Página 1
Quinta-feira, 16 de julho de 2015 II Série-A — Número 171
XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)
2.º SUPLEMENTO
S U M Á R I O
Projeto de lei n.º 848/XII (4.ª) (Impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais e proíbe a exibição destes espetáculos na televisão pública):
— Parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, nota técnica elaborada pelos serviços de apoio, e anexo contendo o parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Página 2
II SÉRIE-A — NÚMERO 171 2
PROJETO DE LEI N.º 848/XII (4.ª)
(IMPEDE O APOIO INSTITUCIONAL À REALIZAÇÃO DE ESPETÁCULOS QUE INFLIJAM
SOFRIMENTO FÍSICO OU PSÍQUICO OU PROVOQUEM A MORTE DE ANIMAIS E PROÍBE A EXIBIÇÃO
DESTES ESPETÁCULOS NA TELEVISÃO PÚBLICA)
Parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, nota técnica elaborada pelos
serviços de apoio, e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura
Parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação
ÍNDICE
PARTE I – CONSIDERANDOS
PARTE II – OPINIÃO DA AUTORA DO PARECER
PARTE III – CONCLUSÕES
PARTE IV – ANEXOS
PARTE I – CONSIDERANDOS
1.1 – Nota introdutória
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou, a 1 de abril de 2015, o Projeto de Lei n.º 848/XII
(4.ª) que impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou
provoquem a morte de animais e proíbe a exibição destes espetáculos na televisão pública.
A iniciativa baixou, por despacho de S. Ex.ª a Presidente da Assembleia da República, à Comissão para a
Ética, Cidadania e Comunicação enquanto comissão competente, tendo sido requerida a emissão de parecer
pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura e pela Entidade Reguladora da Comunicação Social. Estes
pareceres foram remetidos a 5 e 20 de maio, respetivamente.
Subscrita por oito deputados, esta iniciativa legislativa reúne os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo
119.º, nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 124.º e no n.º 1 do artigo 123.º do Regimento da Assembleia da
República.
1.2 – Objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
Com a presente iniciativa legislativa, os subscritores pretendem responder ao imperativo de respeito pelos
animais, propondo que nenhum recurso ou apoio público possa contribuir para práticas que utilizam o sofrimento
animal como entretenimento.
Alertam para o facto de o atual enquadramento legal, que exceciona do princípio geral de proibição de
violências injustiçadas contra os animais a realização de touradas, desprestigiar o reconhecimento de que os
animais sencientes são seres capazes de sentir sofrimento.
Alertam ainda para a existência de um conjunto crescente de estudos que demonstram que a exposição
pública de touradas parece causar um impacto emocional negativo em quem assiste, com particular incidência
nos níveis de agressividade e ansiedade das crianças.
Apesar de a legislação nacional ter avançado no sentido da proteção dos animais e da condenação da
violência sobre os animais, nomeadamente com a aprovação, na presente legislatura, da Lei n.º 60/2014, de 29
de agosto que criminaliza os maus tratos aos animais de companhia, os subscritores consideram que ainda há
um percurso a percorrer no que respeita à realização de espetáculos com animais que impliquem o seu
sofrimento físico ou psíquico, considerando que os mesmos não podem ser alvo de apoio institucional.
Para o efeito, os subscritores criam um regime específico, aplicável a todos os espetáculos com fins
comerciais, desportivos, beneméritos ou outros, em que estejam envolvidos animais, que proíbe o apoio
institucional ou a cedência de recursos (diretamente ou através de isenções de taxas), por parte de organismos
Página 3
16 DE JULHO DE 2015 3
públicos, para a realização de espetáculos com animais em que ocorram atos que inflijam sofrimento físico ou
psíquico, lesionem ou provoquem a morte do animal.
Finalmente, proíbem ainda a difusão de espetáculos tauromáquicos no serviço público de televisão e em
qualquer serviço de programas de empresas participadas ou financiadas pelo Estado Português, exceto nos
casos dos programas que incluam excertos de espetáculos tauromáquicos, nomeadamente espaços
informativos, documentários, filmes ou séries televisivas.
1.3 – Antecedentes
A matéria em análise foi já objeto de iniciativas legislativas semelhantes:
– Projeto de Lei 189/XII que impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento
físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais;
– Projeto de Lei 188/XII que proíbe a exibição de espetáculos tauromáquicos na televisão pública e altera a
lei da televisão, designando estes espetáculos como suscetíveis de influírem negativamente na formação da
personalidade de crianças e adolescentes
Foram ainda tramitadas diversas petições cujo objeto se encontra conexo com a presente iniciativa, a saber:
Petição n.º 2/XII – Solicita o fim das corridas de touros em Portugal
Petição n.º 580/X – Solicitam que não sejam promovidas nem apoiadas touradas à corda nas ilhas onde
tal prática não é tradição e que não sejam legalizadas as corridas picadas nem os touros de morte na Região
Autónoma dos Açores.
Petição n.º 95/X – Solicita a abolição das touradas
Petição n.º 18/X – Proibição de Bandarilhas nas touradas
1.4 – Parecer da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC)
Em função do pedido de parecer remetido pela Comissão, o Conselho Reguladores deliberou emitir parecer
desfavorável à iniciativa legislativa aqui em apreço.
