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12 DE NOVEMBRO DE 2019

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É verdade que ainda muito há a fazer para a melhoria da qualidade e da acessibilidade dos cuidados

paliativos em Portugal. No entanto, isso não significa que apenas se possa permitir a morte medicamente

assistida quando tivermos melhores cuidados paliativos, até porque existem doentes que a eles não querem

recorrer. A vontade destes doentes deve ser respeitada e o Estado deve ter uma resposta alternativa para

aqueles que sofrem.

Concluímos este ponto com uma expressão de Peter Singer: «É extremamente paternalista dizer aos

pacientes que estão prestes a morrer que eles recebem cuidados tao bons que não precisam de dispor da

opção da eutanásia. Estaria mais de acordo com o respeito pela liberdade e autonomia individuais legalizar a

eutanásia e permitir que os pacientes decidissem se a sua situação é suportável.»

Mais, não entramos em discussões alarmistas relacionadas com o argumento da «rampa

deslizante», nos termos do qual a aprovação da morte medicamente assistida abriria caminho para aprovação

de formas de eutanásia involuntária. A morte assistida destina-se a doentes conscientes, lúcidos e cuja

vontade foi manifestamente expressada, motivo pelo qual esta é sempre a pedido do paciente.

Desde que se assegure o cumprimento desta regra, não cremos que existirão abusos. Ainda assim, a

possibilidade de existência de eventuais abusos não pode impedir o legislador de legislar sobre determinadas

matérias. Tais riscos obrigarão o legislador a ser mais cauteloso, devendo estabelecer mecanismos claros e

exigentes de fiscalização e fazer um acompanhamento constante da aplicação da lei, por forma a fazer os

ajustes que sejam necessários. Como bem escreve Gilberto Couto, «o respeito pela autonomia e liberdade de

um doente, assumido na permissão da morte assistida, não deve ser posto em causa pela incapacidade do

Estado em fazer o seu papel, que é impedir os abusos.»

Este argumento da «rampa deslizante» tem sido utlizado para descrever a experiência da morte

medicamente assistida nos países que a despenalizaram. No entanto, olhando para a prática, tal argumento é

desprovido de sentido. Em termos de direito comparado, o número de mortes por eutanásia ou suicídio

assistido não são alarmantes como se tem defendido. Na Suíça, um estudo de 2013 demonstrou que as

mortes por eutanásia e suicídio medicamente assistido representam 1,4% do total de mortes. Na Holanda, os

estudos mais recentes demonstram que o número de mortes por morte medicamente assistida representam

2,9% do total de mortes, não constituindo esta situação um excesso de mortalidade dado que antes da entrada

em vigor da lei morria o mesmo número de holandeses que agora morrem (cerca de 140 000/ano).

De acordo com a avaliação de 2016 dos sistemas de saúde, a Holanda é o país com melhor classificação

no ranking internacional, numa avaliação de 35 países europeus. Olhando para a avaliação de outros países

que despenalizaram a morte medicamente assistida, veremos que a Suíça se encontra no 2.º lugar, a Bélgica

no 4.º lugar e o Luxemburgo no 6.º lugar. Tal comprova que os países que a despenalizaram são países

evoluídos, que prestam bons cuidados de saúde, nomeadamente a nível dos cuidados paliativos, e oferecem

aos seus pacientes todas as alternativas possíveis. Neste sentido, Portugal, que se encontra no 14.º lugar do

ranking, deve olhar para estes países como exemplos a seguir.

Em Portugal existe uma certa liberdade médica de atuação nas questões do fim de vida. A

ortotanásia, isto é, a limitação ou suspensão de tratamentos médicos agressivos tidos como

desproporcionados para o prolongamento da vida, é um espaço livre de direito. Sem legislação a regular esta

matéria, a única coisa de que dispomos é de um conjunto de práticas médicas que, em nome da não

obstinação terapêutica, determinam a ideia de que há um determinado momento em que o doente deve ser

deixado morrer, não sendo tais práticas uniformes em todo o País.

Tais práticas são aceites, invocando-se que existe uma diferença entre matar e deixar morrer, isto é, entre

eutanásia ativa e eutanásia passiva. Mas será esta diferença assim tão nítida? Entendemos que não. A este

respeito, subscrevemos James Rachels, para quem a diferença não é nítida, por entender que o não início ou

suspensão de tratamento comporta uma certa forma de eutanásia permitida pelo status quo. Para este autor,

deixar morrer ou matar são equivalentes eticamente, porque quem decide, de forma passiva ou ativa, pela

morte de um doente, está a admitir que a morte é um mal menor de acordo com os interesses do doente. Ser-

se o «causador direto» ou não é irrelevante. Para ele, a correção ou incorreção do ato depende das razões a

favor ou contra o mesmo, mais do que da motivação do agente. A este propósito a justiça canadiana defendeu

que desde que o doente tenha dado indicação de que pretenda a morte medicamente assistida e que «possa

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