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13 DE FEVEREIRO DE 2020

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Não menos despiciente é a necessidade de alterar o direito adjetivo em função do direito substantivo já

existente nesta sede, conforme referiu anteriormente o Conselho Superior do Ministério Público, porquanto, as

omissões adjetivas que persistem na redação atual dos crimes contra animais de companhia têm dificultado a

tarefa das autoridades fiscalizadoras e bem assim como dos aplicadores do direito na identificação dos atos

processuais legalmente previstos com aqueles que se mostram efetivamente necessários para a intervenção no

âmbito dos crimes contra animais e a própria aplicação da justiça nos casos concretos da prática destes crimes.

Tal conjuntura tem gerado ampla incompreensão social, porquanto a letra da lei não se encontra ajustada ao

sentimento de injustiça de uma sociedade mais mobilizada e desperta para combater os numerosos crimes

cometidos contra animais.

Veja-se o crime de abandono e a solução adotada pelo legislador que, dada a natureza de perigo concreto

que o mesmo assume, tem levado a uma aplicação meramente residual e que não se coaduna com um dos

princípios basilares do direito penal: o da prevenção.

Os casos de extrema crueldade profusamente difundidos na comunicação social têm gerado elevada

consternação social, como é o caso da cadela Roxi, que foi morta e esquartejada pelo ex-companheiro da sua

detentora, e sublinham a importância de não se menosprezar a violência exercida contra animais, sendo

evidente a ligação desta com a violência exercida contra pessoas.

Ora, como demonstram diferentes estudos realizados por sociólogos, psicólogos e criminologistas nos

últimos 25 anos, os agressores no âmbito da crueldade animal, cometem amiúde violência contra humanos –

traz-se à colação o estudo realizado pela Northeastern University e Massachusetts SPCA, em 1997, o qual

demonstrou que quase 40% dos perpetradores de crimes contra animais, cometeu concomitante ou

subsequentemente crimes violentos contra pessoas.

Ademais, há mais um elemento que urge relevar – de acordo com estudos avançados pela National Coalition

on Violence Against Animals, 15% a 48% das mulheres adiam a sua saída de uma situação de abuso com receio

pela segurança dos seus animais de companhia.

Ou seja, a prevenção e a resposta face a esta problemática – violência contra animais – afigura-se como

questão fulcral, até nesta dupla variante de prevenção e resposta a crimes contra as pessoas, até porque é

importante não olvidar o papel que os animais desempenham na sociedade, confirmada pelo impressionante

dado que dá conta que mais de 50% dos lares portugueses detém animais de companhia, de acordo com um

estudo da GFK (denominado Track.Pets2)2.

Os dados supraexplanados apresentam um duplo objetivo: demonstrar a evidência da necessidade de

melhorar as premissas legais existentes relativamente a esta matéria e a premência de alargamento da tutela

penal aos demais animais sencientes vertebrados.

II – Da necessidade de tutela penal

Pese embora esta questão tenha sido amplamente debatida aquando da discussão das iniciativas legislativas

que deram origem à Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, aqui chegados, até em contraposição com o regime de

outros países, em que têm sido desenvolvidos normativos de índole constitucional em torno da proteção animal

ou, por referência, à defesa do ambiente ou com apelo ao próprio princípio fundamental da dignidade humana,

importa revisitar a necessidade de tutela penal do bem-estar e da vida dos animais, uma vez que foi

recentemente levantada esta questão.

Num Estado de direito democrático onde a dignidade da pessoa humana se assume como diretriz – artigos

1.º e 2.º da lei fundamental – o direito penal apresenta uma função de tutela subsidiária ou de última ratio dos

bens jurídicos essenciais à subsistência da sociedade e ao livre desenvolvimento da personalidade ética de

cada um perante condutas que contra estes atentem de modo socialmente insuportável (carácter fragmentário).

Como veremos adiante, o objetivo é, à semelhança do que acontece na lei alemã – §17 da lei alemã de

proteção dos animais –, conferir tutela penal aos animais sencientes vertebrados.

Como assevera o Conselho Superior da Magistratura no respetivo parecer, os crimes contra animais tutelam

um bem jurídico «composto ou complexo, baseado na proteção da integridade física, saúde e vida de um

2 Para visualização deste elemento, ver por exemplo link https://www.publico.pt/2017/06/18/p3/noticia/em-portugal-mais-de-metade-dos-lares-tem-um-animal-de-companhia-1828249.