Esta decisão fundamenta-se essencialmente nos seguintes considerandos:
– As orientações expressas na iniciativa legislativa colidem com o entendimento já emanado pelo Conselho
Regulador nas Deliberações n.º 13/CONT-TV/2008, de 3 de setembro e 37/CONT-TV/2010, de 15 de setembro;
– Os espetáculos tauromáquicos, sobretudo as corridas de toiros à portuguesa, constituem uma parte
integrante da herança cultural portuguesa, que o Estado tem a incumbência de promover e proteger [alíneas a)
e e) do artigo 9.º, n.º 1 do artigo 42.º, n.os 1 e 3 do artigo 73.º e n.os 1 e 2 do artigo 78.º da CRP];
– Os espetáculos tauromáquicos não são sequer suscetíveis de influir negativamente na formação da
personalidade das crianças e de adolescentes, não estando abrangidos pelos n.os 3 e 4 do artigo 27.º da Lei da
Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido, não existindo quaisquer impedimentos legais à sua
transmissão;
– A existência de impedimentos legais representaria uma compressão injustificada da liberdade de
programação dos operadores objeto de apoios públicos.
PARTE II – OPINIÃO DA DEPUTADA AUTORA DO PARECER
O relator do presente Parecer reserva a sua opinião para o debate em plenário da proposta em apreço, a
qual é, de resto, de “elaboração facultativa” conforme o disposto no n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da
Assembleia da República.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. A 1 de abril de 2015 o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n.º 848/XII
que impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou
provoquem a morte de animais e proíbe a exibição destes espetáculos na televisão pública;
Página 4
II SÉRIE-A — NÚMERO 171 4
2. O Projeto de Lei em apreço institui um regime de proibição de apoios públicos a espetáculos que envolvam
a prática de atos que inflijam sofrimento físico ou psíquico, lesionem ou provoquem a morte do animal e proíbe
a difusão de espetáculos tauromáquicos no serviço público de televisão e em qualquer serviço de programas de
empresas participadas ou financiadas pelo Estado Português
3. Sem prejuízo de uma eventual análise mais detalhada do projeto em sede de trabalhos na especialidade,
quanto à articulação das alterações propostas com outros atos normativos em vigor ou quanto à adequação de
algumas soluções substantivas, a presente iniciativa não suscita questões de inconstitucionalidade, nem viola
quaisquer disposições regimentais que impeçam o seu agendamento para discussão e votação na generalidade.
Face ao exposto, a Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação é de parecer que o Projeto
de Lei n.º 848/XII (4.ª) (BE) reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e votado
em plenário.
Palácio de S. Bento, 15 de julho de 2015.
A Deputada Relatora, Inês de Medeiro — O Presidente da Comissão, Pedro Lynce.
Nota: O parecer foi aprovado com os votos a favor do PS, do PCP, a abstenção do PSD e do CDS-PP,
verificando-se a ausência do BE.
Nota Técnica
Projeto de lei n.º 848/XII (4.ª) (BE)
Impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico
ou provoquem a morte de animais e proíbe a exibição destes espetáculos na televisão pública
Data de admissão: 02-04-2015
Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação (12.ª)
Índice
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da
lei formulário
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
V. Consultas e contributos
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Elaborada por: Maria Mesquitela (DAC) — Lurdes Sauane (DAPLEN) — Leonor Calvão Borges (DILP)
Data: 24-04-2015
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
O projeto de lei em análise visa impedir o apoio institucional ou a cedência de recursos públicos à realização
de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais e proibir a sua
transmissão e promoção na televisão pública, uma vez que o Estado não deve contribuir para a promoção deste
tipo de práticas.
Página 5
16 DE JULHO DE 2015 5
Entendem os proponentes ser hoje ampla e inquestionavelmente reconhecido pela ciência que os animais
sencientes são seres capazes de sentir prazer ou sofrimento e que os espetáculos que na sua preparação ou
realização incluam atos de violência física ou psicológica relativamente a animais implicam, necessariamente, a
imposição de sofrimento aos mesmos.
No texto em análise são ainda indicados como exemplos o caso do Conselho Nacional de Radiodifusão do
Equador, que em 2008 proibiu a emissão de touradas em horário diurno, e o da TVE, em Espanha, onde foi
proibida a transmissão de touradas por estas mostrarem «violência com animais» e como forma de «poupar as
crianças ao conteúdo que considerava violento».
Tendo em vista as finalidades supra expostas, o projeto de lei é constituído por 5 artigos:
O artigo 1.º define o seu objeto, que é o de condicionar o apoio institucional ou a cedência de recursos
públicos para a realização de espetáculos com animais à não existência de atos que inflijam sofrimento físico
ou psíquico, lesionem ou provoquem a morte do animal;
O artigo 2.º determina ser o mesmo aplicável a todos os espetáculos com fins comerciais, desportivos,
beneméritos ou outros em que estejam envolvidos animais;
O artigo 3.º proíbe o apoio o apoio institucional ou a cedência de recursos, diretamente ou através de
isenções de taxas, por parte de organismos públicos para a realização de espetáculos com animais em que
ocorram atos que inflijam sofrimento físico ou psíquico, lesionem ou provoquem a morte do animal;
O artigo 4.º proíbe a exibição deste tipo de espetáculos na televisão pública;
E, por fim, o artigo 5.º estabelece a entrada em vigor do diploma no dia seguinte ao da sua publicação.
