também a garantia da livre e consciente escolha dessa identidade e, com ela, dado modo de viver em sociedade e na família» (cfr. M. Fortino, Sesso, E.D. XLII, p.
420 e seg. Patti-Will, ob. cit., p. 118/19).
Acrescenta-se ainda que «A República Portuguesa baseia-se na dignidade da pessoa humana e, por isso, reconhece direitos fundamentais, de vocação universal, que se traduzem em direitos subjectivos directamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas; são direitos fundamentais de personalidade constitucionalmente garantidos, os direitos à integridade moral e física, à identidade pessoal, à intimidade da vida privada e familiar, à constituição de família e ao casamento — artigos 1.º, 16.º, 17.º, 18.º, 25.º, 26.º e 36.º da Constituição da República Portuguesa (idem).
O Tribunal vai mais longe e conclui que «Tal como na decisão do Tribunal Constitucional alemão de 11.10.78, (») dir-se-á que aqui não há lacuna iuris dada a presença de princípios constitucionais, donde resulta que o princípio da imutabilidade sexual não é absoluto na ausência de lei expressa que permita superálo». O Tribunal salienta ainda que tais princípios fundamentais estão presentes não só na Constituição da República Portuguesa, mas também nos textos internacionais a que Portugal se encontra vinculado, tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Recentemente, o Comissário Europeu dos Direitos Humanos, Thomas Hammarberg, numa carta dirigida em Novembro de 2009 ao Secretário de Estado português da Justiça, José Magalhães, fez notar a «falta de um procedimento expedito e uniforme para a alteração do nome e do sexo de pessoas transexuais nas certidões de nascimento e documentos de identificação». A situação das pessoas transexuais em Portugal, bem como a ausência de uma resposta legal que permita responder ao mais básico dos direitos, que é a possibilidade de alteração do registo civil, suscita já o alerta e a crítica de vários responsáveis internacionais de organizações de defesa dos direitos humanos.
Por tudo isto, é premente a introdução de mecanismos legais que regulem a alteração do sexo e do nome dos cidadãos, em sede de Registo Civil, à semelhança do que vem acontecendo noutros países. De entre estes salientamos os avanços feitos em Inglaterra e em Espanha, com soluções que vão no mesmo sentido da

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