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19 | II Série A - Número: 165 | 18 de Abril de 2012

consagrados na Constituição e os bens jurídicos dignos de tutela penal não tem de existir uma relação de identidade, mas apenas uma relação de analogia material.
2. Pela mesma ordem de considerações não pode aceitar-se que a incriminação do enriquecimento ilícito, tal como está concebida, represente uma forma de punição indireta de factos ilícitos geradores do enriquecimento e consagre, desse modo, uma presunção de ilicitude relativamente a factos que apenas poderiam ser objeto de perseguição criminal por via do preenchimento de outros tipos legais de crime.
Na verdade, a incriminação resulta, não da presunção de que o agente obteve por via ilícita um património desproporcionado em relação aos seus rendimentos legítimos, mas antes da falta de determinação da origem lícita desse património, correspondendo a uma incriminação que sanciona o enriquecimento por causa desconhecida.
Esta explicitação permite também afastar a alegada violação do princípio in dubio pro reo. A falta de origem lícita determinada, enquanto elemento constitutivo do crime, não implica a existência de dúvida acerca da ilicitude ou licitude da proveniência do património, mas pressupõe unicamente que não tenha sido feita prova (na fase de investigação, para efeitos de ser deduzida uma acusação, ou na fase de julgamento, para efeito de ser proferida uma decisão condenatória) de que o património tem uma origem lícita. Nestes termos, o juiz não poderá deixar de fundar a condenação num juízo de certeza sobre a invocada ausência de proveniência lícita, e, por outro lado, o arguido não está impedido de alegar e provar factos indiciários que coloquem a dúvida sobre a falta de licitude dessa proveniência.
Não está excluído, por conseguinte, que o arguido exerça o seu direito de contraprova sobre os elementos de facto que respeitem aos pressupostos do ilícito penal – bastando que alegue que o acréscimo patrimonial passou a integrar a sua esfera jurídica através de meios legítimos, ainda que não mencionados nas declarações apresentadas para efeitos fiscais – e, em caso de dúvida sobre a verificação dos factos, o juiz está vinculado a resolver em sentido favorável ao réu.
3. Formularia, no entanto, um juízo de inconstitucionalidade, por violação dos direitos de defesa, por considerar que o tipo legal, tal como está construído, impõe ao arguido a iniciativa de alegação e prova em relação a factos que integram os elementos constitutivos do crime, violando o direito ao silêncio em termos que representam uma inversão do ónus da prova.
Ainda que o direito ao silêncio por parte do arguido não seja um direito ilimitado e este não possa invocar ter sido prejudicado pelo exercício desse direito quando tenha prescindido de fornecer a sua versão pessoal dos factos ou de prestar esclarecimentos sobre questões que sejam do seu conhecimento (acórdão do STJ de 18 de junho de 2008, Processo n.º 3227/07), o certo é que, no caso, a ausência de origem lícita determinada corresponde a um elemento do tipo formulado negativamente relativamente ao qual a prova a coligir por parte do Ministério Púbico ou, em sede de julgamento, pelo juiz apenas poderá basear-se na discrepância entre o rendimento declarado e o enriquecimento verificado.
Nesse condicionalismo, o arguido não fica dispensado do ónus da prova, visto que se lhe impõe demonstrar, sob pena de ser penalmente responsabilizado, que o património adquirido tem uma origem lícita determinada, ainda que a sua proveniência não se encontre justificada através dos rendimentos revelados pelas declarações fiscais. Não opera aqui o simples exercício do direito de declaração ou o direito ao silêncio, por parte do arguido, em função de uma estratégia de defesa que vise favorecer a sua posição processual. O silêncio terá sempre uma consequência desvantajosa na medida em que não permite contraditar a prova negativa da origem lícita, o que significa que ao arguido cabe o ónus da prova pela positiva, ou seja, cabe-lhe demonstrar que o património adquirido, ainda discrepante com os rendimentos declarados, tem uma origem lícita. Dito ainda de outro modo: deduzida uma acusação por enriquecimento ilícito, e não dispondo o juiz de outros elementos que possam favorecer o arguido, é a este que incumbe suscitar o estado de dúvida e prestar os esclarecimentos que permitam provar a sua inocência.
Ocorre assim a violação do princípio da presunção da inocência do arguido, na vertente da proibição da inversão do ónus da prova.
Carlos Fernandes Cadilha

Declaração de voto