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21 DE FEVEREIRO DE 2017 9

Concluímos este ponto com uma expressão de Peter Singer “É extremamente paternalista dizer aos

pacientes que estão prestes a morrer que eles recebem cuidados tao bons que não precisam de dispor da opção

da eutanásia. Estaria mais de acordo com o respeito pela liberdade e autonomia individuais legalizar a eutanásia

e permitir que os pacientes decidissem se a sua situação é suportável.”.

Mais, não entramos em discussões alarmistas relacionadas com o argumento da “rampa deslizante”,

nos termos do qual a aprovação da morte medicamente assistida abriria caminho para aprovação de formas de

eutanásia involuntária. A morte assistida destina-se a doentes conscientes, lúcidos e cuja vontade foi

manifestamente expressada, motivo pelo qual esta é sempre a pedido do paciente.

Desde que se assegure o cumprimento desta regra, não cremos que existirão abusos. Ainda assim, a

possibilidade de existência de eventuais abusos não pode impedir o legislador de legislar sobre determinadas

matérias. Tais riscos obrigarão o legislador a ser mais cauteloso, devendo estabelecer mecanismos claros e

exigentes de fiscalização e fazer um acompanhamento constante da aplicação da lei, por forma a fazer os

ajustes que sejam necessários. Como bem escreve Gilberto Couto, “o respeito pela autonomia e liberdade de

um doente, assumido na permissão da morte assistida, não deve ser posto em causa pela incapacidade do

Estado em fazer o seu papel, que é impedir os abusos.”

Este argumento da “rampa deslizante” tem sido utlizado para descrever a experiência da morte medicamente

assistida nos países que a despenalizaram. No entanto, olhando para a prática, tal argumento é desprovido de

sentido. Em termos de Direito comparado, o número de mortes por eutanásia ou suicídio assistido não são

alarmantes como se tem defendido. Na Suíça, um estudo de 2013 demonstrou que as mortes por eutanásia e

suicídio medicamente assistido representam 1.4% do total de mortes. Na Holanda, os estudos mais recentes

demonstram que o número de mortes por morte medicamente assistida representam 2,9% do total de mortes,

não constituindo esta situação um excesso de mortalidade dado que antes da entrada em vigor da lei morria o

mesmo número de holandeses que agora morrem (cerca de 140 000/ano).

De acordo com a avaliação de 2016 dos sistemas de saúde, a Holanda é o país com melhor classificação no

Ranking internacional, numa avaliação de 35 países europeus. Olhando para a avaliação de outros países que

despenalizaram a morte medicamente assistida, veremos que a Suíça se encontra no 2.º lugar, a Bélgica no 4.º

lugar e o Luxemburgo no 6.º lugar. Tal comprova que os países que a despenalizaram são países evoluídos,

que prestam bons cuidados de saúde, nomeadamente a nível dos cuidados paliativos, e oferecem aos seus

pacientes todas as alternativas possíveis. Neste sentido, Portugal, que se encontra no 14.º lugar do Ranking,

deve olhar para estes países como exemplos a seguir.

Em Portugal existe uma certa liberdade médica de atuação nas questões do fim de vida. A Ortotanásia,

isto é, a limitação ou suspensão de tratamentos médicos agressivos tidos como desproporcionados para o

prolongamento da vida, é um espaço livre de Direito. Sem legislação a regular esta matéria, a única coisa de

que dispomos é de um conjunto de práticas médicas que, em nome da não obstinação terapêutica, determinam

a ideia de que há um determinado momento em que o doente deve ser deixado morrer, não sendo tais práticas

uniformes em todo o país.

Tais práticas são aceites, invocando-se que existe uma diferença entre matar e deixar morrer, isto é, entre

eutanásia ativa e eutanásia passiva. Mas será esta diferença assim tão nítida? Entendemos que não. A este

respeito, subscrevemos James Rachels, para quem a diferença não é nítida, por entender que o não início ou

suspensão de tratamento comporta uma certa forma de eutanásia permitida pelo status quo. Para este autor,

deixar morrer ou matar são equivalentes eticamente, porque quem decide, de forma passiva ou ativa, pela morte

de um doente, está a admitir que a morte é um mal menor de acordo com os interesses do doente. Ser-se o

“causador direto” ou não é irrelevante. Para ele, a correção ou incorreção do ato depende das razões a favor ou

contra o mesmo, mais do que da motivação do agente. A este propósito a justiça canadiana defendeu que desde

que o doente tenha dado indicação de que pretenda a morte medicamente assistida e que “possa dar o seu

consentimento informado, não interessa se a assistência do médico é passiva ou ativa, porque a dignidade e a

autonomia do doente são quem manda, em qualquer dos casos.”.

Assim, para além dos casos de suspensão de tratamento, é permitido aos médicos, por exemplo, administrar

morfina a um doente para aliviar a sua dor, ainda que de tal ato possa resultar a morte. Esta possibilidade, a

que se chama de teoria do duplo efeito, demonstra que a diferença entre a “morte permitida” e a “morte não

permitida” não é assim tão vincada. De acordo com esta teoria, basta que o médico diga que agiu com a intenção