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
O projeto de lei n.º 848/XII (4.ª), do BE1, que visa «Impedir o apoio institucional à realização de espetáculos
que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais e proíbe a exibição destes
espetáculos na televisão pública», é subscrito por oito Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,
nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo
4.º e do artigo 118.º do Regimento.
Esta iniciativa apresenta a forma de projeto de lei com cinco artigos, tem uma designação que traduz
sinteticamente o seu objeto principal e é precedida de uma exposição de motivos, cumprindo assim os requisitos
formais dos projetos de lei previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.
Não infringe a Constituição ou os seus princípios, define concretamente o sentido das modificações a
introduzir na ordem legislativa e não envolve no ano económico em curso aumento das despesas ou diminuição
das receitas do Estado previstas no Orçamento, pelo que respeita os limites que condicionam a admissão das
iniciativas previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 120.º do Regimento.
Este projeto de lei deu entrada em 1 de abril de 2015 e foi admitido e anunciado em 2 de abril de 2015,
baixando, na generalidade, à Comissão para a Ética a Cidadania e a Comunicação Social (12.ª), em conexão
com a Comissão de Educação, Ciência e Cultura (8.ª).
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, adiante
identificada por lei formulário, estabelece regras a observar no âmbito da publicação, identificação e formulário
dos diplomas, que são relevantes e que cumpre referir.
A iniciativa em apreço apresenta um título que traduz sinteticamente o seu objeto, observando o disposto no
n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário.
1 Esta iniciativa é uma retoma do projeto de lei n.º 189/XII (1.ª) (BE) – Impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais –, discutido conjuntamente, na generalidade, com o projeto de lei n.º 188/XII (1.ª) (BE) - Proíbe a exibição de espetáculos tauromáquicos na televisão pública e altera a lei da televisão, designando estes espetáculos como suscetíveis de influírem negativamente na formação da personalidade de crianças e adolescentes –, o projeto de lei n.º 265/XII (1.ª) (PEV) – Assume as touradas como espetáculo ilícito e impõe limites à sua emissão televisiva – e a petição n.º 2/XII (1.ª) – Solicita o fim das corridas de touros em Portugal –, todos rejeitados em 6 de julho de 2012.
Página 6
II SÉRIE-A — NÚMERO 171 6
A exposição de motivos desta iniciativa cita as Leis n.º 92/95, de 12 de setembro, sobre a «Proteção dos
animais», e n.º 69/2014,de 29 de agosto,2-3- «Procede à trigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, criminalizando os maus tratos a animais de companhia, e à
segunda alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, sobre proteção aos animais, alargando os direitos das
associações zoófilas», como enquadramento do projeto de lei, embora não proceda a qualquer alteração desta
legislação.
O artigo 5.º do projeto de lei prevê a entrada em vigor do diploma «no dia seguinte ao da sua publicação»,
cumprindo o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê que os atos legislativos «entram em vigor
no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
Portugal não reconhece aos animais, no seu texto constitucional, quaisquer direitos, colocando-os, no Código
Civil, na categoria de coisas.
Contudo, a aprovação da Lei n.º 92/95 de 12 de setembro (Proteção aos animais), com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 19/2002, de 31 de julho [«Primeiras alterações à Lei n.º 12-B/2000, de 8 de julho (Proíbe
como contraordenação os espetáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses nele lidadas e
revoga o Decreto n.º 15355, de 14 de abril de 1928), e à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro)] constitui-se como o
primeiro grande marco na proteção do bem-estar animal, introduzindo princípios fundamentais, nomeadamente:
O primeiro artigo da lei impõe deveres negativos (n.º 1), especialmente o dever de abster-se de infligir
violência injustificada sobre animais não-humanos, depois especificados numa enumeração de proibições (n.º
3) e, em seguida, o dever de ajudar animais feridos em perigo, ou animais doentes (n.º 2);
A lei enuncia ainda aspetos processuais e burocráticos: licenciamento do comércio de animais de
companhia (artigo 2.º), licenciamento dos circos e touradas (artigo 3.º), ações relativas aos animais de rua (artigo
5.º), a esterilização de animais de estimação (artigo 6.º) e acesso de animais de estimação aos transportes
públicos (artigo 7.º), remetendo o artigo 9.º para «as sanções para a violação desta lei», objeto de lei especial,
uma lei que nunca se materializou4.
Apesar disso, esta lei tornou-se uma pedra angular da alavanca judicial relativa ao bem-estar animal e à
defesa dos direitos dos animais. Na verdade, a legitimidade das associações zoófilas «para exigir a todas as
autoridades e tribunais a adoção de medidas preventivas e urgentes que são necessárias e adequadas para
evitar violações em curso ou iminentes» (artigo 10.º) veio abrir um novo campo de possibilidades, principalmente
o caminho para o ativismo judicial na afirmação dos direitos dos animais.
