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II SÉRIE-A — NÚMERO 13

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entrevista, este afirmou que “As novas tecnologias levaram a que o trabalho começasse a invadir a esfera

pessoal e fizeram com que, ao trabalho cumprido presencialmente, se some um outro trabalho que não é

contabilizado nem remunerado. As pessoas sentem-se sequestradas pela pressão laboral.”, admitindo que é

uma questão de tempo até que surjam problemas maiores: “os relacionados com a saúde física e psíquica e

com o recurso aos psicofármacos, mas também com conflitos conjugais graves e divórcios.”.

Um estudo realizado em 2016 sobre o impacto do excesso de carga laboral na saúde psíquica e familiar, no

qual foram inquiridos 439 antigos alunos da AESE Bussiness School, em Lisboa, com uma média etária um

pouco acima de 40 anos, concluiu que 53% trabalham, em média, 54 horas semanais, 57% admitiram trabalhar

também em casa e 11% só conseguiram manter a sua atividade laboral porque estavam a fazer uso de

psicofármacos, designadamente antidepressivos e ansiolíticos.

A nível europeu, dos 31 países que participaram num inquérito de opinião sobre segurança e saúde

ocupacional, da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho em maio de 2013, Portugal era o

terceiro país com maior percentagem de trabalhadores a referir que o stress relacionado com a atividade

profissional é muito comum (28%).

De acordo com a literatura, o stress e a exaustão laborais podem provocar sintomas depressivos, ansiedade

e perturbações de sono, além de um rol de doenças físicas, como a hipertensão, doenças cardiovasculares e

diabetes. Segundo uma pesquisa realizada no Reino Unido pelo regulador Britânico Health and Safety

Executive, 43% das faltas dos trabalhadores por doença estavam relacionadas com stress. Nos Estados Unidos,

a American Psychological Association considera que os fatores de stress mais comuns são o trabalho e o

dinheiro, sendo que o stress frequentemente resulta em irritabilidade, raiva, ansiedade e nervosismo.

Para além disto, cada vez mais estudos confirmam que trabalhar ininterruptamente não é sinónimo de

excelência e produtividade, podendo levar ao burnout (estado caracterizado por níveis extremos de exaustão,

despersonalização e perda de realização profissional) e a processos de tomada de decisão pobres. Segundo

dados da Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional, 13,7% das pessoas ativas em Portugal

estavam em estado de burnout em 2016. Um estudo nacional sobre o “Burnout na classe médica”, divulgado no

final do ano passado, revelou que dois terços dos médicos portugueses estão em elevado nível de exaustão

emocional, uma das dimensões da síndrome de burnout. Um outro estudo da Universidade do Minho constatou

ainda que um quinto dos enfermeiros tem sintomas de exaustão física e emocional.

De facto, a investigação de Erin Reid, especialista em comportamento organizacional e docente da McMaster

University (Ontário), demonstra que estar sempre disponível é disfuncional para toda a gente em determinado

ponto. Nas suas palavras “As chefias assoberbam os subordinados, contactam-nos fora do horário de trabalho

e fazem pedidos de trabalho adicional no minuto antes de saírem. Para satisfazerem as exigências, os

trabalhadores chegam mais cedo, saem mais tarde, fazem diretas, trabalham aos fins-de-semana e

permanecem ligados aos dispositivos eletrónicos 24 horas por dia, sete dias por semana. E aqueles que não o

conseguem, ou não querem, saem penalizados.”. Defende ainda que as organizações pressionam os

profissionais para serem “trabalhadores ideais”, totalmente dedicados ao seu emprego e sempre disponíveis.

Qualquer sugestão de interesses ou compromissos exteriores ao trabalho pode sinalizar falhas de atitude para

com o trabalho e pode, de facto, significar menos oportunidades de progressão na carreira. Por isso, um grande

número de profissionais continua a acreditar que, para atingir o sucesso, tem de se conformar a esse ideal,

priorizando uma e outra vez a esfera laboral.

Esta situação é de tal modo preocupante que a França aprovou recentemente legislação sobre esta matéria

que entrou em vigor no início deste ano. Esta reconhece aos trabalhadores o “direito a desligar”, ou seja, ficar

offline, sem atender telefonemas ou responder a emails profissionais fora do horário de trabalho.

Esta ideia não é, porém, nova. Em 2014, a Alemanha já tinha feito aprovar uma legislação que impede as

chefias de contactarem as suas equipas por telefone ou por correio eletrónico fora do horário de trabalho, a não

ser em caso de emergência. Na Wolkswagen, desde 2011, que foi adotado um sistema informático que bloqueia

o envio de emails para os telemóveis dos trabalhadores entre as 18h15 e as 7h dos dias úteis e durante os fins-

de-semana.

Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa estabelece expressamente no artigo 59.º, n.º 1, alíneas

b) e d) que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião,

convicções políticas ou ideológicas, têm direito à organização do trabalho em condições socialmente

dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a

vida familiar e ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a