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7 DE NOVEMBRO DE 2019

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ganha especial relevância por estarem em causa direitos humanos, tal como foi reconhecido pela OMS9, mas

também porque 43,8% das mulheres referiram que não lhes foi solicitado consentimento para as intervenções,

o que indicia alguma vulgaridade na prática de atos não consentidos e esclarecidos. Não podemos ignorar o

disposto no Código Penal que, sobre o dever de esclarecimento em Intervenções e tratamentos médico-

cirúrgicos, no seu artigo 157.º refere que «(…) o consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido

devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da

intervenção ou do tratamento (…)», excecionando a referida norma apenas, naturalmente, as situações de

emergência, que representam a minoria das situações. Sobre este aspeto, no referido Inquérito, se é verdade

que houve mulheres que disseram «Logo quando fui admitida, entreguei o meu plano de parto e mostrei-me

aberta ao diálogo. As enfermeiras foram maravilhosas – leram o plano, discutiram algumas dúvidas (sem nunca

pressionar em nenhum sentido) e ao longo do parto, respeitaram EM ABSOLUTO esse mesmo plano», outras

afirmaram que «Uma episiotomia não consentida é uma violação. Manifestar intenção de não ser anestesiada

foi, no meu caso, uma luta pela qual nenhuma mulher grávida deverá passar… sobretudo num momento como

o trabalho de parto» ou «Não fui informada acerca de nenhuma intervenção».

Importa, ainda, salientar a percentagem de mulheres que revelaram ter sido sujeitas a episiotomia,

intervenção médica que implica uma incisão efetuada na região do períneo (área muscular entre a vagina e o

ânus) para ampliar o canal de parto, que foi de 72,2%, valor este que vai ao encontro da média de episiotomias

nacional. Estes dados têm especial importância por mostrarem como o nosso país está longe de respeitar as

recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto a esta prática. A OMS recomenda que a taxa

de ocorrência desta intervenção não ultrapasse os 10%10, mas Portugal tem uma taxa de ocorrência de

episiotomia de 73%, sendo o segundo país da Europa com a taxa mais alta.11

Por último, depois do relatório especial sobre maus-tratos e violência contra as mulheres nos serviços de

saúde reprodutiva, apresentado este ano na Assembleia Geral das Nações Unidas,12 a Assembleia Parlamentar

do Conselho da Europa pronunciou-se sobre este tema.

Na Resolução 2306 de 201913, a «Violência obstétrica e ginecológica» é considerada «uma forma de

violência que tem sido ocultada e demasiadas vezes ignorada. Na privacidade de uma consulta médica ou do

parto, as mulheres são vítimas de práticas que são violentas ou percecionadas enquanto tal. Estas incluem atos

inapropriados ou não consensuais, tais como episiotomias e exames vaginais efetuados sem consentimento,

pressão fúndica uterina ou intervenções dolorosas sem anestesia. Também foi reportado comportamento sexista

na decorrência de consultas médicas.»

De modo a promover cuidados «humanos, respeitosos e dignos», o Conselho da Europa recomenda aos

Estados-Membros a disseminação das boas práticas identificadas pela Organização Mundial de Saúde, a

promoção de educação e estratégias de sensibilização acerca de todos os tipos de discriminação e violência de

género, na qual a violência obstétrica se insere, a implementação de mecanismos legais para o seu combate e

a provisão de assistência às vítimas, entre outras recomendações. A formação dos profissionais de saúde é

considerado um factor-chave para a erradicação deste tipo de violência, sendo recomendada uma «particular

importância à relação entre provedores de cuidados e pacientes, o conceito de consentimento informado,

igualdade entre mulheres e homens, a receção de pessoas LGBTI, pessoas com incapacidades e pessoas

vulneráveis, comunicação, a prevenção de sexismo e violência e a promoção de uma abordagem humana aos

cuidados».

Todos estes dados são fundamentais e permitem uma reflexão aprofundada do estado da qualidade do

serviço de saúde materna e obstetrícia público e qual deve ser o caminho para que este melhore.

Fundamentalmente, é da máxima importância que as mulheres conheçam os seus direitos, tomem decisões

esclarecidas e que se verifique um esforço por parte dos profissionais de saúde não só no sentido de prestar

esse esclarecimento como de respeitar as escolhas das mulheres. Cuidados de boa qualidade exigem a

eliminação de abusos e maus-tratos durante a gravidez, parto e pós-parto, devendo toda a intervenção ser

9 Cfr. Declaração da Organização Mundial de Saúde, «Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em

instituições de saúde», disponível online em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/134588/3/WHO_RHR_14.23_por.pdf. 10 World Health Organization. Classification of practices in normal birth. In: Care in normal birth: a practical guide. Geneva; 1996. p. 34-7. (WHO Technical Report Series FRH/MSM/96.24). 11 http://www.europeristat.com/images/Comunicado_imprensa_EUROPERISTAT.pdf. 12 Cfr. https://digitallibrary.un.org/record/3823698?ln=en. 13 Cfr. http://assembly.coe.int/nw/xml/XRef/Xref-XML2HTML-EN.asp?fileid=28236&lang=en&fbclid=IwAR1Fs_3dBoi-tKCM7djPEsTgGik2ZWjLbuBM4yDJfDPvo2FX5imvAE6xSow.

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