E, de facto, essa possibilidade foi amiúde aproveitada, atingindo um caso que se tornaria célebre – o
problema do tiro aos pombos. Estando prevista a realização de um concurso de tiro aos pombos para os dias
27 e 28 de fevereiro de 1999, foi solicitada uma providência cautelar para que tal prova não se realizasse no
sentido de evitar a morte ou ferimento de animais.
No entanto, um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de outubro de 2002, considerou que as mortes
infligidas aos pombos no exercício de tal prática desportiva encontram justificação e necessidade, sendo por
isso legais e sendo esta uma modalidade desportiva com apreciável tradição no nosso país5. Esta interpretação
motivou a indignação de inúmeras associações de proteção dos animais.
Posteriormente, com a aprovação da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto — Procede à trigésima terceira
alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, criminalizando os maus
2 Por lapso, na exposição de motivos faz-se referência à Lei n.º 60/2014, de 29 de agosto, que «criminaliza os maus tratos aos animais de companhia», quando a referência correta seria à Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto. 3 Os trabalhos preparatórios tiveram origem nos projetos de lei n.ºs 474/XII (3.ª) (PS) - Aprova o regime sancionatório aplicável aos maus-tratos contra animais e alarga os direitos das associações zoófilas, procedendo à 2.ª alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, e 475/XII (3.ª) (PSD) -Altera o Código Penal, criminalizando os maus tratos a animais de companhia. 4 Entre a proposta original (projeto de lei n.º 530/VI) e o texto aprovado, houve, de resto, amplo debate sobre a matéria. 5 Este caso motivou a redação de um artigo do Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, «A prática de Tiro aos Pombos, a Nova Lei de Proteção dos Animais e a Constituição Portuguesa», in Revista Jurídica do Urbanismo e Ambiente, n.º 13 (2000).
Página 7
16 DE JULHO DE 2015 7
tratos a animais de companhia, e à segunda alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, sobre proteção aos
animais, alargando os direitos das associações zoófilas — passaram a estar previstos no Código Penal os crimes
contra animais de companhia tipificados como maus tratos (artigo 387.º) ou abandono (artigo 388.º), deixando
de fora os «factos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou
agroindustrial», assim como os «factos relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo
comercial ou outros fins legalmente previstos», conforme disposto no n.º 2 do artigo 389.º.
O diploma prevê ainda a possibilidade de as associações zoófilas legalmente constituídas poderem requerer
às autoridades competentes «as medidas preventivas e urgentes necessárias e adequadas para evitar violações
em curso ou iminentes» (artigo 9.º), bem como constituírem-se assistentes em todos os processos originados
ou relacionados com a violação do espírito da lei, ficando dispensados de pagamento de custas e taxa de justiça
(artigo 10.º).
No caso específico da tourada, a morte do touro no decurso do espetáculo tauromáquico é já proibida através
da Lei n.º 12-B/2000, de 8 de julho, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23 de agosto («Define o
regime contraordenacional aplicável à realização de espetáculos tauromáquicos com touros de morte»), e
alterada pela Lei n.º 19/2002, de 31 de julho [«Primeiras alterações à Lei n.º 12-B/2000, de 8 de julho (Proíbe
como contraordenação os espetáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses nele lidadas e
revoga o Decreto n.º 15355, de 14 de abril de 1928), e à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro (Proteção aos
animais)].
Quanto à sua transmissão televisiva, recorde-se que a 30 de maio de 2008 a 1.ª Secção da 12.ª Vara Cível
de Lisboa deu provimento a uma providência cautelar interposta pela Associação ANIMAL, proibindo a
transmissão pela RTP da 44.ª Corrida TV fora do período compreendido entre as 22h30m e as 06h00m, e sem
a difusão permanente de um identificativo visual apropriado indicando a violência e inadequação do programa
televisivo, nos termos do previsto no n.º 4 do artigo 27.º da Lei n.º 27/2007, de 30 de julho (Lei da Televisão).
Posteriormente, uma participação dos cidadãos Nuno Costa, Susana Sá e Ana Margarida Conceição Silva
contra a exibição de espetáculos tauromáquicos nos serviços de programas de sinal aberto (RTP, SIC e TVI),
motivou a Deliberação 37/CONT-TV/2010, do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a
Comunicação Social, cujo teor foi o de «considerar improcedentes as queixas que lhe foram submetidas, uma
vez que as corridas de toiros à portuguesa não constituem, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 27.º da
LTV, programas suscetíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade das crianças ou de
adolescentes».
Em Portugal algumas autarquias já se declararam antitourada, não permitindo sequer a realização de
espetáculos tauromáquicos na sua jurisdição.
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes países da União Europeia: Espanha e França.
ESPANHA
Em Espanha a responsabilidade em matéria de proteção, conservação e saúde dos animais está repartida
entre diversos organismos de vários Ministérios. Embora exista legislação estatal sobre o assunto, todas as
comunidades autonómas possuem diplomas sobre a proteção animal.
