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25 DE SETEMBRO DE 2020

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Para além disto, cada vez mais estudos confirmam que trabalhar ininterruptamente não é sinónimo de excelência e produtividade, podendo levar ao burnout (estado caracterizado por níveis extremos de exaustão, despersonalização e quebra do sentimento de realização profissional), bem como a processos de tomada de decisão pobres. Ainda segundo dados da Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional, 13,7% das pessoas ativas em Portugal estavam em estado de burnout em 2016. Um estudo nacional sobre o «Burnout na classe médica», divulgado no final de 2016, revelou que dois terços dos médicos portugueses estão em elevado nível de exaustão emocional, uma das dimensões da síndrome de burnout. Um outro estudo da Universidade do Minho constatou igualmente que um quinto dos enfermeiros tem sintomas de exaustão física e emocional.

Adicionalmente, a investigação de Erin Reid, especialista em comportamento organizacional e docente da McMaster University (Ontário), demonstra que estar sempre disponível é disfuncional para toda a gente em determinado ponto. Nas suas palavras «As chefias assoberbam os subordinados, contactam-nos fora do horário de trabalho e fazem pedidos de trabalho adicional no minuto antes de saírem. Para satisfazerem as exigências, os trabalhadores chegam mais cedo, saem mais tarde, fazem diretas, trabalham aos fins-de-semana e permanecem ligados aos dispositivos eletrónicos 24 horas por dia, sete dias por semana. E aqueles que não o conseguem, ou não querem, saem penalizados». Defende ainda que as organizações pressionam os profissionais para serem «trabalhadores ideais», totalmente dedicados ao seu emprego e sempre disponíveis. Qualquer sugestão de interesses ou compromissos exteriores ao trabalho pode sinalizar falhas de atitude para com o trabalho e pode, de facto, significar menos oportunidades de progressão na carreira. Por isso, um grande número de profissionais continua a acreditar que, para atingir o sucesso, tem de se conformar a esse ideal, priorizando uma e outra vez a esfera laboral.

Esta situação é de tal modo preocupante que, em 2017, França aprovou legislação sobre esta matéria que reconhece aos trabalhadores o «direito a desligar», ou seja, ficar offline, sem atender telefonemas ou responder a emails profissionais fora do horário de trabalho, sendo estas disposições apenas aplicáveis às empresas com mais de 50 trabalhadores.

Esta ideia não é, porém, nova. Em 2014, a Alemanha já tinha feito aprovar uma legislação que impede as chefias de contactarem as suas equipas por telefone ou por correio eletrónico fora do horário de trabalho, a não ser em caso de emergência. Na Wolkswagen, desde 2011, que foi adotado um sistema informático que bloqueia o envio de emails para os telemóveis dos trabalhadores entre as 18h15 e as 7h dos dias úteis e durante os fins-de-semana.

Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa estabelece expressamente no artigo 59.º, n.º 1, alíneas b) e d), que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, género, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas.

O Código do Trabalho faz algumas referências ao período de descanso do trabalhador, considerando-o, nos termos do artigo 199.º, como aquele que não seja tempo de trabalho. O Código do Trabalho estabelece ainda o direito ao intervalo de descanso, no artigo 213.º, nos termos do qual o período de trabalho diário deve ser interrompido por um intervalo de descanso, de duração não inferior a uma hora nem superior a duas, de modo a que o trabalhador não preste mais de cinco horas de trabalho consecutivo, ou seis horas de trabalho consecutivo caso aquele período seja superior a 10 horas. Estabelece ainda um período de descanso diário, o qual, nos termos do artigo 214.º, deve ser de, pelo menos, onze horas seguidas entre dois períodos diários de trabalho consecutivos.

Todavia, ainda que tal resulte da interpretação da Constituição e do espírito e das normas acima referidas do Código do Trabalho, não existe nenhuma disposição que, expressamente, impeça o empregador de contactar o trabalhador fora do horário do trabalho. Assim, ainda que exista na letra da lei a consagração do direito ao descanso diário dos trabalhadores, a experiência e a prática têm demonstrado que a evolução tecnológica aliada à pressão existente no mundo laboral contribuem para que o trabalhador esteja constantemente ligado ao trabalho, não sendo fácil traçar uma linha entre o tempo que se dedica ao trabalho e aquele que se pode despender com o lazer, a família e outros compromissos pessoais. Esta realidade é bem clara quando um estudo do Instituto Nacional de Estatística, de novembro de 2019, demonstrou que quase