Na última atualização do Código Penal, nomeadamente no seu Capítulo IV, são elevados à categoria de
delito os maus tratos infligidos a animais (artigos 332 a 337), sejam eles de companhia ou «amansados» ou de
espécias ameaçadas, prevendo especificamente danos por tráfico, destruição de habitats, caça ou maus tratos
generalizados.
A proteção dos animais em algumas das comunidades autónomas encontra-se regulamentada pelos
seguintes diplomas:
Andalucía - Ley 11/2003, de 24 de noviembre, de Protección de los Animales;
Canarias - Ley 8/1991, de 30 de abril, de protección de los animales;
Cantabria - Ley 3/1992, de 18 de marzo, de protección de los animales;
Castilla Y León - Ley 5/1997, de 24 de abril, de protección de los animales de compañía;
Página 8
II SÉRIE-A — NÚMERO 171 8
Comunidad de Madrid - Ley 1/2000, de 11 de febrero, de modificación de la Ley 1/1990, de 1 de febrero,
de Protección de Animales Domésticos;
Extremadura - Ley 5/2002, de 23 de mayo, de Protección de los Animales en la Comunidad Autónoma de
Extremadura;
País Vasco - Ley 6/1993, de 29 de octubre, de Protección de los Animales;
Principado de Asturias - Ley 13/2002, de 23 de diciembre, de tenencia, protección y derechos de los
animales;
LA RIOJA. Ley 2/2000, de 31 de mayo, de modificación de la Ley 5/1995, de 22 de marzo, de Protección
de los Animales.
Com a aprovação do Decreto Legislativo 2/2008, de 15 de abril, por el que se aprueba el Texto refundido de
la Ley de protección de los animales, determina-se, no artigo 6.º, a proibição de lutas de animais em
atividades públicas, nele incluídas as matanças públicas de animais (alínea c), ocorrendo uma única
exceção (6.2) para as corridas de touros sem morte do animal (correbous), nas datas e localidades onde
tradicionalmente se festejam.
Sendo proibidos os espetáculos com morte do animal, não há, naturalmente, lugar a qualquer apoio
institucional público ou privado.
Contudo, existem diplomas reguladores das festas tradicionais com touros, bem assim como considerando
o seu interesse cultural, como sejam:
Catalunha - Ley 34/2010, de 1 de octubre, de regulación de las fiestas tradicionales con toros;
Comunidade Valenciana - Decreto 6/2011, de 4 de febrero, del Consell, por el que se declara Bien de
Interés Cultural Inmaterial la Entrada de Toros y Caballos de Segorbe;
Região de Múrcia. Decreto 25/2011, de 25 de febrero, por el que se declara Bien de Interés Cultural
Inmaterial la Fiesta de los Toros en la Región de Murcia;
Andalucia - Resolución de 9 de diciembre de 2005, de la Secretaría General de Turismo, por la que se
concede el título de Fiesta de Interés Turístico Internacional a la Entrada de Toros y Caballos de Segorbe.
Nestes diplomas, para além da lista exaustiva das localidades e datas de festejos, proíbe-se rigorosamente
a morte dos animais.
O Parlamento Catalão disponibiliza um dossiê de informação sobre esta matéria aqui.
Apesar de ser um país com forte tradição tauromáquica, a sua televisão pública (TVE) decidiu, em 2006, não
passar corridas de touros, tendo mesmo aprovado em 2008 o seu Manual de Estilo, em que incluía, no seu
ponto 5.9 – Violência com animais, uma referência às corridas de touros, determinando assim que, apesar da
importância da tauromaquia, não emitiria corridas de touro no horário considerado protegido para a infância.
Contudo, a imprensa periódica denunciou, a 17 de fevereiro de 2012, a aprovação da uma modificação do
Manual de Estilo da TVE, em que foi retirada a menção aos touros.
A aprovação da Ley 7/2010, de 31 de marzo, General de la Comunicación Audiovisual, determina, no seu
artigo 7.º - direitos do menor, a proibição de conteúdos prejudiciais para o desenvolvimento físico, mental
ou moral das crianças, entre as 6h e as 22h, tornando obrigatória essa questão.
Contudo, estas disposições foram contestadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular, que apresentou
no mesmo ano duas proposición no de Ley, nomeadamente:
Proposición no de Ley relativa al fomento de la fiesta de los toros a través de radio y televisión.
(apresentado a 15 de novembro e rejeitado a 2 de dezembro de 2010);
Proposición no de Ley sobre la realización de una serie documental sobre las Fiestas Declaradas de
Interés Turístico Internacional en España. (apresentado a 15 de novembro e aprovado a 2 de dezembro de
2010).
Duas regiões autonómicas espanholas aprovaram já legislação abolindo as touradas e/ou a sua transmissão
na televisão, a saber:
Página 9
16 DE JULHO DE 2015 9
O Parlamento das Canárias aboliu, a 30 de abril de 1991, as corridas de touro, através da Ley 8/1991, de 30
de abril, de protección de los animales,6 que determina, no seu artigo 5.º, a proibição de utilização de animais
em festas e espetáculos que promovam maus tratos, crueldade e sofrimento. De igual forma, o artigo 7.º
determina que a filmagem para cinema ou televisão de cenas de crueldade, maus tratos e sofrimento de animais
requer comunicação prévia ao órgão competente da Administração Autonómica para efeitos de verificação de
que o dano causado no animal seja simulado.
Em Dezembro de 2009 o Parlamento Catalão iniciou a discussão de uma iniciativa legislativa popular para
abolição das touradas na Catalunha. Essa iniciativa foi aprovada a 28 de junho de 2010, pela Lei 28/2010, del 3
d’agost, de modificació de l’article 6 del text refós de la Llei de protecció dels animals, aprovat pel Decret legislatiu
2/2008, que determina a abolição das touradas em território Catalão a partir de 1 de janeiro de 2012.
FRANÇA
O Código Civil francês também faz uma distinção clara entre animais e objetos (artigos 524.º e 528.º).
A proteção legal relativa a animais encontra-se dispersa no Código Penal, Código Rural, Código Civil (já
referenciado), Código da Saúde Pública, Código das Coletividades e Código da Estrada, a saber:
Penas contra a crueldade em animais, Código Penal art. 511-1, 521-1, R. 511-1 e R.653.1;
Circulação de animais, Código da Estrada, art. R.412-44;
Controlo sanitário, Código Rural, art. L. 223-1, art. L. 232-21;
Disposições relativas a animais perigosos, Código Rural, Art. L. 211-11 et s. et R. 211-4 ets.;
Proteção de animais, Código Rural, Art. L214-6.
O Conseil supérieur de l'audiovisuel (CSA), criado pela Loi n.° 89-25, du 17 janvier 1989, que modificou a Loi
n.° 86-1067, du 30 septembre 1986, relativa à liberdade de comunicação, é uma autoridade administrativa
independente. O CSA tem responsabilidades a diferentes níveis, nomeadamente a proteção de menores, o
respeito pela expressão pluralista das várias correntes de opinião, a organização de campanhas eleitorais na
rádio e na televisão, o rigor no processamento de informações, a atribuição de frequências para as operadoras,
o respeito pela dignidade humana e a defesa do consumidor.
No documento disponibilizado no siteLa Lettre du CSA n.° 220, o CSA pronuncia-se sobre o mau tratamento
dos animais na televisão, em particular a exibição dos espetáculos tauromáquicos na televisão pública: «(…) A
tauromaquia é o tema mais correntemente abordado. Esta prática suscita sempre um debate apaixonado. O
Conselho nunca se opôs à difusão de corridas na televisão, tendo consciência da necessidade de enquadrar
essas emissões. Embora a tourada seja uma prática cultural ancestral em certas regiões de França, pode
proporcionar a difusão de imagens violentas suscetíveis de ferir a sensibilidade dos telespectadores. Como
satisfazer uns protegendo os outros? O Conselho respondeu a esta questão pedindo aos canais para utilizar a
“sinalética juventude”, a fim de alertar o público que esses programas podem conter cenas chocantes, impondo
uma regra aquando da transmissão de touradas, a difusão da sinalética de Categoria II “desaconselhado a
menores de 10 anos”».
Outros países
EQUADOR
Embora a tauromaquia seja legal no Equador, desde 2008 que a sua televisão pública não transmite corridas
de touros no período entre as 6h e as 21h, por decisão do órgão regulador, à data CONARTEL (Consejo Nacional
de Radiodifusión y Televisión de Ecuador), hoje designado por ARCOTEL (Agencia de Regulación y Control de
las Telecomunicaciones). Esta decisão baseou-se nos artigos 44.º, 49.º e 58.º da Ley de telecomunicaciones7,
que proíbem a transmissão de programação que mostre crueldade e violência.
6 Com origem numa iniciativa legislativa popular 7 Não foi encontrado o texto do diploma on-line
Página 10
II SÉRIE-A — NÚMERO 171 10
Em dezembro de 2010 o Presidente do Equador convocou um referendo sobre as corridas de touros, cuja
pergunta n.º 8 era:
¿Está usted de acuerdo que en el cantón de su domicilio se prohíban los espectáculos que tengan como
finalidad dar muerte al animal?
Realizado a 7 de maio de 2011, o escrutínio aprovou a proibição de realização de espetáculos que
provoquem a morte de animais, nele incluindo as touradas.
PERU
Também neste país com implantação taurina, a Ley n.º 27265, de 8 de mayo de 2000, Ley de protección a
los animales domésticos y a los animales silvestres mantenidos en cautiverio,é ambígua na penalização contra
pessoas que atentem contra a vida dos animais, a qual, na sua tercera disposición final y transitória, excetuava
do seu âmbito de aplicação as corridas de touros, lutas de galos e ademais espetáculos declarados culturais
pelas autoridades competentes.
Em maio de 2012 foi apresentada uma iniciativa legislativa cidadã, o proyecto de ley n.º 1454/2012-IC,
publicado no dia 14 de setembro no diário oficial El Peruano, com o objetivo de proibir os maus tratos e sacrifícios
de animais em espetáculos públicos ou privados. O projeto, criado pela ALCO, Animales Libres de Crueldad y
Opresión, foi apreciado em sessão da Comissão Agrária de 25 de junho de 2013, tendo, a pedido do
Congressista Yehude Simon, transitado para a próxima legislatura, para que se iniciasse um debate amplo, já
que previa a abolição das touradas e das lutas de galos, mas ainda não apreciado. Contudo, já em 2014, foi
aprovado o proyecto de ley n.º 3573/2013-IC, que alterou a redação da tercera disposición final y transitória da
Ley n.º 27265, de 8 de mayo de 2000, estipulando a exceção do seu âmbito de aplicação das corridas de touros,
lutas de galos e ademais espetáculos declarados culturais pelas autoridades competentes sempre que neles
não se submeta a tortura, maus tratos ou sacrifícios dos animais.
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
A pesquisa efetuada na base de dados da Atividade Parlamentar (AP) revelou a existência das seguintes
petições pendentes, cuja matéria é conexa:
Petição n.º 193/XII (2.ª) (Patrícia Maria Coelho Torneiro) — Contra os abates e más condições nos canis
municipais, pelo direito dos animais;
Petição n.º 277/XII (2.ª) (Fernando Manuel Duarte Gomes) — Apelam ao cumprimento da Lei n.º 92/95, de
12 de setembro, que estabelece medidas de proteção dos animais, proibindo todas as violências injustificadas
contra os mesmos;
Petição n.º 485/XII (4.ª) (Mónica Elisabete de Ascensão Nunes de Andrade) — Solicitam a alteração da Lei
n.º 69/2014, de 29 de agosto, que promove a proteção dos animais.
_______________________________________ 2-Por lapso, na exposição de motivos faz-se referência à Lei n.º 60/2014, de 29 de agosto, que «Criminaliza
os maus tratos aos animais de companhia», quando a referência correta seria à Lei n.º 69/2014, de 29 de
agosto.
3-Os trabalhos preparatórios tiveram origem nos projetos de lei n.ºs 474/XII (3.ª) (PS) — Aprova o regime
sancionatório aplicável aos maus-tratos contra animais e alarga os direitos das associações zoófilas,
procedendo à 2.ª alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro —, e 475/XII (3.ª) (PSD) — Altera o Código Penal,
criminalizando os maus tratos a animais de companhia.
Página 11
16 DE JULHO DE 2015 11
V. Consultas e contributos
Nos termos e para os efeitos previstos no artigo 25.º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005,
de 8 de novembro, o projeto de lei em apreciação foi, por ofício do Senhor Presidente da Comissão para a Ética,
a Cidadania e a Comunicação, remetido à Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face dos elementos disponíveis, não é possível avaliar eventuais encargos da aprovação da presente
iniciativa.
Anexo
Parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura
ÍNDICE
PARTE I – CONSIDERANDOS
PARTE II – OPINIÃO DA AUTORA DO PARECER
PARTE III – CONCLUSÕES
PARTE IV – ANEXOS
PARTE I – CONSIDERANDOS
1.1 - Nota introdutória
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou, a 1 de abril de 2015, o Projeto de Lei n.º 848/XII
(4.ª) que impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou
provoquem a morte de animais e proíbe a exibição destes espetáculos na televisão pública.
A iniciativa baixou, por despacho de S. Ex.ª a Presidente da Assembleia da República, à Comissão para a
Ética, Cidadania e Comunicação enquanto comissão competente, tendo sido requerida a emissão de parecer
pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, face à conexão com a temática em discussão.
Subscrita por oito Deputados, esta iniciativa legislativa reúne os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo
119.º, nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 124.º e n.º 1 do artigo 123.º do Regimento da Assembleia da
República.
1.2 - Objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
Com a presente iniciativa legislativa, os subscritores pretendem responder ao imperativo de respeito pelos
animais, propondo que nenhum recurso ou apoio público possa contribuir para práticas que utilizam o sofrimento
animal como entretenimento.
Alertam para o facto de o atual enquadramento legal, que exceciona do princípio geral de proibição de
violências injustiçadas contra os animais a realização de touradas, desprestigiar o reconhecimento de que os
animais sencientes são seres capazes de sentir sofrimento.
Alertam ainda para a existência de um conjunto crescente de estudos que demonstram que a exposição
pública de touradas parece causar um impacto emocional negativo em quem assiste, com particular incidência
nos níveis de agressividade e ansiedade das crianças.
Apesar de a legislação nacional ter avançado no sentido da proteção dos animais e da condenação da
violência sobre os animais, nomeadamente com a aprovação, na presente legislatura, da Lei n.º 69/2014, de 29
de agosto, que criminaliza os maus tratos aos animais de companhia, os subscritores consideram que ainda há
um percurso a percorrer no que respeita à realização de espetáculos com animais que impliquem o seu
sofrimento físico ou psíquico, considerando que os mesmos não podem ser alvo de apoio institucional.
Página 12
II SÉRIE-A — NÚMERO 171 12
Para o efeito, os subscritores criam um regime específico, aplicável a todos os espetáculos com fins
comerciais, desportivos, beneméritos ou outros, em que estejam envolvidos animais, que proíbe o apoio
institucional ou a cedência de recursos (diretamente ou através de isenções de taxas), por parte de organismos
públicos, para a realização de espetáculos com animais em que ocorram atos que inflijam sofrimento físico ou
psíquico, lesionem ou provoquem a morte do animal.
Finalmente, proíbem ainda a difusão de espetáculos tauromáquicos no serviço público de televisão e em
qualquer serviço de programas de empresas participadas ou financiadas pelo Estado português, exceto nos
casos dos programas que incluam excertos de espetáculos tauromáquicos, nomeadamente espaços
informativos, documentários, filmes ou séries televisivas.
1.3 - Antecedentes
A matéria em análise foi já objeto de iniciativas legislativas semelhantes:
– Projeto de Lei n.º 189/XII (1.ª) que impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam
sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais;
– Projeto de Lei n.º 188/XII (1.ª) que proíbe a exibição de espetáculos tauromáquicos na televisão pública e
altera a lei da televisão, designando estes espetáculos como suscetíveis de influírem negativamente na
formação da personalidade de crianças e adolescentes.
Foram ainda tramitadas diversas petições cujo objeto se encontra conexo com a presente iniciativa, a saber:
• Petição n.º 2/XII – Solicita o fim das corridas de touros em Portugal.
• Petição n.º 580/X – Solicitam que não sejam promovidas nem apoiadas touradas à corda nas ilhas onde
tal prática não é tradição e que não sejam legalizadas as corridas picadas nem os touros de morte na Região
Autónoma dos Açores.
• Petição n.º 95/X – Solicita a abolição das touradas.
• Petição n.º 18/X – Proibição de Bandarilhas nas touradas.
PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO AUTOR DO PARECER
A iniciativa em análise suscita um debate relevante em torno do enquadramento normativo a conferir à
difusão e apoio a espetáculos suscetíveis de causar sofrimento e morte a animais, entrecruzando o sentido da
evolução da legislação nacional, que reconhece a proteção dos animais e a erradicação de maus tratos contra
os mesmos como objetivos a prosseguir (realidade ainda recentemente potenciada pela aprovação da Lei n.º
69/2014, de 29 de agosto, que criminalizou os maus tratos contra animais de companhia), com algumas práticas
tradicionais enraizadas em algumas regiões do País, com particular enfoque para as atividades tauromáquicas.
Salvo melhor opinião (e ainda que pessoalmente sustentemos um caminho no sentido da erradicação das
práticas tauromáquicas que infligem sofrimento aos animais envolvidos), parece-nos, porém, que o projeto
realiza uma ponderação equilibrada de interesses (talvez até excessivamente equilibrada - ou, pelo menos,
realista quanto à viabilidade da sua aprovação), tendo em conta que não pretende eliminar a prática violenta e
geradora de sofrimento aos animais. A iniciativa não envereda por uma opção proibicionista das atividades em
questão, procedendo tão-somente ao alargamento gradual das ilações já tiradas pelo legislador em sede de
normativos sobre maus-tratos a animais.
Ou seja, sem proibir as referidas manifestações tauromáquicas, muitas vezes associadas a festividades
locais com elevado significado e impacto para as populações, inibem-se as entidades públicas de contribuírem
para o seu financiamento, direto ou indireto, dissociando os poderes públicos da responsabilidade financeira
pela organização do evento e, através dessa opção, emitindo um claro juízo sobre qual deve ser a atitude e
quais devem ser os valores a perfilhar pelos entes públicos quanto aos maus tratos a animais. Por outro lado,
reforça-se a vinculação do serviço público de televisão à rejeição de atividades que provocam sofrimento a
animais (na linha da legislação nacional e europeia sobre a matéria).
Desta forma, mantendo-se a possibilidade de realização dos referidos espetáculos, desvinculam-se as várias
entidades públicas que ainda lhes surgem de algum modo associadas (quer enquanto coorganizadoras ou
Página 13
16 DE JULHO DE 2015 13
patrocinadoras, quer enquanto responsáveis pela sua divulgação) de uma leitura menos exigente da proteção
dos animais, contribuindo para uma evolução que se nos afigura positiva e que já teve (e continuará
seguramente a ter) outros reflexos na ordem jurídica nacional.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. A 1 de abril de 2015 o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n.º 848/XII
(4.ª) que impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou
provoquem a morte de animais e proíbe a exibição destes espetáculos na televisão pública;
2. O projeto de lei em apreço institui um regime de proibição de apoios públicos a espetáculos que envolvam
a prática de atos que inflijam sofrimento físico ou psíquico, lesionem ou provoquem a morte do animal e proíbe
a difusão de espetáculos tauromáquicos no serviço público de televisão e em qualquer serviço de programas de
empresas participadas ou financiadas pelo Estado português.
3. Sem prejuízo de uma eventual análise mais detalhada do projeto em sede de trabalhos na especialidade,
quanto à articulação das alterações propostas com outros atos normativos em vigor ou quanto à adequação de
algumas soluções substantivas, a presente iniciativa não suscita questões de inconstitucionalidade, nem viola
quaisquer disposições regimentais que impeçam o seu agendamento para discussão e votação na generalidade.
Face ao exposto, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura é de parecer que o Projeto de Lei n.º
848/XII (4.ª) (BE) reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em
Plenário.
Palácio de S. Bento, 5 de maio de 2015.
Nota: O parecer foi aprovado por unanimidade (PSD, PS, CDS-PP, BE e Os Verdes).
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.